A moda do “fake” se alastra até a China

José Horta Manzano

Parece que a moda que nos obriga a conviver com uma realidade paralela já chegou até a China. Alguém já imaginou organizar os Jogos Olímpicos de Inverno na região de Garanhuns (PE)? Parece coisa de maluco, não é? Pois deve haver no mundo muito mais malucos do que se imagina. E alguns ocupam cargos de importância planetária. Antes dos finalmentes, vamos aos considerandos.

No Brasil, Olimpíada de Inverno não tem repercussão, o que é compreensível. Pra quem não sabe, ela ocorre de quatro em quatro anos, intercalada com os Jogos de Verão, que já tiveram lugar no Rio de Janeiro e que ficaram na história do país pelo “legado” que deixaram.

A China foi designada para abrigar a edição invernal deste ano, que começa no fim de semana que vem. Até aí, nada de espantoso. O clima do país, em princípio, é compatível com os requisitos dos esportes de gelo e neve. Na região escolhida – Pequim e seus arredores – faz um frio congelante no inverno. Em janeiro, a temperatura oscila entre 7°C abaixo de zero de noite e 3° abaixo de zero no momento mais “quente” do dia. É pra pinguim nenhum botar defeito.

Só que tem um probleminha: não neva. Embora muito morador dos trópicos acredite que basta fazer um frio do cão pra cair neve, não é bem assim. Neve é precipitação, exatamente como chuva. Pra nevar, é preciso que haja nuvens e umidade. Com céu claro e sem nuvens dia e noite, não tem como nevar.

Assim, escolher organizar os Jogos de Inverno em Pequim equivale a escolher organizá-los em Garanhuns. Ambas as cidades têm morros por perto, onde pistas de esqui podem ser facilmente desenhadas. Estádio olímpico, é fácil construir, principalmente com dinheiro público. Propaganda, é fácil fazer. Povo entusiasta, é sempre fácil encontrar. Só que cada uma das sedes tem seu problema. Enquanto Garanhuns não tem frio suficiente pra aguentar a parada, Pequim não tem neve. Como contornar o problema?

Estamos entrando nos Jogos Olímpicos de Inverno mais antiecológicos da história. Primeiro, o leitor precisa saber que, na falta eventual de neve, as pistas de esqui podem ser atapetadas com neve artificial. Não, não se trata de neve de cinema, com floquinhos de plástico. A neve artificial é produzida por canhões de neve, enormes tubos que cospem no ar, geralmente à noite, quando todos dormem, água sob alta pressão. Ao entrar em contacto com o ar muito frio, as gotículas de água vaporizada se tranformam instantaneamente em flocos de neve.

Todas as pistas de esqui do mundo dispõem de dezenas desses dispositivos. Servem para completar o tapete de neve nas pistas, quando já está bastante achatado pela passagem dos esquiadores e quando o tempo anda claro, sem precipitações. Só servem para suprir uma certa porcentagem do cobertor branco.

O problema é que em Pequim, região semidesértica situada junto à poeirenta aridez que recobre a China central e ocidental, toda a neve das pistas será artificial. Todinha. Tudo 100% artificial. A paisagem das colinas onde estão as pistas está sui-generis: faixas brancas que serpenteiam em meio a montes escuros e totalmente desprovidos de neve. Bem pouco natural. (Confira a imagem na entrada do artigo.)

Evidentemente, os canhões espirram água e são movidos a combustível fóssil. Pra começar, precisa levar água até lá em cima, o que consome uma enormidade de energia. Em seguida, o funcionamento de centenas deles durante duas semanas, numa região já altamente poluída, só vai fazer aumentar o grau de poluição que os pequineses terão de respirar. Atenção: respirar sem reclamar, como costuma ser na China. Todos estão convidados a aplaudir. E ai de quem der um pio!

Fica agora uma dúvida ingrata. A escolha do Catar para a Copa do Mundo foi obra dos conchavos e da notória corrupção da Fifa. Onde já se viu jogar futebol no deserto, num país sem nenhuma tradição esportista, onde não se joga nem futebol de várzea (mesmo porque não há várzea)?

Será que o COI (Comitê Olímpico Internacional), que cuida das Olimpíadas, sofre do mesmo mal?

Os primos ricos

Manchete de O Globo

José Horta Manzano

Há quem diga que boxe, uma variante do soco-inglês, não é esporte, é resquício de briga de neandertais. Há quem diga que nado artístico não é esporte, é balé. Há quem diga que hipismo não é esporte, pois quem dá duro é o cavalo, não o homem. Há ainda quem diga que skate (ou esqueite, forma ignorada, mas que aparece no dicionário) também não é esporte, que é brinquedo de pré-adolescente.

Seja como for, todas essas modalidades são reconhecidas pelo Comitê Olímpico Internacional e têm o direito de aparecer nos Jogos Olímpicos. Portanto, se reclamações há, não briguem comigo. Convém escrever uma cartinha para o Comitê, sediado em Lausanne (Suíça).

Falando em Lausanne, é cidade pela qual tenho carinho, por ter lá passado meus verdes anos. Mas isso já faz muito tempo e não vem ao caso neste momento.

A manchete que reproduzo acima me deixou um tanto surpreso. Informa que o COB, entidade encarregada de supervisionar o esporte olímpico no Brasil, planeja injetar mais dinheiro no skate. O mistério dessa lógica me parece difícil de desvendar.

Metade das 6 medalhas de prata do Brasil foram conquistadas por skatistas. Com ou sem dinheiro do COB, esse esporte já desliza sozinho sobre suas rodinhas. Acho que o Comitê devia mais é se preocupar com os parentes pobres, aquelas modalidades em que nossos atletas tiveram participação modesta ou nula.

No atletismo, há dezenas de modalidades em que nenhum brasileiro participou. No ciclismo, idem. Há ainda a escalada, a esgrima, a ginástica acrobática, o tiro esportivo e com arco – cada um deles comportando diferentes modalidades.

