Irresponsáveis

José Horta Manzano

Na Câmara Federal, a Comissão de Constituição e Justiça acaba de cometer mais uma sandice. Com a habitual leviandade, voltou a tratar do tema racial e propõe ao plenário a aprovação de uma enésima emenda à Constituição. Se aprovada a PEC, uma parte dos eleitos do povo terá obrigatoriamente de ser de raça negra.

Raça

Raça

Fico consternado ao me dar conta do caminho pedregoso que a ignorância de nossos parlamentares está preparando para nosso País. Já temos um dos índices de disparidade social mais elevados do mundo, uma desindustrialização crescente, uma imagem internacional em franca deterioração, uma inflação que ressurge, um nível de corrupção pra nenhum ditador africano botar defeito. Não fazia falta oficializar divisões raciais.

Se, em lugar de passar a vida tentando puxar a brasa para sua sardinha, nossos prodigiosos representantes tivessem procurado se informar sobre o que acontece no planeta, saberiam que raça e religião são dois dos temas mais explosivos. A maior parte dos conflitos tem como artista principal ― ou como coadjuvante ― a raça ou a religião. Em nossa terra, até hoje, passamos ao largo desses problemas. É monstruoso que parlamentares soprem as brasas. Elas acabarão por reavivar o fogo e transformá-lo em labaredas.

Para começo de conversa, a autodeclaração de pertencimento racial, num País onde a malandragem, a mentira e a esperteza são valorizadas, não pode funcionar. Suas Excelências sabem disso. Para fazer a coisa dentro de razoáveis padrões científicos, só passando por um teste ADN.

Há também outro fato: pelo menos metade da população do País é mestiçada, uns mais claros, outros mais escuros. Há os que têm mistura de sangue índio. Há os descendentes de africanos não escravos, como angolanos e nigerianos chegados nas décadas mais recentes. O balaio de gatos é grande e complexo demais para ser deixado na mão de meia dúzia de excelências de nível cultural duvidoso, mais preocupadas com o próprio umbigo do que com o povo que representam.

E tem mais. Por que só deputados e senadores seriam subordinados a quotas? E o STF como fica? Seguindo a mesma lógica, metade dos ministros do Supremo terão obrigatoriamente de ser de raça negra.

Branco e preto

Branco e preto

Quanto à presidência da República, temos um real problema. As novas leis vão enterrando, pouco a pouco, o conceito de mestiçagem. Pela visão de nossos iluminados guias, um brasileiro tem de ser branco ou preto. Para não desviar da lógica, o mesmo critério terá de ser aplicado à escolha do presidente. A base de cálculo terá de ser o último censo.

O presidente terá de pertencer necessariamente à raça majoritária. Se a maioria dos brasileiros se tiver autodeclarado branca, o presidente será obrigatoriamente branco. Caso contrário, não tem como escapar: o chefe do Executivo não poderá, em hipótese nenhuma, ser branco.

Será que essas questões roçaram a mente tosca de nossos sábios representantes? Tenho minhas dúvidas. Seu raciocínio embotado não lhes permite ir além do problema de cada momento. Fazem gambiarras, puxadinhos, remendos, mas não avaliam as consequências que cada solução acarreta. Para eles, mais importante é angariar a simpatia do povo inculto e, sobretudo, conquistar votos para as próximas eleições. Os brasileiros do futuro que se lixem.

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Na França, alguns anos atrás, veio à tona a questão da paridade dos eleitos. Não se fala de paridade racial, que eles lá não são loucos de cutucar a onça com vara curta! Trata-se de isonomia de sexo. Constatando que, na assembleia nacional, a proporção de mulheres era ínfima, resolveram legislar. Mas escolheram um caminho mais racional e, a meu ver, mais justo.

Em vez de reservar cadeiras específicas para mulheres ― só para fazer número ― a lei francesa impõe a cada partido que apresente um número igual de candidatos e de candidatas. Em seguida, os eleitores serão livres de votar em quem lhes parecer melhor. Parece-me uma solução mais equilibrada. A paridade de oportunidades fica assegurada, mas a decisão final permanece nas mãos do eleitorado.

Nossas excelências, em sua maioria monoglotas e incultas, dão preferência a torrar o dinheiro que lhes pagamos viajando até mundos de fantasia em Orlando, sonho de todo novo-rico ibero-americano. Suas mentes estreitas não lhes permitem conceber que ― diabos! ― cabe ao eleitor escolher, não a eles. Pode-se organizar a paleta de candidatos conforme a cor da pele, o sexo, a idade, a orientação sexual, a corpulência, o nível de estudos, o país de origem ou outras características quaisquer. O que não fica bem é impor uma reserva de mercado a uma franja da população em detrimento de outras minorias.

Os que forem eleitos pelo sistema de quotas serão fatalmente percebidos pela população como parlamentares de segunda classe, como se tivessem entrado pela porta dos fundos. Em troca, no afã de defender seus eleitores e garantir seus votos, batalharão pela manutenção do sistema de quotas e pela extensão dele a outros campos da atividade humana.

Estamos fomentando e exacerbando comunitarismos que não existiam. Cercado de «não-podes» por toda parte, o Brasil periga se tornar um país inviável. É criminoso e muito triste.

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Para quem perdeu o capítulo, aqui estão as fontes:
Folha de São Paulo
O Globo
Estadão

Cara de pau

José Horta Manzano

Segundo informações da Agência Brasil, repercutidas pelo DCI e pelo Estadão, a Câmara Federal outorgou ao Lula a Medalha da Suprema Distinção, concedida a quem presta relevantes serviços públicos à sociedade brasileira (sic). O Correio Braziliense apimenta a notícia ao nos dar conta da agressão cometida por um segurança contra um repórter. Um efeito colateral certamente indesejável, mas real.Interligne 23

A motivação dessa homenagem que suas excelências prestaram ao preclaro mandachuva me faz lembrar o relato que ouvi, tempos atrás, de um conhecido. Ele vivia, não fazia muito tempo, com uma companheira chinesa. Ela já tinha chegado à Europa na idade adulta. Embora fosse inteligente e de boa educação, as minúcias do dia a dia ocidental não lhe eram totalmente familiares.

