Simpatia

José Horta Manzano

Este blogueiro cresceu num tempo em que quase não havia vacinas. Doenças infantis infecciosas, toda criança acabava pegando. Tive as quatro mais corriqueiras: catapora, coqueluche, caxumba e sarampo. Quando uma das crianças caía doente com sarampo e ficava de molho na cama, minha mãe pendurava no quarto uma cortina vermelha. Dizia que era simpatia, que ajudava a resolver o problema e ficar bom logo.

Outro dia, no supermercado, vi uma banca de cuecas em oferta, daquelas promoções em que o freguês tem de levar um pacotinho de meia dúzia. No pacote, as cores já vêm misturadas e não há meio de escolher: ou leva tudo ou desiste da compra.

Levei um pacote. No meio das cuecas, havia uma vermelha, de um vermelhão Chapeuzinho Vermelho. Mesmo sendo peça que se usa debaixo da roupa e que ninguém vê, deixei no fundo da gaveta. A cor me pareceu espantada demais.

Anteontem, domingo de eleição, foi dia importante. Era a derradeira oportunidade de se livrar do capitão, desalojá-lo do palácio e devolvê-lo ao submundo de onde veio. As pesquisas anunciavam um escrutínio apertadíssimo.

Para varrer Bolsonaro, só havia um meio: votar no Lula. Não era uma perspectiva empolgante. Mas raciocinei como muita gente. Pensei: “Coragem! Dos males, o menor. É só apertar um trezezinho aí, que o dedinho não vai cair”.

Antes de pegar a estrada para Genebra, na hora de me vestir, lembrei da cueca vermelha. Lembrei também da simpatia da minha mãe. Pensei: “Por que não tentar repetir a simpatia? Se funciona pra curar doença, quem sabe não funciona também pra curar um país doente?”. Vesti a peça vermelha.

No local de votação, vi grupos espalhafatosos com gente de amarelo e alguns até enrolados em bandeira. Vi também grupos mais discretos, em que todos (ou quase) tinham pelo menos um detalhe vermelho na indumentária. Não sei se ostentavam o detalhe por paixão lulista; no meu caso, não havia nem um grãozinho de paixão. Era por “simpatia” – pode também chamar de magia branca.

Pelo fuso horário daqui, já era comecinho da madrugada quando saiu a notícia oficial: o capitão estava derrotado. Na hora de estourar o champanhe(*), lembrei da cueca e me dei conta de que a simpatia tinha funcionado.

Tive então a certeza de que, não fosse ela, ainda teríamos de aguentar palavrões e ameaças por quatro anos. Talvez, num futuro próximo, o capitão ainda tivesse a macabra ideia de proibir as vacinas infantis, condenando os pequerruchos ao sarampo e à catapora.

Se foi mal com ele, melhor será sem ele.

(*) É força de expressão.

Carta ao vencedor

José Horta Manzano

O último páreo corre amanhã. Depois de quatro intermináveis semanas, chegou a hora do vamos ver. Com a respiração suspensa, o Brasil palpita à espera do resultado. Hoje, véspera do Dia D, não temos ainda o placar final, mas tudo indica que deve ser apertado. Não serão muitos pontos de porcentagem a separar o vencedor do derrotado.

Oito anos atrás, escrevi, neste mesmo espaço, carta aberta à presidente Dilma Rousseff, que acabava de ser reeleita. Desta vez, achei interessante dar um salto no escuro. Escrevo minha cartinha ao novo presidente antes mesmo de conhecer seu nome. Vamos lá.


Senhor Presidente,

Antes de mais nada, deixo aqui minhas felicitações pela vitória. A meu juízo, foi o pleito mais emocionante desde a eleição de Tancredo Neves – que foi indireta mas carregada de suspense e simbolismo.

Meus parabéns vão a vosmicê, mas também ao perdedor. O fato de terem chegado à final embalados por dezenas de milhões de votos há de ser lisonjeira para ambos. Quando se pensa que, quatro anos atrás, um dos finalistas de hoje era um apagado parlamentar do baixo clero enquanto o outro estava fora do jogo político por motivo de prisão, a caminhada de ambos foi excepcional.

Vosmicê, senhor Presidente, vai encontrar um país partido em dois. É lugar comum dizer que é hora de unir, não de separar – só que, desta vez, o sulco é profundo. É urgente agir antes que o fosso vire um cânion intransponível. Já faz vinte anos que o sulco começou a ser cavado; os últimos quatro anos só fizeram alargá-lo. Esses rachas podem comprometer até nossa integridade territorial. Não se brinca com essas coisas.

Não é hora de procurar culpados, é hora de agir. A continuar como está, a combinação de divergências religiosas com desnível sócio-econômico periga armar uma bomba-relógio desregulada que vai explodir a qualquer momento. Não tenho certeza de que isso seja boa notícia para o governo, seja quem for o presidente. Convulsão social nem sempre segue o itinerário que se gostaria. Em geral, costuma se voltar contra o poder.

Num país de desigualdades sócio-econômicas abissais como o Brasil, programas de redistribuição de renda não são meros truques eleitoreiros – são necessidade absoluta para a sobrevivência de dezenas de milhões de conterrâneos. Seja qual for sua orientação ideológica, senhor Presidente, é indispensável dar prosseguimento a eles. O que pode (e deve) ser acrescentado é uma porta de saída, um objetivo, um incentivo, uma meta. Todo beneficiário tem de sentir que, em troca do auxílio, deve algo ao poder público. Pouco importa o valor da contrapartida, o que interessa é incutir a ideia de troca: “recebo, mas tenho que dar”.

O Brasil é grande, mas está longe de ser uma ilha autossuficiente pairando acima das querelas do mundo. Estamos inseridos na economia global, seja qual for o credo de nosso governante. Atitudes sectárias e clivantes do tipo “ênfase nas relações Sul-Sul” ou “reforço de laços com governantes de direita” são contraproducentes. Nosso país tem de se abrir ao mundo. Seu destino é muito mais amplo do que o encruamento em que se encontra.

Como repetia o General De Gaulle, nações não têm amigos, têm interesses. O presidente do Brasil, dado o imenso poder que lhe confere a Constituição, tem de se compenetrar desse fato. Não o fazendo, nossas trocas comerciais vão se ressentir e nossa imagem no cenário internacional vai continuar desbotando.

Daqui a meio século, senhor Presidente, não estaremos mais aqui, nem vosmicê nem eu. Cidadão desimportante, me contentarei com uma lápide de pedra barata. Já vosmicê estará nos livros de história. Sua memória poderá ser exaltada ou pisoteada, dependendo de seus atos e palavras nos próximos quatro anos. Quando, no futuro, se referirem a vosmicê, será melhor que digam “aquele que fez o Brasil decolar” ou “aquele que fez o país empacar de vez”?

Receba meus votos de sucesso.

