CPI aguarda explodir?

Chamada O Globo, 27 mai 2021

José Horta Manzano

“Witzel é bomba contra o Planalto que CPI aguarda explosão”

É o que diz a chamada do jornal. Frase esquisita, não? A gente até que entende o que o estagiário quis dizer, mas o título parece meio torto.

Consertar é fácil. É até curioso que o autor da frase não tenha pensado nisso. Basta mudar uma palavra. Quer ver?

“Witzel é bomba contra o Planalto, que CPI aguarda explodir

Pronto. Explodir no lugar de explosão, e o problema está resolvido.

Só que tomei o cuidado de acrescentar uma vírgula. Nesse caso, faz diferença. Sem ela, dá-se o recado de que a CPI está aguardando a explosão do Planalto. Cruz-credo! Os senadores estão exaltados, mas não a esse ponto. Enfim, acredito que não.

Aquele abraço

Fernando Gabeira (*)

Quando William Shakespeare tomou sua vacina no histórico 8 de dezembro, confesso que o invejei. A primeira coisa que me veio à cabeça foi abraçar, depois de tantos meses, minha filha que vive longe daqui. Imaginei imediatamente quantos abraços e beijos estão congelados a 70 graus negativos, esperando o momento da vacina.

Mas aqui, caro Shakespeare, a vacina ainda é sonho de uma noite de verão. Gostaria também de voltar à estrada, passar longos dias no mato, voltar ao escurecer, com os curiangos voando diante do para-brisa, as primeiras luzes se acendendo na periferia da pequena cidade.

Aqui, William, somos reféns de um governo obscurantista, que não só negou a Covid-19, como o governo britânico no início, mas, ao contrário dele, nunca mudou de posição.

Não vou te cansar com detalhes biográficos. Para quem conheceu Hamlet, o nome Bolsonaro e seus dramas acabariam aborrecendo pela vulgaridade.

O fato é que ele acredita mais num remédio do que na vacina contra o coronavírus. Primeiro, importou da Índia insumos para hidroxicloroquina, e ela encalhou nos laboratórios do Exército. Depois, ao lado de um astronauta, investiu milhões em pesquisa sobre um vermífugo chamado Anitta. Fracasso.

Ele escolheu um general para comandar essa guerra. É um especialista em logística que deixa milhões de testes contra Covid-19 adormecidos num galpão de São Paulo.

Esse general talvez fosse um personagem. Ele acha que o inverno brasileiro do Nordeste coincide com o europeu. E promete comprar vacinas se houver demanda, como se nenhum de nós sonhasse com o seu 8 de dezembro, William.

A única preocupação do homem que preside o país é que a vacina não seja obrigatória. Mas como poderia ser, se levaremos mais de um ano para vacinar todo mundo? Como tornar obrigatório algo que não está disponível? A liberdade será preservada.

Vejo nas redes sociais que seus seguidores temem que a vacina, sobretudo as que trabalham com RNA, possam mudar o código genético. Temem a vacina que você tomou, a da Pfizer, como se depois dela William Shakespeare deixasse de escrever e se tornasse lenhador na cidade de Warwick.

O Brasil talvez seja o único país onde as vacinas têm um peso ideológico. As chinesas são preteridas pelo governo porque são chinesas, têm o olho apertado e podem nos transformar numa multidão de fanáticos do comunismo invadindo as ruas com o livrinho vermelho na mão.

O general que confunde invernos e entraria em mais frias do que Napoleão não se lembrou ainda de comprar as seringas e agulhas, dessas que foram usadas aí, William, nessa terça-feira histórica.

Para não dizer que tudo aqui é cinzento e sem esperança, registro que podemos ver o terno e o vestido que o presidente e sua mulher usaram na posse, em 2019. Eles estão expostos, a entrada é grátis, e foram inaugurados com pompa, discursos sobre estilo e Jesus Cristo, ou como definir as medidas de um enviado dos céus.

Indiferente a tudo, o vírus avança. Nada mais fácil do que enlouquecer um país antes de destruí-lo.

O governo vai amarrar ao máximo o processo de vacinação, simplesmente porque não acredita nele. Em 1904 houve uma revolta contra a vacina. Será preciso uma outra revolta, desta vez para que as vacinas sejam usadas o mais rápido possível.

Será preciso lutar não só para a retomada econômica, mas para que nossas vidas sentimentais sejam reatadas como antes. Isso é até secundário, se considerarmos o número de doentes e mortos que o atraso produz.

Contamos com alguns governadores, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. Não se pode dizer que sejam rápidos ou solícitos para entrar nessa luta. Mas é o que temos. Se for necessário, que se faça uma pressão sobre todos. Pode chegar o momento em que fique claro que não só o vírus, mas a elite burocrática e política brasileira, é um obstáculo de vida ou morte.

Se no combate contra um vírus há tanta hesitação, imagino em casos mais graves como numa guerra. O Exército, que na origem era aliado da ciência, produz um general obscurantista como Pazuello, o presidente que foi escolhido por milhões dedica-se a expor numa vitrine iluminada um terno escuro e o vestido que a mulher usou na posse.

Nem todos os que se sentem mumificados podem entrar num museu. Há critérios: é preciso tempo e história, até para um lugar no museu de horrores.

(*) Fernando Gabeira é jornalista. O artigo reproduzido foi publicado no jornal O Globo de 14 dez° 2020.

O ladrão e o larápio

José Horta Manzano

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Orgulhoso de estar dando um furo de reportagem, o autor da façanha não se deu conta da contradição e mandou para publicação. O estagiário não pensou duas vezes: paginou a manchete conforme as instruções recebidas. Ficou esquisito.

Primeiro, a notícia aponta dedo acusador a youtubeiros (=youtubers) que conseguem obter informações privilegiadas do Planalto. Em seguida, não mais que uma linha abaixo, conta que o Estadão teve acesso a mais de mil páginas de um inquérito sigiloso que corre no STF.

Ora, se a acusação é contra cidadãos que receberam informação privilegiada vinda do topo do Executivo, não fica bem ter-se inteirado do ilícito por meio de informação privilegiada vinda do topo do Judiciário.

Taí exemplo uivante do roto falando do rasgado. Ou do ladrão falando do larápio.