Meu amigo, profissional liberal, explicou um belo dia à namorada que tencionava dar um aumento de mérito a algumas de suas assistentes para o ano seguinte. A chinesa olhou sem entender e perguntou o significado da expressão. Ele explicou que era um aumento de salário que patrões costumam conceder a funcionários que se tenham mostrado esforçados.

Espanto visível no rosto da chinesa. «É mesmo? Que coisa estranha!». E continuou: «No meu país, todo empregado tem obrigação de se esforçar. Não é matéria sobre a qual se discuta. Falar em aumento de mérito, na China, não faz sentido. Quem não fizer por merecer perde o emprego».Interligne 23

O senhor Lula da Silva foi presidente do País durante 8 anos. De alguém que ocupou o cargo maior da República, espera-se que tenha prestado bons serviços públicos à sociedade ― faz parte de suas atribuições. Portanto, a outorga da medalha não faz sentido. Ou se concede essa distinção a todos os que tiverem ocupado o posto, ou não se concede a nenhum.

Homenagem ao Lula vista por Alberto Alpino, cartunista capixaba

Homenagem ao Lula
vista por Alberto Alpino, cartunista capixaba

Quando o presidente não presta, a lei permite aos cidadãos apeá-lo do cargo e mandá-lo de volta pra casa. Esse direito, naturalmente, terá de ser exercido através dos parlamentares, os representantes do povo. A destituição (ou impedimento) de um presidente é mais conhecida no Brasil por seu nome em tupiniquim genuíno: impeachment. Se, ao final do mandato, o presidente não tiver sido destituído, é sinal de que prestou bons serviços. É natural, foi eleito justamente para isso.

Em seu discurso aos parlamentares, Luiz Inácio ousou uma daquelas suas afirmações vazias que causam impacto no auditório: preconizou uma reforma política para o País. Ou ele está zombando da memória de todos nós ou algum tipo precoce de demência já anda consumindo os neurônios que lhe restam. O Lula foi presidente omnipotente durante oito longos anos durante os quais o Senado, a Câmara e a camarilha vinham comer na sua mão. Excetuando-se tempos ditatoriais (Estado Novo e ditadura militar), foi certamente o presidente que maior poder deteve. Se não promoveu uma reforma política enquanto estava no pedestal foi porque não quis. Soa muito hipócrita vir a público ― justamente agora que os ventos estão mudando de quadrante ― conclamar outros a fazerem aquilo que ele mesmo, por oportunismo ou pusilanimidade, não fez.

Não parou por aí o autoincensamento do medalhão. Recordou manifestações da década de 70, como se delas tivesse participado. Não é o que a História registrou. Seu nome não começa a surgir senão no entardecer da ditadura, quase nos anos 80. E não como locomotiva de alguma ideia política, mas como líder sindical e agitador de massas. Se um partido se formou em volta dele foi porque ideólogos e alguns oportunistas se aglomeraram em roda do homem que lhes pareceu representar um bom canal de vulgarização de suas elucubrações para as camadas populares. Sem a matéria prima e o apoio daqueles intelectuais de primeira hora, nosso messias ainda estaria discursando em porta de fábrica.

Para coroar, o figurão enfatizou a Assembleia Constituinte, da qual foi deputado de apagada atuação. A menção à Constituição de 1988 tem o intuito evidente de fazer que as novas gerações imaginem que ele tomou parte ativa em sua elaboração. Curiosamente, ele «esqueceu» de dizer que seu partido reprovou a Lei Maior e votou contra ela. Que não venha agora tentar colher louros que não plantou.

Miscelânea 13

Ativistas de Greenpeace na Rússia by Alex

Ativistas de Greenpeace na Rússia
by Alex

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Hora de verão by Lorenzo (Barcelos Cordeiro Henriques), desenhista mineiro

Hora de verão
by Lorenzo (Barcelos Cordeiro Henriques), desenhista mineiro

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O celular de Angela Merkel bisbilhotado by Burki, desenhista suíço

O celular de Angela Merkel grampeado
by Burki, desenhista suíço

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A Copa e a fila do SUS by Waldez Duarte, desenhista paraense

A Copa e a fila do SUS
by Waldez Duarte, desenhista paraense

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Estamos melhorando... Estes não foram atingidos por armas químicas! by Philippe Côté, desenhista canadense

Estamos melhorando… Estes não foram atingidos por armas químicas!
by Philippe Côté, desenhista canadense

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Novos partidos by Carlos A. da Costa Amorim, desenhista carioca

Novos partidos
by Carlos A. da Costa Amorim, desenhista carioca

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Segundo as estatísticas, os suíços estão cada dia mais gordos by Burki, desenhista suíço

Segundo as estatísticas, os suíços estão cada dia mais gordos
by Burki, desenhista suíço

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Manifestações by Alberto Alpino, desenhista

Ensaio para o Dia das Bruxas (em português = Halloween)
by Alberto Alpino, desenhista

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Negociações Iran - EUA by Habib Haddad, desenhista libanês

Negociações Iran – EUA
by Habib Haddad, desenhista libanês

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A Copa do Mundo de 2022 terá lugar no Catar by Burki, desenhista suíço

A Copa do Mundo de 2022 terá lugar no Catar
by Burki, desenhista suíço

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Embora nosso governo esteja fechado, estamos abertos para negociar by Chappatte, desenhista suíço

Embora nosso governo esteja fechado, estamos abertos para negociar
by Chappatte, desenhista suíço

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O pré-sal "partilhado" by Marco Jacobsen, desenhista paulista

O pré-sal “partilhado”
by Marco Jacobsen, desenhista paulista

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Mount Rushmore e suas estátuas durante o shutdown by Burki, desenhista suíço

Mount Rushmore e suas esculturas durante o shutdown
by Burki, desenhista suíço

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Tá na hora

José Horta Manzano

A partir de ontem, 27 de out°, a Europa está mais próxima do Brasil. Somente três horas nos separam. Inglaterra, Irlanda e Portugal estão ainda mais próximos: a apenas duas horas de Brasília.

