Use e abuse

A periferia de SP paramentada para a Copa 2022

José Horta Manzano

A fim de esconjurar o sequestro das cores nacionais levado a cabo por indivíduos que acreditavam ser mais brasileiros que os demais, chegou a hora de nos reapropriarmos de nosso verde-amarelo.

Xô para esses sebastianistas abatidos com a derrota do ídolo! Que continuem abraçando quartel e cantando o hino para pneu, se preferirem. Quanto a nós, vamos cantar o hino, mas é com a Seleção.

Vamos em frente. Para quem gosta, a Copa começa amanhã (e pra quem não gosta, também). Tudo com muito verde-amarelo. Verde-amarelo alegre e legítimo, não essas cores fajutas que já vêm com gosto de intolerância, desilusão e lágrimas.

Falando nisso, hoje é Dia da Bandeira. Viva nosso lábaro estrelado!

O STF de novo

José Horta Manzano

Diga-se o que se quiser dizer, não há como abafar a verdade: o STF desviou da órbita. Feito sputnik desgovernado, já não cumpre a missão para a qual foi concebido e, ainda por cima, ameaça espatifar em cima de nossa cabeça.

Nosso castigado país vive um clima de salve-nos Deus misericordioso. Lula da Silva rosnando de um lado, Jair Bolsonaro grunhindo de outro, candidatos à Presidência fazendo cara de vestais, o Congresso letárgico, a Presidência paralisada, o exército à espreita. E o STF, que deveria ser a sedes sapientiæ ‒ a morada da sabedoria, desajuizado.

É uma atrás da outra. Nem o torpor que trava o país durante a Copa fecha a fábrica de insanidades em que a Corte Maior se transformou. A mais recente proeza foi obra de doutor Toffoli. Mandou arrancar a tornozeleira de doutor José Dirceu, notório ‘guerreiro do povo brasileiro’.

Longe de ser superficial, a crise do STF é mal de raiz. Imunes a todo ataque, Suas Excelências pintam e bordam. Sabedores de que nenhum mal lhes acontecerá e de que ninguém os tira do emprego, se esparramam, se assoberbam, torcem a verdade e manipulam a lei para que se adapte ao desideratum de cada um.

O caso da tornozeleira do guerreiro do povo é edificante. Antes de ser nomeado para o STF, doutor Toffoli, que era advogado do PT, trabalhou justamente como subordinado de doutor José Dirceu, quando este era Ministro-chefe da Casa Civil. O bom senso exige que, com essa passagem no currículo, o magistrado seja considerado impedido de atuar em processos em que o antigo chefe estiver envolvido.

Pois Sua Excelência, atropelando o bom senso, dá uma banana para o povo que paga seu salário e continua votando numa boa, como se a conversa não fosse com ele. Os brasileiros de bons princípios se veem impotentes e sentem muita raiva. Ninguém gosta de ser vítima de zombaria nem de ver sua dignidade usurpada. O pior é que doutor Toffoli não está sozinho: há colegas dele que debocham do povo com o mesmo despudor.

Essa safadeza atrevida, vinda justo daqueles que deveriam garantir a decência nacional, pode acabar mal, muito mal. Ri melhor quem ri por último, é verdade. Mas não é impossível que, ao final, choremos todos.

No cabeça

José Horta Manzano

Monsieur Jules Ernest Séraphin Valentin Rimet (1873-1956), cartola de alto coturno, foi presidente da Fifa durante 33 anos. Começou em 1920 e permaneceu enquanto a saúde ajudou. Inspirado pelo sucesso dos Jogos Olímpicos de 1924 e 1928, teve a ideia de organizar um campeonato mundial unicamente para o futebol, separado dos demais esportes.

A ideia foi posta em prática pela primeira vez em 1930. O Uruguai foi designado como sede. Os europeus demonstraram flagrante desdém pela distante e atrasada América do Sul ‒ apenas quatro países se dignaram de mandar a seleção enfrentar a longa viagem: França, Romênia, Iugoslávia e Bélgica. Ressalte-se que o pequeno país sul-americano só foi escolhido porque seu governo se dispôs a custear todas as despesas das equipes participantes, transporte inclusive.

O troféu, que o presidente da Fifa carregou na bagagem pessoal, tinha sido confeccionado na Europa. Era uma peça de ourivesaria em puro estilo art-déco ‒ uma espécie de taça montada sobre um pedestal e sustentada por uma figura alada. Apropriadamente, foi chamada Coupe Jules Rimet, numa homenagem pouco modesta ao cartola.

