Cliente oculto

E195-E2

José Horta Manzano

O site brasileiro Aeroin.net, maior plataforma latino-americana especializada em aeronáutica, traz uma informação da Embraer. O construtor brasileiro de aviões acaba de receber pedido firme para cinco aparelhos E195-E2, a mais recente versão da linha E195. O valor do contrato é de US$ 390 milhões (R$ 2 bi).

Agora vem a parte curiosa da notícia: o nome do comprador é mantido em segredo. Não é todos os dias que uma transação desse porte leva o carimbo do secretismo. Que comprador teria feito tal exigência? E por quê?

A pergunta é legítima. Tudo o que é misterioso atrai as atenções. Como exemplo, sinta no ar a insuportável curiosidade dos brasileiros em torno dos 100 anos de segredo impostos pelo capitão a certas verdades incômodas. O que é que ele esconde?

Dado o inusitado da coisa, pode-se imaginar o pior, ou seja, que essa transação, se revelada ao mundo, pudesse dar dores de cabeça ao fabricante, ao comprador e quiçá até ao governo brasileiro.

Não sendo íntimo dos deuses, resta-me especular. Uma hipótese que me parece bem plausível é que o cliente final seja uma companhia aérea russa. Como todos sabem, a Rússia vive sob forte embargo de importação e exportação desde que invadiu a vizinha Ucrânia.

Entre os milhares de itens cujo comércio está rigorosamente suspenso, estão aeronaves e peças sobressalentes para aviação. A Rússia tem um território imenso. De leste a oeste, há cerca de 8 mil quilômetros de distância. Viagens aéreas são uma necessidade no país. Aviões voam o tempo todo.

Devido ao tráfego intenso, o desgaste mecânico dos aviões é acelerado. Os aparelhos são praticamente todos estrangeiros: Boeing, Airbus e até algum Embraer. Os dois primeiros fabricantes, sediados nos EUA e na Europa, estão proibidos de comerciar com a Rússia.

Nesses casos, escolhe-se um avião com mais horas de voo para ser depenado. Quebrou uma peça neste aparelho? Repõe-se com uma do avião que virou almoxarifado. Quebrou peça naquele outro avião? Repeteco.

Só que, nesse tira e põe, as peças vão rareando. Acaba chegando o dia em que vai ficando impossível voar. Não podendo comprar dos EUA nem da Europa, que fazem os russos?

Compram do Brasil, é minha hipótese. O Embraer E195-E2 é concorrente direto do Airbus A220. Não é o ideal para voos transatlânticos, mas dá conta do recado em matéria de viagens internas na Rússia.

E qual a razão do segredo? Tanto pode ser exigência do cliente quanto do próprio fabricante. Se a transação viesse à tona, Rússia e Brasil seriam acusados de contornar o embargo. É verdade que o Brasil não aderiu às restrições internacionais, mas assim mesmo ficaria feio que justamente uma empresa brasileira furasse o bloqueio. É o tipo de procedimento que não abre portas.

Talvez o nome da companhia aérea apareça um dia. São raros os segredos eternos. É mais fácil esconder dinheiro na cueca do que cinco aviões. Na cueca, aliás, avião não cabe.

A acolhida dos refugiados

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José Horta Manzano

Já vi muita imagem de refugiado sendo acolhido em país que não é o seu. Já vi muita imagem de cidadão que, por motivo de guerra ou sequestro, foi fotografado na volta ao país natal. Todos chegam sorridentes. É sorriso de cansaço, mas sabem que é o último esforço antes de poder sossegar.

O que nunca vi é refugiado ou repatriado chegar ostentando a bandeira do pais natal ou do país que o acolhe. É imagem rara. Que eu me lembre, só cheguei a ver coisa parecida quando a doutora importou profissionais cubanos no âmbito do programa Mais Médicos, lembram-se? Eram aqueles que já vinham de jaleco – um contrassenso, visto o risco de contaminação –, todos agitando uma bandeirinha de Cuba e outra do Brasil.

O instantâneo estampado acima foi colhido em 10 de março, quando desembarcaram algumas dezenas de cidadãos provenientes da Ucrânia. Deviam estar todos pra lá de cansados. Dependendo da cidade ucraniana de onde cada um vinha, já tinha cumprido uma jornada de dias de perigo pra chegar a Varsóvia, ponto de embarque no aviãozinho da FAB.

Em seguida, dado que o pequeno aparelho não tem autonomia para ir muito longe sem reabastecer, tiveram de fazer quatro escalas: em Lisboa, depois em Cabo Verde (no meio do Atlântico), em seguida no Recife, para, finalmente pousar em Brasília sob aquele sol do meio-dia. Imagine em que estado chega alguém que saiu do inverno ucraniano, viajou sabe-se lá quantos dias e quantas noites fugindo de canhão, chacoalhou sentado num banco improvisado dentro de avião cargueiro, e desembarca no escaldante cerrado braziliense.

A meu ver, o que mais esse pessoal queria era poder espichar as pernas numa cama confortável e se deliciar com a sombra e o silêncio de um hotel qualquer. Mas Bolsonaro não liga pra essas coisas. Sofrimento alheio, pra ele, não conta. Enquanto ele e a família não estiverem em perigo, os outros que se danem. Todos tiveram de se alinhar, de pé, em cima do concreto, plantados ao lado do corpo metálico do bojudo avião, sem nada que lhes protegesse a cabeça.

O mais curioso é que, como por milagre, apareceram 10 ou 12 bandeiras, todas de mesmo tamanho e de mesmo feitio. Foi solicitado aos participantes que exibissem o símbolo nacional. Foi tão espontâneo, que alguns nem sabiam como segurar o lindo pendão da esperança.

Repare na foto. Tem um que “entornou” a flâmula, exibindo-a como livro em prateleira, daqueles que a gente tem de torcer o pescoço se quiser ler o dorso. Pior ainda, tem outra que segurou nosso símbolo maior… de cabeça pra baixo! (Fosse no tempo dos militares, seria chamada a prestar esclarecimentos no quartel mais próximo.)

Até o momento em que escrevo, perto de dois milhões (yes, dois milhões!) de cidadãos ucranianos já foram acolhidos na fronteira polonesa. Nem o presidente do país foi lá apertar mãos, nem a primeira-dama foi dar beijinhos. Ninguém distribuiu bandeiras para mostrar às câmeras. Presidente de país sério costuma ter mais que fazer. E as equipes designadas para a acolhida conhecem as necessidades urgentes dos refugiados: comida quente, água e uma cama quentinha o mais rápido possível.

O capitão precisa fazer um estágio fora do país. Não há muita esperança de ele aprender, mas não custa tentar.

Curiosidade
Ninguém se preocupou muito com isso, mas o fato é que Bolsonaro não discursou. Para um homem que, além de ter o costume de falar pelos cotovelos, está em desabrida campanha eleitoral, pode parecer estranho. Tenho cá uma explicação.