Se o COB, além de colher os louros da vitória, tem real intenção de trabalhar pelo desenvolvimento do esporte no Brasil, devia cuidar dos parentes esquecidos, não somente dos primos ricos.

É fome?

José Horta Manzano

Quando um competidor está louco, vidrado, desesperado pra ganhar, se diz que está com “fome de vitória”. Mas é metáfora, força de expressão. Na hora de comer, há quem goste de feijão, há quem prefira pizza, outros não abrem mão de um hambúrguer. Já engolir metal é mais raro. Por que será então que tantos esportistas medalhados fazem pose mordendo a medalha diante das câmeras? Será fome?

É um costume bizarro, de origem obscura, talvez comparável ao (mau) hábito que quase todo futebolista tem de cuspir no gramado, comportamento nunca visto em esportista de nenhuma outra modalidade. (Exceção feita, talvez, dos ases da natação que, ao terminar a prova, encostam na parede da piscina, olham firme em direção ao painel eletrônico e aproveitam pra soltar pela boca um líquido que uns juram ser água clorada, enquanto outros asseguram que não é.)

Voltando às medalhas mordidas, por que fazem isso? A CNN se interessou pelo assunto e resolveu explorar. Constataram que não é somente em provas olímpicas que isso acontece. Um grande tenista como Rafael Nadal, por exemplo, é habitué de uma dentada no troféu. Morde cada prêmio com gosto, como se pretendesse tirar um pedaço.

Um tanto alarmados com o que têm visto, os dirigentes do comitê organizador dos Jogos Olímpicos de Tokyo resolveram lançar um alerta. Veio a bordo de um tuíte bem-humorado:

“Gostaríamos de confirmar oficialmente que as medalhas de #Tokyo2020 não são comestíveis!

Nossas medalhas são feitas de material reciclado a partir de aparelhos eletrônicos doados pelo público japonês.

Portanto, convém não morder… mas sabemos que vocês vão continuar mordendo.”

A melhor explicação para o estranho hábito de morder medalha ao posar para foto foi dada por um perito da Sociedade dos Historiadores Olímpicos. Diz ele que os atletas fazem isso numa tentativa de contentar a mídia. No início, foi uma solicitação de fotógrafos correndo atrás de uma foto sensacionalista. Com o tempo e com a insistência de mais e mais fotógrafos, acabou por se tornar tradição, uma passagem obrigatória.

Sabemos que a imensa maioria dos atletas olímpicos são estrangeiros. Todos eles conhecem o sushi, mas não estão familiarizados com a exótica culinária japonesa. Mas daí a comer medalha… precisa ter bons dentes.

Quadro de medalhas fraudado?

José Horta Manzano

O colunista Renato Terra dá título sugestivo a seu artigo de hoje na Folha de São Paulo: “Bolsonaro afirma ter provas de que Quadro de Medalhas foi fraudado”.

O humorista, que só queria fazer graça, não deve ter se dado conta de que, ao mesmo tempo que ele redigia a crônica, um dos três grandes quotidianos do país se esforçava pra tornar realidade a imaginária fraude.

Estas duas capturas de tela foram feitas no mesmo momento, quando o Brasil havia conquistado suas primeiras 3 medalhas. Veja só.

Jornal A

 

 

Jornal B

 

No quadro do jornal A, com 3 medalhas, o Brasil aparece na 15ª. posição entre as nações. Na imagem do jornal B, com as mesmas 3 medalhas, o país é degradado ao 23° lugar. Como é possível?

“É fraude!” – exclamaria o capitão, “estão fazendo isso de propósito pra eu perder a eleição!”. (Ele provavelmente diria “pra mim perder”, mas não vamos nos perder nessas minúcias.)

Fraude, não é. Sobram duas possibilidades: ignorância ou desleixo. Opto pelas duas, um pouco de cada.

O jornal B, que nos mostra em 23° lugar, fez a conta certa. Estar no 23° lugar significa que, independentemente de quantos empates houver entre os demais, somos precedidos por 22 países no quadro final.

O jornal A, que nos põe em 15ª. posição, bobeou. Confundiu-se com o fato de vários países estarem empatados.

As regras olímpicas determinam que, quando dois atletas terminam empatados, o que é muito raro, a medalha seguinte não seja atribuída. Aconteceu nos Jogos Olímpicos de Inverno de Sotchi (2014). Numa das provas de esqui feminino, duas competidoras fizeram o percurso num tempo rigorosamente idêntico: 1 minuto e 41,57 segundos. Foi o melhor tempo. No pódio, ambas receberam a medalha de ouro. A concorrente seguinte ficou com a medalha de bronze. Naquele ano, a medalha de prata não foi atribuída.

Por analogia, a regra olímpica se estende também à classificação dos países no quadro de medalhas.

Olímpica

Ascânio Seleme (*)

Excelente exemplo da delegação brasileira que desfilou na abertura dos Jogos de Tóquio com apenas quatro integrantes. Fazer bonito de vez em quando não custa nada e ajuda a diminuir a antipatia global causada pelo capitão. O número reduzido de desfilantes era para mostrar preocupação com a pandemia de coronavírus.

No Brasil, os atletas devem ter sido vaiados por você sabe quem.

(*) Ascânio Seleme é jornalista. Trecho de artigo publicado no jornal O Globo de 24 julho 2021.

Kit covid

José Horta Manzano

As autoridades japonesas estão monitorando de perto tudo o que diz respeito à organização dos Jogos Olímpicos, que terão lugar no país daqui a um mês.

Neste domingo, apresentaram a Vila Olímpica à imprensa e anunciaram as mais recentes medidas de proteção dos atletas. Entre elas, estão a instalação de uma clínica especializada no estudo da febre, assim como a distribuição de um kit covid.

O estojo anticovid contém álcool em gel e sabonete medicinal. Pode parecer uma evidência, mas não há que esquecer que o país vai receber atletas de quase 200 países – e nem todos têm hábitos de higiene suficientes para protegê-los nestes tempos de pandemia.