O gargalo

José Horta Manzano

Acaba de sair portaria determinando o fechamento das fronteiras terrestres com 8 países, com o objetivo de frear a entrada de pessoas contaminadas pelo coronavírus. O Brasil tem fronteira comum com 10 países. A Venezuela já está há alguns dias ‘isolada’. Com os oito de hoje, são nove. Por inexplicadas razões, ficou de fora o Uruguai. Note-se que a portaria vale para fronteiras terrestres e fluviais; todos os que quiserem entrar em território nacional por via aérea têm catraca livre.

A primeira observação é que a expressão solene «fechamento de fronteira» impressiona, mas não funciona. Nossas porosas fronteiras não são susceptíveis de fechamento. Passa quem quer – e, principalmente, passa carregando o que quiser. O corolário de fronteira é contrabando. Não será um decreto do Planalto que vai impedir o ir e vir de gentes e mercadorias.

A segunda observação é temporal: a decisão chega tarde demais. Duas semanas atrás, quando a epidemia já castigava Ásia e Europa mas não tinha aportado nestas terras descobertas por Cabral, ainda dava tempo. O problema é que, naquela altura, a alta cúpula federal enxergava a doença como «histeria» e «fantasia da grande mídia». Estamos agora pagando o preço da leviandade e da ignorância dos que nos dirigem – principalmente do chefe deles todos.

Nesta altura, o vírus já está circulando em território nacional. Ainda vale fazer triagem dos que chegam do exterior, com aquele termômetro pistola que mede a temperatura sem contacto com o viajante. Afora isso, «fechar» fronteiras é perda de tempo e esforço.

Em vez de reagir com uma semana de atraso, as autoridades tinham mais é que antecipar o que está por vir. O Brasil vai precisar de milhares de respiradores (ou ventiladores), aqueles aparelhos que se sobrepõem a pulmões vacilantes e ventilam pacientes entubados. Pacientes de coronavírus em estado grave só terão alguma chance de sobrevida se forem conectados a uma dessas maquinetas. Não são leitos que faltam, são respiradores.

Já fizeram a contagem? Já sabem quantos deles estão disponíveis no país? Há fabricante nacional? Se não houver, há possibilidade de adaptar rapidamente alguma planta industrial para a produção de respiradores? Essas são as questões que deveriam estar preocupando nossos dirigentes.

A Suíça, pequeno país encarapitado nos Alpes, já fez o inventário: há cerca de 1100 respiradores no país, incluindo os do exército. Então, já se sabe: pacientes em estado grave não podem exceder o número de 1100. Se, por desgraça, forem 1200, 1300 ou mais, o corpo médico será compelido a fazer escolhas dolorosas; terá de decidir quem será entubado e quem será abandonado.

E o Brasil? Já conhece o diâmetro desse gargalo?

Presente para presidentes

José Horta Manzano

Desde que o século virou, faz já duas décadas, a presidência de nossa maltratada República tem-se caracterizado por chefes de poucas letras. Não só os chefes – a característica se espalha pelos assessores e acaba marcando todo o pessoal que ocupa o palácio. Boa parte das decisões desatinadas que vêm freando o avanço do país encontra explicação nessa falta de luzes.

Um bom presente de ano-novo para a turma do Planalto seria um cartaz, a ser afixado em todos os locais e gabinetes (banheiros incluídos), com os seguintes dizeres:

Quem sabe acabam entendendo o recado? Não custa tentar. É para o bem do país, que não há outro jeito. Enquanto formos liderados por ignorantes, não vamos sair do atoleiro.

Os palpites do presidente

José Horta Manzano

Presidente da República pode até ter opinião sobre tudo, mas não convém torná-la pública sistematicamente. Na escala social da nação, a posição do presidente não é a de cidadão comum. Assim como tem direitos que nós não temos (imunidade judicial, foro privilegiado, segurança pessoal, palácio pra morar, pensão e transportes grátis), tem um dever de reserva que não nos é imposto.

O distinto leitor e eu podemos, se assim o desejarmos, sair por aí dando nossa opinião e palpite sobre qualquer assunto. Se formos elegantes ou politicamente incorretos, tanto faz, desde que não ultrapassemos os limites da ofensa. O presidente não tem a mesma latitude que nós. Suas palavras têm peso maior e alcance mais amplo. Além do que, o bom senso ensina que o que é mais raro é mais precioso. Quanto menos se exprimir, com mais atenção será escutado.

Nosso caro doutor Bolsonaro, embora estique as asas, ainda não conseguiu alçar voo pra alcançar o trono presidencial. Continua se comportando como se ainda estivesse no baixo clero da Câmara. Diga-se, a seu desagravo, que ele não é o primeiro nessa situação. Todos se lembrarão do Lula, que passou oito anos na presidência se conduzindo como se no botequim da esquina estivesse.

Firme na linha do homem que ainda não vestiu a roupa do cargo, doutor Bolsonaro decidiu opinar sobre… placas de automóvel. Imaginem só, com todos os problemas que temos, o presidente perder tempo dando sua visão de estadista sobre aquela chapa de metal que todo carro leva (ou deveria levar).

Os menos jovens se lembrarão de doutor Itamar Franco, que presidiu esta República faz um quarto de século, nos anos de 1993 e 1994. Ele ficou na história por ter solicitado à Volkswagen que ressuscitasse o Fusquinha, modelo que havia saído de linha em 1986. É o tipo de assunto em que presidente que se preza não deveria meter o bedelho. Doutor Bolsonaro está repetindo a dose. O que é que tem placa de automóvel de tão importante pra entrar nas preocupações presidenciais?

Imagino que o fato de a nova placa se chamar «do Mercosul» e ser comum a meia dúzia de países da região incomode a visão estreita do Planalto. Devem estar achando que uma tal abertura nos faça mergulhar direto num perigoso terceiro-mundismo. Cada bobagem… Alguém precisa explicar àquele gente empacada que a introdução do novo modelo de placa é necessária porque as possibilidades de combinação do modelo antigo estão prestes a esgotar-se. Não é difícil entender, pois não?

Será que, se as novas placas copiassem modelo americano, seriam mais bem aceitas?

Diz que diz e cai não cai

José Horta Manzano

Está cada dia mais aflitivo o que se passa pelas bandas do Planalto. Se ainda viva fosse, a Candinha ‒ aquela dos mexericos ‒ ficaria roxa de inveja. O diz que diz é digno de cortiço. Nem durante as brigas de minha vizinha do apartamento de baixo se vê tanta roupa suja lavada em público. E olhe que minha vizinha, quando se enfeza, aborda o marido aos berros e nele atira pratos, cobras, lagartos e o que mais lhe passe por perto. No Planalto, lugar excelso da República, é pior.

