Deus, dinheiro e mentiras

José Horta Manzano


Deus, dinheiro e mentiras no Brasil

Jair Bolsonaro vs. Lula da Silva: a campanha eleitoral entre dois políticos predominantes já começou. Para o presidente Bolsonaro, as chances de reeleição são escassas.


O jornal Wiener Zeitung, de Viena (Áustria), sintetizou em três palavras a campanha presidencial brasileira deste ano: Gott, Geld und Lügen Deus, dinheiro e mentiras.

Note-se que discussões, debates, argumentações, ideias, projetos e outros tópicos que costumam frequentar as campanhas em países mais adiantados estão ausentes da nossa. A democracia brasileira está se aproximando perigosamente do padrão do Zimbábue ou do Mali.

BREAKING NEWS: Deus não é mais brasileiro!

Myrthes Suplicy Vieira (*)


O Altíssimo convocou uma cadeia de rádio e televisão de urgência para um pronunciamento bombástico, retransmitido por todas as plataformas de streaming.

Com o rosto tenso e a voz embargada, começou dizendo:


“Quero informar que estou abrindo mão em definitivo do título de cidadão brasileiro. Como sabem todos, tenho o dom da ubiquidade e, portanto, posso assumir todas as nacionalidades ao mesmo tempo. Agrada-me que as pessoas me tratem como um dos seus, uma vez que isso sinaliza que habito seus corações. No entanto, não me parece mais adequado que um determinado povo queira sequestrar para sempre minha identidade só para si.

Aceitei a contragosto por muito tempo a falácia de que sou brasileiro. Na época, pareceu-me simpática a homenagem que me prestavam, já que minha mãe também é considerada nativa desse país miscigenado e gigante e foi inclusive aclamada sua padroeira. Além disso, queria deixar claro na ocasião que não é preciso demonstrar a sisudez e a formalidade dos povos do Velho Continente para ter acesso a mim. A descontração, a alegria e a espontaneidade típicas da cultura brasileira me cativavam e, confesso, me davam também a oportunidade de expandir meu domínio sobre todo o continente americano. Era, portanto, não só uma questão familiar mas também estratégica para minha igreja.

Parecia-me ainda uma justa retribuição por todos os privilégios que concedi ao Brasil. Dotei a terra brasiliense de múltiplos recursos naturais. Os brasileiros puderam contar sempre com uma abundância de água, terras férteis, sol o ano inteiro, ausência de cataclismos e vulcões. Os mais belos cenários naturais do mundo eu os plantei aqui. Permiti que a maior floresta tropical da terra aqui florescesse. Adornei estas terras com uma das floras e faunas mais exuberantes, coloridas e belas do mundo. Para habitar esse paraíso terrestre, escolhi um povo multifacetado, herdeiro dos melhores traços de caráter de três etnias fundamentais: brancos, índios e negros.

Imaginava que a harmonia entre o homem e a natureza nesse pedaço de chão tão generoso fosse durar para sempre, assim como a integração e a colaboração de todas as raças. Mas o que fizeram com tantos dotes? Escravizaram índios e negros, alijaram os mais pobres do usufruto dos bens derivados de seu próprio trabalho, destruíram todos os biomas escavando a terra para dela extrair ouro, pedras preciosas e minerais, como se não houvesse amanhã. Envenenaram os rios para acumular fortunas e, no processo, mataram de sede e de fome as populações ribeirinhas. Deixaram-se levar pela crença de que a destruição do patrimônio natural, humano e cultural em nome do progresso era prerrogativa dos seus governantes e de sua elite empresarial. Acreditaram que o bolo da economia só pode ser dividido depois de ter crescido e, por isso, não aprenderam a compartilhar. Não satisfeitos, zombaram de todos os seus vizinhos sul-americanos que enfrentavam uma história de escassez e de revoluções sangrentas.