Se nosso capitão, em vez de investir tempo, esforço e dinheiro em remédios milagrosos, tivesse, desde o começo, mandado distribuir sabonete e álcool em gel a toda a população – jovens e velhos, ricos e pobres, urbanos e rurais –, certamente não estaríamos hoje chorando a morte do quingentésimo milésimo(*) brasileiro.

Num país de pobres, só mandar lavar as mãos não funciona – o cidadão às vezes não tem dinheiro nem pra comer. Precisa dar o sabão. É mais eficaz que cloroquina.

(*) = 500.000°

Corrupção até debaixo d’água

José Horta Manzano

A Justiça francesa é menos tagarela que a brasileira. Mais prudente e menos dada a estrelismo, costuma trabalhar na surdina. Assim mesmo, vez por outra, alguma informação escapa e chega à mídia.

Em 20 de maio, o diário Le Parisien contou que o Parquet national financier (setor do Judiciário francês especializado em crimes financeiros) está, desde outubro do ano passado, investigando as condições que levaram à conclusão do compromisso de venda de cinco submarinos ao Brasil. O contrato de 6,7 bilhões de euros ‒ montante «faraônico» segundo o jornal ‒ foi acertado em 2009 entre o Lula e Monsieur Sarkozy, então presidente da França. Inclui até um submarino a propulsão nuclear.

Submarino francês de classe Scorpène

O inquérito aberto pela Justiça francesa investiga atos de «corrupção de agentes estrangeiros». Procura-se descobrir se propinas não teriam sido pagas para conseguir que o Brasil assinasse o contrato.

Na semana de 15 de maio, Madame Eliane Houlette, procuradora da justiça financeira da França, esteve de visita ao Brasil, acompanhada de sua equipe, para trocar ideias e informações com seus colegas nacionais. Por enquanto, nenhuma informação sobre o conteúdo das conversações veio a público.

Sabe-se que o Parquet national financier investiga também corrupção que poderia ter manchado a atribuição dos Jogos Olímpicos de 2016 ao Rio de Janeiro. O Japão, que era igualmente candidato a sediar as Olimpíadas, denunciou a França por ter agido como lobista da candidatura carioca. É que, por inacreditável acaso, os JOs foram atribuídos ao Brasil no momento em que era firmado o contrato de venda dos submarinos. Coincidência assombrosa, não é?

Os procuradores franceses desconfiam de escabrosas conexões entre os dois fatos. Quanto a nós, escaldados pela Lava a Jato, vamos além da desconfiança: já estamos na quase-certeza. No Brasil, em matéria de corrupção, não precisa cavoucar muito fundo pra encontrar.

Gravata

José Horta Manzano

Não terá escapado a ninguém o fato de Luiz Inácio da Silva não se ter apresentado ao juiz Moro vestindo camisa vermelha. Diferentemente do figurino habitual com que se paramenta quando fala ao povão, o antigo presidente compareceu engravatado e trajando terno escuro. Coisa fina mas um tanto inútil, dado que o hábito não costuma fazer o monge. Roupa chique não consegue apagar o bem feito nem o mal cometido.

Curitiba, 10 maio 2017

Observei a gravata que ornava o colarinho de nosso guia. Pareceu-me familiar. Onde é mesmo que eu já tinha visto o adereço? Ah, matei! Foi em outubro de 2009, numa cerimônia em Copenhagen (Dinamarca). Naquele dia, diante de uma plateia entusiástica, o presidente do Comitê Olímpico Internacional tirava do chapéu o papelzinho com o nome do Rio de Janeiro. Estava designada a cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 2016. As porteiras estavam abertas para o programado estouro da boiada.

Copenhagen, out° 2009
Por que estarão todos tão eufóricos? Será a gravata?

A populosa delegação brasileira, encabeçada pelo Lula, incluía o notório Sérgio Cabral, Eduardo Paes, Carlos Arthur Nuzman, João Havelange, Henrique Meirelles, o Pelé, esportistas, figurões, jornalistas. Uma particularidade: usavam todos gravata igual ‒ uma boniteza. Listrada de verde, amarelo e azul, ela fazia alusão às cores nacionais. Nosso guia há de ter-se encantado com ela, tanto que desde então, em ocasiões que lhe parecem solenes, costuma trazê-la em volta do colarinho. Eu imagino que, após oito anos de uso, já há de estar meio puída. Combina com o personagem.(*)

Copenhagen, out° 2009

Nota etimológica
Não se sabe quem terá sido o primeiro a ter a ideia. O fato é que, desde a Antiguidade, certas corporações costumam enrolar uma fita ou um pedaço de tecido no pescoço como sinal distintivo.

Copenhagen, out° 2009

Na sua forma moderna, a generalização da gravata como adereço masculino usual e até obrigatório é atribuída ao uniforme usado pelos soldados croatas contratados por Luís 13, rei da França, na década de 1630. O exército francês, considerando que a moda era elegante, acabou adotando o adereço. E deu-lhe o nome de cravate, adaptação da palavra «hrvat», que designa o cidadão croata.

A partir do francês, o termo passou a outras línguas europeias: Krawatte (alemão), corbata (espanhol), cravatta (italiano), kravat (turco). Entre nós, virou gravata. Nova ou puída, tanto faz.

(*) Em Curitiba, quem usa gravata vermelha é justamente… o juiz. Reparem.

O legado dos Jogos Olímpicos

José Horta Manzano

De praxe, a cidade organizadora dos Jogos Olímpicos é designada com antecedência de sete anos. Como todos sabem, a próxima edição já está marcada: terá lugar em Tóquio em 2020. Para o futuro, muitas cidades adorariam abrigar os JOs.

Para a edição seguinte, a de 2024, seis cidades se candidataram. Eram todas pesos-pesados: Toronto, Hamburgo, Roma, Budapeste, Paris e Los Angeles. Três delas, por sinal, já sediaram os Jogos no passado. O Comitê Internacional Olímpico esfregou as mãos ‒ todas as postulantes apresentavam boas garantias de organização impecável. Desta vez, os suores frios causados pelos JOs Rio 2016 não deveriam se repetir.

jo-2024-1Acontece que, por mais que sejam ricas, as candidatas não são bobas. Os problemas de organização e, principalmente, o legado envenenado deixado pelas Olimpíadas no Rio de Janeiro despejaram um balde de água fria e fizeram murchar o entusiasmo de futuros postulantes.

