Mortos compram armas

José Horta Manzano

Repórteres do Estadão tiveram a pachorra de esmiuçar um relatório do Tribunal de Contas da União focado na venda de armas e munições a particulares durante os quatro anos bolsonáricos (2019 – 2022). O que se descobriu ali é de assustar até bicho-preguiça.

* 94 pessoas já falecidas compraram cerca de 17 mil munições para arma de fogo

* Quase 12 mil indivíduos falecidos entre 2019 e 2022 possuíam mais de 21 mil armas registradas em seus nomes

* 2.690 foragidos da polícia possuem armais legais

* 5.235 cidadãos em cumprimento de pena conseguiram obter, renovar ou manter seus certificados de registro de arma de fogo (CRs)

* Indivíduos condenados por crimes graves, com mandado de prisão em aberto, conseguiram obter carteirinha de CACs e são suspeitos de estarem sendo usados pelo crime organizado como “laranjas”.

É de assustar ou não é?

Numa primeira análise, se poderiam pôr essas aberrações na conta de erros cometidos por zelosos funcionários ao cumprir as determinações de Jair Bolsonaro com relação ao afrouxamento de regras de compra e venda de armamento. Um lamentável efeito colateral do programa de rearmamento, digamos.

Uma reflexão mais profunda, porém, faz virem à tona eflúvios pestilentos do passado do capitão, homem que emergiu de um caldo de violentos milicianos e de desonestos militares de baixa patente.

De alguém habituado a tratar com indivíduos que fazem da violência seu modus operandi de todos os dias, é lícito imaginar que pretendesse contar com o precioso apoio armado dessa malta quando chegasse o momento do almejado golpe de Estado.

Nessa linha de pensamento, as aberrações reveladas pelo relatório do TCU deixam de ser “efeito colateral” para tornar-se “efeito desejado” do programa de disseminação de armas.

Quanto mais braços para erguer o salvador da pátria, melhor seria. Além dos habituais sectários verde-amarelos, seriam também bem-vindos: milicianos, foragidos da polícia, cidadãos em cumprimento de pena, indivíduos com mandado de prisão em aberto. Todos armados, bem entendido. Até mortos podiam comparecer, desde que entrassem para a seita.

Foi por um triz. Para nosso alívio, a canoa furou.

Carro elétrico

José Horta Manzano

Em 2019, quando Romeu Zema (governador de Minas Gerais) concedeu a cidadania honorária do estado a Jair Bolsonaro, o governo do capitão estava apenas começando. Ainda não se falava em covid, nem em cloroquina, nem em jet ski, nem em pizza na calçada. Era admissível que alguns cidadãos ainda tivessem esperança de ter um governo decente.

Em 2023, encerrada a era bolsonárica, as ilusões já haviam morrido. Não era mais permitido dar ao capitão o benefício da dúvida, porque dúvida já não havia: seu governo havia sido calamitoso.

Senhor Zema, reeleito governador das Gerais em 2022, não precisava dar vexame, mas deu. Com a cumplicidade da Assembleia Legislativa, organizou uma festa em homenagem ao cidadão honorário. Em agosto passado (dois meses atrás), recebeu Bolsonaro com pompa e entregou-lhe o diploma. Não era obrigado a fazê-lo. Podia ter deixado o título honorífico continuar dormindo na gaveta do esquecimento. Se levou o caso até o fim, foi porque quis.

Vê-se que, para Romeu Zema, o 8 de Janeiro, as joias contrabandeadas, a minuta do golpe, a fuga para Orlando, o escândalo da covid, as vacinas sonegadas, a propaganda de remédios falsos, as bíblias negociadas contra barras de ouro – tudo isso não foi suficiente para mudar sua ideia. Para ele, Jair Bolsonaro continua merecedor da honra de ser declarado mineiro.

De um homem com essa mentalidade, pode-se esperar tudo. Até essa barbaridade que aparece no recorte acima.

Assim como a mentalidade estreita de Bolsonaro via no confinamento da covid apenas uma ameaça à economia nacional, Zema vê no carro elétrico “uma ameaça aos nossos empregos”. Sua visão afunilada não consegue vislumbrar o futuro. Não deve estar a par da determinação de numerosos países de simplesmente proibir o emplacamento de veículos com motor a combustão a partir de 2025 ou 2030.

Se estivéssemos no fim do século XV, esse senhor estaria denunciando a perda de emprego dos copistas medievais suplantados pela imprensa de Johannes Gutenberg.

Mas deixe estar. Não será um sabujo qualquer que vai fazer o mundo parar de girar. Quer doutor Zema goste ou não, o futuro da indústria automobilística estende os braços aos veículos elétricos e a hidrogênio. E isso vai acontecer antes do que ele imagina.

Grippette

José Horta Manzano

Le Figaro, tradicional diário francês de direita, publicou um artigo por ocasião dos 700 mil mortos de covid, terrível marca alcançada pelo Brasil estes dias. O texto lembra que nosso contingente de vítimas só é superado pelo dos EUA, país em que a covid matou mais de um milhão. No mundo todo, foram 6,8 milhões de mortos.