Os Bolsonaros
Crédito: vespeiro.com

Fofocas, insultos, hesitações, ataques, retratações, acusações, desmentidos ‒ têm sido nosso prato do dia há duas semanas. Os grão-duques do lulopetismo assaltavam o erário, é verdade, mas pelo menos o faziam discretamente. A gente empobrecia mas conservava o sorriso dos ingênuos. Já atualmente, o clima conflagrado irrita o povo e emperra o bom andamento da nação. Não nos roubam dinheiro, mas surrupiam-nos a paciência e confiscam-nos o sorriso.

Uma simples troca de ministros, fato que ocorreu às dúzias em governos anteriores, transformou-se num circo midiático, espetáculo servido à prestação, com picantes capítulos diários. Um espanto. Agora que o ministro cai-não-cai já se foi, resta torcer pra que a turma do palácio endireite. Se não for pedir muito. Desconfio que é.

Voz ativa

José Horta Manzano

Faz três dias, o Planalto emitiu uma nota. Deu conta de um ato que é, sem dúvida, o mais sensato, até esta data, do recém-inaugurado governo: foi designado o porta-voz oficial da Presidência.

Depois de quinze dias cacofônicos, uma voz credenciada vai pôr fim a essa sensação de casa de mãe joana, onde todos gritam e ninguém se entende. Não se dará mais importância se alguém ousar vociferar que meninos vestem azul ou que sapos não se vestem. Somente a voz oficial do governo fará fé.

by Tom Toro, desenhista americano

Falta recomendar aos Bolsonaros juniores que se abstenham de bagunçar o coreto. Compreende-se que seja impossível calá-los, afinal os três são eleitos do povo. Será importante, pelo menos, que abandonem o mau hábito de pôr o verbo na primeira pessoa do plural. No singular, já estará de bom tamanho.

Pega mal referir-se à Presidência com expressões como «nós queremos», «nós decidimos» ou «nós faremos». O povo gostaria de manter a ilusão de que quem decide é o presidente, sozinho, sentado em seu despacho. E não um quadrunvirato reunido em torno da mesa da cozinha.

Falou e disse

José Horta Manzano

No discurso oral, o verbo dizer é sistematicamente substituído pelo colega falar. Passa batido e ninguém faz caso. Já na língua escrita, a coisa muda de figura. Mais exigente, a norma culta distingue perfeitamente entre dizer e falar.

Alguém pode:

falar uma língua
falar rápido
falar com alguém
falar ao telefone
falar difícil
falar de alguém
falar de algo
falar pelos cotovelos
falar linguagem elevada
falar por sinais

Reparem que, em nenhum dos exemplos que citei, está explicitado o que foi dito. Quando se quer contar o que foi dito, o verbo falar cai fora. É hora de usar o colega dizer.

Assim, alguém pode:

dizer uma poesia
dizer a verdade
dizer adeus
dizer patacoada
dizer a razão do acontecido

Chamada Estadão, 12 jul° 2018

Uma regra de ouro: todas as vezes que o verbo for seguido de que, fuja do falar e use dizer. Falar não será nunca seguido de que.

Ele disse que viria.
Eu diria que deve medir uns dois metros.
Eles disseram que estava chovendo.
Ela disse que delação premiada funciona.
Ele disse que nunca 
mente.

E naturalmente: «Collor volta a dizer que é candidato ao Planalto».(*)

Que Deus nos livre e guarde!

(*) Este blogueiro, embora já um tanto desesperançado, continua acreditando que presidente destituído devia ser proibido de se candidatar pelo resto da vida. Se já mostrou não estar à altura da função, não faz sentido tentar de novo. Cargo eletivo não é banco de provas e eleitor não é cobaia. Visto que essa gente fina não tem vergonha na cara, que sejam banidos da vida pública pela mão pesada da lei.

Lula es inocente!

José Horta Manzano

É de lei. Todo ex-presidente da República ‒ ainda que tenha sido apeado do cargo ‒ tem direito a polpuda aposentadoria. E não é tudo. Dispõe ainda de automóvel com combustível e manutenção pagos, mais oito assessores cedidos pelo Planalto. Oito assessores! E tudo sustentado com o dinheiro dos contribuintes. Não precisava nem dizer mas, dizendo, fica mais claro.

A meu ver, presidente destituído por crime de responsabilidade não deveria ser contemplado com esses mimos. Mas é de lei, que fazer? Doutora Dilma tem aproveitado ao máximo essa excrescência da legislação. Tem viajado mundo afora, sempre em assento de primeira classe, para contar a lorota de que seu impeachment foi golpe de Estado. Faz dois anos e meio que a doutora insiste na pregação.

A mais recente viagem foi a Madrid, onde desembarcou faz dois dias. Viajou na primeira classe de avião da Iberia. Ao chegar ao aeroporto de Barajas, madame foi apanhar a mala de rodinhas, guardada no bagageiro acima do assento. Perdida como sempre, havia esquecido onde estava a mala. Levou bom tempo para encontrar. Não sabia mais nem de que lado procurar. Chegou a abrir uns quatro compartimentos. Um passageiro imortalizou a impagável cena em vídeo de um minuto e meio.

Ontem, na madrilenha Casa de América, a doutora deu conferência sobre a crise política no Brasil. Renovou a cantilena de que foi destituída ilegalmente na esteira de um complô parlamentar. Um vídeo de um minuto mostra o trecho em que madame, num portunhol pedregoso, explica que está em curso, na América Latina, um novo tipo de golpe armado em conjunto por parlamentares, pela mídia, pelo Judiciário e pelo mercado. Senhor, haja conspiração! Pra fechar a fala, a doutora lembra do padrinho e, en passant, reitera sua convicção de que o Lula é inocente.

O distinto leitor pode até balançar a cabeça e sorrir. Mas fique sabendo que, nas Orópias, muita gente acredita nisso. Afinal, é a palavra de uma antiga chefe de Estado! Não é habitual ver gente que exerceu cargo tão elevado sair contando balela por aí. O CV da palestrante empresta um quê de fidelidade à narrativa, o que é desastroso para o Brasil.