Os filhos e os áulicos devem ter recomendado vigorosamente a ele que não abrisse a boca diante de microfones. Sabem por quê? Porque fica difícil dirigir-se a um grupo que escapou de uma guerra sem pronunciar a palavra “guerra”.

Cairia muito mal que Bolsonaro – que não esconde sua admiração por Putin, nem o apoio indisfarçado que dá ao ditador russo – falasse em guerra, quando essa palavra está proscrita da ‘narrativa’ oficial russa. Pelas bandas de Moscou, quem ousar se referir à invasão da Ucrânia como “guerra” arrisca passar uma dúzia de anos nos gelos siberianos. Preso.

O capitão, que é meio bobão, era bem capaz de escorregar. Vai daí, foi compelido a calar o bico. Melhor assim. Já imaginaram, logo ele, que zombou do Lula quando foi preso no conforto de uma cela cinco estrelas em Curitiba, acabar encarcerado numa masmorra siberiana?

O clandestino do voo cargueiro

Comunicado da polícia holandesa
23 jan° 2022

José Horta Manzano

Para um indivíduo jovem e ágil, é bastante fácil penetrar no compartimento onde se aloja o trem de aterrissagem de um avião. Precisa subir na roda, escalar a haste metálica como quem trepa num coqueiro, e saltar no compartimento. Após a decolagem, com a roda recolhida, ainda há espaço de sobra para uma pessoa.

Dizem que jovem é inconsciente, mas alguns são mais inconscientes que a média. As estatísticas informam que, nos últimos 75 anos, 128 desajuizados decidiram se esgueirar pela pista do aeroporto, subir num compartimento de trem de aterrissagem e tentar assim escapar de uma vida de miséria para recomeçar em algum Eldorado europeu ou norte-americano. Desse contingente de aventureiros, 75% morreram de queda ou congelamento. A taxa de insucesso desse tipo de empreitada é tremendamente elevada.

De vez em quando, ocorre um milagre. Foi o que aconteceu, estes dias, com um homem do qual não se sabe, até o momento, nem nome nem origem. Num avião cargueiro proveniente da África da Sul, funcionários do aeroporto de Amsterdam (Holanda) descobriram um corpo inanimado no poço onde se aloja o trem de aterrissagem. É bom lembrar que Johannesburgo fica a mais de 10h de voo.

A polícia foi acionada. Num primeiro exame, tiveram a impressão de que o homem não estava morto. Acionaram os bombeiros. Confirmado o diagnóstico, o infeliz foi transportado para um hospital em estado de profunda hipotermia. A temperatura do corpo estava bem abaixo dos 37°C regulamentares, mas o indivíduo ainda respirava. Bem lentamente, quase imperceptivelmente, mas respirava. Neste domingo, continua internado, ainda inconsciente. Por incrível que possa parecer, é possível que se recupere. Vai levar tempo e ninguém sabe quais serão as sequelas.

Especialistas ensinam que, além de enfrentar atmosfera rarefeita em voo, os clandestinos têm de lidar com temperaturas de 50°C abaixo de zero. Quase nenhum deles chega ao destino com vida. Mas há (raros) casos em que a descida rápida de temperatura externa provoca perda de consciência e entrada num estado de hibernação. A temperatura corpórea cai e todo o metabolismo entra em letargia – incluindo a respiração. Deve ter sido o que ocorreu com o homem que chegou a Amsterdam.

O caso do clandestino do voo Johannesburgo-Amsterdam (parece nome de filme) há de atrair a atenção de certos milionários que chegam a pagar fortunas para serem congelados após o falecimento, não sem antes deixarem instruções para que os despertem assim que for encontrada cura para a doença que os matou.

Nosso clandestino, imagino, deve ser moço jovem, com uma vida inteira pela frente. Em casos assim, até que pode valer a pena arriscar. É mais difícil entender os que pagam para que o próprio cadáver seja congelado. Em geral, são pessoas idosas – milionárias, sim, mas entradas em anos. Ainda que a cura do mal que as matou fosse encontrada e que elas pudessem ser reanimadas e trazidas de volta à vida, não voltariam jovens. Teriam sempre os mesmos anos e estariam sujeitas às doenças de todos os velhos, exatamente como os demais mortais. Será que vale mesmo a pena?

Ingressar no trem

Ingressar no trem

José Horta Manzano

Este blogueiro é do tempo em que, no Brasil, ainda se viajava de trem. Que não se assuste o distinto leitor! Não estamos falando do tempo de Matusalém. Já havia sido inventado o motor a explosão, que diacho! Chevrolets, Buicks e Studebakers congestionavam as ruas. Constellations, Caravelles e DC-8s cruzavam os céus. Ônibus interestaduais se aventuravam pelas poucas (e perigosas) estradas de rodagem, nem sempre asfaltadas.

Assim mesmo, talvez pela inércia do costume, ainda se viajava de trem. Não valia a pena apanhar trem para certos percursos, que de ônibus chegava-se muito mais rápido. Mas havia lugares aonde, simplesmente, ônibus não chegava.

Pra ter direito a viajar, o passageiro tinha de comprar um bilhete. Na verdade, o nome completo era “bilhete de passagem”, que o povo acabou encurtando pra passagem. Sem bilhete, ninguém podia viajar – com exceção do maquinista e do pessoal de bordo, incluindo aquele senhor que vinha picotar as passagens.

Faz muito tempo que, em nome do progresso e por força dos lobbies petroleiro e automotivo, o trem foi perdendo status e acabou morrendo de inanição, o coitado.

Bom, pra quem não sabe, há terras em que ele continua sendo o meio de transporte preferencial, quando não único. Na Europa, por exemplo, é assim. Implantam-se novas linhas, de alta velocidade ou não. Acrescenta-se uma terceira via a trechos muito frequentados, que só contavam com duas. Viajar de trem continua na moda.

A reportagem do Estadão diz que novo trem leva turistas pra um passeio em região frutivinícola. Dá também o preço do ingresso. Quando li essa palavra, aplicada a viagem ferroviária, engasguei. Como é que é? Ingresso no trem? Não é assim que se diz. Compra-se ingresso para entrar em cinema, museu, ‘concerto’ de pop star. Para comprar o direito de viajar de trem, não é o termo mais adequado.

Quando vejo algo fora de lugar, gosto de dar uma espiada na fonte. Fui ao site que propõe as excursões. Lá me dei conta de que “ingresso” é liberdade tomada pelo jornal. No original, a palavra utilizada é “ticket”. Ai, meu São Benedito!

Não sei se será por chiquê ou por falta de conhecimento mesmo. Não se vende mais bilhete ferroviário. O chefe do trem não entra mais no vagão gritando “Mostrar as passagens, faz favoooor!” Os dois termos estavam com cheiro de naftalina. A sociedade organizadora preferiu desempoeirar. “Ticket”, que soa estrangeiro, é tããão mais atual, não é mesmo?