Pouco a pouco, população e autoridades foram se dando conta de que a herança deixada pela organização dos JOs são ruinosas e perigam representar um rastro de dívidas que levarão anos para ser reembolsadas. Uma a uma, começaram a chegar as desistências.

Toronto, a metrópole canadense e Hamburgo, cidade alemã de primeira importância, foram as primeiras a jogar a toalha, já em 2015. O povo da primeira disse «no» e o da segunda ecoou «nein». Veio, em seguida, a vez de Roma. Já sufocantemente endividada, a capital italiana considerou irresponsável destinar bilhões aos «Jogos do cimento armado» e às «catedrais do deserto».

jo-2024-2A quarta desistência já chegou. Trata-se de Budapeste. Uma petição lançada por habitantes da cidade forçou as autoridades a renunciar à gastança. Saiu hoje a notícia oficial: a bela capital húngara não quer mais saber de sediar os Jogos. No páreo, sobraram Paris e Los Angeles. Ambas garantem já dispor das instalações que o evento demanda.

A decisão do Comitê Internacional será anunciada em setembro próximo. Sei não, mas algo me diz que, se Donald Trump continuar presidindo os EUA até lá e, principalmente, se persistir na insuportável política populista de vetar a entrada de visitantes oriundos de determinados países, Los Angeles dificilmente será designada como sede em 2024. Delegações inteiras correriam o risco de não serem autorizadas a pôr os pés no país, um despropósito.

Quanto a nós, estamos amargando o ônus da herança maldita deixada pela Copa e pelas Olimpíadas. O lado bom desse «legado» é a garantia de que estamos livres de acolhê-los pelo próximo século. É um alívio.

Reclamar do quê?

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 31 dez° 2016

Os brasileiros vivem num país gigantesco. Para a maioria, fronteira não passa de conceito vago, um ponto perdido no meio da Amazônia, afundado no Pantanal ou açoitado pelo pampeiro nos pastos sulinos. Mal e mal, nos inteiramos do que se passa do lado de cá. Acompanhar o que acontece além-fronteira, então, já é pedir demais. No entanto, lá como cá, há mundo. Por toda parte, gente ama e briga, se entristece e se alegra, nasce e morre. Vale a pena dar uma espiada no que se passa do outro lado.

Fim de ano é momento de balanço. Neste finalzinho de 2016, tenho visto muito desencanto. «O ano que não terminou» é a tônica das análises. O gosto de inacabado, a apreensão com o que está por vir, a carestia e a perda de vigor da economia, os relatos sobre o aumento do desemprego, a recapitulação do nome dos figurões já encarcerados e dos que o serão em breve, o embate entre os Poderes da República ‒ eis os temas dominantes. Todos eles deprimentes, desacoroçoados e angustiantes. Ânimo, minha gente! Ou, como diriam os antigos: sus! Basta olhar em roda pra ver que, se nosso país atravessou um ano difícil, há quem esteja pior que nós. Não acredita?

tanque-de-guerra-1No Brasil, 2016 já começou com cara de golpe. Revolução à antiga, com obuses e trincheiras, anda meio «démodée» por aqui. Mas muita gente imaginava que meia dúzia de brucutus surgiriam a qualquer hora pra derrubar o governo e tomar o poder. Pois não aconteceu! A destituição da presidente e a consequente assunção do substituto legal se deram dentro da mais estrita ordem constitucional. Tirando pequenos engasgos, normais e desculpáveis em situações insólitas, o processo deslizou sem tropeços. Reclamar do quê?

Na primeira metade do ano, conforme iam se aproximando os Jogos Olímpicos, a ansiedade crescia. Até policiais, agentes e peritos do exterior foram convocados para reforçar o time nacional e garantir paz e segurança aos atletas e ao público. Bilhões de olhos ao redor do planeta se encantavam com as imagens do Rio de Janeiro. Cada um torcia por seus atletas. Tudo ao vivo. De novo, tirando escorregões de pouca monta, tudo deu certo, sem catástrofes. Reclamar do quê?

O povo da França, da Índia, do Egito, da Bélgica, de numerosos países africanos e até da Alemanha foi castigado por atentados que deixaram centenas de mortos, milhares de feridos e um cruel sentimento de impotência. Tanto os do andar de cima quanto os do porão se sentem igualmente desarmados, perdidos. No Brasil, tirando a violência à qual, de tão corriqueira, ninguém mais presta atenção, nenhum atentado aconteceu. Reclamar do quê?

Os que vivem na infeliz Venezuela, nossa vizinha de parede, esses, sim, têm do que se lamentar. A situação lá anda tão feia que impele cidadãos a escapar do país para conseguir alimento. Nem comida eles têm! Preferem tornar-se flanelinhas clandestinos em Roraima e dormir ao relento a passar fome no país de origem. Nas grandes cidades da república bolivariana, não há passeata ou manifestação popular que não deixe rastro de mortos e feridos. Do lado de cá da fronteira, não nadamos em dinheiro, é verdade. Mas, ao menos, não vivemos em penúria alimentar. Reclamar do quê?

flanelinha-1Na República Democrática do Congo ‒ país africano de 85 milhões de viventes ‒, o presidente foi batido nas urnas quando buscava reeleger-se. Em vez de passar o poder ao vencedor, como manda o figurino, agarrou-se ao trono. A confusão e a violência se instalaram no país. Pressões externas estão tentando conciliar os dois presidentes autoproclamados. Pra evitar mal maior, cogita-se dar o cargo de presidente a um deles e o de primeiro-ministro ao outro. No Brasil, faz uma pancada de décadas que passação de mando se tornou rotina sem surpresas. Reclamar do quê?