Resumo da história
Faz dois anos e meio que doutora Dilma faz incessantes viagens ao exterior e profere palestras com o intuito de denegrir as instituições brasileiras e consolidar, no espírito dos estrangeiros, a imagem de que a nossa é uma republiqueta de bananas. Faz isso com nosso dinheiro.

Chegou a hora de algum parlamentar apresentar um projeto de lei que iniba esse tipo de palhaçada. Afinal, congressistas são pagos pra legiferar em favor do país. Ou não?

2018: um novo ciclo

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 30 dezembro 2017.

Fim de ano, não tem como escapar: é hora de balanço. Por imposição legal, cada empresa faz o seu. Por princípio e por hábito, cada indivíduo, ainda que não se dê conta, passa em revista os acontecimentos do ano findo e tenta projetar-se no futuro. Formulamos votos de que o pior tenha passado e de que os próximos 12 meses sejam radiantes. Se o ano tiver sido de privações, torcemos para que o próximo seja de abundância. Se o que passou tiver sido de excessos, fazemos votos ardentes para que o seguinte nos brinde com a bênção da sobriedade. Em resumo, que seja pra mais ou pra menos, temos o anseio e a esperança de que as coisas mudarão.

Os babilônios, desde que procuraram codificar o que viria a ser, bem mais tarde, a astronomia e a astrologia, constataram que a vida no planeta evolui balizada por ciclos. Por óbvio, os primeiros vaivéns observados foram a alternância do dia e da noite. O estudo do ritmo das estações viabilizou a agricultura. A relação entre as fases da Lua e o movimento das marés foi descoberta interessante. Períodos de penúria sempre alternaram com tempos de bonança. Guerra e paz, expansão e retração, glaciação e aquecimento, euforia e desânimo vêm se revezando na história da humanidade. Assim é ‒ e tudo indica que assim há de continuar.

E nosso país, nesse barulho todo, como é que fica? Dizem às vezes que perdemos o bonde da história. Não acredite. A frase é pomposa mas vazia. Que bonde? Que história? Cada povo apanha o veículo certo, na hora adequada. Se não for hora, pouco importa que passe toda a frota. O país só embarcará se (e quando) estiver preparado. Fruta amadurecida à força fica sem gosto e acaba apodrecendo por dentro. Só poremos o pé no estribo quando for chegada a hora. O Brasil não é a Suécia nem o Zimbábue. Nossos ciclos não são necessariamente os deles.

Nossa política nacional, por exemplo, vive um fim de ciclo. Só não enxerga quem não quer. Recapitulando, em poucas linhas, os últimos cem anos, temos a República velha, tempo de expansão. A grande liberdade levava a excessos. Levantes e revoluções se sucediam num ritmo caótico que acabava estorvando o progresso ordenado. Foi quando sobreveio a Revolução de 1930, instalando um regime autoritário, comedido, regrado, formatado, do tipo «ai de quem sair da linha!».

Em 1945, coincidindo com o fim da guerra mundial, o ditador foi despachado de volta à sua estância, e o regime se dilatou. Seguiu-se um ciclo de euforia desenvolvimentista em que, de novo, excessos passaram a fazer parte do dia a dia. O que tinha de acontecer aconteceu: o regime foi derrubado em 1964. De novo, a contração, o autoritarismo, o controle rigoroso, a contenção. De bom grado ou não, tivemos todos de andar na linha. Se desvios houve no andar de cima ‒ e deve ter havido, que ninguém é de ferro ‒, pouco se soube. A imagem que sobrou é de austeridade e repressão.

Pela lógica, a era seguinte havia de pender para o polo oposto. Assim foi. Construído sobre a Constituição de 1988, o novo período brindou os brasileiros com mimos com os quais eles não estavam mais habituados. De lá pra cá, multipartidarismo, eleições a granel, liberdade de expressão, euforia econômica, situação mundial favorável têm marcado o cenário. Nosso ciclo diastólico poderia até ter durado mais alguns anos. Mas a carne é fraca. Qui multum habet plus cupit ‒ quem tem muito sempre quer mais. A história sintetizará este período numa só palavra: corrupção. Corrupção de proporções bíblicas.

A rapina aos dinheiros públicos foi descarada, desenfreada, ilimitada, alucinada. O lado bom da evolução dos últimos anos ficou ensombrecido pela insolência dos que se serviram do dinheiro do contribuinte como se deles fosse. Esticada e esfiapada, a corda está a ponto de arrebentar. Partindo das premissas que vemos, as primícias do que vai ser já apontam no horizonte. Novo período de contração é inevitável.

Ainda é cedo pra discernir detalhes com acuidade, mas podemos apostar todas as fichas numa tendência oposta aos excessos atuais. O Brasil que sairá das urnas em 2018 ‒ posto que cheguemos até outubro sem turbulência maior ‒ será diferente do atual. É virtualmente impossível que um barra-suja seja alçado à presidência. Aliás, seria conveniente que, além de barra-limpa, o próximo inquilino do Planalto fosse também competente. Mas talvez isso já seja querer demais. Feliz ano-novo!

Menos médicos

José Horta Manzano0-Sigismeno 1

Estava conversando com meu amigo Sigismeno. Pra variar, o bate-papo era sobre as últimas peripécias da movimentada política nacional. Perguntei eu:

‒ Você viu, Sigismeno, essa decisão que Cuba tomou no âmbito do programa de mais médicos?

‒ Não, essa me escapou. O que foi mesmo?

‒ Pois estavam para enviar uma leva de 700 médicos, dentro do acordo firmado nos governos lulopetistas, quando, de repente, a viagem do pessoal foi bloqueada. E não foi por falta de avião. Parece que não virão mais médicos cubanos. Por aqui, alguns aplaudem a medida, outros não.

‒ E qual a razão da suspensão de envio de profissionais? Informaram?

‒ Olhe, Sigismeno, se entendi bem, 88 dos médicos já enviados ao Brasil entraram na Justiça com pedido para permanecer em nosso território. Não querem saber de voltar para a ilha de origem. Miséria por miséria, preferem a nossa. Para estancar a hemorragia e minorar o vexame, Havana prefere não mandar mais médico nenhum.

‒ E você acredita que a razão seja realmente essa?

‒ É o que a mídia noticiou, Sigismeno. Que eu saiba, ninguém pôs a afirmação em dúvida.