“Estados oposicionistas”

José Horta Manzano

Ô sujeito estranho, esse nosso ministro dos Dinheiros Públicos! É Guedes, um falastrão de marca maior. Preconceituoso até a raiz dos cabelos, já falou mal de empregada doméstica em avião, de filho de porteiro em curso superior. Já insultou a primeira-dama da França. Já prometeu muito, mas entregou pouco.

Faz quase três anos que é desmentido, contradito, menosprezado pelo capitão. Não conseguiu emplacar nenhuma das reformas a que se propunha – quando não é o Congresso, é o próprio presidente que lhe puxa o tapete. E ele aceita bovinamente.

Com um histórico desses – e principalmente tendo a conta bancária abastada, como diz ter – fica difícil entender por que é que ainda insiste em continuar ao lado do capitão. Talvez sofra algum distúrbio de personalidade, um evidente prazer de sofrer humilhação pública, dia sim, outro também. Será que isso existe em psicologia ou ele é um caso sui generis?

A Folha de SP lembra que, 4 meses atrás, Guedes mostrou-se animado com a perspectiva da campanha de reeleição do chefe.

Ontem, doutor Guedes virou a casaca. Sem corar, declarou que a reeleição foi “o maior erro político que já aconteceu no país”. Ah, se o capitão souber da declaração…

E não ficou por aí, que ontem foi um dia premiado. Pela enésima vez, nosso doutor ministro se queixou em público, como é costume seu. Com certa dose de ironia, disse achar curioso que, no governo Bolsonaro, caem precatórios que vão para dois ou três “estados oposicionistas”.

O Globo, 16 set° 2021

As aspas são minhas. Não sei o que significa um “estado oposicionista”. Na história do Brasil e do mundo, tenho visto províncias rebeldes, territórios conquistados, regiões conflagradas. “Estado oposicionista” é noção que me escapa.

No Brasil, estado é uma unidade da Federação. Não é de sua natureza ser ou deixar de ser “oposicionista”. Num mesmo estado, o governador pode apoiar Bolsonaro, enquanto a maioria dos prefeitos se opõem a ele. Ao mesmo tempo, as pesquisas podem indicar que o povo daquele estado está indeciso, dividido ao meio. Como é que fica, então, essa história? Esse será um “estado oposicionista” ou não? Melhor perguntar a doutor Guedes.

Romário, antigo jogador da Seleção, disse um dia que Pelé, de boca fechada, era um poeta. O mesmo se pode dizer de nosso ministro falastrão. Se ele se aposentasse, entregasse o chapéu, viajasse pra bem longe e se instalasse, por exemplo, nas cercanias de Mar-a-Lago (perto de Trump), pouca gente tiraria o lenço pra enxugar uma lágrima.

Quem fez a Índia mudar de ideia?

José Horta Manzano

Faz poucos dias, doutor Bolsonaro se viu diante de um dilema. Ele, que por longos meses tinha desdenhado da imunização contra a covid, viu-se obrigado a optar: ou caía a ficha, ou caía ele.

Às carreiras, mandou fretar um avião de empresa comercial, adornou com faixa e fita (e adesivo), e ameaçou despachá-lo para Bombaim para buscar um punhado de doses de vacina. Não era importante o número de pessoas a vacinar, o principal era fazer bonito e disfarçar aquela imagem de inação.

Deu tudo errado. A improvisação não funcionou. Os indianos, que bobos não são, foram logo avisando: «Nem vem, que não tem». Desativado, o avião adesivado encalhou no Recife. O adiantamento de doses não veio e a coleção de fracassos de Bolsonaro enricou com mais um carão. Desta vez, internacional.

Sem vacina e com o titico que lhe resta de prestígio abalado, o doutor achou que era hora de tomar uma atitude decidida. Quem insistiu junto aos indianos, quem conversou, como foi a negociação – ninguém sabe. Esta parte não consta das lives caseiras nem foi objeto de nota à imprensa.

O fato é que, no espaço de menos de uma semana, a justificativa dos indianos para a não-entrega de um adiantamento de vacinas começou a soar esquisita. Tinham dito que a prioridade era vacinar seus zilhões de habitantes, e que isso ia demorar meses, desculpa assaz compreensível. No entanto, de repente, o avião fretado levantou voo, deu um bate-volta a Bombaim e trouxe um lotezinho de vacinas.

Quem fez a Índia mudar tão rápido de ideia?

Na época em que o astronauta improvisado (o mesmo que hoje é ministro improvisado da Ciência e Tecnologia) deu uma voltinha no espaço, foi voz corrente que o governo do Lula tinha pago 10 milhões de dolares pelo passeio prestigioso, apresentado ao distinto público como conquista da tecnologia nacional.

Na aventura das vacinas trazidas da Índia, ainda não vi menção de pagamento, nem por cima, nem por baixo do pano. No futuro, vai acabar aparecendo.

Teria sido bom que tivessem tratado com o mesmo empenho o caso dos hospitais de Manaus antes que o oxigênio acabasse – descaso que gerou uma das maiores vergonhas que o poder público nacional jamais protagonizou.

Mas fica a pergunta inicial: quem fez a Índia mudar tão rápido de ideia?

Emergência no avião

José Horta Manzano

Você sabia?

Mayday
Em todo filme em que um avião descontrolado está prestes a cair, o piloto berra ao microfone: “Mayday! Mayday!”. Nem todos conhecem a origem da estranha expressão. De onde virá? Que significa na origem? Em inglês, traduzindo ao pé da letra, dá «dia de maio», conjunto de palavras sem sentido.

A explicação é que a expressão não foi criada na língua inglesa. O curioso Mayday é aproximação fonética, para ouvidos anglo-saxônicos, de uma expressão francesa. O original é: «Venez m’aider» ‒ venham me ajudar. Como pode não dar tempo, na emergência, de pronunciar a frase inteira, ficou combinado truncar e dizer somente «m’aider», que soa «mayday» em inglês. Portanto, Mayday é «me ajude». Ou «ajude-me», vai do gosto do freguês. Se a expressão francesa tivesse sido adaptada a nossa fonética, teríamos: «medê», palavra que também não tem significado. Dado que, em inglês, os sons vocálicos são quase todos ditongados, ficou «mayday».

Pouco importa o sotaque, o importante é que todos os profissionais ligados à aeronáutica conheçam o desesperado pedido de socorro. Na aviação, pilotos, controladores, tripulação e todos os outros sabem que, uma vez irradiado, não é como no cinema: esse código tem de ser levado a sério.