Por falar nisso, você já reparou como, em português, as expressões que mencionam a hora hesitam entre o singular e o plural? Em princípio, não há razão lógica para usar um ou outro. As locuções que utilizamos atualmente são o extrato de um falar que vem evoluindo há muitas centenas de anos. Vejamos:

Singular:
O relógio da igreja deu a hora
e não “o relógio da igreja deu as horas”

Plural:
Que horas são?
e não “que hora é?”

Singular:
Saiu em cima da hora
e não “saiu em cima das horas”

Plural:
Chegou a altas horas (= de madrugada)
e não “chegou a alta hora”

Singular:
É hora de ir embora!
e não “são horas de ir embora!”

Plural:
Isto são horas? (diz-se quando alguém chega tarde)
raramente “isto é hora?”

Singular:
Cobrar por hora
e não “cobrar por horas”

Relógio solar

Relógio solar

Plural:
Amigo se conhece nas horas difíceis
e não “amigo se conhece na hora difícil”

Singular:
Pela hora da morte (= muito caro)
e não “pelas horas da morte”

Plural:
Ficamos batendo papo até horas mortas
e não “ficamos batendo papo até hora morta”

Singular:
Fazer hora extra
e não “fazer horas extras”

Plural:
Fazer um bico nas horas vagas
e não “fazer um bico na hora vaga”

Singular:
O tomate está pela hora da morte
e não “o tomate está pelas horas da morte”

Plural:
Ele chegou a horas (=chegou pontualmente)
e não “ele chegou a hora”

Singular:
Pela hora oficial, são três da tarde
e não “pelas horas oficiais, são três da tarde”

Plural:
Nunca se esquece das horas canônicas (das orações diárias)
e não “nunca se esquece da hora canônica”

Singular:
É hora do rush
e não “são horas do rush”

Plural:
A boas horas (=no momento adequado)
e não “a boa hora”

Singular:
Foi-se embora (= em boa hora)
e não “foi-se emboras (= em boas horas)”

Plural:
Ter o estômago a dar horas (estar com fome)
e não “ter o estômago a dar hora”

Singular:
Fazer hora
e não “fazer horas”

E vamos parando por aqui, que está na hora.

Leia antes de usar!

José Horta Manzano

Instruções em rótulos de diversos produtos mundo afora
(Pescadas no blogue de Ricardo Froes)Interligne 04k

Em fones de ouvido alemães:
Não aumente o volume acima do limite da dor.

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Em uma garrafa de detergente Palmolive para cozinha:
Não use na comida.

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Em garrafas de todos os detergentes para roupas nos EUA:
Tire a roupa antes de distribuí-la na máquina de lavar.

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Em um telefone V-Tech:
A eletrônica, como as pessoas, pode ficar confusa.

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Em uma faca elétrica coreana:
Atenção: mantenha as crianças afastadas.

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Em enfeites luminosos chineses para Natal:
Para uso somente dentro ou fora de casa.

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Em uma manta de Taiwan:
Não é para ser usada como proteção contra tornados.

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Em um capacete com espelho retrovisor nos EUA:
Lembre-se que os objetos no espelho estão atrás de você.

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Em um xampu de Taiwan:
Use repetidamente para danos severos.

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Em uma tampa de garrafa de leite aromatizado na Inglaterra:
Depois de abrir, mantenha este lado para cima.

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Em um repelente contra insetos na Nova Zelândia:
Não testado em animais.

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Em alguns países, na base das garrafas de Coca-Cola:
Abra do outro lado.

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Em um secador de cabelos da Sears:
Não use se estiver dormindo.

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Em um pacote de salgadinhos da marca Fritos:
Você pode ganhar. Não é necessário comprar. Detalhes no interior do pacote.

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Em uma barra de sabão Dial:
Use como um sabão normal.

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Em uma caixa de tiramisù, sobremesa da marca Tesco:
Não vire a caixa (só que está escrito na base).

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Em um pudim de pão da Marks & Spencer:
O produto estará quente depois de aquecido.

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Em pacotes de refeição congelada da marca Schwan’s:
Sugestão de uso: descongelar.

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Em toucas de banho de alguns hotéis nos EUA:
Cabe uma cabeça.

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Em uma embalagem do ferro de passar Rowenta:
Não passe as roupas no corpo.

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Em um xarope para crianças da marca Root:
Não dirija nem opere máquinas.

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Em um comprimido para dormir da marca Nytol:
Pode causar sonolência.

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Eu uma serra elétrica sueca:
Não tente parar a serra com as mãos ou com os genitais.

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Em um processador de alimentos japonês:
Não é para ser usado em outro uso.

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Em um pacote de amendoins oferecido em voo da American Airlines:
Instruções: abra o pacote e coma os amendoins.

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Em um pacote de amendoins da marca Sainsbury:
Atenção: contém amendoins.

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Em uma fantasia de Super-Homem para crianças:
Vestir esta roupa não o habilita a voar.

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Rapidinha 4

José Horta Manzano

Dona Dilma definiu os atos de vandalismo como barbárie. Tem razão, ponto para ela. Manifestantes brutais não podem ser tratados com luva de pelica. A autoridade tem de usar métodos equivalentes. Não se enfrenta canhão com estilingue.

Já basta a imagem de pusilanimidade que nossas autoridades têm exibido. O mundo não precisa ficar sabendo que, no Brasil, além de o governo ser fraco, o povo é baderneiro e violento. Nossa imagem já anda um bocado amassada. É melhor parar por aqui.

