Gerontocracia

José Horta Manzano

A maior parte das civilizações considera que, conforme avançam em idade, os cidadãos vão-se tornando mais sábios. Há verdade nisso. A sabedoria do velho resulta da experiência de quem viveu muitos anos combinada com a prudência de quem sabe que não se deve cutucar onça com vara curta.

No último meio século, não só no Brasil como no resto do mundo, a juventude tem sido sobrevalorizada. O fantástico desenvolvimento da informática só veio reforçar a tendência. Já não surpreende ver jovens que, mal chegados à vida adulta, encontram-se à frente de companhias de alcance planetário e faturamento bilionário. A meu ver, é sobressalto que se vai acalmar com o tempo. Afinal, Bill Gates & congêneres hão de envelhecer, gostem ou não.

Gerontocracia soviética ‒ anos 70

Os romanos mandavam ao Senado os sábios aos quais cabia governar o império. Senado é um conselho de idosos. A palavra, derivada de sénex, é da mesma família que nos deu senhor, senador, senil, senilidade, sênior, senectude.

Já os gregos antigos, que rezavam pela mesma cartilha, escolhiam os gerontes ‒ anciãos de bom senso cuja reunião constituía a Gerúsia. A voz grega géron, gérontes é análoga ao sénex latino. Também significa velho. A língua portuguesa abriga descendentes da raiz grega. Entre outros, temos gerôntico (=senil), gerontologia (=estudo dos fenômenos ligados à velhice), gerontocracia (governo exercido por indivíduos de idade avançada).

Gerontocracia brasileira atual

No Brasil, por motivos que seria fastidioso enumerar aqui, a classe política tem envelhecido, o que não é um mal em si. O mais preocupante é que não se entrevê, a curto prazo, a renovação. Escândalos e má gestão têm afastado gente fina do jogo político. Sobram os de sempre: coronéis à antiga, apadrinhados, velhas raposas, trambiqueiros tradicionais, afilhados políticos.

Por não ter sabido preparar a renovação, caíram dignitários e ruíram impérios. Em nosso país, estamos no esgotamento de um ciclo que já deu o que tinha pra dar. Só sobrou o bagaço. E, salvo duas ou três honrosas exceções, não se vislubram personalidades mais jovens capazes de apanhar o bastão e garantir o revezamento.

Bilinguismo luso-brasileiro ‒ 1

Ruth Manus (*)

Na semana em que cheguei, ouvi que era muit’gira a minha mala encarnada. Não sabia se era para agradecer, para me ofender ou para xingar de volta. Depois, fui descobrir que a mala era a bolsa, encarnada era vermelha e gira era bonita. Já não dava tempo de agradecer à moça.

Pouco tempo depois, procurava um supermercado e pedi ajuda a uma senhora que me mandou ir para os curraios. Não entendi, mas achei que mandar alguém para os curraios não era algo admissível, por uma simples razão de divisão de sílabas. Saí chocada, segui andando e encontrei o mercado, ao lado dos correios. Correios. Curraios. Saquei.

Depois, foi a vez de um professor narrar um caso de um país que proibiu a venda de maltadagas. Eu, quieta, pensei “Maltadaga. Deve ser uma adaga, arma branca, da ilha de Malta”. Ele falou outra vez e eu entendi “maltad’água”. Pensei “água da ilha de Malta?”. Na terceira ouvi “mota d’água”. Ok. “Mota deve ser moto. Moto de água. Jet ski!! É jet ski!!” E pronto, o professor já tinha mudado de assunto e eu até hoje não sei nem onde nem por que o jet ski foi proibido.

Fui achando que já entendia melhor. Tinha aprendido a não pedir sorvete de creme, mas gelado de nata. E pedi, no restaurante, torta com uma bola de gelado de nata. O garçom disse “bolinha?”. Eu sorri e disse, “sim, uma bola de gelado de nata”. Ele disse “uma bola de bolinha?”. E eu já pensei “ai Deus, começou”. Ele insistiu “não temus gelado d’nata. Temos chuculát, murang e bónilha. Pod’ser uma bola de bónilha?”. Enfim. Bola de bolinha, bola de bónilha, vamos levando.

Descobri que jogar na privada é deitar na sanita. Que pisar no freio é carregar nos travões. Que banheiro é casa de banho e salva-vidas é banheiro. Que dar a descarga é puxar o autoclismo. Que eu uso cuecas, por mais que eu use calcinhas. E que os homens também usam cuecas por mais que eles não usem calcinhas.

Não satisfeita, inventei de namorar um lisboeta. Fomos dormir outro dia e ele disse “q’rida, podes colocar o despertador para o Tim Maia?”. Pausa. Oi? “O despertador. Colocas para Oi Tim Maia?” Tim Maia? “Sim, para Oi Tim Maia.” E, então, eu percebi que já era bilíngue. Coloquei o despertador para 8h30 e apaguei a luz.

(*) Ruth Manus é advogada, escritora e colunista do Estadão.

Por que me ufano

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 29 julho 2017.

A época em que viveu o mineiro Afonso Celso, partilhada entre os séculos 19 e 20, permitia muitos sonhos. Problemas havia, como sempre os houve e sempre os haverá. Mas a solução das dificuldades nacionais parecia estar ali na esquina, ao alcance das gentes de boa vontade. Não é por acaso que o homem político e acadêmico lançou, há cem anos, seu livro mais conhecido: Porque me ufano do meu paiz. O título era esse mesmo, com o porque numa palavra só e o país com z, como se usava no tempo em que a escrita era menos engessada. O verbo ufanar é um preciosismo que nunca fez parte da linguagem do dia a dia. Benquisto então, é evitado hoje em dia. Excluídas as glosas do original, não conheço quem mais se tenha valido desse vocábulo. Não sei se o distinto leitor será da mesma opinião mas, quanto a mim, sinto que os baldes de surpresas que a cada dia nos despencam sobre a cabeça nos afastam do ufanismo. Não se passa uma semana sem que alguma novidade escabrosa venha alimentar nosso desencanto.

Faz uns dias, meia dúzia de senadoras ‒ senadoras da República, senhores! ‒ expulsaram os componentes da mesa diretora do Senado e se aboletaram naquele palco de vaidades apesar (ou talvez por causa) da presença de câmeras que transmitiam o constrangedor espetáculo para todo o país. Demonstrando que não se tratava de reação epidérmica e momentânea a algo que as tivesse desagradado, lá permaneceram horas seguidas, impedindo que a Casa seguisse debatendo. Despudoradamente, almoçaram sobre a mesa. Folhas de papel destinadas a dar rumo a 200 milhões de conterrâneos receberam, em vez de tinta, pingos de gordura. Francamente, não me ufano do meu país.

Um notório ex-presidente da República, antes incensado mas hoje acuado, acusado, inculpado e enrolado com a justiça, passa por cima da decência e da lógica. Na ânsia de afastar o cárcere que se lhe aprochega, aciona metralhadora giratória. São todos culpados, menos ele, que já se declarou a alma mais pura e honesta do Brasil. Sem ruborizar. Ataca políticos, procuradores, delegados, juízes, ministros. Engalfinha-se com a própria justiça. Mal aconselhado, faz exatamente o contrário do que deveria. É sabido que perfume de flores atrai mais que cheiro de vinagre. E pensar que o homem ocupou, por oito longos anos, o cargo público mais elevado da hierarquia política. Francamente, não me ufano do meu país.