Pan-pan
O curioso ‘mayday’ não é a única expressão francesa usada pra pedir ajuda na navegação marítima e aérea. «Pan-pan» é outra, derivada do francês «panne-panne». Como fica evidente, informa que há pane a bordo. Tem menos força que Mayday. Pode indicar, por exemplo, que um passageiro está passando mal e precisa de assistência médica. «Pan-pan» também tem de ser pronunciada três vezes. É seguida obrigatoriamente de explicação.

Seelonce
Há outros chamados decalcados da língua francesa. Por exemplo, o surpreendente «Seelonce», transcrição de «Silence», um pedido para que outros usuários se abstenham de utilizar a mesma frequência de rádio. Um pedido de emergência absoluta pode ser anunciado como «Seelonce Mayday». No final, para informar que a frequência está de novo liberada, o código é «Seelonce Feenee», transcrição inglesa de «Silence fini» ‒ acabou o silêncio.

Como é possível que subsistam expressões francesas num universo ultradominado pelo inglês? É que não foram introduzidas hoje. Vêm de um tempo em que a aeronáutica estava mais desenvolvida na França do que em outros países.

Inspirado em post de 2 dez° 2016

Grounding

José Horta Manzano

A língua inglesa é muito flexível, bem diferente de nosso engessado português, idioma cheio de proibições e de ciladas que nos obrigam a consultar o dicionário a toda hora. Em inglês, se um cidadão criar seu neologismozinho, não lhe cairá sobre a cabeça o raio da reprovação. O importante é que a palavra inventada faça sentido e seja compreendida por todos.

É o caso do termo grounding(*), que entrou na moda assim que a primeira grande companhia aérea foi à falência deixando seus aparelhos grudados no chão, sem voar. Nestes tempos de pandemia, grandes empresas do ramo estão sendo obrigadas a tirar de circulação a maior parte da frota, seja porque ninguém mais toma avião, seja porque fronteiras se fecharam.

Quanto a mim, a primeira vez que ouvi a palavra grounding foi quando a Swissair, a companhia nacional suíça, faliu. Aconteceu em 2 outubro 2001, da noite para o dia, sem aviso prévio. Milhares de passageiros ficaram desamparados: uns perderam o bilhete de ida; outros tinham chegado ao destino mas não podiam voltar; outros ainda ficaram em situação complicada, engaiolados em aeroporto estrangeiro, no meio de uma escala, às vezes sem dinheiro, sem poder prosseguir e sem saber que fazer. Foi o dia mais sombrio para a economia suíça – antes da epidemia de Covid-19, naturalmente.

Estão aqui algumas imagens de grounding devido à pandemia.

Cathay Pacific, Hong Kong

British Airways, Reino Unido

Southwest, EUA

Emirates, Emirados Árabes

Lufthansa, Alemanha

Swissair, Suíça
Grounding definitivo, 2001

(*) Grounding é palavra formada a partir de ground (=chão, solo). Antes de significar bloqueio de aeronaves, já era usada em eletricidade e também para indicar que alguém tem bons conhecimentos em alguma matéria. Exemplo:

He has very good grounding in physics
Ele tem muito boa base em Física.

No avião

José Horta Manzano

Pouco importa que o presidente, os filhos, os áulicos e o guru sejam tremendos bocas-sujas. Como é de público conhecimento (apesar de algumas vozes discordantes), não vivemos no país de Joseph Goebbels. O fato de uma aberração ser repetida sem cesso não a faz entrar à força nos usos e costumes nacionais.

Doutor Guedes, aquele que, em três tempos, havia de tranformar o país de calhambeque em Rolls-Royce, escorregou na mesma casca de banana que seu entourage costuma pisar dia sim, outro também. Que o tivesse feito entre amigos acomodados ao redor de um copo de pinga – que digo! – de um uísque 18 anos, passaria. O problema é que escorregou em público. E o público, como se sabe, dificilmente perdoa a quem resvala.

Pra quem esteve de quarentena em Wu Han estes dias e perdeu o último capítulo, o enredo é simples. Em fala pública sobre o valor do dólar, doutor Guedes soltou esta: “Não tem negócio de câmbio a R$ 1,80. Vou exportar menos, em função de importações, turismo, todo mundo indo pra Disneylândia. Empregada doméstica indo pra Disneylândia. Peraí”. (O grifo é meu.)

Seria cômico se não fosse trágico. Se Guedes ‘está’ ministro, é porque doutor Bolsonaro – seu chefe e empregador – assim quis. Bolsonaro foi eleito em contraponto ao lulopetismo, é verdade, mas unicamente porque o regime petista, na cabeça dos eleitores, tinha se tornado sinônimo de roubalheira. O que se queria era eliminar a podridão e manter as conquistas.

Empregada em avião… e daí? Pois ela já não vive dentro da casa de distintas famílias? Já não exerce a primordial função de primeira educadora de muito pimpolho bem-nascido? Por que é que no avião não pode? Será medo de coronavírus ou hipocrisia grossa?

Doutor Guedes não entendeu a cançoneta. Milionário, segundo dizem, é legítimo representante daquela gente de nariz empinado a quem o Lula apontava o dedo reprovador. Naquela época, muita gente fina acompanhou o dedo reprovador e acabou acreditando nessa conversa – que parecia generosa e humana – até que o próprio Lula escorregou no melado, se lambuzou, e foi parar na cadeia por corrupção. Será por isso que alguns narizes por aí estão se sentindo de novo livres pra se empinar. E será também por isso que certos doutores estão voltando a se horrorizar com doméstica em avião.

A chacoalhar desse jeito, o avião de doutor Guedes não chega a bom porto. Em país decente, ministro nenhum continuaria no cargo depois de dizer o que disse doutor Guedes. Vamos ver se Bolsonaro se toca.

O Irã e o míssil

José Horta Manzano

Nos tempos atuais, o Irã é um dos países mais vigiados do planeta. Qualquer bombinha de São João que estoure será ouvida, analisada, registrada, perscrutada, estudada. E a informação ainda será arquivada para uso futuro.

Milhares de satélites circulam em volta do planeta. Muitos deles são dedicados à espionagem. Quantos? Impossível saber; normalmente os Estados não costumam deixar filtrar informação sobre os próprios espiões. Seguramente algumas dúzias desses aparelhinhos estão continuamente espionando países como a antiga Pérsia – que, desde 1935, convém chamar Irã.

Como é possível que o alto comando dos aiatolás tenha imaginado sustentar por muito tempo a versão de que o avião ucraniano tinha se espatifado por problemas mecânicos? Antes que o míssil iraniano(*) atingisse o aparelho, já devia estar nos radares de satélites bisbilhoteiros. É evidente. A tentativa de botar nos outros a culpa pelo erro imperdoável era manquitola, esfarrapada. Não enganou ninguém.