A prefeitura tem o poder de proibir que manifestantes saiam às ruas mascarados. Aquele que desobedecer será sumariamente detido para averiguações, mesmo que (ainda) não tenha quebrado nenhuma vitrine. Depois de algumas dezenas de prisões, os ânimos vão-se acalmar. O que move esses selvagens é a certeza da impunidade.

Rapidinha 3

José Horta Manzano

Hoje, logo de manhã cedo, militantes da Greenpeace ― ong conhecida por sua agressividade ― decidiram mais uma vez atrair para si os holofotes.

Tentaram escalar a Torre Eiffel. A intenção era desenrolar faixas pedindo que o mundo pressionasse as autoridades russas a liberarem os 30 ativistas que invadiram uma plataforma petrolífera algumas semanas atrás.

Militante de Greenpeace na Torre Eiffel by Thomas Samson, AFP ― 26 out° 2013

Militante de Greenpeace na Torre Eiffel
by Thomas Samson, AFP ― 26 out° 2013

Não conseguiram grande coisa. A polícia francesa nunca está muito longe dos monumentos parisienses, apinhados de turistas em qualquer época do ano. Agiu rápido e desalojou os intrusos.

Melhor teriam feito os belicosos ecologistas da Greenpeace se tivessem invadido um monumento moscovita. Mas… cadê coragem?

Rapidinha 2

José Horta Manzano

Paciência tem limite. Até as autoridades suíças, conhecidas por sua serenidade, não são infinitamente elásticas. Chega um ponto em que a corda arrebenta.

Cansada de esperar por esclarecimentos que havia solicitado faz dois anos e meio a autoridades brasileiras, a Justiça helvética acaba de baixar os braços e desistir. Deu o caso Alstom por encerrado. A informação é da Folha de São Paulo deste 26 out° 2013.

O Brasil, neste caso, fez corpo mole e agiu como se a Suíça estivesse lhe fazendo um favor. Tratava-se exatamente do contrário: o maior interessado em recuperar fundos e em desmascarar culpados era ― ou deveria ter sido ― o país lesado.

Essa é mais uma pincelada no quadro. Com ela, a pintura vai-se tornando mais nítida e nosso País vai firmando a imagem que faz questão de mostrar ao mundo: a de uma república de banana. É pena.

Rapidinha 1

José Horta Manzano

O governo brasileiro é autossuficiente! Enquanto os americanos precisam da ajuda de um funcionário terceirizado, nossas autoridades desvelam sozinhas documentos classificados como secretos ― e até ultrassecretos!

Vinte dias atrás, o Estadão publicou foto de uma parte dos arquivos federais a que teve acesso. Repare que não são do tempo de Matusalém: alguns têm apenas 25 anos, ou seja, podem implicar pessoas que ainda estão vivas e na ativa.

Não nos faz falta nenhum Snowden. Como se costuma dizer: “não precisa me ajudar ― sei errar sozinho”.

Business as usual

José Horta Manzano

Interligne vertical 12«The disclosure that France is a target for US electronic espionage is about as much of a revelation as the news that restaurants in Paris are better than those in Washington.»

«A notícia que a França é alvo da espionagem eletrônica americana é tão surpreendente quanto o fato de haver melhores restaurantes em Paris do que em Washington.»

David Blair, antigo editor do caderno de Diplomacia do diário The Telegraph (Londres). Em 21 out° 2013.

Uma coisa ainda não está clara para mim. Por que será que as revelações do senhor Snowden, antigo empregado de uma empresa que presta serviços à agência americana de inteligência, vêm sendo liberadas em doses homeopáticas? Quem estará retendo o fluxo e liberando um bocadinho de cada vez?

Segredo

Segredo

Há uma razão para tudo. A nenhum governo interessa prolongar esse assunto, nem aos espiões, nem aos espionados. Nenhum grande empresário tampouco estará interessado em fazer suspense antes de deixar o mundo saber que seus negócios foram espionados. Pega mal pra todos. Então, quem será?

Não imagino que, em seu retiro russo, o funcionário indiscreto disponha de uma conexão de alta velocidade à internet que lhe permita continuar a destilar livremente seus guardados, sem supervisão da feroz censura local. Além do que, a condição que lhe foi imposta pelos russos para concessão de asilo temporário foi justamente a de não causar mais danos ao governo americano. Não interessa a Moscou acirrar tensões com Washington. Tirando espionandos e espionados, sobram os jornalistas. É uma boa pista.

Talvez algum leitor também se lembre do fenomenal atleta ucraniano Serguêi Bubka. Foi aquele que, entre 1983 e 1997, bateu 35 vezes o recorde mundial de salto com vara. A explicação veio mais tarde. Quando um atleta batia uma marca mundial, recebia um prêmio em dinheiro. Já desde o começo de carreira, Bubka sabia que podia superar os 6 metros de altura. No entanto, não o fez. Pelo menos, não logo de cara, de uma tacada só. Foi aos pouquinhos, centímetro por centímetro. Daí ter conseguido, a cada novo campeonato, bater o recorde que ele mesmo havia cravado meses antes. E a cada vez, naturalmente, embolsou o prêmio especial pela nova façanha.

Fico aqui a conjecturar se jornalistas não estariam agindo da mesma maneira. É possível que, em matéria de espionagem entre Estados, disponham de importante massa de informações e as estejam destilando gota a gota. Não é ilegal e, ainda por cima, faz vender jornal. Que queremos mais?

Segredo?

Segredo?

Mas há o reverso da medalha. Tudo o que é demais cansa, já diziam os antigos. Passado o primeiro momento de estupor ― sincero ou teatral, pouco importa ―, os ânimos vão-se acalmando. Da indignação, passa-se à derrisão. Alguns jornalistas já atingiram essa fase.

David Blair, jornalista do inglês The Telegraph, citado no cabeçalho deste artigo, é um deles. Seu texto apareceu no jornal londrino e foi reproduzido pelo francês Courrier International.