Sem nenhuma espécie de processo judicial, a Procuradoria-Geral da República concedeu indulto total e definitivo a dois indivíduos que, durante anos, se haviam beneficiado de ilegalidades patrocinadas pelos altos escalões do Executivo. A absolvição, conferida em contrapartida à cínica confissão dos crimes e à pérfida entrega dos cúmplices, vem comprovar que o crime compensa. E muito. Herdeiros de um açougue, os mencionados indivíduos tornaram-se bilionários, favorecidos que foram com rios de dinheiro extorquidos, em última instância, do sofrido povo brasileiro. O acordo firmado com a Justiça garante aos delinquentes perdão antecipado de todos os crimes, incluindo os que não tiverem feito parte da confissão. Os irmãos, cujo sobrenome é ironicamente pio, gozam de liberdade absoluta e ‒ mimo soberano ‒ do direito de residir onde bem entenderem. Escolheram transitar entre a capital financeira dos EUA e o ensolarado sul daquele país. Nosso Supremo Tribunal Federal homologou o pacto. Francamente, não me ufano do meu país.

Semana passada, dois ou três partidos políticos brasileiros, num dos quais militam ainda hoje dois ex-presidentes da República, subscreveram documento em que externam apoio explícito e irrestrito a señor Maduro, tiranete de turno na vizinha Venezuela. Um ex-presidente de nossa maltratada República, justamente aquele que anda enrolado com a justiça, é presidente de honra de um desses partidos acumpliciados com o «bolivarianismo». Mais que isso, já se declarou candidato às próximas eleições presidenciais. A violência e as aberrações que o regime político de nosso vizinho do norte tem cometido contra o próprio povo são reprovadas por todos os países civilizados. Por obscuras (e talvez inconfessáveis) razões, o partido de nossos dois mais recentes ex-presidentes se posiciona na contramão da democracia e do processo civilizatório. O silêncio do dito presidente de honra confirma a anuência. Francamente, não me ufano do meu país.

Se a época de Afonso Celso permitia sonhos, a atual pressagia pesadelos.

Millefeuille

José Horta Manzano

Nenhum excesso é benéfico. Em demasia, burocracia e regulamentação emperram o desenvolvimento de um país. A ausência de regras também é prejudicial. Virtus in medio ‒ a virtude está no meio-termo.

A burocracia brasileira é vista por muitos como exagerada. Não pode isto, não pode aquilo, precisa licença pra tudo, importar é um pesadelo, exportar é complicado, autorizações são difíceis de obter. Dizem mesmo que, se um comerciante quiser estar em conformidade com toda a regulamentação, seu negócio estará fadado ao fracasso. Do jeito que está, a porta para acertos e jeitinhos está escancarada.

Embora esse acúmulo de entraves seja característico de países menos avançados, não é exclusividade deles. No Primeiro Mundo, alguns países também sofrem com quantidade excessiva de estorvos. Na Europa, a França é conhecida pelo rigor minucioso com que as atividades humanas são controladas e engessadas.

Para citar um exemplo entre centenas, o pescador amador ‒ aquele que pesca por lazer e lança o anzol nos fins de semana ou nas férias ‒ é obrigado a obter (e pagar) licença prévia. O manual do pescador bissexto é espesso e contém impressionante conjunto de obrigações que limitam bastante a atividade. Não é permitido pescar fora de determinado período do ano. Assim mesmo, quando um peixe fisga o anzol, o pescador tem de medir o comprimento do animalzinho. Se for inferior a determinado tamanho, o peixe terá de ser devolvido à água. Et cætera.

Mil-folhas

Consciente de que excesso de legislação atravanca o bom andamento da sociedade, o governo francês acaba de tomar medida interessante: para toda nova norma, duas normas existentes deverão ser suprimidas. A intenção é atacar o atual emaranhado de regras, que os franceses chamam de «millefeuille»(1) administrativo.

A novidade passa a valer dia 1° de setembro. Fazia anos que a ideia circulava, sem ir além do blá-blá-blá. Já tinha até feito parte do programa eleitoral de Sarkozy, sem nunca ter sido posta em prática. Desta vez, parece que vai. Toda nova regra terá de ser compensada pela eliminação de duas outras de importância equivalente e referentes ao mesmo ramo de atividade. Caso a supressão seja absolutamente impossível, duas (ou mais) normas terão de ser pelo menos abrandadas.

Visto assim, em princípio, o dispositivo é interessante. Valeria aplicá-lo a nosso país. Um cipoal de regras menos denso tende a fluidificar as relações humanas e, em última instância, a combater o jeitinho e a corrupção.

(1) Millefeuille, em português mil-folhas, é doce em que sucessivas camadas de massa folhada e creme de baunilha são empilhadas. É metáfora culinária bem ao gosto do país.

Proparoxítona

José Horta Manzano

Acabo de ler que um certo senhor Bendine, ex-presidente do Banco do Brasil, foi preso hoje na mais recente dobra da Operação Lava a Jato. O homem, que também já foi presidente da Petrobrás, é acusado de ter cometido malfeitos. Há de ter sido contaminado pelo vírus que infesta a maltratada estatal, bactéria que já atingiu outros altos dirigentes.

Locutores de rádio têm chamado o figurão de Bendine, com acento no di. Estão enganados. No original italiano, a palavra é proparoxítona, com acento no Ben. Fica Bêndine.

Cada língua tem seu espírito. O italiano privilegia proparoxítonas. Nessa língua, palavras com o acento na terceira sílaba a contar do fim são muito mais numerosas que em português. Certas formas verbais chegam a ser biesdrúxulas, ou seja, acentuadas na quarta sílaba de trás pra diante. Chiaccherano (tagarelam), scivolano (escorregam), regulano (regulam) são exemplos.

Em nossa língua, ocorrências assim são raríssimas. De toda maneira, nossa engessada norma culta simplesmente veta a formação de palavras biesdrúxulas.

Se, num arroubo poético, o distinto leitor decidir pluralizar a palavra Júpiter, não poderá dizer piteres, ainda que lhe pareça natural. Será obrigado a deslocar o acento tônico desembocando num bizarro Juteres, com acento no pi, formação que, a meu ver, descaracteriza o vocábulo.

Que fazer? É a velha história: quem pode manda; quem tem juízo obedece.

Pessoas difíceis

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Eu confesso: sou uma pessoa difícil mesmo. Não chego a ser casquinha de ferida absoluta, mas posso sangrar em fração de segundo, bastando para isso que alguém lance no ar a suspeita de que sou desleal. Que eu me depare com a insinuação de que minha disponibilidade intelectual ou afetiva não é sinal de generosidade verdadeira, mas mero disfarce para encobrir a usurpadora que rasteja sorrateiramente dentro de mim.