Mais grave, imaginaram que minha ira diante de tanta insensibilidade e desumanidade seria aplacada se construíssem templos revestidos de ouro para minha adoração. Que tipo de ser abominavelmente vaidoso seria eu para deter meu braço de justiça em troca de luxo fútil? Alardearam que estou no comando de todas as operações que interferem na vida do homem e, blasfêmia, insinuaram que até mesmo eventuais desastres naturais, períodos de fome e seca, de crise política, degradação moral e desalento espiritual faziam parte de minha vontade soberana, caracterizando-os como forma de punição aos homens maus. Ora, mau seria eu se permitisse que o castigo fosse generalizado e atingisse quem não tem como se defender da cupidez dos homens poderosos que só querem perpetuar a injustiça social e a desigualdade.

Jamais me imiscuí em seus assuntos políticos, até porque cansei de dizer que meu reino não é deste mundo. Embora alguns de meus representantes na terra tenham por vezes tentado me associar a esta ou aquela força político-ideológica, nunca tomei partido nas disputas humanas por poder. Eu lhes concedi livre arbítrio justamente para que pudessem determinar o melhor rumo para suas vidas e para o da nação. E, muitas vezes, vocês escolheram seus líderes com base na miopia do rancor e do ressentimento pessoal, não na razão. Quando se deram conta de que haviam se colocado voluntariamente nas mãos de tiranos impiedosos, imploraram pela minha interferência e eu nada fiz. Esqueceram do comando bíblico: faze tua parte e eu te ajudarei.

Para minha suprema tristeza, seus dois últimos mandatários declararam terem sido escolhidos por mim. Inominável absurdo! Elegem inconscientemente o Anticristo de plantão e ainda me culpam? Repito: A Deus o que é de Deus, e a César o que é de César. Assumam responsabilidade por suas escolhas equivocadas de uma vez por todas. Pelo amor de Deus (no caso, eu mesmo), cresçam, amadureçam. Tenho mais o que fazer do que ficar cuidando de picuinhas humanas.

Tolerei por séculos esse estado de coisas, acreditando que as demonstrações de fé inabalável em mim e de resiliência da gente humilde brasileira bastariam para instaurar novos tempos de comunhão entre o povo e seus dirigentes. Mas o país do futuro promissor também não aconteceu nesse sentido. Ultimamente as coisas atingiram um patamar paroxístico que não posso mais tolerar. O ódio entre irmãos nunca esteve tão forte, a desigualdade nunca pareceu tão irreversível e a insensibilidade social de seus dirigentes jamais se mostrou tão despudorada. E tudo isso acontecendo ao mesmo tempo em que seus líderes políticos proclamam que o Brasil está acima de tudo e eu estou acima de todos. Será mesmo?

Como isso é possível se tudo o que fazem é repetir como um disco quebrado meu nome e o de meu filho Jesus, aceitando, ao mesmo tempo conviver com o mais dramático quadro de desamor ao próximo de que se tem notícia? Como fiz questão de deixar registrado na Bíblia no começo dos séculos, meu nome não pode ser pronunciado em vão. Entendam em definitivo que a salvação nunca vem de fora, que palavras e ações têm de coincidir para que as coisas mudem para melhor.

Compreensivelmente, não posso mais acobertar tanto desatino. Ontem, quando soube que seu ministro da Saúde – aquele mesmo que já foi até comparado a Herodes por precisar de um “número significativo” de mortes de crianças para tomar alguma ação prática de defesa de suas vidas – disse ter se inspirado na minha sagrada família para desenvolver um novo programa de saúde familiar, entendi que não há mais esperança de tudo mudar. A hipocrisia e o cinismo venceram. Mesmo sabendo e repetindo todos os dias que a verdade liberta, seus dirigentes optaram explicitamente pela desfaçatez, pelo perjúrio, pela ignomínia.

Se vocês dizem conhecer minha vontade e ainda acreditam que ela deve prevalecer, saibam que eu já não acredito na sua capacidade de superação do egoísmo, nem em seu amor por mim. Vocês decidiram livremente pelo pior dos caminhos e devem, portanto, percorrê-lo até o fim, sem mim.