Refém da eleição

Bandeira brasileira, refém da eleição

José Horta Manzano

A foto tirada em BH atravessou o Atlântico e chegou à imprensa francesa. Era pra ser alegre, com todas aquelas bandeirinhas em formato flâmula a compor uma cena comum a todas as Copas. Tinha sido assim em 2018, em 2014, em 2010 e nas anteriores. Só que…

Só que, desta vez, o cenário está sombrio. A falta de imaginação da franja doente de nossa sociedade não lhe permitiu criar símbolo próprio. Na ausência de símbolo, as cores nacionais, que são de todos, foram monopolizadas por aqueles cuja argumentação se faz pela granada e pelo fuzil.

Como se vê na ilustração, a revista L’Express gastou três linhas para explicar a seus incrédulos leitores o caso peculiar de um país em que a bandeira nacional foi sequestrada por uma parte da população – na indiferença dos demais, que agora têm de dar explicações para poder agitar o símbolo maior.

O Brasil decente não se preocupou em defender a bandeira. Entregou-a, sem luta, aos discípulos do cafajeste.

Candidatura oficial

José Horta Manzano

Não é todos os dias que uma eleição que só se realizará daqui a 5 meses, num país de importância estratégica próxima de zero, desperta tamanho interesse.

Ou por acaso alguém já viu a grande mídia internacional se interessar por eleições em países tão grandes e tão periféricos como o nosso, tais como Indonésia (275 milhões de habitantes) ou Paquistão (225 milhões de almas)?

No caso brasileiro, há a junção de duas forças antagônicas.

De um lado, está o governo Bolsonaro, com sua procissão de desgraças de alcance mundial: destruição da Amazônia e de outros biomas, aproximação com regimes autoritários ou ditatoriais, tratamento agressivo e insultuoso dispensado a personalidades estrangeiras, gestão catastrófica da economia.

De outro, está o recall do governo Lula. Ninguém é ingênuo a ponto de acreditar na lenda do Lulinha paz e amor, pai dos pobres e protetor dos desvalidos, fato que, aliás, pouco interesse apresenta fora do país. Porém, visto do exterior, o Lula transmitiu a ideia de estabilidade constitucional, e respeito às instituições. Se foram descobertos muitos casos de corrupção grossa, foi porque a Lava a Jato muito investigou. Desde que ela foi enterrada pelo capitão, é compreensível que a descoberta de peculatos e outras maracutaias tenha ficado prejudicada.

Na torcida para ver o Brasil livre de um governante que incentiva a instabilidade, parece que o mundo torce pela eleição de Lula. Guardadas as devidas proporções, equivale à torcida mundial pela eleição de Joe Biden e cancelamento de Donald Trump.

 

Em inglês (Guardian, Reino Unido)

 

Em francês (Le Monde, França)

 

Em italiano (Il Giornale, Itália)

Em sueco (Västerbotten-Kuriren, Suécia)

Em alemão (Spiegel, Alemanha)

 

Em inglês (South China Morning Post, Hong Kong)

 

Em russo (Krasnaya Vesna, Rússia)

 

Em espanhol (El Mundo, Espanha)

 

O presidente da Itália

Palazzo del Quirinale, Roma
Sede da Presidência da República Italiana

José Horta Manzano

A Itália é uma república parlamentar em que os representantes do povo se distribuem em duas Casas: a Câmara e o Senado, num sistema bicameral como o nosso. Como ocorre também aqui, os parlamentares italianos são eleitos pelo povo, em sufrágio universal e direto. A grande diferença no topo da organização do Estado está no modo de escolha e nas atribuições do presidente da República.

Na Itália, a eleição do presidente é indireta. O eleitorado elege seus representantes e, por sua vez, são estes que escolhem o presidente. Dessa forma, os partidos ganham importância, dado que cada parlamentar costuma acompanhar as diretivas partidárias. O presidente, que é o chefe do Estado, é escolhido pelos “grandes eleitores” – o conjunto de deputados, senadores e representantes dos governos regionais –, num total de 1009 votantes.

Estes dias está sendo eleito o novo chefe do Estado italiano. A presidencial italiana é bastante peculiar, na medida que não há candidatos. Nesse ponto, assemelha-se à eleição de um papa. Noves fora conciliábulos de corredor, não há campanha aberta. As papais e as italianas devem ser as únicas eleições em que não há candidatos inscritos. Pela Constituição, qualquer um pode ser escolhido desde que preencha três condições: ser cidadão do país, ter cumprido 50 anos de idade e gozar dos direitos civis e políticos.

Em princípio, a eleição parece realmente aberta a todos. No entanto, desde a instauração do regime republicano, ao final da Segunda Guerra, o presidente sempre foi escolhido entre os parlamentares, com muito poucas exceções. O desenrolar das eleições pode contar com um ou mais turnos. O número é ilimitado. Funciona assim. Nos três primeiros turnos, vence aquele que obtiver 2/3 dos votos. A partir do quarto turno, a maioria absoluta (50%) é suficiente. Vence quem tiver mais votos que todos os outros reunidos.

Houve (raríssimos) casos de um presidente ser eleito logo no primeiro turno. No outro extremo, a eleição mais demorada necessitou 23 turnos para um candidato chegar à maioria dos votos. Em geral, organizam-se dois ou três turnos por sessão parlamentar. Assim, o processo eletivo pode levar dias ou até semanas.

O presidente tem mandato de 7 anos. Seus poderes não são tão amplos, visto que o sistema é parlamentar. Ele é chefe do Estado, mas não do governo, que é exercido pelos parlamentares. Assim mesmo, o presidente está longe de ser figura decorativa, como em certas repúblicas parlamentares (Alemanha, por exemplo). Ele representa um “poder neutro”, independente do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Exerce um poder conciliador.

É o representante do país perante autoridades estrangeiras. Algumas de suas atribuições são: enviar mensagens à Câmara, autorizar a apresentação de projetos de lei, promulgar leis, determinar a realização de referendos, nomear o chefe do governo (em concordância com o Parlamento), nomear membros da Corte Constitucional, conceder graça e comutar penas. Há muitas outras.

Os três primeiros turnos da atual eleição já correram, e nenhum nome se destacou. Hoje começa a parte séria, a partir do 4° turno. Vamos ver quantos serão necessários.

Esse sistema de organização do Estado deve parecer exótico para o brasileiro, acostumado com um presidente onipresente e quase onipotente. Na minha opinião, a experiência parlamentarista valeria a pena de ser tentada em nosso país. Vejo, em princípio, duas vantagens.

Em primeiro lugar, sem ter de escolher presidente, o eleitorado escolheria seus representantes, deputados e senadores, com muito mais cuidado. Já seria um bom começo.

Em segundo lugar, desapareceria essa figura de “presidente super-homem” que decide tudo, que pode tudo, que manda em todo o mundo, que governa por decreto, que nomeia 20 mil funcionários comissionados, que se agarra ao poder, que imprime o ritmo ao país (em marcha acelerada ou em marcha à ré, dependendo do ocupante do cargo). Seja quem for o(a) presidente, a distorção será sempre a mesma: ter um indivíduo com tamanho poder entre as mãos não é bom para o país.

