gaúcho
Máximas do Barão ― 37
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Um pouco d’arte ― 125
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Máximas do Barão ― 35
Um pouco d’arte ― 117
Histórias da fronteira
José Horta Manzano
Era uma cidadezinha pequena, bem na fronteira com a Argentina. É domingo, e a Igreja fica cheia para a missa das 10h. Argentinos, brasileiros, até o prefeito. Começa o sermão:
‒ Irmãos, estamos hoje aqui reunidos para falar dos Fariseus, aquele povo desgraçado como esses argentinos que estão aqui.
‒ Ohhh! Um coro de indignação varreu a igreja. Os argentinos saíram xingando o padre. Houve briga na porta. O prefeito quase teve um ataque de apoplexia. Terminada a confusão, ele foi falar com o padre na sacristia.
‒ Padre, pega leve, os argentinos vêm para este lado, gastam nas lojas e nos restaurantes, trazem divisas para a cidade. Não faça mais isso.
Durante a semana a conversa na cidadezinha foi recorrente: o padre e o sermão do domingo. Aquele zum-zum-zum todo foi deixando as pessoas curiosas, todos querendo saber o que mais tinha acontecido.
Finalmente, vem o domingo. O prefeito vai até a sacristia para uma conversinha com o padre.
‒ Padre, o senhor lembra do que conversamos antes, não? Por favor, não arrume nenhuma encrenca hoje, certo?
Começa o sermão.
‒ Irmãos, estamos aqui reunidos hoje para falar de uma pessoa da Bíblia: Maria Madalena. Aquela mulher, a prostituta que tentou Jesus, como essas argentinas que estão aqui.
Não deu outra: pancadaria na igreja. Quebraram velas nos corredores, saíram tapas, socos e houve até atendimento no pronto-socorro da cidade. O prefeito novamente foi ao encontro do padre:
‒ Padre, o senhor não me disse que iria pegar leve? Padre, se o senhor não amansar, vou escrever uma carta à diocese e pedir a sua suspensão imediata.
Durante a semana, o tumulto foi maior ainda. As conversas eram frenéticas. Ninguém perderia a missa do domingo seguinte, nem por decreto.
Na manhã do domingo, o prefeito espalha soldados pela igreja e entra na sacristia .
‒ Padre, pega leve desta vez, senão te levo em cana!
A igreja estava abarrotada. Quase não se conseguia respirar de tanta gente. E o padre dá início ao sermão.
‒ Irmãos, estamos aqui reunidos hoje para falar do momento mais importante da vida de Cristo: a Santa Ceia.
O prefeito respirou aliviado. E o padre continua o sermão:
‒ Jesus disse naquele momento aos apóstolos: “Esta noite, um de vós Me trairá.” Então João perguntou: “Mestre, sou eu?” E Jesus respondeu: “Não, João, não és tu”. E Pedro perguntou: “Mestre, sou eu?” E Cristo respondeu: “Não, Pedro, não és tu.” Então Judas perguntou: “Mestre, acaso soy yo?”
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Um pouco d’arte ― 110
Máximas do Barão ― 33
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Máximas do Barão ― 32
«O feio da eleição é perder.»
Apparicio Fernando de Brinkerhoff Torelli, o “Barão de Itararé” (1895-1971), humorista gaúcho.
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Bala perdida
José Horta Manzano
A notícia é trágica. De visita turística ao vizinho Uruguai, um casal de gaúchos se hospedava num condomínio. Encontravam-se os dois no segundo andar quando ouviram gritaria e barulho inabitual vindo da rua. Chegando ao terraço, deram-se conta de que se tratava de perseguição policial, fato pouco costumeiro naquele país.
Na rua, dois indivíduos estavam em fuga depois de terem roubado dinheiro de um supermercado. Seguranças e policiais estavam no encalço dos criminosos. Houve troca de tiros. Por uma dessas armadilhas do destino, o turista brasileiro, apesar de estar no segundo andar do prédio, foi atingido por uma bala perdida que lhe perfurou a artéria femoral ‒ aquela que passa pela virilha.
Além de cirurgia imediata, contra artéria perfurada não há muito que fazer. Quando deu entrada no hospital, já não havia esperança para o infeliz gaúcho. Não resistindo ao abundante sangramento, faleceu pouco depois.
Os jornais uruguaios, pouco afeitos a esse tipo de ocorrência, valeram-se da expressão brasileira para dar a notícia. Falaram em «bala perdida». A secção de comentários foi alvo de uma enxurrada de críticas de leitores indignados.
Surpresos com a expressão, numerosos foram os que passaram um pito nos redatores. Argumentaram que a bala só teria sido perdida se não tivesse atingido ninguém. Naquele caso, como tinha acertado um homem, perdida não era. A lógica fria me obriga a concordar com o raciocínio.
Em consequência do ocorrido, o Ministério do Interior uruguaio está avaliando alterar a regulamentação que impede policiais de garantir segurança a comércios. O ministro em pessoa convocou reunião com representantes da associação de supermercados do país para estudar medidas de segurança. Oferecer cursos a funcionários para ensinar-lhes como agir em caso de assalto está entre as opções.
Em nosso país, assaltos e vítimas de «balas perdidas» são tão frequentes que ninguém mais se comove. Todos dão de ombros e passam ao assunto seguinte. É pena. Barbaridades, quando deixam de impressionar e entram no ramerrão quotidiano, denunciam que continuamos descendo na escala civilizatória.
Só quem tem gato sabe o que é
Um pouco d’arte ― 97

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by Alisson Affonso (1979-), artista gaúcho