Por razões insuspeitas, prefiro ser chamada de bruxa a ser confundida com gueixa. Submissão nunca foi minha praia. Estou muito longe do perfil de mulher que cola um sorriso à face e atropela os próprios sentimentos para se colocar a serviço do prazer alheio. Ao contrário, defendo com unhas e dentes meu direito ao gozo de frutos sensoriais, racionais, afetivos e espirituais de cultivo próprio. Sou mais afeita à alquimia dos encontros de alma, sempre capazes de transformar conveniências em oportunidades de enriquecimento mútuo.

by Ferdinand Hodler (1853-1918), artista suíço

Não sou uma figura solar, expansiva, daquelas que aquecem o ambiente de imediato e podem até cegar os circunstantes. Prefiro ser luz de vela que bruxuleia timidamente porque não pode negar a força da escuridão nem desmerecer o poder da indiferença. Sou mais dúvida do que certeza, mais hesitação do que rompante.

Não sou pessoa de fino trato, mas requeiro cuidado extra ao ser manipulada. Se chacoalhada com rudeza, na ânsia de descobrir o que se esconde em meu interior, posso explodir e destroçar toda forma de curiosidade invasiva. Maior perigo ainda correm os incautos, que, por medo da devastação que posso provocar, me tratam como porcelana chinesa: não conhecerão meu valor até que aceitem correr o risco de ferir as mãos com os cacos de minha presumida superioridade.

Que fique bem claro para todos: não sou ogro nem tampouco ovelha pronta para o sacrifício. A bem da verdade, sou a mistura complexa de duas naturezas conflitantes. Qual centauro, trago no peito o desejo da delicadeza e, no corpo, a fúria da libido animal. Pisciana, filha de mãe taurina e pai ariano, aprendi cedo a não medir forças com a autoridade externa. A admirar e tentar copiar a estratégia da água, que transpõe obstáculos corroendo-os um pouco a cada dia.

by Ferdinand Hodler (1853-1918), artista suíço

Acredito piamente que, para tudo nesta vida, há de haver critério e limites claros. Sou, aliás, muito boa na demarcação de territórios de liberdade e de áreas proibidas para crianças, cães ou outros invasores de minha intimidade. Não sofro do mal da fingida cortesia, nem determino infindáveis pré-requisitos para conhecer e me apaixonar por outras pessoas. Na lista dos meus defeitos de caráter, certamente não está a hipocrisia. Especializei-me na arte do “sincericídio”, seja por acreditar que a verdade liberta, seja por esperar contrapartida de mesmo nível.

Tenho alguns segredos a revelar, ainda que um tanto a contragosto, a respeito das características menos visíveis de minha estrutura psíquica. O silêncio magoado é letal para mim. Da mesma forma, os jogos de poder ferem de morte minha alma. A capacidade de ternura, de compaixão e de perdão desestruturam por completo minha sede de retaliação. Nutro um profundo desprezo pelas pessoas que acham mais confortável posicionar-se sempre em cima do muro em nome da evitação do confronto.

by Ferdinand Hodler (1853-1918), artista suíço

Aos que julgam que as personalidades difíceis são insuportáveis e deveriam ser submetidas a contínuos programas de adestramento na área de habilidades sociais, um recado final: não se deixem impressionar pela aparência de poucos amigos. Não sou mal-educada, nem uma grosseirona empedernida, incapaz de reconhecer os próprios erros e pedir perdão. Não me considero vítima de nada, a não ser talvez da crueza de minhas próprias exigências éticas.

Ao contrário, é exatamente por respeitar minha natureza menos maleável – ou mais resiliente, se preferirem – que compreendo bem a necessidade de ser respeitosa para com outras naturezas mais afáveis e condescendentes.

Em resumo, acredito que as pessoas difíceis têm a consistência certa para quem aprecia frutos carnudos que vêm abrigados em casca grossa. Tudo o que é preciso para nos consumir com prazer e extrair toda a suculência de nosso conteúdo é confiar na força de seu próprio queixo.

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

Nomes delicados ‒ 2

José Horta Manzano

O Acordo(1) Ortográfico de 1943 estipulou que nomes geográficos cuja grafia já estivesse consagrada pela tradição podiam conservar a escrita antiga, ainda que contrariasse a norma. A concessão tinha endereço certo: visava a conservar a grafia de Bahia ‒ que, por sinal, é o único exemplo dado.

Outras localidades brasileiras entraram pela brecha. Entre elas, os municípios de Paraty, que se costuma escrever à antiga até hoje. Outro que se encaixou na exceção autorizada foi o município mineiro de Piũi, que aceitou perder o ípsilon final mas recusou o til em cima do u. Em vez do antigo Piumhy, grafa-se hoje Piumhi.

Ao topar com essa palavra, um estrangeiro não familiarizado com nossa escrita há de tropeçar na pronúncia. Aliás, até nós hesitamos. Imagino que, para não-iniciados, deva ser complicado decifrar Itaquaquecetuba, Pindamonhangaba e outras palavras cheias de letras. Cada língua tem seu espírito.

Na série de lugares com nome surpreendente a nossos ouvidos, aqui estão mais alguns exemplos curiosos.

ZORRA
Na província de Ontário (Canadá), encontra-se a pequena localidade de Zorra. O lugarejo, situado numa região eminentemente rural, oferece numerosas casas que se alugam para temporada. Diferentemente do que o nome sugere, Zorra e seus arredores tranquilos convidam ao sossego e ao descanso.

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PUTA
O Azerbaidjão, república que fez parte da antiga União Soviética, é um pequeno país à beira do Mar Cáspio. Encerra grandes reservas de petróleo. Nos arredores de Baku, a capital, está uma vilazinha chamada Puta. A região é extremamente árida e desprovida de cobertura vegetal.

Quando algum indivíduo originário do lugarejo se expatria, prefere ser considerado «filho do Azerbaidjão», evitando toda menção ao nome da vila onde nasceu.

CONDOM
Na bela Gasconha, região de vales e colinas do sul da França, está a cidadezinha de Condom, com sua majestosa igreja e suas ruelas medievais. Acontece que condom, em inglês e em outras línguas germânicas, é o nome que se dá ao preservativo.

Em folhetos destinados a turistas britânicos, vem sempre anotado que o nome do lugar não tem conotação erótica. Vem de Condatómagos, denominação dada há dois milênios pelos romanos. Com o tempo, evoluiu para Condatóm e acabou virando Condom. Uma atração turística do lugar é o Museu do Preservativo, criado há quase quinze anos.

UYUMBICHO
Nas cercanias de Quito, no Equador, está a aprazível cidadezinha de Uyumbicho, situada num vale verdejante e cercada de colinas suaves. Fica aqui nossa sugestão para que instalem um jardim zoológico. Levará, naturalmente, o nome da cidade: Jardim Zoológico Uyumbicho. Atrairá turistas e divisas. Garantido.

(1)«Acordo» não é nome adequado, dado que acordo não foi. Na verdade, a reforma de 1943 não foi adotada em Portugal nem nos demais países onde o português é língua oficial. Entrou em vigor apenas no Brasil. Portanto, não se deveria falar em acordo mas em reforma ou norma.

Nota
Este artigo foi amplamente inspirado num excelente blogue espanhol, o Fronteras Blog. Aqui fica meu agradecimento.