Em bom português: Cansei, pra mim já deu. Fui, vazei. Hasta la vista, babies…”

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

Justiça enrolada e ineficaz

«O presidente do Chile, Sebastián Piñera, aproveitou a viagem oficial ao Brasil para fazer uma visita ao Supremo Tribunal Federal, onde foi recebido pela presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, e pelos ministros Dias Toffoli e Edson Fachin, relator da Lava Jato.

Em rápida passagem de pouco mais de vinte minutos, Piñera disse que acompanha sessões do Supremo. Afirmou saber como pensa cada um dos ministros e disparou uma série de perguntas sobre o funcionamento da Corte.

“Quando falha a Suprema Corte, a quem se recorre?”, perguntou Piñera. Depois de Cármen e Fachin responderem que não cabe recurso, o presidente do Chile insistiu: “Então cabe a Deus?”

Nessa altura, o ministro Edson Fachin interveio na conversa e ressaltou que a “a última palavra, no sentido amplo e largo, é da sociedade”. O chileno então retrucou, indagando se a sociedade poderia revogar uma decisão da Suprema Corte. Os ministros responderam que não.»

Trecho de artigo publicado pelo Estadão de 27 abr 2018, assinado por Rafael Moraes Moura e Amanda Pupo.

Nota deste blogueiro
Nós, que assistimos diariamente ao deprimente balé de recursos, apelações, embargos, liminares, decisões, contradições e esquisitices do STF, não conseguimos mais nos dar conta da imagem ridícula que nossa Justiça lança ao mundo.

A desbragada ironia do visitante acende a luz vermelha. Embora não logremos enxergar, o rei está nu. Fora do país, estão todos a sorrir abanando a cabeça.

A narrativa de Deus

Dad Squarisi (*)

“Meu colega sofre de irremediável falta de criatividade. Seus personagens têm sempre o mesmo fim.” Dias Gomes referia-se a Deus. Sem modéstia, comparava-se ao Senhor, cujas criaturas não têm alternativa — morrem no final. Punha-se em patamar superior por uma razão simples. Ele era capaz de criar narrativas com desenlaces diferentes.

Arvore 3A observação vem a propósito do pacote anunciado por Joaquim Levy & cia. mesmeira. Em mundo marcado pela inovação, eles voltam ao passado. Recorrem a receitas velhas pra responder a problemas tão antigos quanto o andar pra frente. O governo fez a farra com o dinheiro do cidadão. Ficou no vermelho. Como não planta moeda, alguém tem de pagar a conta. Quem? Ele mesmo — o contribuinte.

Mapa GoiásLevy anuncia a volta de cadáver enterrado em 2008. A criatura ressuscitou com a mesma certidão de nascimento — Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, mais conhecida pela sigla CPMF ou pelo apelido Imposto do Cheque. Provocado por repórter na entrevista coletiva, o ministro riu ao estabelecer o limite do provisório. “Uns quatro anos”, chutou. Você acreditou? Nem eu.

A medida prova que a turma pacoteira faltou à aula em que o professor tratou de Giuseppe Lampedusa. O escritor italiano ensinou lição pra lá de útil a quem joga no time do faz de conta. O enganador finge que faz, mas finge tão bem que é capaz de convencer os desavisados. Ei-la: “Tudo deve mudar pra que tudo fique como está”. Eis o xis da questão: nada mudou. Nem o nome.

EditalQue falta de criatividade! Aqui tudo muda na aparência, mas, no fundo, fica como está. É eterno enquanto dura, resumiu Vinícius. E tem a duração da permanente no cabelo, completou Millôr. Você dorme goiano, acorda tocantinense. Vai ao Palestra Italia, encontra o Allianz Park. Carrega real na carteira, depois encontra cruzeiro, cruzeiro novo, cruzado, cruzado novo, cruzeiro outra vez, real de novo.

Tivemos oito constituições. A de plantão nasceu com a morte anunciada. Previa a revisão cinco anos depois de promulgada. A pobre foi modificada sem estar concluída. E as leis? Elas obedecem a mandamento inelutável. São feitas para morrer uns passos adiante. Todas trazem um recadinho: “Revogam-se as disposições em contrário”.