‒ Pois então, me dá muito orgulho ser o primeiro.

‒ Ah, você não tem jeito, Sigismeno. Sempre em desacordo com a maioria. E qual seria, segundo você a razão da súbita suspensão do programa?

‒ Bom, vamos fazer um rápido ‘flashback’. Faz alguns anos, assim que esse envio de médicos foi anunciado, eu já desconfiei que aí tinha coisa meio obscura. Aliás, se não me engano, comentei com você.

‒ Tem razão. Você ficou encafifado com o fato de os médicos não receberem o salário integral na conta bancária como todo assalariado.

‒ Pois é. Na época, o trato era remunerar os profissionais com dez mil reais mensais, o que me parecia um salário correto. O chato é que o médico só recebia três mil, sendo o resto confiscado e enviado diretamente ao governo cubano.

‒ É, era isso. Mas onde é mesmo que você viu problema?

‒ Sabendo que o lulopetismo não é composto de gente «boazinha», cujo desejo profundo é ajudar o sofrido povo cubano, concluí que a dinheirama enviada a Cuba havia de ter outro destino. Desde o começo, me pareceu claro que, daquela bolada, uma parte engordava as caixas do partidão caribenho e outra parte… voltava em malas, malotes e até cuecas.

‒ Ah, é verdade, Sigismeno! Agora me lembro da sua reflexão. Mas o que tem de ver a sua desconfiança com o que está acontecendo agora?

‒ Ora, me parece a consequência lógica da mudança de governo no Brasil. Se o vaivém financeiro funcionou enquanto duraram os governos “amigos”, a engrenagem engripou assim que caíram em desgraça. Depois de impeachment, Lava a Jato, Moro, Lista de Fachin e que tais, o circuito se rompeu.

‒ E por quê?

‒ Ah, não me peça detalhes. Não tenho espiões nem microfones ocultos no Planalto. A verdade é que o círculo não circula mais, se assim me posso exprimir. Talvez a gente não esteja conseguindo enxergar a razão justamente por ela ser simples e evidente: os principais atores da tragicomédia estão presos ou na iminência de sê-lo. Preferem não agravar a própria situação.

Comissão de Ética Pública

PraiaCláudio Humberto (*)

Plano secreto do Planalto, ao qual esta coluna teve acesso, prevê uma manobra que obrigaria os cofres públicos a bancar o “governo paralelo” anunciado por Dilma após seu afastamento.

A ideia é nomear ainda no governo atual, antes do dia 11 (data de votação do impeachment), os membros do futuro “governo paralelo”. Ao serem demitidos pelo novo governo, pedirão o “direito a quarentena remunerada” por 4 meses.

A Comissão de Ética Pública da Presidência da República tem papel essencial para fazer os cofres públicos bancarem o governo paralelo. O esquema prevê aprovação da quarentena pela Comissão, alegando inviabilidade de os demitidos obterem empregos. Quatro meses de “quarentena remunerada” serão suficientes para bancar o governo paralelo, avalia a cúpula do PT no Planalto.

Há antecedentes. Suspeito de corrupção no governo, ex-ministro Antonio Palocci obteve “quarentena remunerada” devidamente avalizada pela Comissão de Ética Pública.

(*) Cláudio Humberto, bem informado jornalista, publica coluna diária no Diário do Poder.

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Praia 2Nota deste blogueiro
É surpreendente que, em quase 14 anos de atividade, o governo popular não tenha estendido, a todos os que perdem o emprego, direito a uma quarentena remunerada. A lógica mais elementar ensina que o pequeno assalariado tem mais necessidade desse benefício do que membros do governo federal.

Observe-se que a comissão a que se alude é a de Ética Pública(!). Sustentada com nosso dinheiro, distinto leitor.

Tenemos que salvar a Brasil

José Horta Manzano

Dilma e EvoA degringolada do regime instalado no Planalto enche de esperança oito em dez brasileiros. Se, para vencer, bastasse torcer, o jogo estaria jogado.

Naturalmente, o surgimento de vencedores pressupõe a existência de perdedores. De cabelo em pé, políticos, apadrinhados, apaniguados & congêneres têm perdido o sono com a perspectiva de orfandade iminente e inexorável.

Preocupados que estamos com os acontecimentos nacionais, nem sempre nos damos conta de que a onda de choque atravessa fronteiras. Do outro lado da cerca, nossos vizinhos nos observam com especial atenção. Exatamente como ocorre quando elefante visita loja de porcelana, uma mexida “del gigante de Latinoamérica” faz tremer todo o continente.

Nosso hermanos, surpresos com a evolução acelerada da crise brasileira, têm reações contrastadas. Enquanto Argentina e Chile mantêm atitude reservada, outros governos são mais explícitos.

Dilma e MaduroSeñor Mujica, antigo presidente do Uruguai, acredita «que Lula é inocente e que o querem castigar». Evo Morales, aquele que gostaria de se eternizar na presidência da Bolívia, requereu que a organização Unasur realize com urgência uma reunião de cúpula para «defender la democracia en Brasil, para defender a Dilma, para defender la paz, para defender al compañero Lula y a todos los trabajadores».

Señor Maduro, caudilho da Venezuela, é o mais preocupado de todos. Não bastasse estar sendo acossado por um povo cansado, empobrecido e desiludido, ainda tem de conviver com o irremediável afastamento de Cuba, a antiga ilha compañera, atraída irresistivelmente por Obama.

Lula e ChavezNa assembleia de Caracas, o (enfraquecido) bloco chavista denuncia o «golpe de Estado» que se prepara no Brasil e dá apoio a Dilma e a Lula. Como de costume, estão convencidos de que os imperialistas norte-americanos, inimigos de sempre, estão por detrás dessa trama.

A políticos bem-intencionados, como o uruguaio Mujica, pode-se conceder a escusa de não estar a par dos meandros do que acontece no Brasil. Por seu lado, figurões como Morales e Maduro têm outra motivação. Abalados por percalços e derrotas recentes, veem com desespero o desmoronamento do regime lulopetista. Sabem que serão atingidos pelas ondas de nosso tsunami nacional. E que dificilmente sobreviverão.