Quem sabe um dia, no futuro, o Brasil acorda e muda o regime. Quem viver verá.

Pra derrubar Bolsonaro

José Horta Manzano


Embora não passe de devaneio, está aqui a fórmula certeira pra derrubar Bolsonaro e, ao mesmo tempo, evitar que o Lula volte à Presidência


Do jeito que a coisa vai, só pode piorar. Enquanto o capitão estiver no trono, não há esperança. Corrupção, compra de parlamentares, destruição da natureza, inflação, vergonha internacional – o cardápio é indigesto.

O Lula tem boas chances de vencer Bolsonaro. Só que “ter boas chances” não é certeza de vitória. Se um cadidato de terceira via sobressair nos próximos meses – Moro, Doria, Tebet, Pacheco ou outro – crescerá a possibilidade de termos um segundo turno entre esse candidato e o Lula. Se isso acontecer, o Lula estará em situação de fragilidade eleitoral. O quadro vai se complicar para ele.

Há uma fórmula com potencial de derrubar Bolsonaro na certeza, com vitória já em primeiro turno.

Outro dia, o Lula e Alckmin jantaram juntos e trocaram juras de amor eterno. Garantiram que a amizade inabalável que os une vem do tempo em que jogavam bafo e trocavam figurinhas no parque infantil.

Pois que levem adiante esse reencontro. Que formem uma chapa para as eleições presidenciais. Mas não aquela em que todos estão pensando (Lula para presidente e Alckmin de estepe). Este é um daqueles casos em que a ordem dos produtos altera o resultado.

Uma chapa com Alckmin para presidente e Lula para vice seria im-ba-tí-vel. Contentaria a gregos e troianos, e garantiria vitória no primeiro turno.

Lulopetistas, ainda que se sentissem um pouco desapontados de não ver seu herói na cabeça, não deixariam de apoiar a chapa. Votariam.

Antibolsonaristas, esperançosos de derrubar Bolsonaro e aliviados de o cabeça de chapa não ser o Lula, votariam.

E até os nem-nem (nem Bolsonaro, nem Lula), tranquilizados pelo fato de não ver nenhum dos estropícios na cabeça da dobradinha, votariam.

É, mas aqui esbarramos num muro resistente. Alguém imagina o orgulhoso Lula, aquele que um dia ousou dizer “a opinião pública somos nós”, se contentar com a vice-presidência? Certo que não.

É uma pena porque, rearrumada na ordem que proponho, a dupla faria sucesso. Venceriam na certa, ainda que o capitão dobrasse o valor da bolsa família e jurasse nunca mais falar palavrão.

Boric e o avião presidencial

Acabo de falar com Gabriel Boric e dei-lhe os parabéns por seu grande triunfo. A partir de hoje é presidente eleito do Chile e merece nosso inteiro respeito e cooperação construtiva. O Chile, sempre em primeiro lugar.

 

José Horta Manzano

O segundo turno da eleição presidencial chilena, que se desenrolou domingo 19, foi um prenúncio do que, se a sorte nos abandonar de vez, poderá ser o segundo turno da brasileira: uma briga de foice entre esquerda radical e extrema direita, um coquetel de dar suor frio.

O radical de esquerda, que acabou eleito por franca margem (56% contra 44%), será o presidente mais jovem que o país já conheceu: tem 35 anos. Para presidente de uma república, francamente, é bem jovem. Fosse no Brasil, passaria raspando pelas regras constitucionais. Para exercer a presidência, uma das (poucas) exigências entre nós é exatamente a idade mínima de 35 aninhos.

O extremo-direitista, pelo que fiquei sabendo, é filho de imigrantes vindos da Alemanha. Seu pai foi oficial do exército alemão, veterano da Segunda Guerra. Era inscrito no Partido Nacional Socialista (=nazista). Isso não quer dizer muita coisa, visto que a adesão ao partido dominante era praticamente obrigatória naquele tempo; quem não se inscrevesse não conseguia promoção nenhuma, além de ficar malvisto pelos superiores. Mas há que ter sempre em mente que ninguém pode ser responsabilizado por eventuais erros ou ‘malfeitos’ cometidos por antepassados.

O novo presidente se chama Gabriel Boric Font. O sobrenome Boric (que, no original, se escreve Borić, com acento agudo no “c” e se pronuncia Boritch) é de origem croata. Font, o sobrenome materno, é catalão. Os antepassados paternos deixaram a terra natal 135 anos atrás, quando a região de nascimento fazia parte do Império Austro-Húngaro. Emigraram atraídos pela notícia da descoberta de ouro no sul do Chile.

Assim que a apuração dos votos deixou evidente que o vencedor era o candidato de extrema-esquerda Boric, o candidato derrotado, o extremo-direitista Kast, felicitou o vitorioso por telefone e ainda tuitou uma mensagem para deixar tudo bem claro. Com elegância, mostrou não ter sido contaminado pela atitude de negação da realidade à la Trump. Felizmente, nem todos os da extrema-direita têm aquele jeito escrachado. Até o momento em que escrevo, nosso capitão, alheio aos usos civilizados, não cumprimentou o vencedor. Vamos ver como vai se comportar em outubro que vem, quando entrar para o clube dos perdedores.

Algum tempo atrás, Señor Boric, o presidente recém-eleito, tinha feito uma viagem sentimental à Croácia para se encontrar com primos distantes. Na ocasião, tinha sido apresentado a uma certa Zdenka Borić, sua prima em terceiro grau. Em tom de brincadeira, o chileno, que já militava então na política, disse que, se um dia se tornasse presidente da República, mandaria um avião presidencial buscá-la para conhecer o Chile.

Publicado o resultado da eleição chilena, a mídia croata ficou assanhada com a notícia. Não é todo dia que um filho da nação se torna presidente de um país estrangeiro. Foram ao lugarejo de origem, procuraram pelo sobrenome e encontraram a prima que señor Borić havia visitado anos antes. Entrevistada pelo jornal Vecernij (A Tarde), a mulher contou a história. E logo partiu para a cobrança. Com ar sério, emendou que agora vai ficar à espera do avião presidencial. Vamos ver se chega.

Moral da história
Pense duas vezes antes de prometer mandar buscar alguém com o avião presidencial. Lembre-se que ganhar a eleição está ao alcance de qualquer um! Não precisa ser culto, nem inteligente, nem batalhador. Temos um exemplo vivo atualmente no Planalto.

Protestos

Amsterdã: protesto em letras laranja, a cor-símbolo do país

José Horta Manzano

Brasileiros que vivem no exterior, mesmo que estejam em situação apertada e passando necessidade, não recebem auxílio de Brasília. É natural. Bizarro seria se a pátria-mãe continuasse a sustentar filhos que decidiram deixar o lar e morar sozinhos.