Coupe Jules Rimet

Em francês, a palavra coupe traduz nossa taça. Em razão da forma do troféu, o campeonato foi aqui chamado, nos primeiros anos, de Taça do Mundo. A vitória brasileira de 1958 deu origem a várias marchas triunfais, a mais conhecida das quais dizia «A Taça do Mundo é nossa, com brasileiro não há quem possa».

De lá pra cá, distraídos, deixamo-nos contaminar pelo estrangeirismo, decerto visto como mais chique. A taça virou copa, que, aliás, é como os espanhóis chamam o objeto. De qualquer maneira, o troféu já não tem mais forma de taça. Ficam elas por elas, que nem taça nem copa correspondem ao desenho do troféu atual.

O termo copa vem do latim cupa (também cuppa), que é como os romanos chamavam a taça. Descende de antigo radical kup/kap, que tem sentido de encurvar, arquear. A família conta com muitos parentes: copo, cubo, cúpula, cúbito e seus derivados. Desconfia-se que até o alemão Kopf (cabeça) seja parente desgarrado. De fato, a forma arredondada da cabeça bate com o sentido de encurvar.

Falando em Kopf, muitos especialistas predizem que a partida final da Copa será entre Brasil e Alemanha. Naturalmente, com Brrrasil no cabeça ‒ perdão ‒ Brasil na cabeça!

Falam de nós – 8

0-Falam de nósJosé Horta Manzano

Maracana hotelNo Maracanã
«Une nuit à Maracana»Uma noite no Maracanã. O site francês de informação 20 Minutes traz notícia de concurso realizado por uma agência de turismo. O prêmio é uma noite no Estádio do Maracanã. Uma suite de luxo será instalada para abrigar o vencedor.

As Olimpíadas vêm aí
«Violencia en Brasil: peligrosa antesala para los Juegos Olímpicos 2016»Violência no Brasil: perigosa antessala para as Olimpíadas de 2016. Foi manchete do portal informativo chileno T13. Mostra a preocupação que aflige atletas e dirigentes do mundo inteiro à vista da criminalidade enraizada em nosso País.

China imperadorBrasil colônia
«Chinese ‘economic colonisation’ of Brazil continues»Continua a ‘colonização econômica’ chinesa do Brasil. É com esse título que o jornal britânico The Independent relata o investimento de 50 bilhões de dólares que a China prevê fazer dentro em breve em nosso País.

Criança 1Fertilidade
«Brasilianische Mutter bekommt mit 51 Jahren ihr 21. Kind»Mãe brasileira dá à luz, com 51 anos, seu 21° filho. Manchete do portal alemão RP-Online sobre a extraordinária notícia da mulher sergipana que põe no mundo mais um brasileirinho.

Dilma 9Rivalidade
«Rousseff’s main ally eyes Brazil’s presidency in 2018»O principal aliado de Dilma de olho na presidência do Brasil em 2018. Com esse título, o portal noticioso Arab News, da Arábia Saudita, informa que o PMDB já não disfarça suas pretensões ao trono presidencial.

Criminalidade
«Despite firearm restrictions, gun violence kills five people every hour in Brazil»Apesar de restrição de armas de fogo, violência armada mata cinco pessoas por hora no Brasil. O portal Vice News relata o aumento alarmante da criminalidade em terras de Pindorama.

Crédito: Kopelnitsky, EUA

Crédito: Kopelnitsky, EUA

Imodéstia
«Conmigo y com Neymar juntos, Brasil habría ganado el Mundial»Comigo e Neymar juntos, o Brasil teria ganhado a Copa. É com essa tirada pouco modesta que Pep Guardiola se manifestou estes dias. Guardiola, que já foi técnico do Barça, comanda atualmente o Bayern Munique. Saiu no portal espanhol Mundo Deportivo.

Onibus 5Assalto por engano
«Asaltan bus que transportaba a hinchas de Guaraní en Brasil»No Brasil, assaltado ônibus que levava torcedores do Guarani. O jornal paraguaio Ultima Hora dá assim a notícia de assalto sofrido por torcedores nas cercanias de Maringá (PR). Os bandidos, imaginando que o coletivo trazia sacoleiros, estavam mais era de olho na mercadoria.

Os problemas que não temos

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 3 jan° 2015

Farofa 1Entrada de ano é hora de balanço. Todos nós, coração amolentado, olhamos pra trás, analisamos nossos próprios feitos e juramos de pés juntos fazer mais caprichado no ano que entra. Junto com o peru, a farofa e a troca de presentes, o exame de contrição faz parte do ritual da passagem de ano.