Segredos alpinos

José Horta Manzano

Numa pirueta de linguagem, os que vivem em altitudes elevadas dizem que não é a montanha que mata, mas as pessoas é que morrem na montanha. Seja como for, alta montanha é lugar perigoso. Solidão, frio, avalanches, queda de pedras, desprendimento de blocos de gelo, bruscas mudanças atmosféricas não facilitam a vida. Ninguém está blindado contra um acidente.

Em 1942, o feriado religioso do 15 de agosto caiu num sábado. Um casal de aldeães do vilarejo de Savièse (Suíça) resolveu aproveitar o tempo ensolarado para passar o dia com amigos que, como faziam cada ano, haviam levado um rebanho de vacas para passar o verão num pasto alpino. A caminhada era longa, mas o tempo estava convidativo.

O lugar era pobre e o casal, gente simples. Ela era professora primária e ele fazia de tudo um pouco: pequeno agricultor, carpinteiro, sapateiro. Gente muito querida na aldeia. Logo depois da missa, despediram-se dos sete filhos pequenos, apanharam provisões para o almoço e partiram. Avisaram que tencionavam estar de volta à noitinha. Caso se sentissem muito cansados, passariam a noite num abrigo de montanha mas retornariam no dia seguinte.

Com fé e disposição, saíram a pé. No meio do longo caminho, estava uma geleira(1). Aquelas extensões de neve endurecida podem sair lindas em cartão postal, mas escondem perigo grande. No gelo duro e eterno, acumulado durante anos, abrem-se fendas largas e profundas como crateras. A neve do mais recente inverno recobre a superfície, fazendo que o caminhante não se dê conta de que há um buraco debaixo dos pés. O que tinha de acontecer aconteceu: o casal caiu numa greta profunda.

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No domingo, ao não os ver de volta, os aldeães imaginaram o pior. Assim mesmo, organizaram uma expedição para explorar a geleira e tentar encontrar os caminhantes sumidos. Depois de dois ou três dias de busca, foram obrigados a aceitar a realidade: os viajantes não voltariam mais. Os sete pequeninos órfãos ‒ a mais velha tinha onze anos ‒ foram distribuídos entre os vizinhos. A única coisa que sobrou do casal desaparecido foram duas ou três fotos, mais nada. Passaram-se as décadas.

As mudanças climáticas destes últimos tempos têm provocado estragos em muitos lugares. A elevação da temperatura média tem ocasionado recuo das geleiras e derretimento mais pronunciado da superfície. Faz duas semanas, um passante notou um objeto escuro pousado sobre o gelo. Imaginou que fosse uma pedra. Ao olhar mais de perto, deu-se conta de que se tratava de pertences humanos de aparência antiga. Acionou a polícia especializada em buscas de alta montanha. Constataram que se tratava de dois corpos mumificados, o de um homem e o de uma mulher.

Feitos os testes ADN(2), toda dúvida se dissipou. Tratava-se realmente do casal que desaparecera 75 anos antes. Avisados, os descendentes não se sentiram tristes, mas aliviados. Terminadas as incertezas, era chegado o momento de dar sepultura digna aos antepassados. Alguns dos filhos ainda vivem, entre eles a mais velha, hoje com 86 anos. Neste último sábado, realizou-se a cerimônia fúnebre do casal, com a presença de filhos, netos e bisnetos. Foram enterrados na aldeia de onde tinham saído numa manhã ensolarada.

As geleiras ainda guardam segredos. O derretimento destes últimos anos favorece o reaparecimento de desaparecidos. Assim mesmo, estima-se que só no Cantão suíço do Valais ainda haja despojos de 180 viajores sumidos.

(1) Geleira (ou glaciar) é acidente geográfico ausente da paisagem brasileira. Consiste numa massa de gelo formada pela neve acumulada por muitos séculos. A tepidez do verão não é suficiente para derreter a neve caída no inverno. Quando volta a estação fria, a neve superficial, de consistência meio mole, endurece e se solda às camadas inferiores. E assim por diante, neve, ligeiro derretimento, mais neve, num ciclo sem fim.

(2) ADN é o Ácido DeoxiriboNuclêico, curiosamente conhecido no Brasil pela sigla inglesa DNA.

Comunicar x informar

José Horta Manzano

O Lula teve muito poder. A roda do destino girou e derrubou o homem. A vida é assim mesmo, crua, cruenta e cruel. Ai daquele que se deixar dominar pela soberba!

Doutor Moro tem muito poder. Muita gente tenta puxar o tapete pra fazê-lo escorregar. Até hoje, não conseguiram. Resta esperar que, antes que algum mal lhe aconteça, consiga levar a cabo o trabalho que começou.

Doutor Moro tem realmente muito poder. Pode convocar, interrogar, acusar, inculpar, mandar prender, julgar e sentenciar. Mas não pode mudar a língua.

Chamada Estadão, 22 jul 2017

O estagiário que dá título à matéria do Estadão não sabe disso. Ao ler de soslaio o conteúdo do artigo, mandou ver: «Moro manda comunicar Lula sobre bloqueio de bens». Como é que é? Comunicar Lula sobre?  Tsk,tsk, o rapaz andou gazeteando durante as aulas de Linguagem.

Comunica-se algo a alguém. Na acepção em que foi utilizado na chamada acima, o verbo comunicar é bitransitivo. Pede dois objetos: um direto e um indireto. Comunicar dá o mesmo recado que informar, mas não obedece à mesma regência.

Há opções melhores e menos desastradas do que a escolhida pelo redator. Eis algumas:

  •  Moro manda comunicar a Lula bloqueio de bens.
  •  Moro comunica a Lula bloqueio de bens.
  •  Moro manda informar Lula sobre bloqueio de bens.
  •  Moro informa Lula sobre bloqueio de bens.
  •  Moro cita e intima Lula para dar-lhe ciência do sequestro de seus bens.

Comunicar o Lula? Pode não, senhor.

Suicídio político

José Horta Manzano

Chamada Estadão, 22 julho 2017

Em qualquer país civilizado, uma notícia desse tipo significaria repúdio da nação e o inevitável fim dos partidos que ousassem cometer essa enormidade.

É um bom termômetro para medir o grau de implicação dos brasileiros na política. Quem viver verá.

Fim do imposto sindical

José Horta Manzano

Quem fica parado é poste. E isso se não for derrubado por uma Lava a Jato qualquer. No Brasil, as leis trabalhistas pararam no tempo. Consolidadas setenta anos atrás, aguentaram firme, contentando-se com um remendozinho aqui, outro ali. Ninguém teve coragem de reconsolidar o conjunto, que já estava virando uma teia de fios emaranhados. Nem o governo dito ‘popular’ (que eu classifico como populista e desonesto) teve a ousadia de encarar uma refundação. Refundação, eta palavrinha da moda!

Pois bem, depois da destituição da pior presidente que esta triste república teve no último meio século, está no trono um substituto com mandato tampão. Ciente de que não há tempo hábil para deixar hidroelétricas, usinas atômicas ou transposições fluviais de lembrança, decidiu levar adiante a maior recauchutagem das leis trabalhistas desde o tempo do velho Getúlio.

