Se os Estados Unidos continuarem a se dilacerar desse jeito, vai acabar chegando um momento em que o país terá de fazer uma escolha terrível: ou uma guerra civil ou uma separação em duas entidades distintas. Não haverá outra opção possível, considerando que o vão que separa o lado progressista do outro, chegado a um conservadorismo retrógrado, se alarga a cada dia que passa.
Uma nação só faz sentido se seus habitantes compartilharem pelo menos alguns ideais em comum, um punhado de grandes princípios em torno dos quais a vida em sociedade consegue se articular. Não se trata de serem todos uniformemente semelhantes, mas de se entenderem pelo menos um pouco sobre valores que garantem a cada um o direito de levar a vida como melhor lhe parece, sob o império de uma lei igual para todos.
Isso é ainda mais verdadeiro num regime democrático, em que a pluralidade de opiniões contribui para a riqueza do país. Podemos não estar de acordo em nada, mas pelo menos concordamos em achar que todas as opiniões têm seu valor, desde que se inscrevam tanto no respeito das liberdades individuais como no rigoroso respeito das instituições.
Pois hoje, nos Estados Unidos, não somente ninguém mais está de acordo sobre nada – sobre o aborto, sobre as armas de fogo, sobre o papel da religião, sobre o meio ambiente, sobre a economia – mas até a vida democrática, em sua expressão eleitoral, não suscita mais consenso. A divisão é tão profunda que ninguém mais está disposto a aceitar a chegada de um presidente qui não seja de seu campo político.
Assim sendo, fica difícil enxergar como um país desse jeito poderia continuar a funcionar. Se não somente eles se opõem em questões de sociedade mas, além disso, questionam o próprio princípio de alternância no topo do Estado, é sinal de que se encontram de facto em estado de guerra latente, de enfrentamento ideológico que a qualquer momento pode degenerar em violência e sangue.
Atualmente, o que é que têm em comum os eleitores republicanos com seus compadres democratas? A resposta é simples: nada. Um nada que revela a oposição entre uma parte do país, pronta para despencar numa espécie de ditadura religiosa a um pulinho do obscurantismo, e uma outra, que cultiva o princípio da liberdade, da tolerância e do progresso social. Estamos de fato diante de uma ruptura, uma confrontação entre duas visões do mundo em que cada lado chega a negar ao outro a possibilidade de existir.
A verdade é que é difícil imaginar como, dilacerado por tantas divergências, o país poderia continuar a existir como nação. Os Estados Unidos, do jeito que se apresentam hoje, não fazem mais sentido. Parecem um trem com duas locomotivas, uma na frente e outra atrás, puxando em sentidos opostos, uma em direção a uma sociedade mais respeitosa de suas minorias, mais apta a encarar os desafios ecológicos dos séculos vindouros, e a outra se dirigindo para um modo de funcionamento em que pressupostos religiosos – tão inúteis quanto discutíveis no plano ético – procurassem trazer o trem de volta aos séculos passados.
Os EUA têm de se reinventar, e para isso, em vez de depurar suas querelas existenciais no sangue – guerras civis são em geral as mais cruéis, os EUA sabem disso muito bem – optar pela única solução capaz de manter a paz civil: a separação de papel passado. Ou seja, um bloco progressista enraizado na costa do Pacífico ao qual se juntariam o nordeste do país e outros estados dispersos aqui e ali, e um bloco nacionalista-conservador-religioso situado entre os dois oceanos, no coração do país.
Não sei que forma poderia tomar uma reorganização desse porte. Uma divisão pura e simples com criação de duas novas nações, ou uma espécie de confederação sem fronteira física mas com dois governos bem distintos, duas Constituições, dois presidentes – duas entidades capazes de comerciar reciprocamente sem se meter nos negócios internos uma da outra. Cada cidadão poderia escolher estabelecer-se na parte do país que melhor correspondesse a sua sensibilidade. Não seria uma guerra, só um divórcio amigável em que cada um trataria de viver sua diferença sem procurar impor ao outro seu modo de vida e sua maneira de pensar.
(*) Laurent Sagalovitsch é escritor e articulista franco-canadense.
Traduzido do original francês por este blogueiro.