Canais de tevê, jornais, revistas e portais fazem questão de propor retrospectivas do ano que se foi. Pouca atenção se dá a acontecimentos positivos. Em compensação, é impressionante o que se vê de desastre e de desgraça. Compreende-se: coisa ruim vende melhor.

É verdade que, no Brasil, 2014 foi um ano e tanto. Eleições, seca saariana, vexame na Copa, violência endêmica, corrupção aos borbotões assustaram. Os problemas que temos são pesados. Às vezes nos fica a impressão de estarmos vivendo no pior país do planeta. Será mesmo?

Nestes dias flutuantes que separam passado e futuro, proponho darmos uma espiada no quintal do vizinho. Vamos, por um momento, esquecer nossas mazelas e imaginar a aflição de outros povos.

Manif 11Os Estados Unidos, símbolo de desenvolvimento e sucesso, estão sacudidos por distúrbios raciais. Ressurgem os espantalhos que imaginávamos falecidos com o último dos hippies.

Serra Leoa e outros territórios da África Ocidental choram seus mortos. Estão sendo dizimados por severa epidemia, mal terrível contra o qual pouco ou nada se pode fazer.

Desvario na condução da economia mergulhou nossa vizinha Venezuela no desabastecimento e na hiperinflação. O país resvala para a anomia.

Todos os Estados da orla do Pacífico vivem na permanente angústia de terremoto ou tsunami, catástrofes que podem irromper sem dizer água vai.

Imigração 4Empurradas pela miséria, populações inteiras arriscam a pele na temerária travessia do Mediterrâneo a bordo de embarcações precárias em busca de vida melhor na Europa. Esse fluxo continuado de infelizes aporta na Itália, onde acaba gerando fortes tensões que esgarçam o tecido social.

Os países produtores de petróleo do Oriente Médio, aqueles cuja única riqueza repousa na extração do ouro negro, sabem que a qualquer hora a fonte vai secar. Imagina-se a apreensão criada por essa perspectiva.

As duas Coreias vivem situação paradoxal. A do norte passa fome. A do sul vive há 60 anos na apreensão de um ataque do irmão desorientado.

Os iranianos pelejam contra o olhar reprovador do resto do mundo. Além de serem vistos com desconfiança, sofrem sanções que lhes sufocam a economia.

Já faz meio século que nossos vizinhos colombianos vêm tentando varrer do país o estigma da narcoguerrilha. Sem sucesso até agora.

Guerrilha 1Na França, imigração maciça oriunda das antigas colônias africanas tem semeado crescente discórdia entre franceses «de raiz» e recém-chegados. Essa cizânia é alimento para correntes políticas populistas e neonazistas, que ganham adeptos a cada dia.

Os países da África subsaariana, já castigados pela pobreza endêmica e pela natureza hostil, ganharam mais um inimigo. Grupos terroristas elegeram domicílio na região, que se tornou, de facto, território sem lei.

A queda vertiginosa do preço do petróleo, aliada às sanções aplicadas por países ocidentais, reduziu dramaticamente as rendas do Estado russo. Refletindo a desesperança, a moeda nacional perdeu boa parte de seu valor. Como de hábito, quem sente o baque é o povo.

Espanha, Turquia, Ucrânia, China são dilaceradas por crônicos movimentos separatistas – explícitos ou latentes. O estado insurreccional pode até, por momentos, se aquietar. Mas é calmaria que não ilude: por baixo da brasa, o fogo cochila. Um sopro basta para reavivá-lo e incendiar o país.

E o Brasil, bonito por natureza, como é que fica? Temos nossos problemas, sim. Seria hipocrisia negá-lo. No entanto, sopesando os males que corroem outros países, impõe-se o óbvio: nossos problemas têm solução.

Tsunami 1De fato, não dependemos da benevolência de governos estrangeiros, nem da descoberta de vacina milagrosa, nem da clemência da natureza. Não temos guerrilhas a combater, nem separatistas a derrotar, nem inimigos a temer. A faca, o queijo, a responsabilidade e a chave do futuro estão unicamente em nossas mãos – bênção de que outros povos não dispõem!

Quem quer mudar, muda. Quem não quer, reclama. Que tal incluir, nas intenções de fim de ano, a mudança de atitude? Que tal arregaçar as mangas e meter mãos à obra? A recuperação do País requer empenho de todos. Temos de salvar o que ainda pode ser salvo. E é bom acharmos logo solução contra a dissolução de nossa sociedade. Feliz ano-novo!

Negócio da China

José Horta Manzano

Você sabia?