Doutor Temer terá seus defeitos e suas culpas, isso é fato indiscutível. No entanto, tem o mérito de ter ousado mexer num vespeiro que havia paralisado todos os seus predecessores. Embora sua reforma não é seja perfeita, é um enorme passo na boa direção.

Quem, como eu, está acostumado a conviver com regras trabalhistas de outros países, acaba se perguntando como é possível que os assalariados brasileiros tenham podido se submeter durante tanto tempo à camisa de força que eram as leis nacionais.

Tomemos as férias, por exemplo. Até agora, só se podiam fracionar os 30 dias em dois períodos sendo que nenhum deles seria inferior a 10 dias. Por que tanta limitação? Na Suíça, o empregado costuma ter direito a 20 dias úteis de férias. Pode fracioná-las como bem entender ‒ sempre de comum acordo com o empregador, naturalmente. É muito prático e favorável para o trabalhador.

Numa semana com feriado no meio, por exemplo, o funcionário tirará quatro dias de férias. Com isso, sairá numa sexta-feira à noite e só voltará ao batente nove dias depois. Terá gasto quatro dias do capital de férias e gozado nove. Vantajoso, não? Muitos se valem desse expediente sempre que há algum feriado encastrado no meio da semana. Tirar férias «picadinhas» é prática comum.

Outra particularidade brasileira que deixa qualquer estrangeiro boquiaberto é a multa imposta ao empregador quando demite um funcionário. É resquício de uma visão estática da sociedade. Assim como um casal que se divorcia não paga multa recíproca, não há razão para manter essa prática quando uma relação laboral se desfaz. Empregador e empregado não juram fidelidade eterna ao pé do altar, pois não? Sem eliminá-la totalmente, as novas regras flexibilizam um pouco essa bizarrice. Já é isso. Vamos encorajar a mobilidade social, que diabos!

A maior conquista, sem sombra de dúvida, é o fim do imposto sindical obrigatório. Onde é que já se viu, num país de trabalhadores explorados e mal pagos, subtrair um dia de trabalho de cada um para sustentar sindicato? Era uma aberração. Dizem que é vestígio do fascistoide regime varguista. Não tenho tanta certeza. Os bilhões gerados por esse processo fortalecem os sindicatos. Estes, montados numa grana firme, engrossam a voz e podem tornar-se pedra no sapato do governo. Não era essa a intenção do legislador ao instituir a taxa obrigatória.

As leis trabalhistas vão ser alteradas em dezenas de pontos. Alguns são importantes; outros, menos. Seja como for, está quebrado o tabu de que relação entre empregado e empregador tem de se ater a regras imutáveis. Lacunas e imperfeições da atual reforma poderão ser ajustadas mais adiante. Pra frente é que se anda.

Requiescat in pace

José Horta Manzano

Certos personagens não sobrevivem senão debaixo dos holofotes. É o caso de diversos figurões e homens políticos deste país. O exemplo maior é o Lula. «Falem bem, falem mal, mas falem de mim» parece ser o mote dessa gente. Caso se apagassem as luzes, desvaneceriam qual mariposas. Para não cair no ostracismo, têm necessidade permanente da ribalta, do incenso e dos aplausos. Em casos desesperados, até apupos servem para mantê-los em vida. Mais vale ser vaiado que esquecido.

Já alguns poucos atores do mundo político são personagens das sombras. Deles, embora pouco se fale e pouco se ouça, vêm diretivas que norteiam quadrantes inteiros da política nacional. Um deles fechou os olhos para sempre ontem. Foi Marco Aurélio Garcia, aquele que teve de carregar, ao longo dos dez últimos anos de vida, o incômodo apodo de «top-top», que lhe foi atribuído desde que o flagraram em gesto obsceno, na esteira de um acidente de avião que matou duzentas pessoas.

A decência recomenda não chutar cachorro morto, coisa mais feia. A honestidade, no entanto, me obriga a ressaltar que esse senhor foi ator de destaque na descida da diplomacia brasileira rumo à insignificância. Verdadeiro ministro de Relações Exteriores bis, doutor Garcia esteve entre os pouquíssimos que permaneceram no cargo do primeiro dia do governo do Lula até a derrocada da doutora Dilma. E olhe que não ocupava um desses cargos políticos que se barganham no balcão federal de negócios, como é o caso de ministros. Era dono de um posto de assessor especial ‒ que as más línguas chamam de aspone ‒, cargo de confiança que não tinha nada que ver com troca de favores.

Doutor Garcia, pouco imbuído dos sutis códigos diplomáticos, agia sem visão de mundo, movido apenas por empoeirada ideologia estacionada nos anos 60. Por razões que não cabe aqui analisar, esteve por detrás de bizarras tomadas de posição da política exterior brasileira. Ainda estão presentes na memória coletiva numerosos vexames internacionais aos quais nosso país foi submetido. Entre eles: aquele incompreensível mas explícito apoio a señor Zelaya na Nicarágua; o fiasco da pueril tentativa de intromissão brasileira no conflito entre Palestina e Israel; a benevolência para com terroristas das Farc; a aproximação tentada pelo Planalto com sanguinárias ditaduras africanas; a entrada (pela janela) da Venezuela no Mercosul.

O mundo não é bobo. Depois do momento de surpresa e simpatia que se seguiu à primeira eleição do Lula, caíram todos, pouco a pouco, na real. Deram-se conta de que, por detrás da bondosa fachada de distribuição de migalhas para combater a fome, havia o oco total. Como em cenário de cinema, as casas não tinham fundos. Atrás do frontispício, nada. Depois de repetidos desastres, o Brasil acabou descartado e regrediu décadas na visão do mundo civilizado. Em vez de destacar-se como locomotiva da América Latina, dissolveu-se no caldeirão comum e voltou a ser visto como país grande, não como grande país.

O Brasil se aferrou, durante os anos lulopetistas, a tentar dividir o planeta em blocos heteróclitos do tipo Brics. A assunção de Mr. Trump ao topo da hierarquia dos EUA mostrou que a formação de blocos político-comerciais é frágil e sujeita a chuvas e tempestades. De uma canetada, o homem retirou seu país do Tratado Transpacífico. Fez mais. Renegou o Acordo sobre o Clima assinado em Paris por quase 200 países depois de longas e ásperas negociações.

Culto, esperto, visionário ‒ e principalmente bem assessorado ‒, Monsieur Macron lançou, no começo de junho, convite a todos os cientistas americanos para que viessem trabalhar na França, onde as torneiras que Mr. Trump estava fechando seriam abertas para deixar jorrar fartos incentivos. Passou por cima de G8, G20, Otan e todas essas criações artificiais que atravancam mais do que ajudam. Em contraposição irônica ao slogan de campanha do colega americano, o presidente francês, que domina a língua inglesa, propagou «Make our planet great again» ‒ Vamos restituir a grandeza a nosso planeta.

O governo francês reservou orçamento de 60 milhões de euros à operação. E não é que está dando certo? Mês e meio depois do convite, centenas de cientistas de alto coturno já se candidataram. Vêm do mundo inteiro. Entre eles, 150 estão interessados em estabelecer-se na França por longo período. Metade desses 150 são americanos. Com uma pontinha de inveja, Frau Merkel se prepara para repetir, na Alemanha, a iniciativa de Monsieur Macron.