Essa não-dependência lhes permite acompanhar com certa isenção os acontecimentos nacionais. O fascínio lulopetista, por exemplo, que arrebatou multidões em território brasileiro, pegou menos firme por aqui. O brasileiro do exterior logo se deu conta de que artifícios como a bolsa família, apesar do intenso marketing, estavam mais pra embuste eleitoreiro que pra solução radical pra extinguir a miséria.

Nas eleições de 2018, os brasileiros estavam, em maioria, decididos a dar um basta ao lulopetismo. Fosse qual fosse o candidato, votariam nele, desde que afastasse o Lula e seus companheiros. O resultado é que, apesar do histórico de sucesso do partido, somente 45% dos eleitores votaram em Haddad. Brasileiros do exterior foram ainda mais explícitos: apenas 29% dos eleitores deram seu voto ao candidato lulopetista, exprimindo nas urnas um sonoro basta!. Foi de encher de orgulho qualquer brasileiro pensante.

Tendo em vista o desastre que tem sido a gestão Bolsonaro, parece-me justo e natural que os que vivem no Brasil e que sentem na pele as consequências de um governo caótico se revoltem e se disponham a sair às ruas em passeata. Mas… e no exterior? Será que a rejeição a Bolsonaro se aplica também aos compatriotas que vivem fora? Aqueles que, em 2018, votaram em massa em Bolsonaro e lhe garantiram 71% do total dos votos eram realmente bolsonaristas ou apenas antipetistas? Está chegando a hora do “vamos ver”.

E estamos começando a ver. Foi no sábado que passou. Cento e cinquenta cidades brasileiras foram palco de passeatas e manifestações diversas em que milhares exprimiram repúdio a Bolsonaro. No mesmo dia, os brasileiros do exterior deram a resposta à dúvida que expus logo acima. A colônia estabelecida na Europa e nos EUA não se fez de rogada. Brasileiros saíram às ruas de Londres, Berlim, Lisboa, Zurique, Nova York, Paris com o mesmo ardor dos que encheram avenidas paulistanas, cariocas e soteropolitanas.

As urnas de 2022 confirmarão, mas podemos desde já nos sentir aliviados: se os brasileiros do exterior consagraram Bolsonaro em 2018, não foi pelos méritos do capitão, mas por ter encarnado a imagem do antipetista por excelência. E estamos todos assistindo à decomposição dessa imagem. Como ensinou Ary Barroso, “toda quimera se esfuma como a brancura da espuma que se desmancha na areia”.(*)

(*) Do samba-canção Risque (1953).

Ao vencedor, as batatas!

José Horta Manzano

Para 38 milhões de eleitores, hoje é dia de ir às urnas. De novo. E é bom votar direitinho, porque não há terceiro turno. A escolha de hoje é definitiva e o mandato dos eleitos, de quatro anos.

É de Machado de Assis (1839-1908) a expressão «Ao vencedor, as batatas!», que aparece no romance Quincas Borba. O tubérculo – que antigamente chamávamos batata-inglesa, por oposição à batata-doce – é originário da América do Sul, mais precisamente das encostas da Cordilheira dos Andes. Ainda hoje é a base da alimentação de populações inteiras naquela região.

Os primeiros europeus que visitaram a América se interessaram por aquele estranho tubérculo que alimentava tanta gente. Levaram mudas e se surpreenderam com a facilidade com que a nova planta se aclimatava às condições europeias. Não precisou muito tempo para a batata ser consumida e apreciada por todos os povos do Velho Continente. Seu consumo logo se equiparou ao do pão, chegando até a suplantá-lo na Europa do Norte.

Entre 4500 e 5000 variedades de batata (!) estão inventoriadas pelos organismos dedicados à classificação dessa solanácea. Em muitos países, entre os quais a França, sua produção é rigorosamente controlada. Não se pode vender qualquer tipo de batata assim, sem mais nem menos. Para que a comercialização de uma variedade qualquer seja autorizada, ela tem obrigatoriamente de estar inscrita Catálogo Oficial francês.

Em 2010, apenas 214 variedades estavam oficialmente registradas. Assim, somente elas tinham o direito de ser comercializadas. Antes do plantio, o agricultor prudente consulta a lista oficial. Caso tente vender uma variedade não autorizada, estará cometendo infração. Portanto, estará exposto a sanções. É possível inscrever uma nova variedade no catálogo oficial, mas não é fácil. O caminho é longo e a burocracia, pesada.

Espantado? Eu também fiquei no dia em que soube da existência da lista oficial e, principalmente, da proibição de escapar dela. Mas o problema é só de princípio, tem pouca influência sobre a vida de todos os dias. Os comércios, mesmo as épiceries fines (mercearias finas), não oferecem mais que 10 ou 15 variedades. São amplamente suficientes para a realização das receitas mais sofisticadas.

Sem dúvida, é muito interessante saber que, entre nativas e manipuladas, milhares de variedades de batata já foram identificadas. Para o cidadão comum, no entanto, não passa de mera estatística.

Nota
“Ao vencedor, as batatas!”, a frase marcante de nosso escritor maior, tem de ser adaptada à realidade de nosso século. Hoje em dia, convém dizer “Ao vencedor, o abacaxi!”.

Publicado originalmente em 29 dez° 2012.

O seleto clube dos negacionistas

José Horta Manzano

No momento em que escrevo, nosso Itamaraty – momentaneamente entregue aos delírios persecutórios de um embaixador júnior – ainda não reconheceu a vitória de Joseph Biden nas eleições presidenciais americanas. O clube dos renitentes está cada dia mais seleto.

Agora que a China, meio acanhada, deu os parabéns ao vencedor, ficamos na companhia de: Eslovênia, Rússia, Hungria, México e Coreia do Norte. Não tenho notícias da Mongólia nem da Quirguízia mas, salvo erro ou omissão, todos os demais já levaram a maçã para a professora.

Cada retardatário arrasta o chinelo por um motivo diferente. Vamos ver um por um.

Eslovênia
Eles estão fazendo papelão por motivo fútil, que combina mais com concurso de Miss Universo do que com relações internacionais. Neste pequeno país de 2 milhões de habitantes e área equivalente à de Sergipe, não acontece grande coisa. Um dia, uma modelo internacional natural do país casou-se com um multimilionário americano. O sonho da moça de origem simples ecoou no país inteiro. Pouco tempo depois, o maridão se tornou presidente. Desde esse dia, o pequeno país anda em cima de uma nuvem. É compreensível hesitarem em reconhecer que o sonho acabou.

Rússia e Hungria
Razões diferentes levam os dois países a almejarem o enfraquecimento da União Europeia. Para a Rússia, uma Europa fraca é desejável, pois alavanca o projeto de poder de Moscou. Para a Hungria, cujo governo atual tende para a direita extrema, o raciocínio é ideológico: uma Europa fraca – se possível esquartejada – liberaria seus Estados membros; nesse caso, alguns poderiam até juntar-se à Hungria e reforçar o clube de dirigentes extremistas autoritários. Aos olhos de russos e húngaros, a permanência de Trump no trono de Washington é a melhor receita para despedaçar a Europa.