Quem gosta, gosta. Assim como deve haver brasileiros apaixonados por críquete (eu não conheço nenhum, mas nunca se deve duvidar), há chineses tarados por futebol. Vocês me dirão que, no meio de zilhões de habitantes, se encontra de tudo. É verdade.

Problemas, enquanto não nos atingem, não despertam nossa atenção. Em linguagem mais chã: pimenta no olho do outro é colírio. Vamos aos fatos.

Crédito imagem: dramafever.com

Crédito imagem: dramafever.com

Nosso planeta ― como nos ensinou uma vez nosso guia em aula memorável ― é redondo e gira. Isso faz que diferentes regiões vivam sob diferentes fusos horários. Os jogos do atual campeonato mundial foram programados para favorecer, na medida do possível, espectadores do continente americano, da Europa e da África. É por isso que se joga um pouco mais cedo no Brasil ― justamente para que não caia no meio da madrugada na Europa.

Mas não dá para satisfazer a todos. Sempre haverá os que ficam a ver navios. Desta vez, foram os espectadores do Extremo Oriente. Pela hora chinesa, os jogos caem de madrugada ou de manhã cedo. Para quem tem de trabalhar no dia seguinte, a coisa se complica um bocado. Frise-se que Pequim não decretou que os dias de jogo sejam feriados.

E como é que o chinês fanático por futebol se vira pra não perder transmissões ao vivo? Ora, dá-se um jeitinho. Por lá também, burlar a lei faz parte da cultura nacional. O inglês Telegraph informa ― e o americano Fox 31 repercute ― que a Copa das copas está deixando muita gente doente na China.

Crédito foto: Associated Press

Crédito foto: Associated Press

Doente entre aspas, naturalmente. Depois de perder uma noite de sono, é difícil trabalhar. O mais prático é pedir um atestado médico e justificar a falta ao serviço. Num site chinês chamado TaoBao, qualquer um pode conseguir um talão de atestados por 16 centavos de dólar ― um negócio da China!

Mas a manha, amplamente difundida, é pra lá de conhecida, manjada demais. Mais vale conseguir um documento de qualidade superior. Um atestado com cara de verdadeiro, em papel timbrado de hospital com assinatura de médico, chega a custar pelos 50 dólares. É caro, mas… para um apaixonado, todo sacrifício é pouco.

O governo anda de olho. Assim mesmo, para um torcedor de verdade ― de corneta, boné e bandeirinha ― o risco compensa.

Interligne 28a

Nota:
A magnífica aula de geografia ministrada por nosso guia, faz alguns anos, está devidamente imortalizada no youtube. Se você quiser recordar, clique aqui. São 59 segundos inesquecíveis.

Rapidinha 26

José Horta Manzano

Manif 8Doze mil manifestantes (cinco mil segundo estimativa da polícia) desfilaram na cidade de São Paulo dia 13 de maio. São professores da rede municipal de ensino, em greve já há três semanas. Reclamam remuneração à altura do cargo que exercem.

Entre os cartazes, um me pareceu especialmente chamativo e adequado ao momento atual. Dizia:

ME CHAMA DE COPA E INVESTE EM MIM!
(a) EDUCAÇÃO

Frase do dia — 134

«Segundo o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, os torcedores ingleses podem vir tranquilos para a Copa da Fifa. Não haverá ― garantiu ― perigo maior que o enfrentado pelos soldados britânicos no Iraque. Faltou explicar se os torcedores deverão vir armados, como os militares enviados à guerra.»

Rolf Kuntz, jornalista, em sua coluna do Estadão, 10 maio 2014.

Frase do dia — 131

«Tra favelas in rivolta, scioperi della polizia e infrastrutture inesistenti, la kermesse del pallone potrebbe finire con il mostrare il volto del Brasile che l’Occidente ha voluto dimenticare nella fretta di trovare un posto in cui riversare capitali e speranze.»

«Entre favelas conflagradas, greve na polícia e infraestrutura inexistente, a quermesse do futebol poderia acabar mostrando a imagem do Brasil que o Ocidente quis ignorar na pressa de encontrar um refúgio onde investir capital e esperança.»

Gea Scancarello, do diário italiano Lettera 43em reportagem publicada em 25 abril 2014.

PCC

José Horta Manzano

O jornal francês Libération publicou uma reportagem daquelas que incomodam.

Começa dizendo que, a dois meses da «Copa das copas», a maior cidade do País é obrigada a conviver com uma organização de narcotraficantes que, de tão poderosa, está em condições de paralisar as instituições a qualquer momento. Está falando do PCC, como você já imaginou.