Está aí um pequeno exemplo de política exterior visionária, de longo prazo e voltada para o bem do povo em contraposição a política ideológica e capenga, meramente voltada para mesquinhos interesses presentes. Ao atrair cientistas, a França dá lastro ao futuro do próprio país, enquanto o nosso arrogante Planalto gastou bilhões surrupiados do sofrido povo para construir o porto de Mariel, em Cuba. Tristes trópicos.

Nota
Requiescat in pace, frequentemente abreviado em R.I.P., é fórmula latina usada em referência a pessoa falecida. Significa que repouse em paz.

Falam de nós – 22

0-Falam de nósJosé Horta Manzano

Preservativos
O jornal paraguaio Última Hora informa que, no Brasil, o Ministério da Saúde está convidando estudantes de arquitetura, publicidade, desenho gráfico e industrial a espremer as meninges para renovar a embalagem dos preservativos masculinos.

A ideia é dar uma recauchutada no acondicionamento tradicional, um design que já circula há uma década. Os candidatos têm prazo até 11 de setembro para apresentar propostas. Antigamente, a palavra de ordem seria: «Todos à prancheta!». Hoje convém atualizar o bordão, que prancheta é tão antiquada quanto telefone de parede.

Bloqueio de contas
O francês L’Express comunica que a justiça brasileira bloqueou as contas e confiscou todos os bens do Lula. Todos? Será mesmo? Ressalta que, mãezona, a justiça deixou correr uma semana entre o anúncio da condenação e o bloqueio.

O público francês fica sabendo que apenas 165 mil euros foram encontrados nas contas de nosso guia. É lícito supor que a quantia não corresponda ao total arrebanhado indevidamente.

Reforma trabalhista
A edição internacional do diário El País revela que a reforma trabalhista votada estes dias no Brasil está inspirando a vizinha Argentina. O presidente Macri aproveitou a deixa e reforçou críticas à judiciarização das relações trabalhistas que, também entre os hermanos, atinge proporções desmedidas.

Os processos laborais, que somam centenas de milhares a cada ano na Argentina, acabam refreando a oferta de empregos. Em última instância, voltam-se contra os interesses dos próprios trabalhadores ‒ um tiro no pé.

Brrrr
A Televisão Suíça de expressão italiana assim como o jornal austríaco Nachrichten sublinham que o inverno se abateu em cheio sobre o Brasil. Contam que, numa cinquentena de municípios sulinos, temperaturas abaixo de zero foram registradas. Num deles, os termômetros marcaram inabituais 7,5 graus abaixo de zero. Informam também que nevou em diversas localidades.

No imaginário europeu, o Brasil é país de praia, sol, calor e pouca roupa. Notícia de neve e frio é sempre surpreendente. Tivesse acontecido na Finlândia, não sairia no jornal.

Chinelo de dedo
O periódico francês Le Point aproveita para destacar a venda da marca de sandálias Havaianas. Diz que aqueles empresários de nome simplório e sobrenome pio, sócios majoritários da empresa, cederam suas ações a recém-criado consórcio por módica soma beirando um bilhão de euros.

O jornal conta, em poucas linhas, a história do chinelo de dedo que, até vinte anos atrás, era considerado calçado de pobre e hoje é visto como adereço (quase) normal. Os leitores ficam sabendo que há modelos especiais, feitos para os mais abonados. Levam cristais sintéticos incrustados e são vendidos a 60 euros cada par. Tem gosto pra tudo.

A menção aos 200 milhões de pares vendidos, ano sim outro também, apaga o susto com as geadas dos últimos dias e repõe as coisas nos devidos lugares. O Brasil continua sendo país de praia, sol, calor, pouca roupa e… sandálias de plástico coloridas.

O Lula e as pesquisas

José Horta Manzano

Doutor Mauro Paulino, diretor do Datafolha (instituto de pesquisa de opinião cujo renome dispensa apresentações), deu entrevista à revista Valor. Declarou textualmente:

«Lula passou pelo mensalão e se reelegeu em 2006. Passou pelo farto noticiário negativo da Lava a Jato e permanece em primeiro, com 30%. Se for condenado [pelo TRF4], pode ser identificado como vítima, o perseguido».

À primeira leitura, sua declaração choca. Deixa a impressão de que o diretor realmente acredita que o eleitor brasileiro escolhe candidato por compaixão. Quanto mais coitadinho for, mais chance terá de ser eleito.

Como não posso crer em tamanha ingenuidade de diretor de instituto tão conhecido, privilegio uma segunda hipótese ‒ bem mais sutil. Para começar, o diretor insiste em ressaltar o resultado de sua sondagem para o primeiro turno, escamoteando a evidência de que o ex-presidente não venceria eventual segundo turno em nenhum dos cenários.

Em seguida, percebo um recado astucioso dirigido ao tribunal que vai julgar o Lula em segunda instância. Doutor Paulino não ousa dar instruções aos magistrados, mas adverte subliminarmente que, caso a condenação seja confirmada, o ex-presidente ganhará força e poderá voltar à presidência, coisa que ninguém de bom senso quer.

A declaração flutua entre apelo e ameaça e deixa no ar desconfortável sensação de ambiguidade. Para mim, não faz senão reforçar a impressão de que determinadas pesquisas parecem cronicamente tendenciosas. Errar, todos os institutos erram, é inevitável. Ressaltar certos pontos dos resultados e minimizar outros já é outra coisa.

A tolerância é uma prática

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Já faz tempo que venho filosofando a respeito de como a moralidade do século 21 deslocou-se integralmente para o discurso, deixando praticamente intocada a aceitação social de práticas perversas, típicas de nossos ancestrais das cavernas.

Pense comigo. A gente é capaz de aprender rapidinho a substituir negro por afrodescendente, veado e sapatão por gay, mongoloide por Down, piranha ou galinha por mulher liberada e empoderada, mas demora uma eternidade para incorporar o conceito de que todos, sem exceção, são portadores da mesma essência de dignidade humana. É como se acreditássemos que, retirando o peso discriminatório que algumas palavras adquiriram historicamente, toda a mágoa desaparecesse e se abrissem, por milagre, as portas para a plena incorporação das diferenças.

Ledo engano. Quando a emoção cresce, a razão evanesce e a hipocrisia desaparece. Um instante de desatenção e o filtro de censura volta a se fragilizar. E lá vamos nós gritando de novo da arquibancada: «Macaco, volta para a senzala de onde você nunca deveria ter saído!»; «Bicha louca, desce do salto e aprende a ser homem!»; «Sai daqui, seu debiloide babão!»; «Aí, gostosa, vem aqui que o papai vai te mostrar como é que se faz!».

O velho Shakespeare já havia nos alertado séculos atrás que as palavras podem ser cheias de som e fúria, mas, em última análise, não querem dizer nada. Caetano nos ensinou, através da canção, que cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. Nelson Rodrigues usou toda a sua mordacidade para nos mostrar que, olhando de perto, ninguém é normal. Em vão.