México
Este caso também é transparente. Depois das promessas de Trump de construir um muro na fronteira entre os dois países, o relacionamento azedou. É compreensível. Por um lado, é humilhante ver um vizinho dizer por aí que vai levantar muro no quintal dele para se proteger de você. Por outro, caso a passagem entre os dois países ficasse realmente vedada, o México teria de hospedar todos os migrantes oriundos da miséria centro-americana.

Coreia do Norte
Bom, essa é fácil de entender. Faz alguns meses, um planeta estupefato viu imagens inimagináveis: um alaranjado Trump a cumprimentar o rechonchudo herdeiro da dinastia que há 75 anos domina a Coreia do Norte. Encantado com as perspectivas que começavam a se abrir para seu país, Kim Jong-Un reluta em aceitar a partida de Trump.

E o Brasil, nesse clube, que pito toca?

Diferentemente da Eslovênia, não temos primeira-dama brasileiro-americana. Aliás, o Brasil costuma mostrar indiferença quanto ao destino de conterrâneos que vivam além-fronteiras. Sei de muita gente que, vivendo no estrangeiro, tem ou teve relativo sucesso nas letras, nas artes ou nas ciências; gente que, no entanto, é desconhecida no Brasil.

Diferentemente da Rússia e da Hungria, não temos interesse em desmontar a União Europeia. Os projetos de poder do Brasil costumam estender-se ao relacionamento com a vizinhança. Aliás, no atual governo, até com os vizinhos andamos emburrados.

Diferentemente do México, não temos ressentimento contra o grande irmão do norte. O desvario de Trump não chegou ao ponto de imaginar construir muro em nossas fronteiras.

Pode parecer curioso, mas nossa motivação para a ausência de parabéns a Biden tem afinidade com a Coreia do Norte.

Para a galeria, a explicação é ideológica: Mr. Trump representa a defesa dos tradicionais valores ocidentais e cristãos. Mas isso é fachada. No duro, a explicação é mais terra a terra.

Não temos (ainda) nenhuma dinastia despótica no poder, mas o clã aboletado momentaneamente no Planalto é candidato forte. Iludidos com a pseudoideologia de Trump, esperavam que o apoio incondicional e servil dado ao americano pudesse servir de rampa de lançamento para se tornarem donos do Brasil pelas próximas décadas.

Apostaram todas as fichas. Perderam. E ficaram sem ficha.

Eleição para prefeito

José Horta Manzano

A cada quatro anos, quando chega a hora de escolher prefeito, volto ao assunto. O modo de eleger o chefe do Executivo municipal revela o descompasso entre o Brasil das grandes metrópoles e o dos municípios menores.

Nossa legislação eleitoral prevê que somente municípios com mais de 200 mil eleitores têm direito a organizar um segundo turno para afinar a escolha do prefeito. Isso dá 95 municípios num total de 5570.

Olhando por outro prisma, constata-se que somente 40% dos brasileiros têm direito a essa segunda votação: são aqueles que residem em municípios populosos. Os demais – que excedem 60% dos habitantes do país – têm de se contentar com o resultado do primeiro turno.

No tempo em que se votava em cédula de papel, essa restrição era compreensível. De fato, além de sair caro, a apuração demandava tempo e mão de obra. Hoje, com a generalização da urna eletrônica, a dificuldade desapareceu.

A Constituição reza que todos os brasileiros são iguais. A gente sabe que, na prática, não é bem assim, mas não vamos exagerar; já há muita desigualdade por aí, não convém criar mais uma. Não é justo que, na hora de escolher prefeito, somente os habitantes de grandes centros tenham direito a afinar o voto, enquanto, para o resto, vai com casca e tudo.

Pra ser eleito, presidente tem de receber mais de 50% dos votos. Governador idem. Prefeito de grande metrópole ibidem. Por que, então, essa discriminação contra moradores de centros menores? Será que são menos brasileiros que os outros?

Nos anos 80, quando não havia ainda segundo turno para eleição nenhuma, uma candidata à Prefeitura de São Paulo foi eleita com apenas 33% dos votos, porcentagem que abala a legitimidade do eleito. Desde que o segundo turno foi instituído, esses sustos deixaram de ocorrer na maior parte dos casos; mas ainda resta o problema dos municípios menores.

A meu ver, estão sendo vítimas de injustiça. No entanto, pensando bem, se eles que são os interessados não reclamam, por que é que eu vou me preocupar? Vamos deixar pra lá.

Volto ao assunto daqui a quatro anos. Se o destino permitir, naturalmente.

Candidatos 2020: origem do sobrenome

José Horta Manzano

Na Europa de 1000 anos atrás, ninguém tinha nome de família – aquilo que conhecemos como sobrenome no Brasil e apelido em Portugal. Vilas e vilarejos eram pequenos, o que dispensava a atribuição de nome às famílias. Todos se conheciam pelo nomezinho de batismo, invariavelmente nome de santo: Josés, Marias, Joões, Claras, Antônios, Anas se sucediam. Sem falar de nomes medievais como Gome, Águeda, Jácome, Sancho, Crisóstomo, Briolanja, Lopo, Violante, Mem, Iseu, Guidania, Pantaleão, Agridônia, hoje praticamente esquecidos.

Caso o povoado tivesse mais de um morador com o mesmo nome, a distinção se fazia por alguma característica. Era o início do longo caminho que, séculos mais tarde, levaria à prática institucionalizada de atribuir a cada indivíduo um nome de família.

Os nomes de família se distribuem basicamente em cinco grupos:

Patronímico
São aqueles em que o prenome do patriarca (ou da matriarca) serviu de sobrenome para a descendência. Na Espanha e em Portugal, os nomes terminados em es/ez são patronímicos: Péres/Pérez (filhos de Pero), Álvares/Álvarez (filhos de Álvaro), Esteves/Estévez (filhos de Estêvão), Nunes/Núñez (filhos de Nuno).

Toponímico
É quando o nome de família tem relação com o lugar de origem ou de residência da família. Exemplos: Aguiar (lugar alto onde havia ninhos de águia), da Costa, do Monte, Napolitano, de Toledo, Ribeiro (da beira do rio), Castelo Branco (nome da cidade), Figueiredo (lugar onde havia figueiras), Azevedo (terreno coberto de azevém – espécie de capim), Nogueira (campo onde se colhiam nozes; equivale ao francês Dunoyer, ao alemão Nussbaumer, ao espanhol Nogales e ao italiano Nocetti).

Alcunha
Alcunha é o que, no Brasil, chamamos apelido. Esta tendência é interessante e muito difundida. Famílias carregam até hoje a lembrança de alguma característica física do patriarca ou pelo apelido pelo qual era chamado. Os antigos eram raramente gentis ao atribuir alcunha: Calvo, Preto, Manso, Gago, Valente, Bravo, Ruço (cabelo vermelho), Pezão.