A teocracia explicada:
“Vocês votam, Deus decide.”
by Patrick Chappatte, desenhista suíço

É assustador constatar que, naquele país, míssil capaz de derrubar avião pode ser lançado com tal leviandade. Quer dizer que basta apertar um botão pra mandar pro paraíso duas centenas de nossos semelhantes? Não há filtros de contenção de doidos nessa fieira de comando militar?

Quando se veem absurdos desse calibre, compreende-se a apreensão com que o mundo civilizado cuida de impedir o Irã de fabricar bomba atômica. Imagine por um momento que, no lugar do míssil convencional, estivesse um artefato nuclear. Sente a catástrofe?

Numa região constantemente em ebulição, quando se tem pela frente uma corrente de decisões tão frouxa e pouco confiável, ter bomba atômica é tremenda ameaça. Proibir aquele país de fabricar artefatos nucleares não é birra; está em jogo a segurança do planeta.

(*) Circula a notícia de que o aparelho não foi atingido por um, mas por dois mísseis. Nada muda; a conclusão é a mesma: deixar bomba na mão dessa gente é temerário.

Motor lento

José Horta Manzano

Atiçar a paranoia presidencial é mau negócio. Weintraub, ministro da Educação, parece ser lento no aprendizado. Já andava meio assim assim, balança mas não cai, como bêbado tentando caminhar no meio-fio. Descabeçado, provocou de novo o iracundo chefe. Pisou-lhe bem no calo que dói. E com força! Fez o que não devia: repercutiu a seus seguidores um tuíte alheio que tratava o presidente de traidor. Nem mais nem menos – traidor! Com isso, não só assegurou que concordava com a afirmação, como também ajudou a propagar a difamação.

Apagou depois, em tentativa de jogar a sujeira pra debaixo do tapete. Mas o estrago estava feito. O que as modernas tecnologias têm de efêmero têm também de indelével. Parece paradoxal ser descartável e eterno ao mesmo tempo, mas assim é. Antigamente, para apagar um escrito, bastava jogar a folha de papel no lixo. Hoje mudou. Cada letrinha que se escreve fica gravada para sempre. Tudo estará estocado nalgum banco de dados ultrassecurizado em Utah ou nas redondezas. E lá permanecerá até o dia do Juízo Final.

Weitraub, que não passa de peixinho, está assustado com o peixe graúdo que o nomeou ministro. Tem um medo danado de perder a boquinha. Tratou de dar explicação para mitigar a ofensa feita ao chefe. Disse que está num navio e, sacumé, fica horas sem internet. Pergunto eu: que tem uma coisa a ver com a outra? Caso houvesse internet o tempo todo, Sua Excelência teria se comportado de modo diferente? Essa é muito boa. Atribuir os próprios erros à falta de internet… Só faltava.

Vamos supor que, para economizar, Weintraub tenha dispensado o avião para embarcar num navio cargueiro em direção a Miami, aonde deve chegar daqui a uns 15 dias, se tudo correr bem. Numa embarcação dessas, internet realmente funciona piscando feito vagalume. Mas ninguém acredita que ele esteja num cargueiro filipino. Olhe, minha gente: pra encontrar navio sem internet, hoje em dia, precisa procurar muito. Ou alguém imagina que aqueles imponentes palácios flutuantes que carregam milhares de turistas em cruzeiro pelo Caribe não dispõem de internet?

Mentira tem perna curta. Tenho a impressão de que senhor Weintraub não vai esquentar cadeira no ministério da Educação por mais muito tempo. Quem sabe a Instrução Pública tem agora uma pequena chance de entrar nos trilhos? Não tenho muita esperança, mas tudo é possível. O tempo dirá.

Baixo custo

José Horta Manzano

Na série traduzo-sem-me-deixar-influenciar-pelo-original, temos hoje novo capítulo. Inspirada pelo anúncio de que está chegando nova companhia aérea estrangeira, a midia já sapecou um «Surge companhia aérea de baixo custo».

Em primeiro lugar, parabéns aos que costumam ou pretendem viajar para a Europa. A oferta de bilhetes a menos de 1.500 reais por perna é atraente. Não é de duvidar que as outras empresas vão logo sentir o baque. Pra remediar, terão de oferecer algo que justifique a diferença de preço. Já devem estar pensando nisso, imagino.

Chegamos agora ao qualificativo que se dá a essas empresas. No original inglês, deve-se dizer low cost carrier – transportadora de baixo custo. Não me agrada, essa descrição. Custo é palavra reservada pra contabilizar o montante total que a empresa despende para chegar ao produto final. Ninguém quer saber se os custos da empresa são elevados ou não. Isso pouco interessa ao passageiro.

O que interessa ao cliente é o preço ‒ o valor a pagar para adquirir o bilhete. É esse que tem de ser baixo. Portanto, a qualificação dessas firmas não deveria fazer alusão ao custo, mas ao preço.

Os primeiros a dar essa denominação ‒ low cost ‒ passaram por cima. Sabe-se lá por que razão, preferiram se referir ao custo em vez de lembrar o preço. Há de ter-lhes parecido mais conveniente. Na hora de transpor a expressão para as demais línguas, faltou espírito crítico a alguns tradutores. Boa parte deles se mantiveram fiéis ao original. Estão aqui alguns exemplos:

Português: linha aérea de baixo custo
Francês: compagnie à bas coût
Espanhol: aerolinea de bajo coste
Italiano: compagnia a basso costo

Já outros foram mais espertos. Na hora de traduzir, corrigiram a imperfeição do original:

Alemão: Billigfluggesellschaft (Empresa aérea barata)
Sueco: lågprisflygbolag (Empresa aérea de baixo preço)

Teria ficado mais simpático se tivessem posto «linha aérea econômica». Mas acho que agora é tarde. Fica para a próxima.

As travessuras de um Boeing

José Horta Manzano

Você sabia?

Você sabe onde fica Iqaluit? Eu também não sabia até alguns dias atrás. Um pouquinho de paciência: você também vai ficar sabendo já já.

Era uma hora da tarde no aeroporto de Zurique. Naquele 1° de fevereiro, instalados dentro de um moderno Boeing 777 da companhia aérea Swiss, os 300 passageiros embarcados no voo LX-40 já sonhavam com as palmeiras de Los Angeles. Iam deixar pra trás as neves alpinas e, ao cabo de 11 horas de voo, gozar as delícias do inverno ameno da Califórnia.

Rota regular Zurique-Los Angeles

Rota regular Zurique-Los Angeles  –  Imagem Flightradar  –  clique para aumentar

O avião levantou voo com meia hora de atraso. Em viagens longas, isso não costuma ser problema: em geral, a demora é compensada e acaba-se pousando na hora certa. Se não for um pouco antes.

A bordo, tudo corria bem. Depois do almoço, já pela metade da viagem, passageiros cochilavam. Eis senão quando… os alto-falantes trazem a voz grave do piloto. «Senhoras e Senhores, em virtude de um problema numa das turbinas, faremos uma escala técnica em Iqaluit. Não se preocupem, o pouso não representa risco. Repartiremos assim que o problema for resolvido.»