Crédito: Nacho Doce, Reuters

Crédito: Nacho Doce, Reuters

Em seguida, dá um apanhado das origens e da atualidade da «principal organização criminosa» do país. Faz uma radiografia da quadrilha e cita os seguintes números:

Interligne vertical 101993: ano de criação do bando

190 mil: total de detentos no Estado de São Paulo

46 anos: idade do chefe da gangue

37 milhões de euros: receita anual do PCC, o que permite que seja incluído no grupo das 1150 maiores empresas brasileiras

200 euros: contribuição mensal paga por todo membro, ainda que esteja em liberdade

11’500: número total de membros da organização

1’800: membros atualmente em liberdade na cidade de São Paulo. É mais que o dobro do efetivo da Rota, a polícia de elite. Esses são os tarefeiros, os que executam as ordens do chefe.

Para ler o original, clique aqui e também aqui.

Amazônia britânica

José Horta Manzano

Fish & chips no cartucho

Fish & chips no cartucho

Do site francês de notícias esportivas Le Buzz, nos chega informação transcendental. Ficamos sabendo que, até no coração da Amazônia, os turistas ingleses poderão comer fish & chips, especialidade tão apreciada em Londres quanto é o pastel de feira entre nós.

Segundo a reportagem, nosso país pode não estar pronto para acolher o monumental evento, mas os torcedores britânicos não foram esquecidos.

Pela módica quantia de duas libras, os 42 mil espectadores do jogo Inglaterra x Itália, previsto para dia 14 de junho em Manaus, poderão degustar uma porção da iguaria. Naturalmente, regada a vinagre.

A reportagem não diz se virá servida em cartucho de papel-jornal.

Frase do dia — 119

by Sinfronio de Sousa Lima Neto, desenhista cearense

by Sinfronio de Sousa Lima Neto, desenhista cearense

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«Faltaram ao ex-presidente Lula e à presidente Dilma os pilares de sustentação para a Copa ser sediada no Brasil: planejamento, organização, direção e controle.»

Francisco Bendl, in Tribuna da Imprensa, 12 mar 2014.

O «escândalo» das camisetas

José Horta Manzano

Nosso governo acaba de escorregar numa imensa casca de banana. Talvez tenha sido o «politicamente correto» aplicado com exagerado rigor.

No entanto, pensando mais a fundo, pode-se até imaginar que tenha sido manobra de marketing para redirecionar holofotes. Quanto mais eles estiverem voltados para assuntos sem importância, menos risco haverá de focalizarem descalabros governamentais.

Falo das camisetas postas à venda por uma grande firma internacional de artigos esportivos, camisetas essas que o Planalto, num surto de pudicícia, considerou ofensivas.

O presente caso, como tantos outros, é daqueles que, quanto mais se mexe, mais fedem. Se nosso governo tivesse mantido seu sangue frio, as camisetas ― de estampa mais idiota que ofensiva ― teriam passado despercebidas.

No entanto, os peritos em comunicação que assessoram o governo viram lá uma excelente oportunidade para desviar, durante o tempo que for possível, o foco das atenções.

Camiseta da discórdia

Camiseta da discórdia – clique para ler artigo

A fórmula é simples. Dá-se ao mundo conhecimento do assunto. O casto governo brasileiro e sua pudibunda presidente mostram-se escandalizados e profundamente ofendidos. Em seguida, os comentários planetários vão-se dividir entre os que apoiam a indignação do Brasil e os que não lhe dão importância. Enquanto se engalfinham os prós e os contras, o Planalto goza de uns dois ou três dias de alívio. Os problemas maiores continuam existindo, mas a vergonha da vez é atirada sobre terceiros. A pressão se arrefece.

O estratagema deu certo. Os jornais falados da rádio francesa de informação 24 horas por dia abriram o noticiário desta quinta-feira com a notícia da indignação de dona Dilma. Mencionaram até um vago ministério de defesa dos desprotegidos, algo assim. De dar dó no coração.

Essa manobra põe o Planalto na situação de vítima. Convenhamos, é sempre posição simpática. Melhor ser mártir que ser apontado como autoritário, repressor, intervencionista.

by Alberto Correia de Alpino F° desenhista capixaba

by Alberto Correia de Alpino F°
desenhista capixaba

Só tem uma coisa: esqueceram de combinar com os russos. Adidas, a multinacional de origem alemã que fabrica as maliciosas camisetas, ganhou publicidade planetária sem desembolsar um centavo.