Nome religioso
Em terras lusofalantes, muitas famílias têm sobrenome relacionado com a religião. Exemplos: de Jesus, Assunção, São Marcos, dos Santos, Batista, Santamaria.

Ofício (profissão)
Frequente em outras terras, não é comum ver o ofício do patriarca transformado em nome de família em Portugal. A profissão de ferreiro é uma das poucas que servem de exemplo: Ferreira (a ferraria é o lugar onde se malha o ferro). Temos ainda: Pastor, Farina, Molino e Trigueiro (o moleiro).

Estudo do nome dos candidatos

Na ausência de eleição nacional em 2020, escolhi trabalhar com a lista dos candidatos a prefeito da cidade de São Paulo. Entre eles, há gente desconhecida, figurinhas carimbadas, um ex-ministro, um ex-governador e até um ex-candidato à presidência da República. Vamos a eles.

Silva Orlando & Antônio Carlos
Silva, por certo o sobrenome mais difundido em nossa terra, é um claro topônimo. (Entre os 14 candidatos, 2 têm esse sobrenome.) A palavra latina silva traduz-se por selva. Bosques e matas, há por toda parte. Assim mesmo, algumas fontes designam certa localidade portuguesa como lugar de origem da estirpe. Tenho cá minhas dúvidas. Por mais férteis que fossem os primitivos portadores desse nome, não dariam conta de engendrar prole tão vasta. A grande quantidade de Silvas no Brasil há de ter outras explicações. Uma delas terá sido a atribuição desse sobrenome a escravos alforriados.

Matarazzo Andrea
Este sobrenome é originário do sul da Itália, especificamente da Campânia (região de Nápoles). É grande a possibilidade de ser um nome de ofício. O patriarca da estirpe, na Idade Média, teria sido um fabricante de colchões (materasso, em italiano atual). Também não é impossível que alguns dos atuais Matarazzo sejam originários de uma localidade com esse nome, situada bem perto de Nápoles, junto ao vulcão Vesúvio; neste caso, será um topônimo.

Hasselmann Joice
Nome alemão pouco difundido, é um topônimo. Informa que, na época em que os sobrenomes começaram a ser atribuídos, a família tinha chegado, não fazia muito tempo, do vilarejo de Hassel, na Baixa Saxônia (norte da Alemanha).

França Marcio
Não é fácil descobrir a origem desse sobrenome. Embora não muito convincente, a explicação mais evidente parece ser de que a família era originária da França. Hesito em adotar essa solução. Na Idade Média, deslocamentos eram raros e, quando ocorriam, a distância nunca era grande. Como é que uma família havia de se mudar da França para Portugal, numa viagem de 2 mil quilômetros? Para mim, este nome vai para a lista dos misteriosos.

Do Val Arthur
É claramente um topônimo. Val é um vale que perdeu o E final (ou que ainda não o ganhou). A família é originária dos baixios de um lugarejo, da parte do povoado situada à beira-rio.

Tatto Jilmar
O nome Tatto é italiano. Há duas possibilidades de abordá-lo. Tanto pode ser de origem sarda (Sardenha, Itália) quanto proveniente da Apúlia (região de Bari, sul da Itália). Seria interessante conhecer o lugar de residência dos antepassados do candidato que emigraram para o Brasil. Caso tenham vindo da Sardenha, o nome é uma alcunha. Nos dialetos sardos, tattu significa farto, saciado. Como os apelidos eram maldosos, o patriarca pode bem ter sido um homem rechonchudo, gordinho. Caso tenham vindo da Apúlia, o nome é um patronímico, alteração dialetal do nome próprio latino Tatius (Tácio). Um dos primeiros reis de Roma levava esse nome.

Covas Bruno
Não se formou unanimidade sobre a origem deste sobrenome. Parece certo que seja um topônimo. Pode referir-se a alguma localidade portuguesa, que há várias: Covas do Douro, Covas do Barroso, Covas de Ferro. Pode também ser ligado ao lugar de residência do patriarca, que teria vivido, nesse caso, numa região esburacada.

Boulos Guilherme
É nome de origem sírio-libanesa. É a forma árabe do nome cristão Paulo. (A língua árabe não tem o som P, que é substituído pelo B). O árabe tem alfabeto próprio, o que significa que a transliteração para o alfabeto latino varia conforme a língua de quem fizer o trabalho; alemães escreverão Bulos, ingleses preferirão Boolos, franceses grafarão Boulos. O nome do candidato Boulos está transcrito para a língua francesa. A pronúncia original não é Boulos (OU), mas Bulos (U). Naquela região do Oriente Médio, só famílias cristãs dão o nome Paulo a uma criança.

Fidelix Levy
Este nome parece derivar do adjetivo latino fidelis = fiel, o que o instala na categoria dos patronímicos. O x final não aparece no original latino; há de tratar-se de latinização tardia (e equivocada). Variantes são: Fidelio, Fidal, Fidèle, Fedele.

Sabará Filipe
Tudo indica tratar-se de toponímico ligado à velha Vila Real de Nossa Senhora da Conceição do Sabará, hoje cidade de Sabará, que começou como acampamento bandeirante nas Minas Gerais. Tendo em vista que, no século 18, todos já tinham sobrenome, a adoção do nome do povoado (Sabará) pode se explicar pelo desejo de uma pessoa de jogar fora o passado e recomeçar a vida com nova identidade.

Russomanno Celso
De origem italiana, este nome é uma alcunha. Tem inúmeras variantes, conforme a região: Russomanda, Rossomanno, Russumanno, Rossomandi, Rossumando, Russomanno. Vista a profusão de variantes e a presença deste nome em todo o território italiano, os estudiosos convergem para uma explicação simples. Russomanno é de formação híbrida, envolvendo uma raiz latina e outra germânica. Ross/russ (latino) significa vermelho. Mann (germânico) é o homem. Os dois juntos designam o homem de cabelo vermelho, ou seja, o ruivo. O patriarca da família devia ter esse atributo cromo-capilar. (Essa foi chique!)

Salgado Vera Lúcia
Não há certeza quanto à origem deste nome. Algumas fontes acreditam que seja uma alcunha pespegada a um patriarca cheio de vivacidade, daqueles que animam o grupo, como o sal anima uma refeição. Pode ser, embora a explicação me pareça tortuosa. Prefiro acreditar numa explicação mais simples, isto é, que se trate de um topônimo. O nome teria sido atribuído aos que viviam num terreno junto ao mar, encharcado de sal, um solo salobro impróprio para cultivo.

Helou Marina
É nome árabe, trazido ao Brasil por imigrantes sírio-libaneses. Designa aquilo que tem sabor doce. Não conheço suficientemente os nomes daquela região; assim, não posso afirmar se é topônimo ou alcunha. Se algum distinto leitor souber, uma cartinha para a redação será bem-vinda!