Não nos parece contraditório sair às ruas gritando palavras de protesto contra a corrupção na política e continuar fazendo pequenos agrados a quem pode nos tirar de uma situação aflitiva. Assinar petições contra o desmatamento na Amazônia ou aquecimento global e continuar a jogar lixo nas ruas e nos córregos. Postar nas redes sociais mensagens religiosas de amor ao próximo, respeito às diferenças e compaixão diante do sofrimento humano e, no minuto seguinte, propor com o máximo de virulência possível a perseguição, tortura e morte da pessoa que espancou um cão. Condenar com veemência o terrorismo, elegendo como bode expiatório de ocasião o fundamentalismo islâmico, e matar a pauladas e pontapés o torcedor do time adversário. Repetir de peito estufado o velho discurso ufanista de que somos o país da conciliação e, na sequência, reclamar que o Brasil não vai para a frente por causa de seu povinho que abaixa a cabeça para tudo.

Por que, se estamos fartos de saber de tudo isso, as mil cabeças da Hidra da intolerância continuam assumindo o controle? Como fazer para que nosso discurso e nossa prática passem a coincidir? É isso que venho tentando investigar.

Dia desses, tropecei num interessantíssimo artigo científico a respeito do modo como nossos cérebros processam palavras e significados. Segundo estudos realizados com pacientes que sofreram lesões em um dos hemisférios cerebrais, o sentido literal (de dicionário) de cada palavra é apreendido primordialmente pelo lobo esquerdo, o cérebro da razão e da lógica linear. No entanto, quando a palavra vem acoplada a outra que envolve julgamento de valor, o cérebro esquerdo fica confuso e passa a depender integralmente do direito para absorver as alterações de significado da mensagem. Só para relembrar, o cérebro direito é aquele da síntese, da apreensão global da realidade e do manejo das emoções.

Parece então que, talvez por influência da hiperutilização do modelo binário da tecnologia da computação, desaprendemos a manter razão e emoção unidas ao interagirmos com a realidade e com as pessoas à nossa volta. Em vez disso, alternamos o discurso politicamente correto e a indignação com o comportamento de terceiros que verbalizam outras percepções.

A armadilha é perigosa e eu mesma não me canso de cair nela. O sentimento de superioridade moral que embala nossa reação de crítica a práticas sociais que não endossamos é tão poderoso que nos impele a desconsiderar quaisquer condicionantes e passar por cima do outro com trator e tudo, esmagando-o sem clemência e destruindo cada um de seus argumentos.

A saída? Ainda não sei. Só posso oferecer como sugestão para reflexão um pensamento de Aristóteles com que me deparei outro dia: «Educar a mente sem educar o coração não pode ser chamado de educação».

Outra pista que persigo há um bom tempo me foi ofertada em caráter pessoal por aquele que chamo de “meu anjo”. Certa vez, durante uma discussão ácida com meu pai, perdi a paciência e saí batendo a porta, esbravejando que meu ouvido não era penico para ele depositar sua insensatez. Ainda no corredor, já me sentindo um tanto acabrunhada e envergonhada, tive a nítida sensação de ouvir o conselho: «É preciso negociar também com as feridas».

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

De guayabera

José Horta Manzano

Continuo intrigado com o fato de alguns analistas de projeção nacional ainda parecerem receosos de que o Lula se candidate em 2018 e ‒ pior ainda ‒ que volte à presidência da República. É insensato. Senão, vejamos.

O discreto Instituto Paraná Pesquisas, que não é conhecido por estar particularmente chegado a nenhum partido ou movimento político, publicou, duas semanas atrás, sondagem que constatava que 62% dos entrevistados achavam que o Lula devia ir preso. Isso foi antes da sentença condenatória do Tribunal Federal de Curitiba.

Em pesquisa mais recente, saída do forno este fim de semana, o mesmo instituto informa que 65,5% dos eleitores consideram que o ex-presidente recebeu sentença justa. Não ficou claro se os demais teriam sido mais clementes ou, quem sabe, até mais impiedosos. Resumo da ópera: dois em cada três brasileiros descartam o antigo operário. Recusam-se a votar nele.

De guayabera

O homem é, visivelmente, carta fora do baralho eleitoral. Se um diminuto grupo de fiéis ainda o acompanha, não será por cegueira ideológica, mas por cálculo político. No desespero, náufragos costumam abraçar-se a qualquer tronco que ainda dê a aparência de flutuar.

Prova disso é a «Emenda Lula», proposta por um deputado federal, visando a impedir a prisão de candidatos a postos eletivos a partir de oito meses(!) antes da eleição. A proposta silencia sobre o que acontecerá caso os candidatos ameaçados de encarceramento não se consigam eleger. De fato, não se pode garantir blindagem a derrotados. Passado o dia da votação, a vulnerabilidade de cada um deles volta. É da vida.

Em artigo publicado no Estadão deste domingo, a excelente analista Vera Magalhães compara os últimos seguidores do guia a adeptos de seita radical subjugados pela devoção incondicional ao guru, pessoas que se recusam a aceitar que o cenário mudou.

Quando um acusado se encontra na situaçao em que está o guia caído, mais inteligente seria eclipsar-se e recolher-se à humildade. Ameaçar, atacar, vituperar não é boa estratégia. Vociferar contra a mídia, o Ministério Público, a magistratura é péssima escolha: só serve para acirrar ânimos e reforçar antipatias.

Guayabera para todos

Que ninguém se engane. Se a situação do ex-presidente já é complicada, tende a tornar-se insuportável à medida que novas condenações forem aparecendo. Com ou sem a extravagante emenda, ele não será mais eleito para a presidência. Se quiser efetivamente escapar à prisão, há caminho mais promissor.

Um pedido de asilo apresentado ao governo cubano tem todas as chances de ser aceito. Mr. Trump, que já se mostrou contrário a toda aproximação com a ilha caribenha, foi eleito por quatro anos. Não será surpreendente que, em seguida, seja reeleito. Nosso guia, que completa 72 primaveras este ano, terá assim oito anos de tranquilidade nas cercanias de Havana. Basta comprar um par de guayaberas (ou de abrigos Adidas, conforme o gosto), e pronto.

De seu exílio dourado, ele poderá continuar esbravejando contra tudo e contra todos. Passados os anos de autoexílio, terá direito ao indulto humanitário que nossa benevolente justiça costuma conceder a anciãos, por mais graves que tenham sido seus crimes. E voltará, tranquilo, para viver um ocaso dourado num sítio cedido por algum dos últimos fiéis.

Vírgula, travessão ou parênteses?

Dad Squarisi (*)

Marcelo é arquiteto. Além de linhas e formas, preocupa-se com a língua. Não abre mão do texto nota 10 nem a pedido dos senhores do Olimpo. O perfeccionismo não se restringe a ele. Estende-se à equipe. Outro dia, a turma dava o toque final a uma proposta. Pintou, então, uma dúvida. Que sinal usar — vírgula, travessão ou parêntese? Eis o quebra-cabeça:

●  Brasília, a capital do Brasil, sofre os efeitos da seca.
●  Brasília — a capital do Brasil — sofre os efeitos da seca.
●  Brasília (a capital do Brasil) sofre os efeitos da seca.