Rota do voo LX-40 de 1° fev° 2017

Rota do voo LX-40 de 1° fev° 2017  –  Imagem Flightradar  –  clique para aumentar

Para não alarmar os passageiros, o piloto preferiu omitir detalhes inquietantes. Na realidade, uma das turbinas (são duas) tinha parado de funcionar. E olhe que o avião era novinho, com apenas oito meses de uso. Fosse um eletrodoméstico, o proprietário ainda teria direito a devolução.

O protocolo internacional é rigoroso: quando um dos motores pára, não é permitido seguir viagem. O piloto tem de pousar no aeroporto mais próximo. Acontece que estavam sobrevoando o Oceano Ártico, a uma latitude de 70 graus, não longe do Polo Norte. O primeiro aeroporto, pouco mais que um campo de pouso, era o Aeródromo de Iqaluit, perdido na tundra do norte canadense. O vilarejo é habitado por sete mil esquimós.

Aparelho 777 da Swiss pousando em Iqaluit

Aparelho 777 da Swiss pousando em Iqaluit  –  clique para aumentar

Sem outra opção, o jato pousou. Em redor, tudo branco de neve. O termômetro marcando 25 graus abaixo de zero. E agora, que fazer? Era impossível consertar a turbina ‒ o vilarejo não dispunha de peças nem de pessoal habilitado. Mais difícil seria ainda alojar os 300 viajantes por absoluta falta de hotel. Sobrou uma única opção: mandar vir novo avião para resgatar os passageiros. Nova turbina tinha também de ser encomendada para substituir a que tinha parado de funcionar.

Um aparelho veio de Nova York para levar as pessoas. Só chegou depois de 11 horas de espera. Enquanto isso, tripulação e passageiros continuaram sentados. Pelo menos, o aquecimento funcionava. Assim que chegou o avião de resgate, foram transferidos e puderam levantar voo e seguir viagem.

Cargueiro Antonov pousando em Iqaluit - clique para aumentar

Cargueiro Antonov pousando em Iqaluitclique para aumentar

Quanto à turbina, foi mais complicado. Tinha de ser trocada, senão o avião não ia poder sair de lá. Como levar uma peça de 8,3 toneladas até a tundra canadense? Foi preciso contratar um gigantesco avião de transporte Antonov semelhante àquele que visitou Viracopos algumas semanas atrás. Ele veio com turbina e técnicos. Faltava resolver o último problema. A retirada do motor enguiçado e a instalação do novo leva horas e horas, trabalho delicado e difícil de executar quando a temperatura do ar teima em permanecer entre –20° e –30°. O jeito foi construir uma espécie de tenda gigantesca, aquecida por dentro, para abrigar o pessoal técnico.

Depois de oito dias angustiosos, a turbina nova foi instalada e a antiga foi carregada no Antonov. O Boeing vazio voltou a Zurique. Depois de uma revisão e uma boa limpeza, já está quase pronto pra voar de novo. Quanto ao Antonov, levou a turbina defeituosa ao fabricante.

Swiss recusa-se a informar o custo total da desaventura. Especialistas estimam que a brincadeira não tenha saído por menos de um milhão. De dólares, francos ou euros ‒ é praticamente a mesma coisa.

Aceita um sorvete geladinho? Não sei se têm da marca Eskimó.

Mayday

José Horta Manzano

Você sabia?

Roda pela internet a gravação do afligente diálogo travado entre a torre de controle do aeroporto de Medellín e o piloto do avião que levava a equipe do Chapecoense. O diálogo é tão angustiante que pulei uns trechos e preferi não ouvir de novo.

O piloto há de ter pronunciado, três vezes seguidas, a expressão Mayday. É anúncio reconhecido internacionalmente como pedido de socorro urgente, sinal de emergência máxima, a ser utilizado exclusivamente em situação de perigo gravíssimo e iminente. Se o piloto chegou a pronunciar a frase abre-alas, terá sido tarde demais, quando não havia mais o que fazer.

aviao-17Nem todos conhecem a origem da estranha expressão. De onde vem? Que significa na origem? Em inglês, traduzindo ao pé da letra, dá «dia de maio», conjunto de palavras sem sentido.

Mayday é aproximação fonética, pelos cânones da língua inglesa, de expressão francesa. O original é: «Venez m’aider» ‒ venham me ajudar. Para simplificar o pedido de socorro, ficou combinado truncar a frase e dizer somente «m’aider», que soa «mayday» em inglês. Portanto, Mayday é «me ajude». Ou «ajude-me», vai do gosto do freguês.

Se a expressão francesa fosse adaptada a nossa fonética, ficaria: «medê». Dado que, em inglês, os sons vocálicos são quase todos ditongados, deu «mayday». Pouco importa o sotaque, o importante é que todos os profissionais ligados à aeronáutica conheçam o desesperado pedido de socorro. Na aviação, pilotos, controladores, tripulação e todos os outros sabem que, uma vez irradiado, esse código é pra ser levado a sério. De verdade.

Mayday não é a única expressão francesa usada pra pedir ajuda na navegação marítima e aérea. «Pan-pan» é outra, derivada do francês «panne-panne». Como fica evidente, informa que há pane a bordo. Tem menos força que Mayday. Pode indicar, por exemplo, que um passageiro está passando mal e precisa de assistência médica. «Pan-pan» também tem de ser pronunciada três vezes. É seguida obrigatoriamente de explicação.

aviao-18Há outros chamados decalcados da língua francesa. Por exemplo, o surpreendente «Seelonce», transcrição de «Silence», um pedido para que outros usuários se abstenham de utilizar a mesma frequência. Um pedido de emergência absoluta pode ser anunciado como «Seelonce Mayday». Em seguida, para informar que a frequência está de novo liberada, o código é «Seelonce Feenee», transcrição inglesa de «Silence fini» ‒ acabou o silêncio.

Como é possível que subsistam expressões francesas num universo ultradominado pelo inglês? É que não foram introduzidas hoje. Vêm de um tempo em que a aeronáutica estava mais desenvolvida na França do que em outros países.

Ame-o ou deixe-o

José Horta Manzano

Você sabia?

Nos anos 1970, os mais negros do regime militar, não saía do país quem quisesse, assim sem mais nem menos. Havia uma prática que os jovens de hoje não conheceram. O bordão «Brasil, ame-o ou deixe-o», superdifundido na época, era puro marketing, que a realidade era bem mais feroz.

ame-o-ou-deixe-oNum esforço para capturar fugitivos e mal-amados, o regime instituiu um bizarro Visto de Saída, traço típico de regimes autoritários tipo Cuba ou Coreia do Norte. Estar de posse de passaporte válido não bastava. Para viajar ao exterior, exigia-se que todo cidadão brasileiro tirasse um visto prévio. Em princípio, era expedido pelas autoridades fiscais, mas dizia-se, à boca pequena, que a Receita não passava de fachada. Na realidade, escrutava-se a ficha policial de todo candidato a viajar. Por detrás de um passaporte, poderia esconder-se um terrorista ‒ assim refletiam os donos do poder.