Os dirigentes da portentosa empresa bem que podiam usar o fruto dessa alavancada em suas vendas para mostrar agradecimento ao governo brasileiro. Vaquinhas para prisioneiros e doações a partidos estão na moda. Custam pouco e podem trazer bom retorno.

Cría cuervos, y te sacarán los ojos

Sandro Vaia (*)

Não é preciso ter visto o filme de Carlos Saura para entender o significado da célebre expressão espanhola.

O rojão na cabeça que matou o cinegrafista Santiago Andrade da TV Bandeirantes durante um distúrbio no Rio é o olho arrancado por um corvo criado, alimentado, paparicado e incentivado por boa parte do pensamento político que imagina construir uma sociedade perfeita cheia de fadas Sininho e de rios de leite e mel, onde a justiça social estará disponível nas prateleiras dos supermercados a preços de liquidação.

Não importa se o morteiro foi disparado por 150 reais. Há assassinatos mais baratos do que esse disponíveis no mercado. Importa é o caldo da cultura que criou assassinos-vítimas que aparecem com cara de Dr. Jeckyll nos seus gestos de confissão e arrependimento e são fotografados em ação no auge de sua monstruosa transfiguração de Mr. Hyde.

Se, além do curling, houvesse na Olimpíada russa de inverno que transcorre em Sochi a modalidade de pisar em ovos, a imprensa, as autoridades, os políticos e o governo brasileiro criariam um escrete imbatível.

Pede-se uma lei contra o terrorismo, mas terrorismo não é. E se terrorismo for, como não enquadrar os não muito amistosos manifestantes do MST, que ocuparam a praça dos Três Poderes, tentaram invadir o prédio do Supremo e entraram em combate com policiais militares?Corvo 1

Mas não se pode criminalizar os movimentos sociais, reza a cartilha do poder. Por isso, prudentemente o ministro da Justiça guardou em sua gaveta um ante-projeto do secretário de segurança do Rio, José Mariano Beltrame, prevendo punições para manifestações violentas.

Como se não bastasse, representantes do pacífico MST, cujo líder José Pedro Stédile chamou o governo Dilma de «bundão» em questões de reforma agrária uma semana antes, foram recebidos e afagados pela própria presidente, depois de ferir 30 policiais nos choques do dia anterior.

Mas se o movimento for contra a Copa do Mundo, não será mais movimento social, mas pode ser enquadrado como terrorismo, conforme um projeto de lei que está atravancado em alguma gaveta do Congresso Nacional.

A confusão conceitual se instalou na seara do politicamente correto, e os concorrentes da maratona de pisar em ovos, não sabem mais pra que lado atirar: os pobres meninos desamparados da periferia que atiram rojões a esmo são vítimas da sociedade ou da exploração de políticos inescrupulosos que pagam pela sua violência?

O diabo é que todos dizem querer uma sociedade mais justa e em nome disso são capazes de pregar e acreditar que a justiça está em desmoralizar o Poder Judiciário porque condenou correligionários por corrupção ou em escrever que o «superávit primário é uma invenção diabólica do capitalismo para explorar os povos».

Quem cria esses corvos? E os olhos de quem eles comerão?

(*) Sandro Vaia é jornalista e escritor.
Fonte do artigo: O Globo, Blogue do Noblat

A cavala da Ilha Fiscal

José Horta Manzano0-Sigismeno 1

Sigismeno apareceu bastante excitado hoje de manhã, com aquela cara de um Arquimedes que houvesse feito uma grande descoberta.

«Estive pensando no baile da Ilha Fiscal.» ― foi logo dizendo.

«E por que, caro amigo?» ― tentei mostrar paciência.

Pausadamente, ele foi desenrolando seu pensamento: «Como aprendemos no curso de História do Brasil, a última festa dada pelo imperador Pedro II foi na Ilha Fiscal, um baile em homenagem a militares chilenos de passagem pelo Rio. O banquete teve lugar menos de uma semana antes do 15 de novembro. Daí, veio aquele golpe militar ― que chamamos pudicamente de ‘proclamação‘. O imperador foi despachado para o desterro e a República se instalou.»

«Até aí, estou acompanhando, Sigismeno. Mas por que você está tão excitado com esse baile do tempo do Onça?»

«Mas você não percebe? Não vê que estamos vivendo tempos perigosamente semelhantes?»

«Tempos semelhantes? Acho bom você explicar melhor. Não vejo o que o baile tem que ver com a atualidade» ― cortei seco.

«Pois então, raciocine comigo. Faltando uma semana para o fim do regime, o imperador consentiu dar uma festa de arromba. Com a participação de seu entourage, da corte em peso. Nem de longe desconfiavam que nuvens negras anunciavam a tempestade. Não foi assim?» ― insistiu Sigismeno.