E daí?
As três opções estão certinhas. Mas há diferenças. Quais? Sobraram palpites. Faltaram certezas. Pra quem sabe ler, ponto é letra. A recíproca é verdadeira. Quem sabe tirar partido das manhas da língua homenageia o leitor. Dá-lhe oportunidade de ir além de orações e períodos burocraticamente corretos. Desvenda-lhe o universo das nuanças.

Vírgula, travessão, parêntese & cia. vieram ao mundo por necessidade da expressão. Sem os recursos da língua falada, que também fala com o tom da voz, os silêncios, a gesticulação, as caras e bocas, a escrita busca compensações. Além da pausa, recorre a outros meios. Eles dão recados.

A neutralidade
Nem frio nem quente? Então fique com o morninho. A discreta vírgula é o melhor representante dos que querem agradar a gregos e troianos. Neutros, eles ficam em cima do muro e, claro, não se comprometem. Veja:

●  Redigir, na definição do Aurélio, é escrever com ordem e método.
●  Michel Temer, presidente do Brasil, esteve na Rússia.
●  Cármen Lúcia, presidente do STF, nasceu em Minas.

O realce
Você joga no time dos fãs de plumas e paetês? Então adora foguetório. Adora, também, o travessão. O traço nasceu pra brilhar. Generoso, realça tudo que o acompanha:

●  Redigir — na definição do Aurélio — é escrever com ordem e método.
●  Michel Temer — presidente do Brasil — esteve na Rússia.
●  Cármen Lúcia — presidente do STF — nasceu em Minas.

A desqualificação
Quer desqualificar? Use parênteses. Com eles, você dá um recado: a palavra, expressão ou oração neles contida é secundária, acessória. Entrou ali de carona. Não faz falta:

●  Redigir (na definição do Aurélio) é escrever com ordem e método.
●  Michel Temer (presidente do Brasil) esteve na Rússia.
●  Cármen Lúcia (presidente do STF) nasceu em Minas.

Sem inocência
Seja esperto. Não há escrita inocente. Ao escolher este ou aquele sinal, você dá recados. Ter consciência do poder de vírgulas, parênteses e travessões tem duas vantagens. Uma: ajuda a escrever. A outra: ajuda a ler.

Casamento manhoso
Travessão e vírgula? O casamento dos dois é raro como viúvo na praça. Mas volta e meia tem vez. Quando? Preste atenção aos parezinhos:

●  Brasília, a capital do Brasil, tem 2,5 milhões de habitantes.
●  Brasília — a capital do Brasil — tem 2,5 milhões de habitantes.

No caso, os travessões substituem duas vírgulas. As núpcias não têm nenhuma chance.

●  Depois da vitória do afilhado com mais de 50% dos votos, o padrinho se sentiu forte como Tarzã.
●  Depois da vitória do afilhado — com mais de 50% dos votos —, o padrinho se sentiu forte como Tarzã.

●  Quando saiu de casa lá pela meia-noite, deixou a família reunida.
●  Quando saiu de casa — lá pela meia noite —, deixou a família reunida.

Que manha, hein? O travessão coincide com uma (uma só) vírgula. Daí o casamento raro.

(*) Dad Squarisi, formada pela UnB, é escritora. Tem especialização em linguística e mestrado em teoria da literatura. Edita o Blog da Dad.

Emenda Lula

José Horta Manzano

Art. 236. Nenhuma autoridade poderá, desde 5 (cinco) dias antes e até 48 (quarenta e oito) horas depois do encerramento da eleição, prender ou deter nenhum eleitor, salvo em flagrante delito ou em virtude de sentença criminal condenatória por crime inafiançável ou ainda por desrespeito a salvo-conduto.

§ 1º Os membros das Mesas Receptoras e os fiscais de partido, durante o exercício de suas funções, não poderão ser detidos nem presos, salvo em caso de flagrante delito. Da mesma garantia gozarão os candidatos desde 15 dias antes da eleição.

Citei aqui acima a introdução e o primeiro parágrafo do Artigo 236 do Código Eleitoral Brasileiro. O dispositivo legal proíbe a prisão de candidatos a partir de 15 dias antes da votação. Tenha-se em mente que a regra vale para candidatos dos três níveis: da presidência da República à vereança.

O código, editado há meio século, mostra a clara intenção do legislador de proteger candidatos de pequenas comunidades contra abusos dos poderosos locais. Hão de ter pensado no «coronel» mandando prender o adversário às vésperas da eleição, provocando assim a nulidade dos votos dados ao desafeto. Não acredito que tenham imaginado que um dia gente enrolada com a justiça ‒ condenados até! ‒ pudessem disputar a presidência da nação. Nem em chanchada da Atlântida(*) um tal roteiro seria plausível.

Os tempos mudam. Em cinquenta anos, o Brasil avançou assimetricamente. Em alguns setores, equiparou-se aos países mais adiantados. Temos indústria aeronáutica, pesquisa agrícola avançada, programas nacionais de vacinação e de proteção dos mais frágeis. Todos os brasileiros carregam um telefone no bolso, situação inimaginável vinte anos atrás. Em outros pontos, no entanto, fica a impressão de que paramos no tempo ou até de que regredimos.

Com a drástica diminuição de «coronéis» e de currais eleitorais, o citado artigo do código eleitoral deixou de proteger candidatos perseguidos e se prepara para representar refúgio para políticos corruptos. Numa prova do que acabo de dizer, um deputado acaba de recomendar, em sua proposição de reforma política, que se altere o citado artigo. Candidatos ganhariam imunidade contra a prisão oito meses antes das eleições em vez dos 15 dias atuais.

Dado que o dito deputado é petista, suspeita-se que esteja sendo teleguiado pelas cabeças pensantes(?) do partido. O objeto da proteção deixaria de ser o pequeno candidato perseguido pelo coronel. O verdadeiro alvo é o Lula, ex-presidente ora em desgraça. O período de oito meses de blindagem entraria em vigor antes do julgamento de nosso guia em segunda instância. Se se declarar candidato antes disso, estará livre para tentar a eleição presidencial de 2018.

Como se diz por aqui, a proposta é «cousue de fil blanc» ‒ costurada com linha branca, o que significa que a tramoia é evidente. Se eu pudesse dar um conselho aos que serão chamados a apreciar essa proposta, diria que não a aprovassem. Não tanto por causa de nosso guia, que, vistas as dimensões da rejeição que suscita, não tem a menor chance de ser eleito em segundo turno. Penso mais em outros malandros que podem se aproveitar para se homiziar numa brecha da lei.

A qualquer cidadão que tenha cometido malfeitos e que se sinta na ameaça de ser preso, bastará candidatar-se a vereador de um lugarejo qualquer para escapar às garras da justiça. No me parece bién.

(*) A Atlântida era empresa cinematográfica brasileira ativa nos anos 40 e 50. Além de fitas sérias, produzia chanchadas ‒ filmes humorísticos, despretensiosos e um tanto ingênuos, bem ao gosto popular. O advento da televisão e das novelas acelerou o declínio da empresa, que acabou fechando as portas em 1962.