O caderno de Opinião do Los Angeles Times, por seu lado, publicou artigo de Paul Whitefield, que vai pelo mesmo caminho. O escrito foi retomado na França.

De irônico, o tom está-se tornando sarcástico. A polêmica vai logo se extinguir. Não interessa a muita gente espichá-la.

A cooperação bilateral e os sapos

José Horta Manzano

Francamente, a confrontação não é o traço de caráter mais marcante de Lula da Silva. O homem é mais propenso a arreglos, conversas de corredor, negociações, acertos. Dizem que o fruto nunca cai muito longe da árvore. Será?

Sapo

Sapo

Imaginava-se que dona Dilma, filha política do Lula ― e não muié do hômi, como pensam alguns ― seguisse o exemplo do pai e padrinho. Não é o que se tem visto. Toda família tem sua ovelha negra, é verdade, mas a atual chefe do Executivo exagerou no contraste com relação a seu criador. Mais que negra, a ovelha saiu retinta.

Onde o Lula ― às vezes com certa ingenuidade ― procurava apaziguar e pôr panos quentes, dona Dilma não só prefere o enfrentamento, como ainda pisa com força. Tomemos o recente e atualíssimo caso dos segredos da agência americana de inteligência, bradados aos quatro ventos pelo trânsfuga Snowden.

A propósito, diga-se que, passados os quinze minutos de glória a que aspirava, o indiscreto funcionário periga ser esquecido nas estepes russas. Ele já disse o que tinha que dizer. Continuar a bater na mesma tecla, no fundo, não interessa a nenhuma das partes envolvidas, nem a espiões, nem a espionados. Insistir no assunto só pode aumentar o constrangimento de todos. Quanto ao funcionário indiscreto, fica a impressão de que, se arrependimento matasse, ele já estaria sob sete palmos de terra.

Voltando a dona Dilma, o fato de saber-se espionada, intolerável para sua autoestima, despertou seu caráter belicoso. É sempre arriscado imaginar qual teria sido a reação do Planalto se o presidente fosse outro. Mas é permitido acreditar que, caso o escândalo tivesse estourado durante o governo do Lula, ele teria refreado todo ímpeto de revide e teria procurado tirar o melhor proveito da situação. É seu feitio.

Já dona Dilma optou por arremessar o brinquedo ao chão e pisoteá-lo. Arreganhou os dentes, mostrou as garras, foi manchete nos jornais brasileiros durante dias, virou nota de rodapé até na mídia estrangeira. Mas, no frigir dos ovos, terá ganhado alguma coisa, terá auferido alguma vantagem? A pergunta fica no ar, mas receio que o resultado da agitação tenha sido nulo. Tudo continua como antes.

Estes dias, o jornal francês Le Monde noticiou, numa série de reportagens baseadas nas revelações do senhor Snowden, que membros do governo francês também estavam sendo monitorados pela inteligência americana. Não só homens políticos, mas também indústrias estratégicas. Qual está sendo a reação de Paris?

Sapo

Sapo

Durante três dias, Monsieur Hollande mostrou indignação, como manda o protocolo. Passada a tempestade, o presidente francês lembrou-se do sábio adágio segundo o qual, quando não se tem força para combater o leão, o melhor é aliar-se a ele.

O próprio Le Monde nos dá a informação ― repercutida pelo correspondente do Estadão ― de que Paris propõe aos serviços secretos americanos colaborar com a inteligência francesa. Coopération bilatérale é o que sugere o presidente, expressão que dispensa tradução. Surpreendente? Nem tanto.

Por um lado, Hollande mostra ao mundo que seu país não se compraz no papel de ator secundário na cena universal. Tem serviços de espionagem e contraespionagem, como todo Estado zeloso de sua importância. Foi mais esperto que nosso Planalto que, com sua tragicômica e exagerada indignação, deixou patente que não dispunha de meios para se defender. Por outro lado, Paris entendeu que juntar suas forças às do adversário é uma boa maneira de enquadrá-lo e de se inteirar de seus métodos.

Mostrar muque, afrontar, desafiar, fazer beicinho, comportar-se à moda do finado Chávez pode impressionar o distinto público interno, mas é sem efeito para resolver problemas externos. Talvez dona Dilma e seus ínclitos assessores consigam um dia entender esta verdade basilar: na política, às vezes, precisa engolir sapos sem fazer cara feia.

Não tenho muita fé, mas… a esperança é a última que morre.

Desvirtuamento

José Horta Manzano

Como já fiz em outras ocasiões, volto a investir contra a política de discriminação racial que governantes irresponsáveis tentam, a todo custo, implantar no Brasil.

Países civilizados que, por variadas razões, contam hoje com importantes minorias de raças diferentes tentam o impossível para mitigar contrastes étnicos. É o caso da França, da Alemanha, da Suécia, da Itália. Os esforços nem sempre são bem-sucedidos. Não é fácil eliminar preconceitos da memória coletiva.

No nosso País, ao contrário, todos parecem estar de acordo que acirrar animosidade entre cidadãos de raças diferentes é boa coisa. Está aí raciocínio incongruente. Todos sabem que o brasileiro julga seu próximo não tanto pela raça, mas pela aparência e pelos sinais exteriores de riqueza (ou de pobreza). Em suma, as pessoas são classificadas segundo critérios mais pecuniários que propriamente raciais.

O Brasil merecia que os que decidem seus destinos fossem suficientemente clarividentes para se dar conta dessa realidade. Impor leis que pavimentam o caminho de minorias(?) raciais é medida impactuosa, mas inócua. Melhor fariam as autoridades se se atacassem à raiz do problema, fornecendo ensino de melhor qualidade a todos os brasileiros, sem distinção de cor, raça, religião ou sexo.