O jornal – de direita, repito – não se esqueceu de mencionar a atitude debochada com que Bolsonaro “enfrentou” a pandemia. Lembrou a seus leitores a “gripezinha” do capitão. Aqui estão o trecho original e a tradução.

Une «grippette»
La gestion de la crise du Covid au Brésil a été marquée par un grand nombre de polémiques entre les milieux scientifiques notamment et l’ancien président d’extrême droite Jair Bolsonaro. Celui-ci a longtemps dit que le Covid était une «grippette», préconisé des traitements inefficaces et s’est opposé à la vaccination. Il a refusé de confiner la population au nom de la préservation de la première économie d’Amérique latine, tout en multipliant les bains de foule, le plus souvent sans masque.

Uma “gripezinha”
A gestão da crise da covid no Brasil foi marcada por numerosas polêmicas entre a comunidade científica e o ex-presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro. Durante muito tempo, ele chamou a covid de “gripezinha”, defendeu tratamentos ineficazes e se opôs à vacinação. Ele se recusou a confinar a população em nome da preservação da maior economia da América Latina, enquanto aumentava o número de banhos de multidão, geralmente sem máscara.

Como se vê, mesmo além-fronteiras o “legado” de Bolsonaro é reconhecido e lembrado.

Estratagema
Para traduzir “gripezinha”, o Figaro recorreu a um estratagema raro: criou uma palavra. Em tempos normais, uma gripezinha se diz “une petite grippe”. Nunca ouvi ninguém dizer “grippette” para se referir a um resfriado.

Resultado do jogo
Nosso ex-presidente era tão esquisito que, para traduzir seu comportamento, foi preciso criar uma palavra em francês. Bravo! Essa façanha não é comum! É pena que o capitão só sobressaísse em contexto negativo e nunca tenha sido manchete com notícia boa.

O passaporte italiano do Jair

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense de 25 fevereiro 2023

Como se dizia antigamente, “Continua o sucesso da novela ‘Quando é que ele volta?’, em cartaz há dois meses e seguida do Oiapoque ao Chuí!” A bolsa de apostas está fervendo. Há quem acredite que a volta do capitão será semana que vem; outros juram que ele só retorna em abril; há até quem pense que ele vai acabar fixando residência num paraíso fiscal pra nunca mais voltar.

No vaivém dos capítulos, de vez em quando alguém se lembra de que o ex-presidente e os filhos têm direito a recuperar a nacionalidade italiana. Dois de seus filhos, surpreendidos outro dia na porta da representação italiana em Brasília, não esconderam a razão de estarem ali: tentavam acelerar o processo de reconhecimento de nacionalidade, trâmite que se arrasta há tempos. (Dado o acúmulo de pedidos, processos podem levar anos.)

Entrevistado alguns dias atrás, um senador da República Italiana alegou desconhecer qualquer pedido de reconhecimento de cidadania feito por Jair Bolsonaro. A declaração passou a falsa impressão de que a recuperação da nacionalidade italiana é individual, e que cada membro de uma mesma família tem de abrir seu próprio processo. Não é exatamente assim que funciona.

O objetivo final do processo de reconhecimento de cidadania é a inscrição do requerente na “Anágrafe”, registro italiano em que estão inscritos todos os cidadãos do país. Os fatos civis da população – nascimentos, casamentos, divórcios, óbitos – são todos registrados ali. É um registro civil com “fio condutor”, ou seja, parte do princípio que todo recém-nascido se integra numa linhagem. Uma consulta à Anágrafe permite apurar a árvore genealógica de cada cidadão desde a instituição do registro civil, no século 19.

No caso dos que emigraram no passado, o fio se interrompe. Embora os descendentes nascidos no exterior continuem com direito à nacionalidade italiana, o fato de não estarem registrados na Anágrafe os impede de tirar documentos. No fundo o objetivo do processo de recuperação da cidadania é transcrever certidões estrangeiras de nascimento, casamento e óbito na Anágrafe do município de origem.

A condição para as transcrições é o respeito à ordem das gerações. Jair Bolsonaro é bisneto do último antepassado que figura nos registros italianos. Para ser inscrito, terá de apresentar as certidões que o ligam a essa pessoa, ou seja, documentos de seus bisavós, de seus avós, de seus pais e os seus próprios. Seguindo a lógica, a inscrição de seus filhos – já solicitada por eles – só será possível depois da inscrição de todos os antepassados, incluindo o próprio Jair Bolsonaro.

É aí que mora o truque. É irrelevante o capitão ter ou não ter solicitado a recuperação de sua cidadania. Pela lógica do “fio condutor”, quando seus filhos estiverem inscritos na Anágrafe, ele já figurará automaticamente nesse registro, ainda que nunca tenha solicitado. Isso lhe permitirá tirar o passaporte italiano. Em resumo: inscrito algum dos filhos, o pai também estará inscrito.