Etc. Etc. Etc.

Brasil mapa 2Eis o xis da questão. Nesta alegre Pindorama, a instabilidade corre solta. Porém o velho usa fantasia. Disfarça-se de novo. O aluno não é reprovado: vai para a recuperação. O jovem não namora. Fica. O governo não resolve os problemas. Adia. Mas… eis que a CPMF voltou — velha, reprovada e com a mesma cara feia. Vamos combinar? Joaquim Levy joga no time de Deus.

(*) Dad Squarisi, formada pela UnB, é escritora. Tem especialização em linguística e mestrado em teoria da literatura. Edita o Blog da Dad.

Um TOC de bondade

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Criança 3Desculpem-me por destruir algumas ilusões à medida que descrevo minha problemática emocional. Eu não sou boazinha. Nunca fui e nunca quis ser. Apesar de meus pais terem me estimulado durante toda a minha infância a manifestar gestos de solidariedade, nunca correspondi à altura. Medo, covardia e timidez exagerada fizeram de mim uma pessoa voltada para dentro, preocupada mais em me livrar de sensações desagradáveis do que em propriamente estender a mão a quem dela necessitasse.

Generosa talvez eu tenha sido em algumas ocasiões. Se estou diante da escolha de fazer o bem a quem me pede algo com delicadeza ou reagir com indiferença e virar as costas, opto no mais das vezes por aceder ao convite do meu lado generoso. Mas, que fique bem claro: desde que isso não me custe nada!

Ser apontada como uma pessoa boa é algo que me causa desconforto, me constrange e me envergonha. O elogio soa sempre aos meus ouvidos como sinônimo de trouxa, de pessoa que aceita de bom grado ser usada.

Criança 2Sei que não sou boa porque detecto sinais claros de irritação dentro de mim sempre que alguém, que já me pediu outras coisas várias vezes anteriormente, me coloca diante de um beco sem saída para negar o favor pedido. É isso, aceitei no passado ser usada por terceiros porque não queria macular minha imagem. Imagem de quê? De boazinha, é claro. Como qualquer outra pessoa na mesma situação, achei que poderia atrair afeto se me comportasse segundo as expectativas. E, quando a primeira pessoa me elogiou em resposta, isso virou um vício, uma obsessão, uma compulsão.

A coisa só começou a mudar quando percebi que, quando essa mesma pessoa não estava precisada de outros favores, ela deixava de manifestar afeto por mim. Eventualmente, algumas até se recusavam a me fazer favores em retribuição. E eu não podia retrucar, não podia cobrar nada porque estava implícito que eu havia acedido graciosamente.

Em resumo, foi então que me dei conta de que eu havia me tornado refém das migalhas de afeto que podia recolher pelo caminho se parecesse boazinha. O que eu não havia percebido desde o início era que as pessoas devem ser amadas pelo que são e não por qualquer coisa que possam fazer.

Papai Noel 2Quando a luz se fez, já era tarde. Meu TOC [transtorno obsessivo-compulsivo] já estava instalado. Como me afirmar e dizer não a novos pedidos se imediatamente começava a imaginar mil desgraças prontas a recair sobre minha cabeça caso a recusa se concretizasse? Culpa da formação religiosa católica de minha família, sem dúvida. Se você não for bondosa, não vai ganhar o céu. Se você não se comportar direitinho o ano todo, Papai Noel não vai lhe trazer nenhum presente.

E lá ia eu, mais uma vez, mesmo contrariada, me forçar a fazer o que não queria. Sufocar minha revolta no peito e na garganta, abaixar a cabeça e colocar um sorrisinho amarelo no canto da boca. Tentar afastar do meu cérebro a pergunta angustiante: até quando, meu Deus?

Jovem 1Não me entendam mal. Quero, sem dúvida, ser útil, poder me colocar a serviço de outras pessoas, mas não tenho estômago para me comportar como uma gueixa ou como um simulacro de Madre Teresa de Calcutá. Não aspiro à santificação e não tenho nenhum apego ao masoquismo. Quero aprender a me doar com a alegria das pessoas livres, com a leveza das borboletas, com a ingenuidade das crianças. Acima de tudo, quero acreditar no poder transformador da minha própria integridade.