O príncipe

José Horta Manzano

Prince 1«Até o príncipe está sujeito à lei» ‒ foi frase marcante, pronunciada ontem pelo juiz Moro. Tem razão, o magistrado. Faz anos que nosso príncipe e a corte se acostumaram a sobrevoar normas, regras, leis e regulamentos. Estão habituados a contornar proibições e andar na chuva sem se molhar. A lei, para eles, não lhes diz respeito porque destina-se exclusivamente aos demais.

Mas a vida é como gangorra ‒ quando um lado sobe, o outro desce. Em moto contínuo. A roda girou, e agora o príncipe e toda a corte desceram à posição de saco de pancada. Ninguém gosta de apanhar nem de provar do próprio veneno. No entanto, certas coisas não se escolhem. Assim como plantaram, agora estão colhendo.

Gangorra 1O Planalto dirige bateria pesada contra o juiz Moro. A princesa afirma que, ao ousar grampear o telefone do príncipe, o magistrado violou garantias da presidência. Bobagem. As escutas foram realizadas nos conformes. O esperneio da princesa é chororô de quem foi apanhado de calças na mão.

Panelaço 3A ideologia dos que nos governam pontifica que os fins justificam os meios. Por seu lado, a lógica elementar ensina que pau que bate em Chico há de bater também em Francisco. Assim sendo, os que nos governam não têm do que reclamar. Estão provando do próprio veneno.

O recado está dado

José Horta Manzano

Antes de tomar uma ação incisiva, daquelas que não deixam possibilidade de retorno, a gente costuma soltar um balão de ensaio. É como na hora de atravessar um riacho ‒ a gente pisa cada pedra com cuidado, até encontrar o caminho seguro, o caminho das pedras.

Nas recentes eleições gerais, o povo venezuelano deixou clara sua preferência. De cada três eleitores, dois deram seu voto a candidato antichavista. Isso foi algumas semanas atrás. Se votassem de novo hoje, vista a vertiginosa degradação da economia, era bem capaz de a derrota do regime ser mais acachapante.

Congresso venezuelano, Caracas

Congresso venezuelano, Caracas

Apesar dos esperneios e das firulas de señor Maduro e seus áulicos, a nova maioria sente-se cada dia mais forte. Sabe que tem respaldo popular. O regime bolivariano está com os dias contados. Fruta podre não se aguenta muito tempo no galho ‒ mais dia, menos dia, acaba no chão.

A nova assembleia de Caracas ‒ que não convém mais chamar de oposição, tão alentado é o número de deputados ‒ tem como objetivo encerrar os considerandos e partir para os finalmentes.

Antes de agir, estão consultando, como se deve. Não há que temer desagradar ao governo de países adiantados. Europa e EUA verão com bons olhos a saída de cena dos compañeros bolivarianos. Quanto aos vizinhos, não se imagina que Colômbia, Peru, Chile ou Argentina se incomodem com o afastamento de Maduro & companhia.

Mas… ai, ai, ai… falta o Brasil. Maior economia da região e apoiador desabrido do populismo instaurado por Chávez, o Planalto pode se vexar. Risco de guerra atômica não há, mas o bom senso recomenda concórdia e paz entre vizinhos. Como reagirá Brasília a uma reviravolta em Caracas?

Chamada do jornal uruguaio El Pais

Chamada do jornal uruguaio El Pais

Na minha opinião, dona Dilma e todos os que a cercam estão mais é preocupados em esquivar acusações e afastar o risco de ser levados algemados. Os deputados antichavistas sabem disso, mas, assim mesmo, decidiram lançar um balão de ensaio.

Comunicaram oficialmente ao Executivo e ao Legislativo brasileiros a decisão de “pôr fim proximamente” ao governo de Nicolás Maduro. É o jornal uruguaio El Pais que dá a notícia. Caso nenhuma reação venha do Planalto nos próximos dias, o silêncio será considerado como sinal verde.

Ficamos aqui na torcida organizada.

O agrément do embaixador

José Horta Manzano

Faz um mês, escrevi um artigo concordando com a decisão do Planalto de não conceder o agrément ao novo embaixador de Israel em Brasília. Em correspondência particular, um distinto e fiel leitor, com argumentação muito bem construída, discordou de minha opinião.

Ele tem lá suas razões, admito de bom grado. No entanto, acho que, para ser plenamente entendido, o incidente atual tem de ser considerado como novo capítulo de uma novela que se vem desenrolando faz vários anos.

O assunto é interessante. Assim, gostaria de aproveitar a oportunidade para aprofundar, em atenção a outros distintos leitores, minha visão sobre o acontecido. Eis por que decidi tornar pública a cartinha que acabo de escrever a meu correspondente. Aqui está ela.

Interligne 18h

Prezado amigo,

Peço desculpas antecipadas para a eventualidade de algum propósito meu lhe parecer demasiado cru. Sem chegar ao hiperrealismo, acredito que, em certas ocasiões ambíguas, cada boi deve levar seu nome.

Discussão 1Logo de início, uma premissa tem de ser posta: Estados não têm sentimentos, têm interesses. Nesse nível, relacionamentos não passam pelo coração, mas pelo cérebro. E, naturalmente, pelo bolso…

Imigrantes italianos, alemães e japoneses são componentes pra lá de importantes dos alicerces de nossa nação. Imigrantes franceses, britânicos e americanos foram bem menos numerosos. Se dependesse de razões afetivas, o Brasil, na última grande guerra, teria integrado o eixo Berlim-Roma-Tóquio. No entanto, os interesses do Estado brasileiro falaram mais alto, daí o governo da época ter escolhido o campo aliado.

Discussão 2Ao Estado brasileiro, no fundo, pouco se lhe dá que os ânimos entre israelenses e palestinos se acirrem ou se acalmem. Dito assim, pode até ser chocante, mas, convenhamos, é a realidade. Fazendo abstração do aspecto humanitário, os fatos políticos daquela lonjura não acarretam maiores consequências para nós.

Em condições normais, é mais que provável que a nomeação de novo representante israelense para a embaixada em Brasília passasse totalmente despercebida, fosse quem fosse o indicado. Mas as condições não eram normais, aí está o nó. A história se desenvolve num continuum. Ao isolar um fato, perde-se o fio, e o relato perde coerência. Para entender o imbróglio, não precisa voltar aos tempos bíblicos nem mesmo à criação do Estado de Israel. Basta relembrar o que ocorreu poucos anos atrás, nos tempos do Lula.