Cabe agora uma consideração. A subida de Giorgia Meloni ao cargo de primeira-ministra da Itália levou apreensão aos países vizinhos. Suas antigas demonstrações de apreço por Mussolini, Putin, Trump e Bolsonaro deixaram os demais membros da União Europeia ressabiados. Para limpar a própria imagem e escapar à repulsa inspirada por seus heróis, la Meloni decidiu desradicalizar seu perfil. Abjurou a antiga fé no fascismo, renegou Trump, denunciou Putin, condenou Bolsonaro. Um dia depois da visita de Biden a Kiev, foi de romaria encontrar o presidente Zelenski e anunciar reforço na ajuda militar italiana.

Agora, que a primeira-ministra deixou de assustar o mundo, a última coisa que ela deseja é criar problemas para si mesma e para seu país. Caso o processo de reconhecimento da cidadania de qualquer um dos rebentos de Bolsonaro chegue ao fim, o capitão estará automaticamente inscrito na Anágrafe e apto a receber seus documentos. A essas alturas, ele pode muito bem decidir homiziar-se no país, o que causaria um problema espinhudo caso o Brasil (ou algum tribunal internacional) resolvesse requerer sua extradição.

É de crer que o processo de recuperação de cidadania dos bolsonarinhos não chegue ao fim tão já.

A democracia resiste

by Marcos “Quinho” de Souza Ravelli (1969-), desenhista mineiro

 

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense de 28 janeiro 2023

Há sinais de recuperação da democracia ao redor do globo. Embora tímidos, acanhados e quase imperceptíveis, apontam para o lado positivo. Vamos a alguns deles.

A China, entre os países importantes, é o que tem o regime mais controlado e hermético, apesar de ser mais autoritário que comunista. Na comparação, a vida na Rússia – país onde até o vocabulário do cidadão é escrutado pra vigiar que nunca associe o nome ‘Ucrânia’ à palavra ‘guerra’ – parece solta e jovial.

Pois foi essa China que nos deu, no fim do ano passado, inesperada mostra de que o rigor das regras sociais pode ser afrouxado pela pressão popular. Quase três anos de confinamento estrito, por motivo de covid, estavam fazendo mal à economia e, sobretudo, à população. Parece que a transmissão dos jogos da Copa do Mundo deu origem à ira popular. A visão de estádios cheios de gente sorridente e sem máscara foi a gota d’água. Manifestações de indignação se alevantaram nas metrópoles chinesas, com coro de “Fora, Xi Jinping!” – afronta insuportável. Poucos dias bastaram para o rigoroso regime de “covid zero” ser abolido.

No Irã, faz meses que a população manifesta seu desagrado com o rigor da ditadura dos aiatolás. O triste destino de uma jovem que morreu enquanto detida pela polícia da moralidade pelo motivo de não usar direito o véu obrigatório foi o estopim da revolta popular. Dia após dia, a obstinada e corajosa juventude iraniana manifesta nas ruas sua insatisfação com o regime. A dura repressão já deixou centenas de cadáveres, mas a ira da população tem se mostrado à altura da mão pesada do governo. Em mais de quarenta anos de regime teocrático, é a primeira vez que o povo se queixa com tal intensidade. Pode bem ser o primeiro passo para a queda da ditadura.

Nos EUA, o campo antidemocrático liderado por Donald Trump sofreu profundo revés nas eleições de “mid-term”. Quando todos já se resignavam de assistir a uma arrasadora onda de eleitos trumpistas, o eleitorado democrata deu um sobressalto e limitou as perdas. A volta do bilionário à Presidência ficou um pouco mais problemática.

Na Itália, a primeira-ministra Giorgia Meloni vem se saindo melhor que o figurino. Ao assumir a chefia do governo, abjurou Mussolini e o fascismo, regime pelo qual havia demonstrado simpatia no passado. Juntou-se aos demais países da Otan e deu seu apoio ao envio de armas para que os ucranianos defendam seu território contra o invasor russo. Em uma palavra, a Signora Meloni civilizou-se. Fez desaparecer o lado assustador da extrema-direita. Caminha na boa direção.

No Brasil, as últimas semanas de 2022 e as primeiras deste ano foram turbulentas. Jair Bolsonaro, quando presidente, passou anos prevenindo o distinto público de que, se não fosse reeleito, se insurgiria contra o resultado das eleições. Numa preparação do que estaria por vir, chegou a avisar, ao corpo diplomático lotado em Brasília, a vulnerabilidade de nossas urnas eletrônicas.

Quando as eleições chegaram e o capitão foi derrotado, forte apreensão tomou conta da população não fanatizada. E agora? Será que o perdedor nos condenará a regredir a uma era de botas na calçada e brucutus no asfalto?

