José Horta Manzano
Pode chamá-lo foro especial ou foro por prerrogativa de função ‒ o nome oficial. São ambos eufemismos para disfarçar um foro para privilegiados(*).
Se o distinto leitor, por desgraça, tiver um dia de enfrentar processo criminal, será julgado num tribunal comum, dito de primeira instância. No entanto, em nossa República de desiguais, cinquenta mil cidadãos escapam da vala comum do populacho. A função pública que exercem lhes dá o direito de passar por cima dos perigosos humores de um juiz solitário. Que estejam sendo acusados de assaltar o erário ou de dar uma guarda-chuvada no vizinho, serão julgados por um colegiado de juizes profissionais, lotados na mais alta corte do país.
Essa disparidade de tratamento é resquício de uma era em que o fato de os amigos do rei serem mais bem tratados que os demais não comovia ninguém. Por fatores que vêm se acumulando, a situação tem-se tornado insuportável.
Em primeiro lugar, os modernos meios de comunicação difundem toda informação com eficácia e põem os brasileiros a par do que ocorre no andar de cima. Hoje todos sabem e comentam tudo. Em segundo lugar, a enxurrada de «malfeitos» cometidos pelos amigos do rei estes últimos anos tem atulhado escandalosamente a corte maior.
Às carreiras, está sendo votada a supressão do foro privilegiado. Muitos acreditam que deva ser conservado para o presidente de cada Poder. Mais finórios, alguns preconizam que antigos chefes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário mantenham o direito a foro privilegiado pelo resto da vida. Todos entenderam quem é o objeto da tragicomédia. Nada é impossível nesta terra gigante e adormecida…
Quanto a mim, sou pela supressão pura, simples, integral e imediata do foro especial. Para todos. Atenção: que não se confunda foro especial com imunidade parlamentar! A imunidade do parlamentar, dos ministros do STF e do presidente da República é imperativo incontornável. Se assim não fosse, uma avalanche de processos se derramaria em permanência sobre cada um deles entravando, assim, o funcionamento da máquina pública.
Mas imunidade não é sinônimo de impunidade. A imunidade deve proteger o eleito enquanto dura o mandato. Ao deixar a função, deverá prestar contas à justiça. Para tanto, enfrentará tribunal comum, como qualquer outro cidadão.
A força democrática de uma sociedade se reconhece pela atenção que dedica a seus membros mais fracos e necessitados. Eleitos do povo e altos dirigentes ‒ atuais ou antigos ‒ não fazem parte da franja mais desvalida. Não faz sentido obsequiá-los com tribunal especial.
(*) Privilégio provém do latim privilegium, termo formado de privus (sozinho, singular, solitário) e legem (lei). Em sentido literal, é lei privada, especialmente feita para uma ou poucas pessoas. Donde, vantagem concedida a uma ou poucas pessoas em derrogação do direito comum.