José Horta Manzano
O mesmo sapato vai funcionar de modo diferente, conforme o pé que o calce. Alguns indivíduos hão de se sentir à vontade com ele. Outros vão reclamar que aperta o dedinho. Haverá quem o ache estreito, preferindo mais alto no peito do pé. Alguém pode até sentir que o couro roça o calcanhar, o que pode formar bolha. No fundo, cada um é que sabe onde lhe aperta o sapato ‒ expressão que, em matéria de deboche, vale esta outra: «pimenta nos olhos dos outros não arde». Assim é a vida. Há vários ângulos a partir dos quais a mesma realidade pode ser encarada.
No Brasil, a tragédia provocada pela ruptura do dique de contenção de um depósito de rejeitos mineiros chocou, em primeiro lugar, pela dimensão humana. Centenas de compatriotas mortos é número maior que o das vítimas do avião da TAM que se espatifou anos atrás. A opinião pública se alarmou ao saber que existem milhares de reservatórios espalhados pelo país, todos sem garantia de solidez. A sensibilidade da população foi também abalada pelo fato de um acidente semelhante já ter ocorrido nas Minas Gerais três anos atrás. Pior: a gloriosa Companhia Vale do Rio Doce ‒ hoje simplesmente Vale ‒ está implicada em ambos.
A Suíça não tem exploração mineira. Dos montes helvéticos, não se extrai ferro, nem carvão, nem petróleo, nem metal nenhum. Não há reservas minerais conhecidas. No entanto, o país abriga, há quase dez anos, a sede de operações da Vale na Europa, na América do Norte e no Oriente Médio. O luxuoso prédio, de aparência futurista, foi construído sob encomenda, num bairro de altíssimo padrão, a dois passos da beira do lago.
Quando da instalação, a direção da companhia solicitou à municipalidade que mudasse o nome daquele trecho de rua. É que o nome antigo, «Chemin de la Vergognausaz», soava muito próximo a «Caminho da Vergonhosa». Solícitas, as autoridades aquiesceram. Perda de tempo. O futuro viria confirmar que a mudança de nome não passava de emplastro em perna de pau, ou seja, ação cosmética, sem efeito prático. A companhia continuaria a envergonhar o Brasil e o mundo com seu desleixo assassino.
Enquanto o Brasil chora seus mortos, um grupo de bem-comportados cidadãos suíços decidiu protestar contra a empresa, brandindo cartazes e usando máscaras. Foi dia 30 de janeiro. Deu até no jornal nacional do país. A grita dos manifestantes não é de ordem humanitária, mas econômica. Alertam para o fato de a Vale poder vir a abater do lucro as multas milionárias que terá de pagar. Se fizer isso, a lucratividade vai baixar e, consequentemente, os impostos cobrados em território suíço. Cada um é que sabe onde lhe aperta o sapato.
A Vale soltou comunicado informando que as atividades no Brasil não afetam a lucratividade da unidade suíça. Bem, se eles dizem, há de ser verdade.
Vale retro, Satanás!
Jogo de palavras anotado num dos cartazes levantados pelos manifestantes.