Em outros tempos, talvez a pólvora tivesse assumido o protagonismo e o país tivesse de novo mergulhado nas trevas. Numa mostra de que o horizonte nacional já está desanuviado de aventuras desse tipo, Bolsonaro emburrou, enclausurou-se no palácio e lá ficou dois meses – calado para o público externo, mas certamente ativíssimo na preparação do sonhado golpe.

O resto, todo o mundo sabe. Bolsonaro fugiu, e o 8 de janeiro viu o “Exército da Loucura” em ação. Quebraram vidros, mas não quebraram a lealdade de uma maioria de fardados responsáveis. Derrubaram peças de arte, mas não derrubaram a Lei Maior. Subiram no alto de palácios, mas não atingiram o topo do poder. O Brasil balançou mas não cedeu.

Agora, o espetáculo que nos proporcionam um ex-presidente homiziado no exterior, invasores rastaqueras na cadeia e financiadores acuados traz uma lufada de ar puro a nossa nação. É a prova de que, na hora agá, nossa democracia não se rompeu.

Alô alô, marciano

José Horta Manzano

France-Info é canal de informação contínua pertencente ao conglomerado de emissoras públicas da França. Pode ser captada pela tevê, pelo rádio e pelo site online.

No site do canal, pode-se ver uma notícia desconcertante, vinda de Porto Alegre:


“Apoiadores de Jair Bolsonaro pedem aos extraterrestres que ‘salvem’ o país”.


Acompanha um vídeo de alguns segundos mostrando uma roda de gente, todos devidamente paramentados de verde-amarelo, cada um com seu celular em cima do cocuruto.

Cada integrante do estranho rodeio mantém seu telefone virado pra cima em modo farolete. Todos cantam uma melopeia que não consigo identificar enquanto abanam a mão sobre a tela do telefone na intenção de mandar mensagens ao espaço.

É um arremedo dos sinais de fumaça que índios americanos emitiam em filmes de caubói, lembra? Só que os sinais dos índios eram ritmados e coerentes, e transmitiam um recado, enquanto os de Porto Alegre são desconexos.

France-Info descreve a cena como surreal e explica que ôvnis teriam sido avistados no céu da capital gaúcha estes últimos tempos, o que explica o assanhamento dos participantes do bizarro rito encantatório.

Rezas, simpatias e superstições geralmente se fazem em ambiente apropriado, seja em casa, na igreja, no terreiro ou no templo – longe de olhares infiéis. É assaz raro ver demonstração pública de tamanha credulidade. Eu não duvidaria de que, entre os participantes, haja até algum que acredite na mágica. É de uma ingenuidade comovente.

Só vou de mulher

José Horta Manzano

 

“Ninguém gosta de homossexual, a gente suporta.”
Jair Bolsonaro, então deputado.
Vídeo do ano 1997.

 

“Pelotas é uma cidade-polo, né? Exportadora de veados.”
Lula da Silva, então sem função política definida.
Vídeo do ano 2000

 

“Um estudo publicado em 1996 no ‘Journal of Abnormal Psychology’ demonstrou que os homens homofóbicos – só eles, não os demais – se põem fisiologicamente excitados ao visionar vídeos explicitamente homossexuais.”
Boris Cheval, doutor em Ciências e pesquisador em Neuropsicologia da Saúde, Psicologia do Esporte e Epidemiologia Social.
Entrevista do ano 2016

O título deste post faz alusão a um samba fora dos padrões, composto por Luiz Reis e Haroldo Barbosa em 1961, aqui na interpretação bem-humorada de Ivon Curi (1928-1995).

Potenzmittel

José Horta Manzano


“Problemas de ereção?
O governo brasileiro aprova remédio contra a impotência para o Exército”


O Frankfurter Allgemeine, jornal alemão de referência, não perdoou. Além da manchete reproduzida acima – ilustrada com sugestiva foto que sugere um Bolsonaro submisso aos fardados –, contou o resto da história.

“Além das acusações de corrupção, o governo do presidente Jair Bolsonaro é alvo de zombaria e de sátiras. O Exército teria adquirido, em grande quantidade e a preços exorbitantes, comprimidos para a virilidade.”

O diário alemão não foi o único a caçoar. A mídia europeia em peso, num espírito situado entre a surpresa e a ironia, também deu a notícia.

O fato é que, nesta parte do mundo em que vivo, nenhum plano de saúde – do mais básico ao mais sofisticado – cobre remédios contra a impotência. Há de ser porque as autoridades da Saúde Pública consideram que disfunções eréteis decorrentes do envelhecimento não são consideradas patológicas, mas simples fatos da vida.

Por aqui, quem desejar revigorar seu desempenho sexual tem de consultar o médico, pedir receita e comprar o remédio pagando do próprio bolso sem direito a reembolso. Não sei se no Brasil os planos médicos são mais camaradas. Parece que, entre nossos fardados, é assim que funciona.

Seja como for, a compra de milhares de comprimidos desse tipo de remédio pelas Forças Armadas da República do Brasil pega mal pra caramba. Dá ensejo a duas reflexões.