É interessante ter, na mesma eleição, uma candidata do time doce concorrendo com uma do time salgado. Com as duas, a mesa estará completa e farta. E a eleição terá sabor.

Presidente excepcional

José Horta Manzano

Temos, realmente, um presidente excepcional(*). Calma. Quando digo excepcional, não entendo necessariamente que o homem seja excelente, longe disso! Estou utilizando a palavra na sua acepção primeira: o que é fora dos padrões. De memória de gente, nunca um presidente do Brasil mandou tanta bola fora. Muitos dizem que ele é imprevisível. Não acho. Pelo contrário, o gajo é totalmente previsível.

Quando um repórter lhe faz uma pergunta sobre assunto que não lhe agrada, já se sabe: o repórter será insultado. Quando dirigentes mundiais estão trabalhando para proteger o povo contra uma epidemia, doutor Bolsonaro prefere se sair com um «Muito do que falam (sic) é fantasia, isso não é crise». Foi assim que ele deu as boas-vindas ao covid, cujo estrago em nossa terra já roça os 150 mil mortos.

Todos se lembram ainda de quando, em viagem aos EUA, ele soltou uma abobrinha retumbante. Afirmou ter provas de que as eleições que ele venceu foram fraudadas. Não é comum um candidato, após vencer por ampla margem, acusar o sistema de falcatrua. Trambique em favor de quem, capitão? Em matéria de paranoia, doutor Bolsonaro dá mostras de que seu caso não tem cura. Vê inimigo por toda parte, até no sistema que lhe deu a vitória. Vá entender!

Na Argélia, não faz muito tempo, um presidente senil, paralítico e visivelmente decrépito foi considerado inapto para o exercício do poder e, em seguida, afastado definitivamente. Não sou especialista em afastamento de presidentes; vai daí, não sei dizer se o presidente poderia ser declarado impedido, nem a quem caberia tomar essa decisão. Se for possível, está na hora de seguir esse caminho.

Nosso atual presidente é um engodo. Se fraude houve na última eleição, foi em favor dele… e em desfavor do povo brasileiro. Boa parte dos que o sufragaram, votaram enganados. Não sabiam de que estofo era feito o homem. Agora, todo o mundo sabe.

Bos sibi ipsi pulverem movet
O boi levanta poeira contra si mesmo

(*) Excepcional vem direto do latim. Só aparece na língua no século 16, chegado por via erudita. O verbo originário é excipere, onde cipere significa tomar/tirar e a partícula ex- tem o sentido de fora de. Portanto, o significado final é tirar para fora. Exceptus é o particípio passado. Em nossa língua, a família deu ainda exceto, exceção, excetuar.

Excepcional é o que foi tirado fora do conjunto, ou seja, o que está fora da norma fixada e geralmente aceita, acepção que cai como luva para doutor Bolsonaro.

Outra maneira de exprimir a ideia de fora da norma é anormal. Se preferir, pode aplicar esse termo quando se referir ao doutor. É forma ideológica e gramaticalmente correta.

O presidente e os sem-voto

José Horta Manzano

Quando se dispõe a atacar o Judiciário – uma atitude que adota com frequência –, doutor Bolsonaro costuma encher a boca para proclamar a própria legitimidade. Argumenta que recebeu 57,8 milhões de votos, enquanto os magistrados não receberam nenhum.

À primeira vista, o raciocínio parece cristalino. No entanto, quando se tenta seguir essa lógica até o fundo, a imagem se turva. Se o número de votos fosse determinante da legitimidade do homem político, um bocado de gente passaria à frente dos sem-voto.

Logo após Bolsonaro, viria – adivinhem quem? – Fernando Haddad, ora pois. Seus 47 milhões de votos lhe conferem legitimidade comparável à do presidente, muito acima do magma dos que não passaram pelas urnas. Está correto o que estou dizendo? De onde sai essa salada?

O distinto leitor há de ter se dado conta de que, esticado até o limite da ruptura, o raciocínio do presidente acaba por romper-se. É que, ainda que tenha recebido um caminhão de votos, ele não será nem mais nem menos legítimo do que o vereador de pequeno município, escolhido por poucas dezenas de eleitores. A legalidade do presidente tampouco será menor que a de um ministro do STF ou de um parlamentar. Todos eles, escolhidos segundo as normas da lei, estão no mesmo nível de legitimidade.

Portanto, será falácia o presidente pretender-se mais ‘legítimo’ do que parlamentares ou ministros do Judiciário. Desde que o caminho que os levou lá tenha seguido rigorosamente os preceitos legais, gozam todos de idêntica legitimidade.

Só pra chatear 1
Pela lógica de doutor Bolsonaro, que confunde os conceitos de legitimidade e de proporção de eleitores, tanto o Lula quanto a doutora eram mais ‘legítimos’ que ele. Vejamos o resultado de cada um (em proporção do total de votos válidos):

2018  Jair Bolsonaro  55,1%
ooooooooooooooooooooooooooo
2010  Dilma Rousseff  56,1%
2006  Lula da Silva   60,8%
2002  Lula da Silva   61,3%

Só pra chatear 2
Há questão de 3 meses, doutor Bolsonaro afirmou que as eleições de 2018 haviam sido fraudadas. Garantiu ainda que tinha provas disso. Ora, desde que o mundo é mundo, a fraude em votações serve pra garantir a eleição de um dos candidatos. Quem ganhou foi ele; portanto, conclui-se que, se fraude houve, foi a seu favor. Será por isso que, até hoje, não mostrou as provas de que dispõe. Se o fizer, a fraude ficará comprovada e sua eleição será impugnada.

O déficit presidencial

José Horta Manzano

A cada dia que passa, fica mais evidente o déficit de inteligência que acomete nosso presidente. Sua persistência em cometer bizarrices não provém de sua posição à esquerda ou à direita; nem dos conselhos do guru boca-suja ou dos filhos destrambelhados; nem da síndrome do parvenu que subiu rápido demais; nem da paranoia que o domina. Tudo o que mencionei não é causa, mas consequência. A causa de tudo é seu déficit de inteligência; em língua de casa, é burrice mesmo.

No trato que doutor Bolsonaro tem dispensado ao ministro da Saúde, salta aos olhos sua incapacidade de entender o que se passa a seu redor. Já faz dias que as pesquisas de opinião do Datafolha e do Ipesp/XP mostram que a população aplaude o trabalho do ministro, ao mesmo tempo que reprova a ação do próprio presidente.

Ciente da situação, doutor Bolsonaro age como barata: morde e assopra. De manhã, afaga o ministro; à tarde, dá-lhe uma fenomenal desancada. Tenta, sem sucesso, semear intriga entre o ministro e a população. Promete demiti-lo, mas, no último minuto, se acovarda e passa pomada. Não se dá conta de que, agindo assim, propulsa a popularidade do ministro às alturas e empurra a sua para baixo. Cada viravolta se traduz pelo acréscimo de pontos à popularidade do ministro – e, inversamente, pela queda do placar do próprio presidente.