Preparando o exame

Preparando o exame

Entendo que cuidar da Educação seria medida de longo prazo, daquelas que não garantem retorno eleitoral imediato. Mas não há outra saída: fora da instrução, não há salvação. A História se encarregará de julgar e de lançar o opróbrio sobre os dirigentes irresponsáveis que vêm afligindo e humilhando o Brasil neste começo de século.

Artigos publicados na imprensa estes dias mostram que os efeitos daninhos dessa política absurda e inconsequente já começam a se fazer sentir. A proporção dos candidatos ao Enem que se autodeclararam descendentes de africanos não corresponde ao que foi detectado pelo último recenseamento. É um começo, sem dúvida. Mas é fácil prever que tende a se alastrar.

Uma sociedade cuja política reafirma e reforça o tradicional paternalismo vai necessariamente gerar distorções. A política atual tende a eternizar a proliferação de cidadãos dependentes, daqueles que renunciam a se esforçar e preferem escorar-se em direitos ― sejam eles legítimos ou usurpados. Que fazer? Caso continue cabendo a cada cidadão definir a própria raça ― como é o caso atualmente ―, mais e mais desvirtuamentos teremos.

Todos hão de se lembrar daquele deputado que, para justificar o súbito enriquecimento, declarou haver jogado na loteria e tirado a sorte grande algumas centenas de vezes. Pois este é um País onde pouca gente tem medo do ridículo. Não está longe o dia em que 100% dos candidatos a enemes e vestibulares se autodeclararão pardos, azuis, verdes, pretos, roxos ou qualquer que seja a cor que lhes possa trazer vantagem.

Há uma outra solução: é que a origem racial seja detectada por método científico, seja por exame de ADN, seja por outro meio qualquer. Será radical e incontestável, mas estaremos voltando perigosamente ao ambiente deletério da Europa nazista dos anos 30 e 40. De que cor será a estrela que cada cidadão deverá obrigatoriamente costurar na camisa, do lado esquerdo do peito?

Interligne 18b
Artigos aparecidos na imprensa sobre o assunto:
Estadão
Gazeta do Povo
Veja

Coisas estranhas

José Horta Manzano

É grande a influência exercida pela gíria da malavita portenha ― o lunfardo ― sobre a fala brasileira. Em dez° 2012, escrevi um artigo sobre o assunto. Está aqui no blogue, para quem perdeu.

Meu atenciosos leitores já devem ter-se dado conta de que tenho grande interesse por línguas e, principalmente, pelas relações e pelo entrelaçamento entre elas. Acho fascinante constatar a solução que cada povo encontra para suprir seu estoque de palavras quando lhe falta alguma.

É proibido colar

É proibido colar

Há casos em que o termo estrangeiro é importado na forma original, sem mudar uma letra. A palavra vinda de fora pode também, às vezes, ser adaptada à forma ou à fonética da língua que a recebe. Há casos ainda em que nova palavra é criada para nomear a novidade. Conquanto haja línguas mais criativas que outras, todas se valem de todos os métodos: cópia, adaptação, criação de novo termo. Cada caso é um caso.

Fui, durante uns 20 anos, assinante da revista Veja. Nos tempos pré-históricos em que não havia internet, era uma das raras maneiras de manter vivo o cordão umbilical que saía daqui e desembocava em terra tupiniquim. Embora chegassem com atraso de uma ou duas semanas, as notícias vinham. Não fosse isso, o divórcio se teria consumado. De uns dez anos para cá, o advento da rede sacudiu as comunicações. Receber informação sobre fatos ocorridos duas semanas antes deixou de fazer sentido nestes tempos de transmissões ao vivo. Cancelei minha assinatura.

Contei tudo isso para chegar ao assunto de hoje. Dois dias atrás, recolhi na rede um artigo sobre a influência da gíria argentina na fala brasileira. Em meio a passeio despretensioso, encontrei-o no blogue de Ricardo Setti, alojado no site da revista Veja. O escrito é atribuído a José Roberto Guzzo, medalhão da revista há 45 anos. É justamente o articulista que, semana sim, semana não, escrevia o texto da última página, alternando com Pompeu de Toledo ― não sei se o regime continua. Transcrevi o artigo neste blogue sem esquecer de lhe dar o devido crédito, evidentemente.

Semana passada, um amigo gaúcho, conhecedor de meu interesse por relações linguísticas, me tinha sugerido que desse uma espiada numa entrevista dada por um professor a uma emissora de tevê do Rio Grande. O entrevistado tecia justamente comentários sobre a influência do lunfardo no falar nosso. Não tive tempo de seguir a sugestão naquela hora. Os dias se passaram, e só hoje fui conferir.

O vídeo traz a edição de 15 de outubro do programa Jornal da Pampa, emissão diária da TV Pampa. Quem quiser dar uma olhada vai encontrar o vídeo aqui no youtube.  Era dia do professor. A âncora do programa estava recebendo vários convidados ilustres, entre os quais o professor Jarbas Lima, advogado, político e professor universitário, um figurão.

É proibido colar

É proibido colar

Levei um susto. Lá pelo minuto 13:30, Jarbas Lima realmente discorre sobre as marcas de tingimento que nosso falar guardou do lunfardo. Observador que sou, notei também que certas expressões utilizadas pelo professor Lima foram reproduzidas ipsis litteris no artigo de Guzzo. «Os brasileiros somos os maiores importadores de palavras argentinas» é a fala inicial do professor, como também consta da introdução do artigo da Veja. Para simbolizar a chegada (de navio) do vocabulário portenho ao Brasil, o professor Lima menciona o porto de Santos e a Praça Mauá, no Rio de Janeiro. Guzzo usa exatamente a mesma metáfora.

Mas o mais surpreendente é a relação de palavras platinas utilizadas no nosso dia a dia. As palavras citadas pelo professor Lima são: otário, afanar, engrupir, embromar, cambalacho, bacana, bronca, fajuto, punguista, fuleiro, grana, gaita, escracho, cana, tira, lábia, patota, cabreiro, pirado, campana, mina, barra-pesada. O jornalista Guzzo cita exatamente as mesmas, declamadas na mesmíssima ordem.