Ou os engalonados de mais idade estão usando dinheiro do povo para seu conforto na cama; ou os recrutas, que deviam ser o retrato da virilidade e do vigor das Forças, estão dando precoces e inquietantes sinais de impotência.

Ora, minha gente, as Forças Armadas de um país não somente têm de ser fortes, mas também têm de parecer fortes. Virilidade é termo que combina com força, coragem, destreza, masculinidade. Distribuir à tropa comprimidos para combater problemas de ereção é um baita arranhão na virilidade dos uniformizados. A encomenda desses remédios, feita em escala industrial, passou um rolo compressor por cima da imagem da tropa. Os brios daquela juventude armada deve ter levado um baque.

Agora todos os brasileiros têm o direito de se preocupar. Suponha por um momento que, amanhã, nosso território fosse invadido. Como é que ia ficar? Quem nos defenderia? Um exército de brochas?

Não acredita? Pois até mês e pouco atrás, ninguém no mundo acreditaria na invasão da Ucrânia. No entanto, taí…

Observação
O título faz alusão ao nome carinhoso que a língua alemã dá a esse tipo de medicamento: pílulas de potência.

Farinha do mesmo saco?

José Horta Manzano

Os candidatos que neste momento ocupam os quatro primeiros lugares na corrida presidencial têm um currículo(*) interessante.

Lula da Silva
Foi presidente e também presidiário.

Jair Bolsonaro
É presidente com boa probabilidade de tornar-se presidiário assim que descer a rampa.

Ciro Gomes
Foi ministro do Lula, aquele que foi presidente e presidiário.

Sergio Moro
Foi ministro de Bolsonaro, aquele que é presidente e tem risco de se tornar presidiário.

Como se vê, a escolha parece ampla, mas não nos tira do círculo vicioso no qual rodopiamos há duas décadas. Nosso mundinho político exala mau cheiro.

(*) Tem casos em que, em vez de currículo, o termo mais adequado seria prontuário.

A verdade torturada

Salvini: “Agradeço a Bolsonaro pela extradição de Battisti”

José Horta Manzano

A distorção da verdade é matéria prima indispensável ao trabalho de populistas e extremistas. A mais recente pérola foi cometida neste 2 de novembro.

Nesta terça-feira, nosso capitão presidente esteve de visita ao cemitério militar brasileiro de Pistoia, erguido em memória dos pracinhas da FEB caídos nos campos de batalha italianos durante a Segunda Guerra.

Surgido não se sabe de onde, apareceu Matteo Salvini, líder da extrema-direita italiana, cujo percurso já o levou a ser vice-primeiro-ministro, cargo de que foi apeado dois anos atrás. Hoje, em Pistoia, alegou ter sido convidado “pela embaixada do Brasil”. Admitamos.

Em seu discurso, agradeceu a Bolsonaro “pela extradição de Cesare Battisti”. Para impressionar na retórica, espichou a mentira e acrescentou que, se dependesse “de presidentes de esquerda”, alguns terroristas estariam ainda livres no Brasil. Não se sabe bem a que “outros terroristas” ele se refere. O que se sabe é que um perigoso miliciano ocupa a Presidência de nosso país, mas essa já é uma outra história.

Salvini não é tão ignorante quanto Bolsonaro. Era ministro de Assuntos Internos da Itália em janeiro de 2019 e sabe perfeitamente como terminou a aventura de Battisti em terras sul-americanas. Mas está apostando na memória curta de seus compatriotas. Nós, que acompanhamos o caso passo a passo durante anos, sabemos bem como ocorreu.

Assim que Bolsonaro foi eleito e declarou que tinha intenção de extraditar o condenado Battisti, este escafedeu-se e refugiou-se clandestinamente na vizinha Bolívia. A polícia italiana, que acompanhava à distância, seguiu os passos do fugitivo.

Não se sabe que tipo de tratativas ocorreu entre Roma e La Paz. O fato é que, um belo dia, policiais bolivianos (acompanhados por policiais italianos) deram voz de prisão a Battisti. Em poucas horas, o homem foi oficialmente expulso do país e entregue aos policiais italianos. Que o conduziram diretamente a Roma. Nem fizeram escala em território brasileiro, que é pra não arriscar expedição de um habeas corpus – num país judiciarizado como o nosso, toda prudência é pouca.

Naquele momento, Bolsonaro ainda nem tinha vestido a faixa. Era presidente eleito, não empossado. Portanto, não tem nada a ver com o que aconteceu. Que Salvini lhe tenha agradecido “pela extradição de Cesare Battisti” é desonestidade pura.

A verdade torturada é sempre a melhor arma de quem não tem realizações a mostrar. Uma mentira bem apresentada é sempre melhor que nada.

Bolsonaro e Salvini
Pistoia, 2 nov° 2021

Ironia
Para o espírito dos pracinhas que tombaram na Itália para liberar o mundo de nazistas e fascistas, deve ter sido uma tortura ver dois aprendizes fascistoides rindo em cima das tumbas.