Isso não é estratégia; é sinal de burrice. Sem perceber, doutor Bolsonaro está dando enorme contribuição para a popularidade de um ministro sensato e simpático. Sem se dar conta, está fabricando o adversário que poderá enfrentá-lo em 2022, com boas chances de vencer. Se o doutor continuar presidente até lá, naturalmente.

Surdo que não quer ouvir

José Horta Manzano

Assim como o pior cego é aquele que não quer ver, o pior surdo é aquele que não quer ouvir, aquele que só dá ouvidos aos afagos que lhe interessam. Em vez de levar a sério as pesquisas de opinião que mostram o preocupante desgaste de sua popularidade, doutor Bolsonaro prefere dar ouvidos à zoeira que lhe vem de redes sociais atrás das quais tanto podem estar adeptos fanáticos quanto robôs bem programados. Ou os dois.

Como o pior dos surdos, nosso presidente não quer – ou não consegue – captar o rumor surdo que lateja e se avoluma poucos centímetros abaixo de seus pés, quase no ponto de eclodir. Perde apoio diariamente. Cada fala ou gesto desastrado seu resulta na perda de milhares de eleitores.

Se a eleição fosse hoje, doutor Bolsonaro só teria chance de vencer – um tiquinho de chance, frise-se – se o adversário fosse identificado com o lulopetismo. Fora isso, perdia de qualquer um. Marina, Ciro Gomes, Serra, Alckmin, Álvaro Dias, Amoedo ou qualquer outro lhe passaria a perna.

E é bom não esquecer de uma coisa. Se ele continuar a aumentar sua coleção de inimigos ao ritmo atual, vai-se tornar tão impopular que, daqui a três anos e meio, até um lulopetista periga derrotá-lo. Supondo-se que se segure no trono daqui até lá, naturalmente.

Macron e a casca de banana

José Horta Manzano

A notícia passou meio despercebida na imprensa francesa, neste momento mais preocupada com as consequências das eleições europeias, com o interminável folhetim do Brexit e com os irritantes protestos dos derradeiros Coletes Amarelos. Vamos rebobinar o filme.

Dia 21 de abril, Volodimir Zelenski, jovem ator ucraniano de 41 anos, foi eleito presidente de seu país. Exemplo de ficção que se torna realidade, o moço tinha encarnado, numa minissérie televisiva, um professor de História que se tornava, por acaso, presidente do país. No auge da popularidade mas sem nenhuma experiência política, candidatou-se à Presidência assim como quem não quer nada. Com estonteantes 73% dos votos, venceu, no segundo turno, o presidente atual, que disputava a reeleição. Foi bem sucedido num desafio que nem nosso Tiririca ousou enfrentar!

Como acontece nessas horas, todos os dirigentes do planeta sentiram a necessidade de dar parabéns ao recém-eleito e desejar-lhe boa sorte. Dois humoristas russos, especialistas em dar trotes e pregar peças a personagens importantes, resolveram preparar uma pegadinha pra Monsieur Macron, presidente da França. Valendo-se do caminho mais simples, ligaram para o palácio presidencial francês e deixaram o número de celular do novo presidente. O número, naturalmente, era do celular deles.

Tranquilizados pela voz com sotaque carregado, os responsáveis pelo cerimonial da Presidência francesa não desconfiaram. Transmitiram o número a Emmanuel Macron. Pouco depois, o francês liga para o número que lhe haviam dado e, convencido de que estava a conversar com o novo presidente ucraniano, sente-se à vontade e solta as amarras.

 Do outro lado, a suposta voz do presidente recém-eleito provoca:

«– Veja, Monsieur Macron, com meus 73%, eu me sinto como meu vizinho Vladimir Putin, o presidente da Rússia.»

E Macron, que não perde a ocasião pra responder na lata:

«– É, mas eu tenho a impressão de que o sistema na Ucrânia ainda não está tão bem organizado como na Rússia. Você ainda não botou todos os seus oponentes na cadeia.»

Ai, ai, ai… Os humoristas russos, que tinham gravado tudo, puseram o áudio à disposição em sua conta no Twitter. Estavam à mesa todos os ingredientes de um sério incidente diplomático. Alguns poucos comentaristas franceses se mostraram surpresos pelo fato de o Palácio do Eliseu ter se deixado tapear com tanta facilidade. E também pela imprudência de Macron ao pronunciar palavras sarcásticas contra o presidente da Rússia, país importante e amigo.

Passado um mês, uma constrangida Presidência francesa segue firme na recusa de confirmar o fato. Tampouco emitiu desmentido, o que já é meia confissão. Por seu lado, a embaixada da Rússia em Paris informou não ter intenção de tecer comentários sobre o ocorrido.

Como se vê, não é só nosso presidente linguarudo que se mete em palpos de aranha ao dizer o que não deve a quem não convém. A diferença é que, enquanto outros escorregam na casca de banana que alguém lhes colocou no caminho, doutor Bolsonaro atravessa a rua pra escorregar na casca que avistou na outra calçada.

Falam de nós – 26

José Horta Manzano

No Brasil, os espíritos já vão serenando. Lá fora, no entanto, o mundo continua abismado com a ousadia da maioria de brasileiros que deram voto de confiança a doutor Bolsonaro. Basta abrir qualquer jornal pra encontrar análises tingidas de incompreensão. Este apanhado de manchetes colhidas estes últimos dois dias revela que a ficha ainda não caiu.

La Depêche, França
«Le Brésil est revenu cinquante ans en arrière»
«O Brasil retrocedeu cinquenta anos»

Le Monde, França
«Sergio Moro adhère au programme répressif de Jair Bolsonaro»
«Sergio Moro adere ao programa repressivo de Jair Bolsonaro»

The New York Times (Spanish edition), USA
«Bolsonaro representa el pasado colonial de Brasil»
«Bolsonaro representa o passado colonial do Brasil»

Le Point, França
«Brésil: Bolsonaro et Israël, une relation politico-religieuse à haut risque»
«Brasil: Bolsonaro e Israel, uma relação político-religiosa de alto risco»

Sydöstran, Suécia
«Brasilien: nationalismen ett allvarligt hot mot våra barn»
«Brasil: nacionalismo é ameaça séria contra nossos jovens»

Le Monde, França
«Au Brésil, la détresse des homosexuels et des trans»
«No Brasil, a aflição dos homossexuais e dos trans»

Visão do exterior

José Horta Manzano

by Patrick Chappatte (1966-), desenhista suíço

A representação que os europeus se fazem das recentes eleições presidenciais brasileiras está sintetizada no traço de Patrick Chappatte, desenhista suíço.

A charge apareceu no New York Times dois dias atrás. O artista é colaborador permanente da grande mídia planetária. Desenha para o NYT, o alemão Der Spiegel, o suíço Le Temps, o francês Herald Tribune.