Sob inspiração de seus áulicos, o então presidente deu demonstração de que ingenuidade aliada a ignorância e apimentada por mau aconselhamento só pode dar, digamos, desasseio ‒ pra evitar palavra malcheirosa. É inacreditável, mas nosso guia acreditou que, com uns dois jogos de futebol e três tapinhas nas costas, poria fim ao conflito. E que ainda faria jus ao Prêmio Nobel.

Sua intrusão espetaculosa no conflito causou irritação em Israel e em outros atores que, há anos, pelejam para ajeitar a situação. O Lula foi rapidamente instado a descer do imaginário pedestal e a dar-se conta de que sua intromissão não era bem-vinda. A contragosto, o folclórico personagem encolheu-se. Seu entourage engoliu a derrota mas guardou rancor.

Discussão 3Poucos anos mais tarde, em julho de 2014, uma exacerbação no contencioso médio-oriental deu motivo ao Planalto para exteriorizar o rancor refreado. Considerando que Israel usava força desproporcional na Faixa de Gaza, chamou para consultas o embaixador brasileiro em Tel Aviv. Na aveludada linguagem diplomática, isso significa forte desagrado.

Até lá, convenhamos, os acontecimentos eram banais. Não havia ofensa nem descompostura. Foi aí que, destemperado, o governo israelense tropeçou. Em declaração confiada ao porta-voz do Ministério de Relações Exteriores, proclamou ao mundo que «This is an unfortunate demonstration of why Brazil, an economic and cultural giant, remains a diplomatic dwarf»esta infeliz demonstração dá a prova de que o Brasil, gigante econômico e cultural, permanece um anão diplomático. Ao insulto desnecessário, o porta-voz acrescentou, dias depois, zombaria ainda menos diplomática. Em entrevista à televisão, não hesitou em reforçar a humilhação que o Brasil acabara de sofrer na Copa do Mundo. Disse: «This is not football. In football, when a game ends in a draw, you think it is proportional, but when it finishes 7-1 it’s disproportionate»isto não é futebol. No futebol, quando um jogo termina empatado, o resultado é equilibrado, mas quando termina 7 x 1, é desproporcional.

A fala arrogante e prepotente foi mal recebida por Brasília. É compreensível. O homem, além de dar um tapa na cara, ainda cuspiu em cima. A formulação não ficou bem na boca de quem, dias antes, pretendia nos dar lições de diplomacia. Não é surpreendente que o Brasil tenha guardado sabor amargo.

A recusa do agrément ao novo embaixador proposto por Israel tem de ser analisada na sequência desse diferendo. Estivesse o horizonte desanuviado, ninguém se preocuparia com o fato de o diplomata ser militante e porta-estandarte de uma causa que o Brasil não apoia.

Dislike 2Mas o molho é ainda mais apimentado. Com a intenção de criar fato consumado, Tel Aviv mais uma vez fugiu aos códigos diplomáticos. Em vez de comunicar o nome do novo embaixador a Brasília em primeiro lugar, como manda o figurino, o governo israelense vazou a informação primeiro à imprensa. Foi a conta. O Planalto não estava preparado para nova humilhação.

Portanto, há que relativizar. O Lula trocou os pés pelas mãos, é indiscutível, mas não insultou. Já a reação do governo israelense agrediu e ofendeu. O que vemos hoje se inscreve na continuação daquele desagradável episódio.

Mas não há que botar mais gasolina na fogueira. A melhor resposta que Israel poderia dar seria deixar vago o posto de embaixador no Brasil por longos meses. Com isso, sem voltar a insultar, mostraria seu descontentamento. Passado algum tempo, quando a poeira tiver baixado, volta-se ao assunto.

De qualquer maneira, entre mortos e feridos, todos se salvarão. A meu ver, é muito discurso pra pouco defunto.

Um abraço cordial.

PS: Um artigo do Washington Post de 25 jul° 2014 dá uma panorâmica dos fatos. Está aqui.

Façam de conta que não estou aqui

José Horta Manzano

Cameron 1Nas sociedades pequenas e nas tribos, o chefe reúne todos os membros, sobe numa pedra ou num pedestal qualquer, e fala a seu povo. Olha todos de frente, dirige-lhes a palavra, dá as instruções, distribui eventuais elogios ou admoestações. E, em certas ocasiões, recebe apupos ‒ faz parte dos riscos do ofício.

Com o crescimento das sociedades, reunir todos os componentes foi-se tornando problemático. O chefe viu-se obrigado a viajar para dirigir-se a pequenos grupos em cada parada.

Putin 1Cem anos atrás, a popularização do rádio esboçou a solução. A voz, ouvida em receptores e amplificada por alto-falantes, compensava a ausência física do personagem. De Winston Churchill a Getúlio Vargas, de Josef Stalin a Juan Domingo Perón, todos os grandes dirigentes recorreram ao rádio para falar ao povo.

O advento da televisão melhorou o grau de comunicação. Além da voz, a imagem do chefe passou a chegar a cada cidadão. É como se o personagem estivesse ali, na sua frente, numa conversa entre quatro olhos.

Merkel 2Faz meio século que todos os chefes de Estado ou de governo entenderam o alcance da palavra oral associada à imagem. Garante a presença e pode operar milagres. Fotos e vídeos circulam diariamente, mas não são eles a impressionar. Há momentos simbólicos em que pronunciamento solene se impõe. O período das festas de fim de ano é um deles.

Valendo-se da ocasião, os principais dirigentes do planeta falaram a seus eleitores. Olho no olho, prestaram contas do ano que se termina e esboçaram as perspectivas para o que entra.

Hollande 4No Reino Unido, David Cameron fixou o olho na câmera e dirigiu-se a cada britânico. O mesmo fez Vladimir Putin na Rússia. Direto de Berlim, Angela Merkel seguiu o mesmo caminho. De Paris, François Hollande também deu seu show televisivo. Matteo Renzi, chefe do governo italiano, foi mais longe: convocou coletiva de imprensa. O fundo da verdade é que nenhum deles deixou passar a ocasião de mostrar quem é o capitão do navio.

Interligne 18h

Enquanto isso, no Brasil…
Ah, já vão longe os tempos do «Trabalhadoooores do Brasil!» radiofônico do velho Getúlio. Por medo de panelaço ou de tropeços na elocução, nossa chefe-mor não apareceu na tevê. Nem mesmo o rádio transmitiu sua voz. A dirigenta limitou-se a assinar um texto escrito sabe-se lá por quem. Está no site do Planalto.