E os apuros dos pobres 80 milhões de turcos? Depois de mal explicada tentativa de golpe de Estado, milhares de cidadãos foram encarcerados. Ninguém sabe o total, mas fontes confiáveis estimam que cem mil estejam presos. Com vocação para ditador, o presidente aproveitou para expurgar o país dos cidadãos que o incomodavam. Fechou jornais e prendeu multidão de jornalistas. Semana passada, na esteira do assassinato do embaixador da Rússia em Âncara, mais 17 mil turcos foram enjaulados. Dezessete mil! Na aprazível Terra de Santa Cruz, abençoada por Deus e bonita por natureza, não temos nada disso. Reclamar do quê?

Feliz ano-novo, brava gente!

O florão da América

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Pode ser que eu me engane, mas guardo a nítida impressão de que duas visões contrastantes, praticamente opostas, do Brasil se digladiaram nas cerimônias de abertura e de encerramento dos Jogos Olímpicos Rio 2016.

A primeira me emocionou até às lágrimas por ter sido proposta com a alma. Retratou com incrível senso estético e sutileza o país que poderíamos ter sido caso tivéssemos aprendido a tempo a reconhecer e explorar com responsabilidade social os imensos recursos naturais e humanos de que dispomos. Inovou ao incorporar terapeuticamente o lado B, sombrio, de nossa história. Corajosamente deixou de lado o ufanismo inconsequente e se permitiu representar também nosso passado de cumplicidade com a escravidão, de descaso e aniquilamento das tradições indígenas, de instrumentalização arrogante da mão de obra imigrante. Graças à delicadeza e tom poético das imagens, pôde ilustrar também o Brasil que poderíamos vir a ser caso o desejo de transformação habitasse o coração de todos. O país que seríamos capazes de construir se e quando nos sentíssemos todos, de fato, donos deste país. Simbolicamente, nos apresentou ao mundo como o espaço privilegiado do sonho, da esperança, do potencial, da semente ávida por germinar e se erigir em árvore bela, de raízes profundas.

JO 2016 7A segunda, paradoxalmente, só fez por me distanciar emocionalmente. Para mim, significou tão somente um espetáculo elaborado com a cabeça, de caso pensado. Apresentou apoteoticamente ao mundo o Brasil que somos apesar dos pesares, o país que nos orgulhamos de exibir “para inglês ver”. Trabalhou exclusivamente com os arquétipos já consolidados na cabeça de todo estrangeiro: aquele país tropical onde predomina a festa, a mistura, a informalidade… e, infelizmente, a alienação. Aquele pedaço do mundo onde o circo consegue disfarçar inconscientemente a falta de pão, onde a alegria é ensaiada e a igualdade é vivenciada com alívio apenas em dias de Carnaval. A superação de limitações, como de hábito, não foi convidada para a festa. Em consequência, o bombástico festival de cores e de sons deixou em mim novamente uma triste assinatura: já está bom assim, não é preciso se esforçar mais, esse é o máximo a que podemos aspirar.

Não digo estas coisas com rancor. Sei que estávamos todos merecendo um intervalo, que precisávamos de alguma forma de catarse. As duas cerimônias valeram por isso. Apenas não consigo ocultar de mim mesma uma certa tristeza, amargura ou inquietação com os contornos que o futuro de nossa pátria pode assumir uma vez terminada a festa. Sinto medo de que o desânimo tome conta mais uma vez de nossos espíritos antes que a faxina esteja realmente concluída.

JO 2016 8Apavora-me a ideia de que um novo controlador-geral da nação surja para nos ditar o ritmo, as tarefas de cada um e as áreas que ainda falta limpar. Que um novo salvador da pátria consiga mais uma vez nos seduzir com a promessa de dias melhores se fizermos tudo que seu mestre mandar. Que acreditemos mais uma vez que o futuro a Deus pertence e que, por pura cordialidade, aceitemos transferir alegremente a Ele a responsabilidade pela construção.

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

A meta

José Horta Manzano

«Não vamos fixar meta. Mas, quando atingirmos a meta, vamos dobrá-la.»

Meus distintos leitores hão de se lembrar da frase pronunciada por doutora Dilma. A presidente emérita foi pródiga em ditos tragicômicos. A saudação à mandioca e a exaltação da mulher sapiens também têm lugar garantido no folclore político nacional.

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Num país como o nosso, onde público e privado se entrelaçam, onde Estado e governo são encarnados por uma única pessoa, os interesses do governo (de curto prazo) e do Estado (de longo alcance) se confundem. Dessa mistura entre o passageiro e o duradouro, nascem imbróglios. A admissão da Venezuela no Mercosul é um deles ‒ um problema cabeludo. O distanciamento comercial entre o Brasil e os países economicamente poderosos é outro nó difícil de desatar.

Em nosso país, cada governo vive e age como se, depois dele, o mundo fosse acabar. O interesse do Estado é abandonado em prol da sobrevivência política dos inquilinos temporários do andar de cima. Nem vale a pena fixar metas ou arquitetar planos, que serão desmantelados pelo governo seguinte.

Interligne 18c

Trinta anos atrás, o universo esportivo da Grã-Bretanha andava ao deus-dará. O fraco desempenho nacional desdourava a imagem do país. O vexame culminou com a classificação britânica nos JOs de 1996, em Atlanta. Naquela edição, eles terminaram em 36° lugar(!), com quinze medalhas, das quais apenas uma de ouro. Países como a Argélia, a Nigéria, a Turquia, a Etiópia e até o Brasil passaram à frente.

Mister John Major, então primeiro-ministro do reino, entendeu que algo precisava ser feito. Os resultados olímpicos tinham de voltar a corresponder à imagem gravada no inconsciente coletivo do mundo: a de uma Inglaterra poderosa. Mas como proceder? O caminho era um só: investir. Mas tirar dinheiro de onde? Alguma nova fonte tinha de ser criada sem aumentar impostos.

JO 4A solução foi inventar uma nova loteria nacional. Com bom trabalho de marketing, o novo jogo logo caiu no gosto popular. Grande parte dos ganhos foi, desde então, dedicada a apoiar esportistas. Mas, atenção: a intenção era aumentar a colheita de medalhas nos Jogos Olímpicos. Portanto, mais valia investir em esportes em que a concorrência é menor.