«Parece que sim. Pelo menos, é o que a História guardou.»

«Pois então» ― prosseguiu ele. «As ruas andam fervendo, os que sustentam o país com seus impostos estão descontentes. Andei lendo que, na Copa, o Brasil vai gastar quatro vezes mais do que gastou a África do Sul. Por um sim, por um não, torcedores se trucidam, invadem sede de clube, quebram tudo.»

«Mas isso não é de hoje. Ainda que a retórica oficial continue ensinando que brasileiro é povo pacífico, todos sabem que, no fundo, sempre fomos gente violenta. Não é novidade» ― retruquei eu, sem entender aonde Sigismeno queria chegar.

«É, mas a coisa anda mais feia do que de costume. Antes, cada um resmungava no seu canto. Hoje, as tais redes sociais amplificam o clamor. Os descontentes não se sentem mais como velhos rabugentos e solitários. Isso ainda vai acabar mal» ― sentenciou ele.

«Ainda não entendi onde é que a Ilha Fiscal entra nessa história.»

«Puxa, mas tenho de explicar tudo! Não lhe escapou a notícia de que nossa presidente tentou mandar a imprensa para escanteio enquanto levava a corte a Lisboa para comer cavala escondido, pois não?»

Cavala com aspargos Crédito: Paracozinhar.blogspot

Cavala com aspargos
Crédito: Paracozinhar.blogspot

«Cavala? De onde você tirou essa ideia fora de esquadro?» ― balbuciei abismado.

«Pois andei lendo que dona Dilma não foi comer bacalhau, que é prato muito chué. Foi comer cavala, aquele peixe que os ingleses chamam mackerel. Na França, é maquereau. A ciência conhece como acanthocybium solandri

E continuou: «Pois agora, imagine você: o país fervendo, as contas estourando, a economia à deriva, o povo ao deus-dará, e a corte se refugiando de sorrelfo para degustar cavala em restaurante estrelado.»

E foi adiante: «Se fosse inócuo e ético, não teriam feito isso escondido. Sabiam que nós, que sustentamos a turma, não havíamos de gostar.»

«Mas, Sigismeno, eles disseram que cada um pagou sua parte.»

«É» ― atalhou ele ― «mas esqueceram de acrescentar que altos funcionários, quando viajam, têm uma ajuda de custo de uns 400 dólares por dia. Podem até ter pago com cartão pessoal, mas essa despesa, ao fim e ao cabo, vai ser paga por nós.»Interligne 18b

Devo admitir que Sigismeno tem lá sua dose de razão. Pagar pela cavala de privilegiados é dose pra cavalo. Os medalhões devem ter faltado à escola no dia em que foi dada a lição sobre o baile da Ilha Fiscal.

Frase do dia – 24

«O representante da empresa que detém todos os direitos sobre a seleção brasileira até 2022, a ISE, faz parte da lista dos empresários suspeitos de envolvimento com os escândalos da compra de votos para a eleição na Fifa e mesmo para a escolha da Copa de 2022 no Catar.»

Jamil Chade, em edificante artigo publicado no Estadão online, 17 ago 2013

Bulindo com a bala

José Horta Manzano

Desde que a peça teatral L’Arlésienne, do escritor e dramaturgo francês Alphonse Daudet (1840-1897), foi encenada pela primeira vez, a palavra arlésienne entrou na linguagem comum do país.

L'Arlésienne com dedicatória do autor

L’Arlésienne
com dedicatória do autor

Em sentido próprio, designa uma mulher originária da cidade de Arles, no sul da França. Na peça, é o nome de uma personagem que não aparece nunca, que ninguém vê. Desde então, quando quer se aludir a algo ou a alguém que não se vê, que não periga aparecer, diz-se que «c‘est comme l‘arlésienne», é como a arlesiana.

Estes dias, foi anunciado o enésimo adiamento do leilão em que se pretende confiar, a um consórcio de empresas, a construção do famigerado trem-bala ligando Campinas ao Rio de Janeiro, via São Paulo. Lembrei-me da arlesiana. Com sua sabedoria do século XIX, minha avó diria que esse trem aí só será inaugurado no dia de São Nunca.

O tempo passa e as coisas mudam. Quando esse projeto foi concebido, o País vivia tempos de euforia. Presidente taumaturgo, economia florescente, dinheiro entrando a rodo, céu de brigadeiro. Foi nessa onda que pareceu a nossos mandarins uma excelente ideia investir o que fosse necessário para convencer Fifa e CIO que os próximos megaeventos planetários tinham de se realizar no Brasil.