A Coreia e a vacina

by Stéphane ‘Kadran’ Maignan, desenhista francês

José Horta Manzano

Assim que a pandemia de covid começou a se alastrar, Kim Jong-un, o líder da Coreia do Norte, tomou decisão drástica: mandou fechar as fronteiras. Fechar as fronteiras é redundância de expressão, que o país já vive trancado feito cofre-forte.

A linha de demarcação entre as Coreias do Norte e do Sul é uma das zonas mais vigiadas do planeta, permanentemente fechada e impermeável. Quanto às demais fronteiras, somente uma ponte comunica o país com a Rússia e outra, com a China. O resto dos limites está em regiões montanhosas e pouco habitadas.

Em cumprimento da ordem, as fronteiras foram fechadas. E nada mais passou: nem vírus, nem gente, nem mercadorias. Desde que a vacina ficou pronta, a Rússia ofereceu o imunizante, em diferentes ocasiões, à Coreia do Norte. A oferta foi sempre recusada. (Essa recusa faz lembrar a atitude de nosso capitão, pois não?) Paranoico como todo autocrata, o coreano Kim (que morre de medo de ser envenenado) não quis nem ouvir falar.

Só que tem um problema. A Coreia do Norte está longe de ser autossuficiente em alimentos. Não sobrevive sem os víveres que compra no exterior, principalmente na vizinha China. Sem serem repostos, por causa do fechamento das fronteiras, os estoques estão minguando e a penúria alimentar ameaça se instalar.

Descomplexado, o ditador já mandou alertar a população que vá se preparando, porque tempos difíceis vêm aí. Na verdade, tudo indica que o país está prestes a atravessar um estado de fome igual ao dos anos 1990. Naquele período terrível, calcula-se que até 3,5 milhões de coreanos tenham morrido de fome. Isso equivale a 15% da população do país à época. É como se, de repente, a desnutrição levasse 30 milhões de brasileiros.

Os russos continuam insistindo na oferta de vacinas, mas o governo norte-coreano não quer saber. Prefere deixar morrer uma parte da população, mas recusa-se a dar o braço a torcer e a confessar que precisa de ajuda estrangeira.

A visão que o ditador Kim tem do próprio povo é semelhante à de nosso capitão. Para ambos, o povo é uma simples variável de ajuste. Se morrerem alguns milhões, não faz diferença para eles. Ambos rejeitam a imunização da população. As razões de cada um podem ser diferentes, mas o resultado é o mesmo.

No Brasil, temos sorte de nosso regime “aproveitadorial” não ter (ainda) virado ditatorial. Os aproveitadores de sempre continuam aproveitando para sugar impunemente o fruto do trabalho de todos. O caso norte-coreano deveria nos servir de exemplo do que pode acontecer a um povo entregue nas mãos de um psicopata.

Utilidade pública

José Horta Manzano

Se, poucos anos atrás, alguém previsse que, mais de 500 anos depois do descobrimento e quase 200 anos depois da independência, nosso país teria de lutar para se desvencilhar dos males causados pelo próprio chefe da nação, teria sido tachado de biruta agourento. No entanto, é o que aconteceu. E é muito triste.

Diante do negacionismo oficial de Jair Bolsonaro e de seus prepostos, o povo tem de se defender como pode pra tentar evitar que o mal se aprofunde. A batalha travada pelo doutor contra o povo (e a favor da epidemia) tem sido tão intensa que está ficando difícil reverter a marcha dos acontecimentos. Talvez seja até tarde demais pra evitar o colapso nacional, mas não custa tentar.

Hospital Sírio Libanês, São Paulo

Chegamos a um ponto em que, para fazer o que tem de ser feito, convém recorrer ao conselho de quem entende do riscado. O jornal O Globo desta quinta-feira traz um artigo imperdível da jornalista Vera Magalhães. Ela transcreve a conversa que teve com dr. Paulo Chapchap, diretor executivo do Sírio Libanês, um dos três ou quatro melhores hospitais do país.

O médico relata a realidade dos doentes de covid vista como ela é, por quem passa o dia nos hospitais. Vale a pena ler o artigo. Está aqui.

Embaixador não grato

José Horta Manzano

De onde vem a palavra?
Nosso vocábulo embaixador tem origem um tanto controversa. Os estudiosos se dividem em duas correntes.

Alguns acreditam que a palavra embaixada provenha de uma voz latina ambaxus, que significa servo, servidor.

No entanto, a maior parte dos etimologistas considera que embaixada seja de origem germânica. É parente do termo Amt, que, no alemão moderno, equivale ao bureau francês e ao office inglês. Em português, Amt se traduz por repartição, secretaria, departamento – dependendo do contexto.

Seja qual for a origem, embaixada e embaixador traduzem uma noção de serviço prestado. De serviço prestado ao público, mais precisamente.