Lembro-me de um episódio pitoresco ocorrido naquele tempo. Sobrevoava o território brasileiro um avião de carreira, saído da Argentina com destino aos EUA. No meio do caminho, uma passageira grávida deu sinais evidentes de que estava para dar à luz. Pânico a bordo. Que fazer?

O comandante notificou o controle em terra e solicitou permissão para pouso urgente. O aeroporto mais próximo era Belém do Pará. Ali desceu o aparelho, a parturiente desembarcou e o voo continuou. A moça, levada às pressas para a maternidade, deu nascimento a um bebê em perfeita saúde. Correu tudo à maravilha.

Visto de Saída

Visto de Saída

Passados alguns dias, a estrangeira teve alta e decidiu seguir viagem com o filho. Só que havia um problema. Tendo nascido em território nacional, o recém-nascido era automaticamente brasileiro. Portanto, para deixar o território, tinha de ser registrado, tirar documentos, pedir passaporte e, mais importante que tudo, solicitar (e obter) o incontornável visto de saída. Armou-se um imbróglio.

O nó só se desfez quando o presidente da República, por decreto especial, autorizou, em caráter excepcional, que o jovem brasileirinho fosse dispensado das formalidades habituais e do famigerado visto.

Mãe e filho foram-se. Nunca mais tive notícia deles.

Caixa preta

José Horta Manzano

Vivemos no século 21. Todo o mundo tem telefone no bolso. Com dois cliques, sem se levantar da cadeira, qualquer um pode ter acesso ao outro lado do planeta. Coisas de ficção científica, como conversas ao vivo com som e imagem, tornaram-se corriqueiras e estão ao alcance de qualquer um.

Liga-se a tevê e pronto: lá está uma emissora internacional mostrando, ao vivo, um incêndio no Bangladesh, uma inundação na Mongólia, um tumulto em Moscou, o enterro de um figurão africano.

Caixa preta

Caixa preta

Li ontem que um jovem americano sobrevive, há ano e meio, sem coração ‒ no sentido próprio. Enquanto não aparece um órgão compatível para transplante, o que lhe foi retirado vem sendo substituído por uma maquineta de 6kg acondicionada numa mochila que o moço carrega às costas. O rapaz se movimenta, anda, sai à rua, fala, pensa, vive vida quase normal.

Mister Obama sabe, em tempo real, o que se trama em gabinetes de governos estrangeiros importantes. Mister Cameron, Frau Merkel, Mister Xi Jinping e Господин Putin(*) também sabem.

O distinto leitor pode até conhecer o site que vou nomear. Se não for o caso, aqui vai a dica. Quando estiver à espera de um conhecido que está viajando de avião, o interessantíssimo site Flight Radar é de grande utilidade. Serve também como passatempo pra momentos de farniente. Com três cliques, aparece o mapa-múndi com todos os aviões que voam naquele momento. Em movimento e em tempo real, com zoom, identificação e roteiro de cada aparelho. Um assombro.

Faz um mês, um avião da companhia EgyptAir desapareceu dos radares quando sobrevoava o Mediterrâneo. Destroços evidenciam que o aparelho se precipitou no mar. A França deslocou navios da Marinha, dotados de sonares altamente sensíveis, para a região onde se supõe que o avião tenha despencado. Faz quatro semanas que buscam as caixas pretas que encerram dados técnicos do voo e gravação dos sons da cabine. Na realidade, a cor das caixas é laranja, o que não altera o problema.

Imagem do site Flight Radar clique para ampliar

Imagem do site Flight Radar
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Nada garante que os objetos sejam um dia encontrados. Ainda que localizados, não é certo que estejam em condições de revelar os segredos que contêm. Supondo que não se as localizem nunca, ficaremos sem saber o que aconteceu. Erro humano, ação deliberada, falha mecânica, atentado terrorista? É possível que nunca se venha a conhecer a verdade.

Tendo na mão um telefone conectado a um satélite, qualquer um pode ser localizado, ouvido e gravado ainda que se encontre em pleno Sahara. Como é possível que conversas e dados de voo não seja registrados em tempo real e dependam de um disco rígido inserido numa frágil caixinha de metal que pode terminar no fundo do mar?

Para não iniciados, como eu, é um espanto.

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(*) Господин (= Gaspadín) é marca de respeito que os russos antepõem ao nome de alguém. Nos tempos da União Soviética, o uso foi suspenso. Todos passaram a tratar-se por Товарищ (= Tavárich), ou seja, ‘camarada’. Derrubado o Muro de Berlim, tudo voltou ao que era antes no quartel de Abrantes.

Escrita automática

José Horta Manzano

Se o distinto leitor imagina que a escrita automática do título é introito de artigo sobre psicografia, devo desenganá-lo. O caso de hoje é mais prosaico.

Falar sem refletir é próprio do ser humano. Ao falar, a gente hesita às vezes, por um instante, em busca de um adjetivo ou de um verbo mais adequado. O mais das vezes, no entanto, as palavras fluem automaticamente. Sai como sai. E é bom que assim seja, senão a comunicação seria difícil.

Avião 3Já a escrita demanda um bocadinho de reflexão. O exercício se complica com a importância do texto. Bilhetinho a ser grudado na geladeira não exige concentração nem volteios, a coisa sai como sai. Pra redação de concurso ou artigo de jornal, a história é outra. Não se deve simplesmente lançar as palavras como nos brotam.

Nem todos se dão conta disso, é uma evidência. Ainda hoje topei com artigo no Estadão ‒ bem escrito, por sinal ‒, que peca por irreflexão. O assunto não é transcendente. Relata-se o bloqueio, por parte do fisco, de bens de conhecido jogador de futebol. Iate e avião confiscados! Ao fechar a matéria, o escriba informa que «a sentença cabe recurso».

Iate 1Escorregou. É usual, em notícia de condenação, explicar que cabe recurso. Com isso, quer-se dizer que a sentença não é definitiva, e que o condenado ainda pode contestar. Em outras palavras, cabe recurso significa que é cabível que o interessado interponha recurso. Trocando em miúdos, é admissível a possibilidade de apelar à autoridade que proferiu a sentença para tentar reformá-la.

Ao declarar que «a sentença cabe recurso», o articulista trocou os pés pelas mãos. O que cabe não é a sentença, mas o recurso. Tivesse dito «a sentença admite recurso» ou «contra a sentença, cabe recurso», teria acertado. Fica para a próxima.