Assim foi feito. O orçamento tradicionalmente reservado para esportes muito concorridos como o futebol, o vôlei e o basquete foi diminuído. Em compensação, esportes olímpicos menos praticados receberam uma injeção de recursos. Só para dar uma ideia de como a loteria ajudou, basta mencionar que, em 1996, o financiamento público para os esportes era de 5 milhões de libras por ano. Vinte anos mais tarde, nos quatro anos que antecederam os JOs do Rio, a quantia subiu para 274 milhões de libras mais 73 milhões para os paraolímpicos.

Medalha não cai do céu por obra e graça de São Benedito. Tem trabalho e investimento por detrás. Mas compensa. Para espanto geral, o Reino Unido deverá terminar hoje classificado em segundo lugar. Reparem que as medalhas não vêm de esportes ultrapopulares e concorridos. Modalidades como atletismo, ginástica artística, remo, canoagem, hipismo, saltos ornamentais, triatlo, vela sobressaem.

Bandeira UK 2E isso tudo por quê? Porque tiveram a sensatez de entender que os interesses maiores do Estado britânico primam sobre os interesses passageiros de cada governo. John Major, o criador da loteria, deixou o cargo em 1997, um ano depois de Atlanta. De lá para cá, a casa n° 10 de Downing Street já foi ocupada por outros quatro primeiros-ministros. Dois deles eram trabalhistas e os outros dois, conservadores.

Ajuizados, todos entenderam que a promoção do esporte não era política de governo específico visando a perpetuar-se no poder. Não passou pela cabeça de ninguém suspender o programa. O resultado está aí: o Reino Unido transformou-se em potência olímpica capaz de peitar uma China de bilhão e meio de habitantes.

Nota:
Não encontrei notícia de casos de corrupção no movimento olímpico britânico. Salvo melhor juízo.

Medalha não tem preço

José Horta Manzano

Você sabia?

Medalha olímpica não tem preço. De fora, a gente não se dá conta do duro que cada medalhista deu pra chegar lá. A cobiçada medalha é coroamento de quatro anos de trabalho, esforço, esperança. O valor é incalculável. Vamos ser claros: é incalculável no campo simbólico. Como se dizia antigamente, não há preço que pague. Numa análise mais chã, contudo, cada medalha tem seu valor intrínseco, sim, senhor. Vamos ver como funciona.

Foto Rio 2016/Alex Ferro

Foto Rio 2016/Alex Ferro

Para começar, saibam os distintos leitores que as medalhas dos Jogos Rio 2016 foram fabricadas pela Casa da Moeda do Brasil. No total, o Comitê Olímpico Internacional encomendou 2.488 peças ‒ 812 de ouro, 812 de prata e 864 de bronze. É sempre bom calcular com folga pra não faltar na última hora.

Todas têm tamanho e peso idêntico. Medem exatos 85 milímetros de diâmetro e pesam meio quilo. São as maiores e mais pesadas jamais encomendadas para Jogos Olímpicos de Verão.

A medalha mais importante, dita “de ouro”, não é de ouro maciço, como se poderia imaginar, mas de prata folheada. Contém 494g de prata e um revestimento de 6g de ouro. Fazendo abstração do valor simbólico, pode-se calcular o valor do metal: dá pouco mais de 560 dólares. As que foram distribuídas nos Jogos de Londres valiam muito mais, porque a cotação do ouro na época estava nas alturas. Hoje em dia, se fosse de ouro maciço, cada medalha de primeiro prêmio valeria em torno de 22 mil dólares.

Foto Rio 2016/Alex Ferro

Foto Rio 2016/Alex Ferro

A de prata é feita, naturalmente, de prata de lei (925). Pela cotação atual do metal, pode ser vendida por cerca de 300 dólares. A medalha de bronze é uma liga de 475g de cobre com 25g de zinco. É bem menos valiosa que as outras. O valor do metal não vai além de 3 dólares. Nas cercanias da Vila Olímpica, tem gente vendendo pacote de salgadinho por esse valor. E tem gente comprando.

Medalhas de ouro maciço foram distribuídas pela última vez em Estocolmo, na longínqua edição de 1912 dos JOs. Se as 812 medalhas encomendadas para Rio 2016 fossem de metal maciço, o COI deveria desembolsar quase 18 milhões de dólares, sem contar a mão de obra.

Diferentemente da Taça Jules Rimet, arrebatada pelo time de futebol do Brasil em 1970 ‒ aquela que acabou sendo roubada e derretida ‒ não vale a pena derreter galardão olímpico. A Taça da Copa era de ouro maciço, enquanto as medalhas valem mais pelo símbolo que pelo metal.

Jogos… que jogos?

José Horta Manzano

Deus é brasileiro, costuma-se dizer. Há quem bote fé nesse chiste. Sete anos atrás, quando o Brasil foi designado como sede dos Jogos Olímpicos de Verão de 2016, os responsáveis pela boa preparação do evento consideraram que havia muito tempo pela frente.

Construção de instalações e modernização de transporte foram sendo empurrados com a barriga. Afinal, faltava tanto tempo! Deu no que deu. O metrô não chega até onde deveria chegar, a cor da água das piscinas varia conforme os caprichos de São Pedro, o mundo ficou sabendo que os alojamentos dos atletas era um ninho de problemas, ônibus de delegações são apedrejados e baleados. Em resumo: um mundo perfeito.

JO 2016 4A cerimônia de abertura contou com sóbrio e deslumbrante espetáculo que, se não chegou a compensar as falhas, ao menos dourou a pílula e suavizou os efeitos negativos.

Aos trancos e barrancos, a preparação dos Jogos foi feita. O momento chegou. O momento é agora. Felizmente, o mundo anda tão entretido com as competições e com os resultados, que as imperfeições passam (quase) despercebidas. Assaltos e desorganização entram na conta do que já se espera de um violento país de Terceiro Mundo.