Embaixador nos tempos de antigamente

Como atiçar (mais) uma crise
Neste domingo, vazou a notícia de que doutor Bolsonaro proibiu seus ministros de entrarem em contacto com o embaixador da China no Brasil.

Está, portanto, vedado a todos os ministros, assessores e auxiliares do presidente receber o embaixador, visitá-lo ou comunicar-se com ele por qualquer meio que seja. Como já explicou uma vez nosso ministro da Saúde, “um manda e outro obedece”. É de crer que, também desta vez, a ordem presidencial será cumprida. Sem um pio.

É de conhecimento de todos que nosso presidente é ignorante em matéria de relações internacionais. Só que tem uma coisa: ainda que sejam ignoradas, regras são regras e continuam a existir.

A função diplomática é carregada de simbologia. Recusar-se a receber o representante oficial de um país estrangeiro é ofensa grave feita àquele país. Enquanto o desplante é obra de um dos bolsonarinhos arteiros, sempre se pode pôr na conta de desvario de adolescente desocupado. Quando, porém, a afronta vem do presidente em pessoa, a coisa sobe de patamar e se torna oficial.

Se o embaixador está em Brasília a representar seu país, é porque foi acreditado pelo governo brasileiro, ou seja, recebeu o que em francês diplomático se diz “agrément”.

Ao rejeitar esse senhor e privá-lo do exercício de suas funções, o governo brasileiro o está descredenciando, o que equivale a declará-lo persona non grata (= pessoa indesejável), um convite a deixar rapidinho o território nacional.

Talvez o governo chinês, que é pragmático, consinta em engolir (mais) essa cobra. Mas pode até ser que estejam de paciência esgotada. Se reagirem expulsando o embaixador do Brasil em Pequim, que ninguém se surpreenda.

Katastrophale Corona-Politik

José Horta Manzano

Nossa percepção do som de línguas estrangeiras não é uniforme. Cada uma delas nos deixa uma impressão diferente. Em assunto técnico, por exemplo, o inglês é insuperável. Já uma história de amor, se contada em francês, fica mais picante. Se ela terminar em festa de casamento, com família e amigos em torno de uma longa mesa ao ar livre, será descrita em italiano. Se, no entanto, houver traição e vingança, convém passar para o espanhol. Acontecimentos fortes, impactantes, trovejantes, serão descritos com perfeição em alemão.

Bolsonaro: A catastrórica política do coronavírus
Der Standard, Áustria

Convenhamos que «Jair Bolsonaros katastrophale Corona-Politik» soa como bordoada e dispensa tradução. É o título de artigo publicado pelo diário austríaco Der Standard. Conta de onde vem a fixação bolsonárica pela cloroquina. Aqui estão os primeiros parágrafos.

O presidente brasileiro e seu grande modelo, Donald Trump, são responsáveis por dezenas de milhares de mortes por anunciarem uma droga ineficaz.

Em 7 de março, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro visitou seu homólogo americano, Donald Trump, em Mar-a-Lago. Ele havia cancelado viagens planejadas para a Itália, Polônia e Hungria a conselho de seu ministro da Saúde, mas o populista de direita não queria deixar escapar a importância midiática de ser visto ao lado de seu grande modelo.

Trump deu-lhe uma caixa do medicamento antimalárico hidroxicloroquina, como o próprio Bolsonaro relatou com orgulho. “A partir daí”, lembra o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, demitido em abril, “ele não levou mais a sério as recomendações dos cientistas”.

Ao retornar dos Estados Unidos, 22 integrantes da delegação brasileira deram positivo.

Clique aqui quem quiser ler o artigo na íntegra (em alemão).

Qualquer semelhança…

José Horta Manzano

“As promessas mirabolantes tiveram êxito e deram nisso que aí está: na chefia do governo, um demagogo incompetente e atrabiliário, que só vive de aparências, pois, na realidade, nada de útil e de bom fez para o povo.

Ao contrário, tem se notabilizado pela maldade, pela prepotência e pela intolerância com que governa um povo pacífico e bom. Só é notado pelos atos de perseguição e de vaidosa exibição de um cabotismo doentio.

Sem os amigos, que traiu com a maior sem-cerimônia deste mundo, só lhe restam a inveja e a ambição que alimentam seu personalismo soberbo e delirante.”

Se você leu a citação acima, sabe quem é o alvo do discurso. Não precisa nem dizer o nome. Certo?

Errado, distinto leitor, errado. Não se trata do doutor que nos preside. Neste caso, qualquer semelhança será mera coincidência.

O texto foi escrito há 63 anos, numa época em que Bolsonaro ainda usava fralda. O autor, Martinho di Ciero, era deputado estadual paulista na legislatura 1955-1959. O artigo foi publicado no jornal O Dia (do Rio de Janeiro) e repicado na Folha da Manhã (de São Paulo).