Dois pra frente, dois pra trás

José Horta Manzano

Vão cassar, não vão cassar, vão cassar, não vão cassar… Essa dança de dois passos à frente, dois passos atrás está cansativa. Como você certamente já se deu conta, estou falando da eventual cassação do mandato de dona Dilma. Parece que a destituição é possível mas pouco provável.

De toda maneira, a julgar pela situação precária em que o país se encontra, o fracasso de eventual sucessor está praticamente garantido. Qualquer um que suba ao trono vai amargar anos de impopularidade. De fato, com inflação crescendo, PIB encolhendo e desemprego aumentando, nem varinha mágica resolve imediatamente. Os próximos anos serão complicados, seja quem for o presidente.

Dilma Aerolula 2Falando em substituição de presidente, já passou da hora de reconsiderar as normas. Precisamos de vice-presidente? O personagem fazia sentido em 1889, quando militares deram o golpe que destronou D. Pedro II. Prudente, a Constituição republicana previu um substituto do mandatário-mor.

Navio 1Na época, era sábia precaução. Viagem presidencial ao exterior, por exemplo, podia durar meses. Embora o telégrafo já funcionasse, translados eram lentos. Se o presidente, de visita à Europa, tivesse de retornar às carreiras, enfrentaria quinze dias de navegação. Ter à mão um substituto designado era necessidade absoluta.

Hoje não é mais assim. A transmissão de poder que o presidente faz antes de se ausentar do país virou cerimônia protocolar, sem sentido. Com os meios de comunicação que temos hoje ‒ tudo em tempo real, com som e imagem ao vivo ‒, o presidente está em condições de exercer sua função em qualquer parte do mundo. Todo presidente vive plugado.

Aerolula 1Agora, o argumento mais forte. Se o presidente, antes de subir a escada do avião, passou as rédeas ao vice, já embarca destituído dos poderes. Não é mais presidente em exercício, mas presidente afastado. Portanto, em teoria, não tem legitimidade para representar o Brasil. Tecnicamente, sua assinatura em textos e tratados não terá valor.

Está aí mais um dispositivo constitucional que merece ser revisitado. Muitos são os países cujo presidente não tem vice à espreita. Em caso de vacância do cargo ‒ por destituição, morte, doença, renúncia ‒, convocam-se novas eleições. Desaparece o conceito de «mandato tampão». E já vai tarde, sem deixar saudade.

De uma tragédia a outra

Piramide 1José Horta Manzano

Cada nova tragédia tira o foco da precedente. Os sangrentos acontecimentos de Paris tiraram do mapa a recente catástrofe ocorrida na península do Sinai. Refiro-me ao Airbus russo que caiu no deserto egípcio faz pouco mais de duas semanas. Vale lembrar que ambos entram na categoria dos atentados.

Se a importância de calamidades fosse medida em função do número de mortos, o desastre aéreo, com 224 vidas ceifadas, teria sido mais significativo que o da França. Mas a contabilidade macabra não funciona assim – outros fatores entram no cálculo.

A matança de Paris ocorreu… em Paris, cidade mítica. Toda agressão contra a Cidade Luz é ressentida como afronta ao mundo todo. Tivesse o atentado acontecido em Londres, Berlim ou Madrid, a comoção não teria sido tão intensa.

Avião 13No entanto, a queda do avião russo traz consequências catastróficas. Para o Egito, pobre e superpovoado – com mais de 80 milhões de habitantes – os rendimentos do turismo são cruciais. O balneário de Charm El-Cheikh, no litoral do Mar Vermelho, é pérola preciosa entre as atrações turísticas do país.

Na Rússia, desde que o rublo começou a degringolar, o povo empobreceu rapidamente. A partir daí, intensificou-se o tráfego aéreo entre Moscou ou São Petersburgo e a estância egípcia, destino de baixo custo, ao alcance do turista padrão. Diariamente, multidões de russos fugiam das neves subárticas para espreguiçar sob o sol do Mar Vermelho.

A confirmação de que o desastre aéreo foi provocado por bomba instalada a bordo por terroristas desfere duro golpe. As companhias aéreas já suspenderam, por tempo indeterminado, voos em direção ao Egito. Evitam, em especial, o aeroporto de Charm El-Cheikh.

Praia Charm El-CheikhComo consequência, turistas russos não podem mais passar uma semanazinha de férias num dos únicos lugares quentes que estavam ainda ao alcance de seu bolso. Pior que isso, o Egito deixa de recolher preciosas divisas estrangeiras. Estima-se que a perda será de 300 milhões de dólares mensais – três bilhões e meio por ano.

Se os terroristas queriam castigar o país dos farós, o objetivo foi atingido.

Aberta a brecha

José Horta Manzano

Saiu ontem na Folha. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entende que cadeirantes têm direito a viajar de avião de graça. Sob risco de arrumar um punhado de inimigos, digo o que penso: não concordo com a determinação do TJ.

Velhice 3Explico melhor. O tribunal não fez nada de errado, apenas aplicou a lei. Na verdade, é com a lei que não concordo. Não me parece boa ideia conceder privilégios a determinadas categorias de cidadãos em função deste ou daquele motivo aleatório. O benefício tem de estar relacionado com a carência.

Que se reservem assentos para idosos ou para gestantes faz sentido. O mimo se coaduna com a necessidade: viajar de pé é problemático para gestantes e para idosos. Já garantir passagem grátis a quem padece de certos males – deixando de lado outros enfermos – faz menos sentido.

A meu ver, essa lei, que já vigora há tempos em viagens rodoviárias interestaduais, entra na mesma senda torta das quotas para estudantes, anciãos, índios, menores de idade e outros reservatários.

Onibus 4Se se concede gratuidade de transporte a quem sofre deficiência visível – caso de quem se desloca em cadeira de rodas –, a coerência manda que o benefício seja também estendido a concidadãos que padecem de deficiência não visível. Se o cadeirante pode, também deve poder o diabético, o cardíaco, o reumático, o entérico, o maneta.

A moça a quem a arbitragem do TJ do Rio Grande garantiu bilhete grátis de avião é advogada e atleta de paracanoagem. O bom senso leva a crer que outros cidadãos de situação financeira bem mais precária também gostassem de viajar sem pagar.

Velhice 2Entendo que, até certo ponto, finanças podem ser critério de seleção: àquele que pode menos, dá-se mais. A priori, no entanto, velhice e defeito físico não deveriam justificar concessão automática de privilégio(*). Ser velho ou ser cadeirante não é sinônimo de estar mal de finanças.

A brecha dos privilégios, uma vez aberta, é difícil de colmatar. Sempre aparecerão grupos de cidadãos que julgam ter direitos mais amplos que os demais. É caminho imprevisível e perigoso, oposto ao espírito republicano.

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ET: Etimologicamente, privilégio é lei privada, ou seja, lei feita especialmente para pequeno grupo de cidadãos.