Quando os JOs de 2008 foram atribuídos a Pequim, a China começou imediatamente a preparar não só infraestrutura, mas principalmente atletas. Afinal, o planeta não assiste às Olimpíadas pra ver imagem do Corcovado, mas pra vibrar com o desempenho dos protagonistas. As 100 medalhas conseguidas pela China nos jogos de 2008 representaram praticamente o dobro do que o país tinha alcançado, em média, nas 5 participações anteriores. Encantaram o mundo.

JO 1920No Brasil, a coisa não funciona assim. Cada vez mais se tem a impressão de que a chance extraordinária de ter conseguido sediar os JOs serviu mais para enriquecer assaltantes do erário do que para promover o esporte nacional. O importante era encher os bolsos. Quanto aos jogos… que jogos?

Ainda falta uma semana para o fim da Olimpíada, mas o panorama final já está delineado: dificilmente o Brasil conseguirá as 17 medalhas que obteve quatro anos atrás, em Londres. Um vexame para um país de mais de 200 milhões de habitantes.

Curiosidade olímpica
O Brasil participou de todas as edições dos Jogos Olímpicos, desde 1896. Adivinhe o distinto leitor em que ano conseguimos nossa melhor classificação. Não sabe? Pois eu digo logo: foi em 1920, na Olimpíada de Antuérpia, Bélgica. Naquele ano, participaram 29 países. Com 3 medalhas, o Brasil foi o 15° colocado, façanha não superada até hoje.

Pelo balanço da carroça, não será este ano que dobraremos a meta.

O patinho feio

José Horta Manzano

Com o impeachment e os Jogos Olímpicos ocupando corpo e mente, outras notícias vão irremediavelmente pra segundo plano. Sobra pouco espaço. Assim mesmo, procurando bem, sempre se encontra um detalhe interessante aqui, um pormenor curioso acolá.

O respeitado Ipsos ‒ Institut Politique de Sondages et d’Opinion Sociale ‒ é grupo internacional de origem francesa dedicado a pesquisa de opinião. Semana passada, um mês depois de os britânicos terem declarado a intenção de abandonar a União Europeia, publicou pesquisa interessante.

IpsosPediram, a mais de doze mil adultos em 16 países, opinião sobre o Brexit, ou seja, se achavam que o voto britânico tinha representado um passo na boa direção. Sem muita surpresa, entre os países da UE, 58% se mostraram reticentes à decisão do Reino Unido. Acreditam ter sido um erro.

Até eleitores de países que não integram o bloco dão parecer negativo à decisão britânica. A única exceção foi a Rússia, cujos entrevistados veem com simpatia o desmantelamento da UE. É compreensível.

O que me chamou a atenção, na pesquisa, não foi tanto o resultado quanto a escolha dos países a sondar. Dos 16, nove fazem parte da União Europeia, seleção lógica. Estão lá o próprio Reino Unido além de todos os grandes: Alemanha, França, Itália, Espanha. Outras quatro nações de médio porte completam o quadro.

Fora do bloco, o instituto procurou, naturalmente, escolher países importantes, daqueles cujo peso faz diferença no planeta. Aqui estão os sete finalistas: Estados Unidos, Canadá, Japão, Rússia, Índia, África do Sul e Austrália.

Bandeira UE UKTive de ler duas vezes pra ter certeza. Estão lá a Índia, a Austrália e até a África do Sul, mas o Brasil falta. O instituto há de ter considerado que sul-africanos e indianos estão mais bem informados que brasileiros. Ou que são mais politizados. Ou donos de espírito crítico mais firme.

Compreendo que a China não tenha sido incluída na seleção. Apesar do peso econômico do país, alguns problemas de liberdade de expressão individual persistem. Dá pra entender.

Mas… e o Brasil? Por que teremos sido deixados de lado? A pergunta deve ser feita ao instituto. Pensando bem, talvez seja melhor nem perguntar. A resposta pode ser aflitiva e desmoralizante. Parece que o Brasil se autoexcluiu da nata das nações. Sem plebiscito, num Brasex silencioso.

O importante é competir

José Horta Manzano

Você sabia?

O barão Pierre de Coubertin (1863-1937) não foi esportista famoso ‒ era pegadogo, historiador e humanista. Apesar disso, devemos a ele a ressureição dos Jogos Olímpicos, que andavam recobertos pela poeira da História já fazia dois milênios.

Foi pela influência, pelo esforço e pelo empenho do barão que se organizou, em 1896, a primeira Olimpíada dos tempos modernos. Com frequência, atribui-se a Pierre de Coubertin a frase «O importante é participar». Não há consenso no entanto. Há quem jure que a frase original teria sido «O essencial não é ter ganhado, mas ter lutado pra vencer».

JO 2016 4Há ainda quem diga que não é bem assim. O barão jamais disse nada parecido. A frase famosa teria sido pronunciada por obscuro clérigo americano por ocasião dos Jogos de Londres de 1908.

Seja como for, não resta dúvida de que é importante participar, um orgulho para todo atleta. Se, ao final do esforço, cair uma medalha, melhor ainda. Pra coroar, nenhum esportista vai desprezar um prêmio em dinheiro. Comitês olímpicos nacionais já se deram conta de que uma recompensa financeira pode ser estímulo poderoso.

Nem todos os comitês publicam o valor com que presenteiam medalhistas. Há controvérsia nas informações. No entanto, garimpando aqui e ali, dá pra estabelecer uma lista interessante.

A palma vai, sem sombra de dúvida, para Singapura. Naquela cidade-estado, o atleta que conseguir medalha de ouro levará a astronômica soma de 805 mil dólares, mais de 2,5 milhões de reais. Pra ninguém botar defeito.

O Azerbaidjão, que adoraria aumentar o número de medalhistas de ouro, propõe 510 mil dólares ao atleta que trouxer uma de volta a Baku.