Para mim, ficou evidente que um dos dois havia decalcado a ideia do outro. O programa gaúcho foi ao ar no dia 15 de outubro ― conforme comprova o vídeo do youtube. A revista Veja só foi publicada quatro dias depois. Não é difícil inferir qual é o original e qual é cópia.

Não se pode reinventar a roda diariamente. As ideias que temos são necessariamente produto da informação que recebemos. Mas é importante fazer a diferença entre um artigo inspirado em alguma ideia e uma transcrição do pensamento de alguém. O fato de o artigo não ter citado a fonte é particularmente deselegante. O jornalista demonstrou que realmente acredita no fecho de seu próprio texto: o Brasil é um país de otários.

Interligne 18cResumindo:

Meu artigo “Lunfardo”, de 19 dez° 2012
Programa Jornal da Pampa de 15 out° 2013
Artigo de J.R.Guzzo transcrito no blogue de Ricardo Setti, 19 out° 2013
Artigo de J.R.Guzzo transcrito neste blogue em 20 out° 2013

Mais médicos

 

Inauguração de posto de saúde no tempo dos faraós by Waldez Duarte, desenhista paraense

Inauguração de posto de saúde no tempo dos faraós
by Waldez Duarte, desenhista paraense

Se alguém realmente acha que o maior problema de Saúde Pública do Brasil vem da falta de médicos, não deve perder o artigo de Natália Cancian e André Caramante, publicado na Folha de Sao Paulo de 20 out° 2013. 

Clique aqui.

Libra ― nome mal escolhido

José Horta Manzano

Distintos e cultos, todos os meus leitores sabem que os combustíveis fósseis ― petróleo, carvão, gás natural ― constituem reservas finitas. O que está aí, está aí. O que não está vai levar milhões de anos para se formar. Estima-se que certos jazimentos explorados atualmente começaram a se constituir 650 milhões de anos atrás.

Em pouco mais de duzentos anos, desde que as propriedades do vapor d’água foram postas ao serviço da indústria, a humanidade praticamente esgotou suas reservas de carvão. Com exceção do que ainda dorme no subsolo chinês, as jazidas carboníferas do planeta já não apresentam mais grande interesse econômico ― seu preço de venda não justifica investir na exploração.

Leilão

Leilão

A revolução industrial chinesa, que tem lugar justamente nos tempos atuais, vai extinguir em pouco tempo as reservas de carvão daquele país. Assim como muitas crianças de hoje nunca viram uma vaca ou uma galinha viva, nossos netos conhecerão carvão em museus de História Natural.

Graças a novas técnicas de fraturação hidráulica (conhecidas em inglês como fracking), a exploração de gás de xisto tornou-se economicamente rentável.

Esse combustível se encontra difuso nas profundezas da terra, nos interstícios entre camadas de rocha. Para extraí-lo, é preciso projetar jatos d’água com potência suficiente para fraturar a rocha. Estilhaçadas as pedras, recolhe-se o gás. Receoso dos danos que essa prática possa causar ao meio ambiente, o parlamento francês acaba de bani-la do território nacional.

Estes últimos 10 anos, os Estados Unidos lançaram-se de cabeça nessa nova fronteira. Em 2013, a exploração intensiva do novo combustível os tornou campeões mundiais na categoria de produção de hidrocarbonetos (petróleo + gás). Desbancaram até a Rússia.

Já disse antes e repito aqui que considero insensata essa pilhagem de riquezas sabidamente não renováveis. A humanidade já está suficientemente crescidinha para entender que não convém agir como se o mundo fosse acabar amanhã de manhã. Pode até ser que acabe. Mas… e se não acabar?

Os hidrocarbonetos são uma riqueza demasiadamente preciosa para ser queimada em motores de automóveis. São moléculas de grande valia na química, na farmacêutica, na vida de todos os dias. Não podemos fazer como se, depois de nós, estivesse programado o dilúvio universal. Nossa era será amaldiçoada pelos que nos sucederem, dentro de 50 ou 100 anos, quando todas as reservas estiverem esgotadas.

Estes dias, fala-se muito na exploração do óleo que se supõe dormir sob espessas camadas de sal, no fundo do oceano, ao largo da costa sudeste brasileira. A ideia do momento é compartilhar a exploração dessas reservas com empresas estrangeiras. Nosso atuais governantes, que, curiosamente, são os mesmos que costumavam vituperar contra privatizações e tachar seus predecessores de entreguistas, são os mais entusiastas.

Despreparados, incultos, egoístas e imediatistas, nossos figurões não parecem se importar nem um pouco com a pilhagem de nossas reservas estratégicas. Pior que isso, não hesitam em associar-se aos chineses, notórios dizimadores da natureza. É uma irresponsabilidade.

Libra, que nome mal escolhido! Etimologicamente, a palavra é parente de equilíbrio. O equilíbro é filho legítimo do bom-senso. O bom-senso exige que se pesem os prós e os contras, que se consulte, que se debata, que se ponham os fatos na balança.

Libra (balança) desequilibrada Crédito: Ugurhan Betin

Libra (balança) desequilibrada
Crédito: Ugurhan Betin

O ouro e a prata escondidos em nosso subsolo já acabaram ― foram financiar a revolução industrial inglesa. Agora, em pleno século XXI, com finalidades espúrias, imediatistas e eleitoreiras, estamo-nos preparando para dizimar um dos últimos trunfos que nos restam. Seria tão mais útil investir essa dinheirama na instrução pública. Os brasileirinhos do futuro agradeceriam e, de quebra, teriam ainda à disposição, intacto, o tesouro que, segundo dizem, dorme debaixo de um túmulo de sal.