O objeto da fúria do parlamentar era Jânio Quadros, então governador do estado. E pensar que, apesar de toda a incompetência já flagrante, o homem se tornaria presidente da República menos de quatro anos mais tarde. Iludir o bom povo sempre foi fácil.

Como se vê, doutor Bolsonaro não é o primeiro dirigente a carregar um «personalismo soberbo e delirante». Nem será o último, infelizmente.

Publicado também no site Chumbo Gordo.

Pijânio

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 25 julho 2020.

Há pontos de contacto entre o governo de doutor Bolsonaro e a passagem meteórica do folclórico Jânio Quadros pela Presidência. Ainda que não se enquadrasse no figurino de pessoa de fino trato, Jânio não descia à profunda vulgaridade do presidente atual. Esse não é, por certo, ponto de afinidade entre os dois. O populismo de Quadros se resumia a subir ao palanque de comícios, cabelo desgrenhado, mordiscando um sanduíche de mortadela, a reclamar da carestia. Diferentemente de Bolsonaro, Jânio era o que hoje se costuma chamar de ‘workaholic’, termo inestético que define um viciado em trabalho. Era o primeiro a chegar ao Planalto e o último a sair. Portanto, o apego ao batente tampouco era ponto comum entre os dois.

Jânio teve a sabedoria de escolher os titulares de seu enxuto ministério (13 pastas) entre profissionais de alto nível. Ainda não era moda trapacear com currículo, o que facilitava a seleção. Cattete Pinheiro, ministro da Saúde, era médico sanitarista e senhor de longa experiência; Brígido Tinoco, da Educação, era membro da Academia Fluminense de Letras e autor de uma dezena de livros; Afonso Arinos de Mello Franco, das Relações Exteriores, era imortal pela Academia Brasileira de Letras e autor de mais de 30 obras. Não, a escolha de ministros tampouco foi o ponto comum entre Jânio e Bolsonaro.

O verdadeiro ponto de encontro entre os dois presidentes é este: o pendor para cuidar do particular em detrimento do global. Incipiente em Jânio, essa tendência de cuidar do detalhe e perder de vista o principal foi potencializada por Bolsonaro. Tivesse ficado mais que sete curtos meses no cargo, talvez o presidente-relâmpago de 1961 tivesse elevado a tendência ao pedestal de política de Estado. Não deu tempo.

As estrepolias de Bolsonaro, por serem recentes, estão na camada de cima da memória de todos. Se bem que, de tão numerosas, algumas pérolas acabam rolando para o esquecimento. Logo no início do mandato, o doutor propôs-se a transformar um santuário ecológico da costa fluminense num polo turístico; mostrou-se disposto a vedar o financiamento de filmes que não lhe agradassem; atracou-se pessoalmente com jornalistas e órgãos da imprensa. Enfim, cuidou de muita miudeza, mandando o principal para fora do tabuleiro.

Última Hora (RJ), 27 março 1961

Voluntarioso mas sem visão de conjunto, Jânio preferia seguir a própria intuição, caminho arriscado. Um belo dia, resolveu ditar moda. Não ficou claro de onde tirou a ideia. (Com JQ, nem tudo era claro.) Baixou um decreto criando uma espécie de farda, uma vestimenta uniformizada para uso dos funcionários federais, do presidente da República ao mais humilde. Dependendo do olhar de cada um, o ‘slack’ – esse era o nome da indumentária – deixava impressão diferente: podia lembrar o traje civil obrigatório na China, o uniforme do indiano Nehru, a roupa do egípcio Nasser, a ‘guayabera’ centro-americana.

A ordem presidencial determinava o uso, mas não previa financiamento. Cada um que se virasse. Os mais abastados torceram o nariz para o modelo, que lhes parecia vulgar. Os mais pobres se perguntaram de onde haviam de tirar dinheiro para comprar o uniforme. Um ou outro funcionário graduado – querendo agradar ao chefe – adotou logo a novidade. Jornalistas eram mais severos. Advertiam: «Esqueça-se o presidente de uniformes e de outras pequenas coisas e volte suas vistas para os grandes problemas do Brasil!» ou ainda «Acorde e medite, presidente, para que sua prometida ‘revolução’ não se reduza ao uso do ‘slack’!».

A permanência de Jânio na Presidência foi curta demais para apurar se a moda do ‘pijânio’ pegou. É de duvidar que pegasse. Ninguém gosta de novidades impostas de cima pra baixo. Essa rejeição se repete hoje quando Bolsonaro, que doutor não é, transpõe os limites de suas funções e se põe a fazer propaganda de remédio. Essa, nem um excêntrico Jânio ousou. Portar o uniforme janista era apenas questão de bom ou mau gosto. Já o tratamento preconizado por Bolsonaro é desaconselhado por autoridades médicas mundiais por representar risco para a saúde. Para JQ, é tarde; mas para Bolsonaro vale o conselho: cuide, presidente, que sua passagem pelo Planalto deixe rastro mais nobre que o do charlatanismo.