Trem de São Nunca

Trem de São Nunca

Não deve ter sido difícil convencer os comandantes mundiais do esporte. São gente muito compreensiva e bastante flexível. Aliás, desde que os fenícios inventaram a moeda, ficou bem mais fácil convencer.

No embalo de copona, copinha, jogos olímpicos, veio também o trem-bala. Sem falar em transposição(*) de rios. Obras faraônicas, de prestígio, vistosas, imponentes, que nem os generais chegaram a ousar nos tempos do Brasil grande.

Os ventos mudaram. Hoje seria impensável impor ao povo brasileiro o gasto de bilhões de reais em façanhas de tão pouca utilidade. Enfim, o que está feito, está feito. Não faz sentido demolir estádios modernosos nem anular a copa. No entanto, o trem-bala, que nem começado está, de certeza nunca se fará.

Bala

Bala

O artigo 5° de nossa Constituição deixa bem claro que todos os brasileiros nascem livres e iguais. Num país em que falta giz nas escolas e esparadrapo nos hospitais, numa terra onde milhões de cidadãos vivem expostos à fome, ao medo, à insegurança, ao atraso cultural, à desesperança, seria inadequado ― para dizer o mínimo ― torrar 35 bilhões na construção de um trem de luxo para beneficiar uma meia dúzia.

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(*) Transposição, palavra pomposa, não é o termo mais adequado. Bipartição, tripartição ou simplesmente partição reflete a realidade com mais precisão e cai muito melhor.

Sai do teu sono devagar

José Horta Manzano

A cidade do Rio de Janeiro, além de ser afamada pela beleza de sua exuberante natureza, é mundialmente lembrada por suas praias de areia fina. Quem diz praia, diz calor. Os registros meteorológicos trintenais da cidade, compilados entre 1961 e 1990, atestam que temperaturas de 40° (ou mais) já chegaram a ser registradas em todos os meses do ano, com a honrosa exceção de junho. No sexto mês do ano, a máxima registrada durante esses 30 anos não passou de 39°.

Essa tropicalidade toda convida a uma comida leve e fresquinha, acompanhada por uma bebida gelada sorvida num canudinho. Ou não? Pois parece que não. O restaurante mais badalado da cidade leva o estranho nome de Antiquarius. Para quem procura refeição fresca, não é um nome atraente.

Falando em comida fresca, a imprensa noticiou que, na noite de 6 de agosto, o Procon carioca fez uma batida de caráter sanitário em alguns dos mais conceituados restaurantes da cidade. Era a Operação Ratatouille, em alusão ao prato provençal e também ao filme de animação homônimo.

Nosso Antiquarius ― assim como outros conceituados restaurantes ― foram inspecionados. Escândalo! Quilos e mais quilos de alimentos com data de validade vencida foram pilhados. Como é que pode?

Restaurante Antiquarius, Rio de Janeiro by Lalo de Almeida, NYT

Restaurante Antiquarius, Rio de Janeiro
by Lalo de Almeida, NYT

Bem, alguma desculpa sempre se arruma. Para um dos gêneros incriminados, o Antiquarius informou que já não constava mais do cardápio fazia um ano. Ora, se já não é servido, por que razão ocupava espaço na geladeira?

Tivesse algo parecido acontecido em outros lugares do mundo, a onda de choque teria sido bem mais intensa. Em Paris, Londres ou Nova York, um restaurante acusado de servir comida suspeita pode fazer uma cruz sobre sua reputação. Não se levantará nunca mais. Não sei como os cariocas endinheirados encaram a situação. Evitarão essas estalagens suspeitas? Ou passarão por cima e se arriscarão a pagar elevadas quantias para encomendar pratos pra lá de duvidosos?

Rato

Rato

No Brasil, a avalanche de irregularidades e de casos escabrosos é tamanha, que um escândalo ofusca o anterior. Passados uns poucos dias, já ninguém se lembra.

No entanto, o caso dos restaurantes cariocas apanhados de calça na mão não escapou ao respeitado New York Times. Numa crítica azeda, o correspondente do jornal no Rio de Janeiro destaca o fato de o Antiquarius ostentar decoração de falso estilo fazenda antiga. E sublinha que um bacalhau ensopado custa ali 68 dólares(!).

O Rio anda na berlinda estes últimos tempos. Entre a copinha, a visita de Papa Francisco, a copona e os Jogos Olímpicos, a cidade está sendo examinada com lupa. E continuará assim até 2016.

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