Patria Educadora 1Vivemos num país onde o slogan «Pátria Educadora» ainda não se transformou em realidade. Há, entre nós, milhões de semiletrados incapazes de compreender fala formal ‒ muito menos se for escrita. Nossa sociedade vegeta imantada pela imagem televisiva. Ao deixar publicar em seu nome longo texto de 2 páginas, 5665 toques e 876 palavras, a intenção da presidente ficou clara: «Me esqueçam! Façam de conta que não existo!»

No fundo, tem razão dona Dilma. Quando nada se tem a dizer, mais vale recolher-se à própria insignificância.

Impávido colosso

José Horta Manzano

Meus distintos leitores já devem ter-se dado conta de que estou longe de admirar o desempenho de senhor Marco Aurélio «top-top» Garcia, aquele assessor atarraxado há uma eternidade ao Planalto. De fato, atribuo à má influência desse senhor muitos dos tropeções de nossa diplomacia e boa parte dos vexames internacionais que nos têm humilhado.

O governo israelense tratou um dia o Brasil de «anão diplomático». Se o fez, foi em virtude de nossa errática e inconsequente política externa, da qual «Top-top Garcia» é um dos principais mentores. A ofensa nos foi feita quando um Lula, inebriado pelo incenso dos cortesãos, tinha-se imaginado capaz de resolver, em três tempos, o conflito entre árabes e israelenses. Quanta pretensão…

Embaixador nos tempos de antigamente

Embaixador nos tempos de antigamente

Naquela época, não havia dúvida: o pronunciamento do porta-voz israelense, embora brutal, tinha fundamento. Era como quem advertisse: «Não se meta onde não foi chamado.»

Hoje a situação é outra. Como já comentei duas semanas atrás, Brasília se recusa a conceder o agrément ao novo embaixador designado por Israel. Traduzido da linguagem diplomática para o falar nosso de cada dia, isso quer dizer que o governo brasileiro não aceita aquele diplomata.

De fato, o nomeado é figura de proa do movimento que milita pela implantação maciça de israelenses em territórios ocupados. Como o Estado brasileiro não concorda com essa política do Estado israelense, a rejeição do novo embaixador exprime o desagrado. Como já disse, nossa reação é sensata e respeita os aveludados códigos diplomáticos.

Prédio que abriga a embaixada do Brasil em Tel Aviv

Prédio que abriga a embaixada do Brasil em Tel Aviv

Inconformado com a recusa, o governo israelense decidiu reagir. Segundo nos informa o jornal The Times of Israel, o embaixador enjeitado exige que seu governo dê resposta forte ao que considera uma afronta. A argumentação do diplomata é marota e faz lembrar o artifício habitual de nosso guia quando, na hora do aperto, distribui parte da culpa a outros.

O ex-futuro embaixador passa por cima do fato de ser ativo militante da ala dos favoráveis a novas implantações em terra alheia. Com falsa modéstia, dissolve sua responsabilidade entre todos os moradores das colônias da Cisjordânia ao perguntar se «as portas da diplomacia estariam fechadas a 700 mil israelenses».

O diplomata sabe perfeitamente que Brasília se recusa a aceitá-lo não porque ele habite aqui ou ali, mas por ser porta-bandeira assumido da política de implantações, julgada inaceitável pelo Estado brasileiro. Nem o Lula encontraria argumento mais manhoso. A tentativa de vitimização faz lembrar o “nós x eles” e os olhos azuis.

Tel Aviv

Tel Aviv

Na intenção de pressionar Brasília, o governo israelense já preveniu que a rejeição do embaixador trará graves consequências para as relações entre os dois Estados. Espero que o Planalto tenha a força de resistir e de se manter firme na decisão de não acolher o diplomata. Se se dobrarem à exigência de Israel, aí, sim, estarão comprovando que o Brasil não só é «anão diplomático», como também timorato e frouxo.

Interligne 18b

PS: Impávido, palavra de uso raríssimo, deriva do verbo latino paveo (=tremer de medo). A mesma raiz deu pavor, pavoroso, espavento, apavorar, espavorido & companhia. Portanto, impávido é aquele que não tem medo. Chegou a hora de mostrar ao mundo se o Brasil é impávido colosso ou anão frouxo.

Quem avisa, amigo é

José Horta Manzano

Semana passada, quando de visita à Turquia, dona Dilma declarou que não havia por que se preocupar com ataques terroristas durante os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Segundo ela, o Brasil «está muito longe», fato que lhe parece garantia suficiente de imunidade.

Laurent Fabius 1Declaração de presidente ecoa. As palavras de dona Dilma deram a volta ao planeta em poucos segundos e chegaram aos ouvidos de todas as chancelarias. O pronunciamento deixou petrificado um governo francês já açoitado pelos sangrentos atentados ocorridos dias antes.

O descaso demonstrado por nossa mandachuva é criminoso, mormente quando se leva em conta o fato de já haver precedentes. De fato, tragédia terrível ocorreu durante os Jogos Olímpicos de 1972 em Munique. Naquela ocasião, em ataque à delegação de Israel, terroristas deixaram um rastro de 11 atletas e um policial mortos. No esporte olímpico, ninguém se esqueceu dessa desgraça. No Planalto, não é espantoso constatar que ninguém sabia de nada.

Percebendo que o governo brasileiro, por ignorância ou arrogância, não se estava dando conta do perigo que se anuncia, a França despachou rapidinho a Brasília o Ministro de Relações Exteriores, Laurent Fabius. Veio conversar com nossa presidente e com senhor Mauro Vieira, titular do MRE brasileiro.

Laurent Fabius 2O que foi dito? Não se sabe exatamente, mas supõe-se que o visitante estrangeiro não tenha gastado seu domingo num passeio ao Planalto só para tomar chazinho com nossos mandatários. Ele certamente veio alertar para o forte risco que paira sobre Rio 2016.

Se observarmos bem as fotos tiradas na ocasião, vamos ver que, na chegada ao palácio, Monsieur Fabius segura o braço de nosso chanceler. O gesto é, ao mesmo tempo, amistoso e revelador. Lembra o indivíduo mais experiente que dá conselho de amigo. É como se dissesse: «Não bobeie, caro Mauro Vieira, o Brasil não está tão ‘longe’ assim.»