A destruição da Mata Atlântica se fez ao longo de séculos ― os responsáveis foram numerosos, e seus nomes não ficaram registrados. A destruição da Amazônia, atualmente em cartaz, estará consumada dentro de poucas décadas. Seus autores ― por ação ou por omissão ― terão sido todos os governos dos últimos 50 anos.

O desbaratamento de nossas reservas do pré-sal tem um único autor. E ele é conhecido: o atual governo brasileiro. É ato criminoso, que a História julgará.

Clientela ideal

J. R. Guzzo (*)

O Brasil, como bem sabem os estudiosos da língua portuguesa tal como ela é falada por aqui, é o maior importador mundial de palavras argentinas. Não espanholas, como a conhecida caramba, por exemplo – argentinas mesmo, ou, mais precisamente, portenhas, vindas diretamente das calçadas mais pobres de Buenos Aires para o cais do Porto de Santos e a Praça Mauá, no Rio de Janeiro, de onde transbordaram para o Brasil todo ao longo dos anos.

Essas palavras e expressões vêm do lunfardo, ou “lunfa”, linguajar obscuro, enigmático e com vocabulário descolado do castelhano oficial da Real Academia Española; a maior parte dele pouco ou nada significa na Espanha, no México ou no Peru. Não chega a ser um idioma, mas é bem mais que uma gíria; aparentemente surgiu no fim do século XIX como meio de comunicação entre presidiários, criminosos em geral, proxenetas, vigaristas, batedores de carteira, vadios e outros malvivientes do submundo de Buenos Aires.

Dali se incorporou ao falar da rua, nos bairros pobres dos quais La Boca é o símbolo mais conhecido dos brasileiros, e logo em seguida às letras de tango – das quais, enfim, passou para o mundo.

Ou melhor: para o Brasil. O resto do mundo pode repetir palavras cantadas por Gardel, mas não as utiliza na sua linguagem corrente. Aqui, porém, entraram com todo o gás, e há décadas fazem parte do dia a dia do português falado pelos brasileiros.

A lista não acaba mais: otário, afanar, engrupir, embromar, cambalacho, bacana, bronca, fajuto, punguista, fuleiro, grana, gaita, escracho, cana, tira, lábia, patota, cabreiro, pirado, campana, mina (não no sentido geo­lógico), barra-pesada, e por aí se vai.

Haveria, na preferência nacional pela importação de palavras com esse tipo de significado, entre tantas outras que o lunfardo oferece, alguma atração especial da alma brasileira pela linguagem da marginalidade?

É coisa para os profissionais do ramo responderem, mas certas realidades não se podem negar: feitas todas as contas, a palavra argentina que teve mais sucesso no Brasil, do seu desembarque até o dia de hoje, é “otário”. Amamos essa palavra. Quer dizer: amamos essa palavra quando ela é aplicada aos outros ou, mais exatamente, quando não é aplicada a nós. Vale, então, como uma espécie de certidão negativa, que nos absolve de tudo aquilo que não queremos ser – bobos, enganados, passados para trás.

No Rio de Janeiro, especialmente, é coisa muito séria, do milionário ao engraxate, manter durante a vida uma reputação de não otário. Vale para o Brasil todo, é claro – ser chamado de otário, em qualquer ponto do território nacional, é ofensa grave. Mas no Rio, por alguma razão que é melhor deixar para a apreciação dos mestres em psicologia social, é insulto maior ainda – assim como é um orgulho, assumido ou disfarçado, considerar-se portador da imagem oposta, a do “malandro”.

Depende, naturalmente, da circunstância e do jeito com que a palavra é usada, mas é frequente que o indivíduo classificado como malandro sinta que recebeu um elogio. Vale como um genérico para todo tipo de avaliação positiva: ser tido como malandro é ser tido como inteligente, esperto, habilidoso, experiente, prático, capaz de cuidar de si mesmo, vacinado contra a suprema humilhação de “ficar no prejuízo”.

É comum, no Rio, o sujeito trabalhar de sol a sol, cozinhando no meio de um calor de 40 graus na operação de uma britadeira de rua ou na direção de um ônibus urbano, ganhando uma mixaria e sendo barrado na entrada de tudo aquilo que se considera “vantagens da vida”.

Ao mesmo tempo, sabe que é roubado todos os dias, que o governador do Estado usa helicópteros oficiais, mantidos à sua custa, para transportar seu cachorrinho de estimação entre o Rio e Mangaratiba, e que a casa onde mora pode vir abaixo nas próximas chuvas de verão. Não importa: ele vai morrer achando que foi um grande malandro, e que otários são os outros.

É uma situação de sonho para governantes, vendedores de ilusões e vigaristas de todas as especialidades; têm à sua disposição, sempre, uma clientela que é tola o suficiente para achar que não é tola nunca. O Brasil da esperteza, onde se cultua a “malandragem” em tudo, é, na verdade, um dos países mais crédulos do mundo.

Há poucos, do seu porte, com tantos ludibriados, ingênuos, trapaceados, compradores de mercadoria falsa vendida pela marquetagem política, levados na conversa por palavrório de palanque, prontos a acreditar em farsantes notórios – enfim, e com o perdão da palavra, com tantos otários.

(*) Por J.R.Guzzo, no blogue de Ricardo Setti

Frase do dia — 35

«A doutora Dilma lançou o “Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica”. Madame Natasha acredita que se deve lançar o Plano Nacional de Compreensão dos Planos do Planalto.»

Elio Gáspari, in Folha de São Paulo, 20 out° 2013

Link para os artigos de Elio Gáspari na coluna da direita deste blogue.

EUA ― Governo bloqueado

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EUA ― Governo bloqueado by Patrick Chappatte, desenhista suíço

EUA ― Governo bloqueado
by Patrick Chappatte, desenhista suíço

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EUA ― Governo bloqueado by Patrick Chappatte, desenhista suíço

EUA ― Governo bloqueado
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EUA ― Governo bloqueado by Patrick Chappatte, desenhista suíço

EUA ― Governo bloqueado
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