JO 2016Os demais países vêm bem atrás. Há os mais generosos, como a Itália (180 mil dólares), o México (160 mil dólares), a Rússia e a Ucrânia (pouco mais de 100 mil dólares). A Espanha dá 94 mil, enquanto a França vem um pouco atrás, com 65 mil dólares para cada campeão. Japão e China têm orçamento mais restrito: 36 mil e 31 mil dólares respectivamente.

Os EUA presenteiam seus campeões com 25 mil dólares. Mais moderada ainda, a Alemanha não vai além de 19,5 mil dólares.

Cada medalhista brasileiro receberá quantia modesta. Serão R$ 35 mil (11 mil dólares) para campeões individuais e R$ 17,5mil para cada participante de esporte coletivo. A quantia está longe de ser exorbitante. Fico imaginando que o prêmio pudesse até ser maior mas, sacumé, rato roeu a roupa da rainha no meio do caminho. Para os atletas brasileiros, resta uma consolação: tanto faz que a medalha seja de ouro, de prata ou de bronze, o prêmio será o mesmo.

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Nota pitoresca:
Na Suécia, onde se acredita que esportista é profissão como qualquer outra e que ganhar ou perder faz parte do jogo, o comitê nacional não dá prêmio a ninguém. Medalhistas recebem um boneco de pelúcia. De tamanho grande para quem trouxer o ouro, médio para os medalhistas de prata e pequeno para os bronzeados.

O importante é competir.

Frase do dia — 311

«For the sake of ordinary Brazilians, and of all of the athletes participating, let’s hope that the Rio Games, as a sporting event, are a world-class triumph. May they also, somehow, represent a defeat for the corrupt politicians, developers, and assorted buccaneers who have made the Games, and Brazil, their particular feeding ground.»

«Em consideração aos brasileiros e a todos os atletas participantes, vamos torcer para que os Jogos do Rio sejam um triunfo planetário em matéria de esporte. Tomara que possam, de alguma maneira, significar uma derrota para políticos, promotores & outros aventureiros que usaram os Jogos ‒ e o Brasil ‒ para encher os bolsos.»

Jon Lee Anderson, escritor, em artigo publicado no prestigioso The New Yorker, 5 ago 2016.

Dolce far niente

José Horta Manzano

Durante uma época, tive uma cabeleireira, moça jovem de 23 aninhos, sorridente, simpática e cheia de vida. Quando a gente está sentado na cadeira do salão, a conversa flui.

Um dia, não me lembro no meio de que assunto, me disse ela que seu maior sonho era… estar na aposentadoria. Surpreso, perguntei por quê. «É que aí eu podia fazer o que quisesse sem ter de trabalhar.»

Volta e meia, esse diálogo me volta à lembrança. Tento recordar os anseios que eram os meus aos 23 anos. Muito tempo passou, o que pode falsear a memória. Não me lembro, assim mesmo, de ter tido a mesma pressa de me aposentar. Tinha toda a vida pela frente, perspectiva animadora.

Chamada da Folha de São Paulo, 2 ago 2016

Chamada da Folha de São Paulo, 2 ago 2016

Achei que minha cabeleireira fosse um caso especial, um ponto fora da curva, como se usa dizer hoje. Neste começo de agosto, encontrei mais um que mostra rezar pela mesma cartilha. Foi o estagiário que dá título às chamadas noturnas da edição online da Folha de São Paulo. A notícia fala de um funcionário contratado temporariamente para vigiar piscinas durante os Jogos Olímpicos ‒ emprego pro forma, só pra cumprir tabela. O funcionário não tem que fazer.

O texto da notícia não vai pela mesma linha, isto é, não glorifica o ócio remunerado. A chamada fica por conta de quem a escreveu que, é lícito supor, seja pessoa de pouca idade. Para esse jovem brasileiro, o melhor emprego do mundo é aquele em que não precisa trabalhar.

Dá pra entender por que é que o Brasil não se desenvolve? Parece que minha antiga cabeleireira não é o único ponto fora da curva. Há muitos outros.

Vila Olímpica

José Horta Manzano

Os habitantes de Montréal, cidade que sediou os Jogos Olímpicos de 1976, não querem mais ouvir falar nesse tipo de aventura. Ficaram vacinados. A brincadeira deixou um déficit de um bilhão de dólares ‒ quantia vertiginosa para a época. Os contribuintes levaram três décadas pagando a fatura.

JO 1Os infelizes atenienses, que acolheram os Jogos em 2004, guardam lembrança catastrófica. Pelos números oficiais, não necessariamente confiáveis, o custo total foi de 11,2 bilhões de euros. Estimação extraoficial eleva o número a estonteantes 20 bilhões, tudo a ser coberto com os impostos da população. É evidente despropósito quando se leva em consideração o modesto PIB grego. Essa loucura precipitou a débâcle que o país sofreria poucos anos depois.

Algumas instalações construídas especialmente para os Jogos de Atenas encontram-se hoje em total abandono, depredadas, saqueadas, com mato crescendo em volta.

JO 2Mais do que a Copa do Mundo de 2014, os Jogos Olímpicos de 2016 trazem dano financeiro ao Brasil. Se a Copa deixou estádios ‒ perdão, arenas! ‒ subutilizados, as Olimpíadas podem deixar um rastro de instalações abandonadas. O número diminuto de esportistas nacionais dificilmente justificará os gastos de manutenção.

Uma coisa me deixa cismado. As prestigiosas delegações que disputam uma Copa dispensam a construção de alojamentos. Cada seleção escolhe a base que mais lhe agradar ‒ hotel, pousada, resort ou o que seja ‒ e paga do próprio bolso. Por que a mesma lógica não valeria para as Olimpíadas?

JO 3Se assim fosse feito, o contribuinte brasileiro não teria de arcar com o custo de contrução de toda uma Vila Olímpica. Não é tudo, mas é sempre um gasto a menos. E, do jeito que vão as coisas, uma vergonha a menos.

A infraestrutura hoteleira não suportaria o afluxo maciço de atletas, delegações e turistas? Que só se candidatem a sediar Olimpíadas as cidades dotadas de infraestrutura. Quem não tem competência não se estabelece.