Tentando fazer o bem a quem está fora, tornei-me cruel com o que está dentro. Deus e o diabo numa disputa feroz encenada na arena que sou eu. Que mérito haverá, me pergunto, na bondade exercida de má vontade, à contre-cœur? Não seria melhor, mais justo, ser maldosa de alma limpa?

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

Feitios de oração

Fernão Lara Mesquita (*)

Proporcionou «a melhor Copa da História fora dos gramados» quem, cara-pálida? O governo ou o povo brasileiro? Pelo bico da Dilma, que não destravou nem na hora de entregar a taça, ela sabe pelo menos que ela é que não foi.

O que é que a imprensa internacional está festejando, a «organização perfeita», que já começa a ser enfiada na História do Brasil, ou a tradicional simpatia do povo brasileiro somada à ausência do desastre anunciado?

E o povo brasileiro, o que é que ele deve comemorar, já que futebol é que não será? A metade das obras que lhe foi entregue ou o dobro do preço das obras inteiras que ele pagou e vai continuar pagando por décadas a fio, com juros e correção monetária?

Reza 1Que as festas brasileiras são as melhores do mundo não é novidade. Que a nossa permissividade ampla, geral e irrestrita é uma delícia para umas férias de 15 dias, idem. Mas nesta hora em que os 57 mil soldados do exército ― um para cada brasileiro assassinado na rua no ano passado ― vão voltar para os quartéis, nós é que vamos continuar tendo de criar nossos filhos no meio do tiroteio das feiras livres de drogas e da libertinagem geral. Os alemães vão voltar pra casa e criar os deles naquela chatice da paz, da abundância, da boa educação e dos melhores serviços públicos do mundo, que vigoram lá onde eles vivem.

No dia seguinte ao do Mineiratzen, diante da boa vontade geral com que o Brasil recebeu a «matemática criativa» do Felipão a nos provar que aqueles 7 x 1 não foram nada e que o time estava indo muito bem, fiquei sinceramente com medo que ele acabasse ganhando um ministério do PT. Vieram a calhar, portanto, os 3 x 0 da Holanda, para nos livrar de vez de mais essa bizarrice acachapante neste país onde nada rende mais dividendos que um bom e velho «malfeito».

A terrível ameaça de que a Dilma e o Aldo Rebelo façam pelo futebol brasileiro o mesmo que o PT e o PC do B têm feito pela nossa economia e pela credibilidade do futuro do Brasil com as suas sucessivas «intervenções» pode, entretanto, ter aumentado com mais essa pá de cal. Dado que não há mesmo como exorcizar a ameaça, pelo menos até o resultado da próxima eleição, só resta mesmo rezar.

No que diz respeito ao desempenho da Seleção, a explicação reside nas duas diferentes maneiras de rezar. Os alemães e os holandeses são daquela religião em que a reza é o trabalho. Eles acreditam que Deus só ajuda quem se ajuda e que o paraíso se conquista pelo tanto que cada um consegue, dando o melhor de si, acrescentar à obra coletiva.

Heroi 1Já nós somos daquela religião que acredita que, sendo isto aqui um vale de lágrimas onde só rola o que Deus manda independentemente do que façamos, cada um pode fazer o que quiser, inclusive ― e principalmente ― viver fora da regra de Deus. No fim das contas, já que Ele é o culpado de tudo, nós já estamos previamente perdoados. Falta apenas saber quantas ave-marias teremos de rezar com todo o fervor na hora H para zerar a conta ― e para conseguir que a intervenção divina nos desobrigue de colher aquilo que plantamos. E para que pães e gols, por milagre, se multipliquem.

Essa diferença faz pelo futebol o mesmo que faz pelo PIB de cada um de nós. A menos que apareça um «salvador da pátria» que, em si mesmo, já seja um milagre ambulante ― como já tivemos tantos ― e que conceda a graça de desvincular a colheita da semeadura. Sem que seja preciso nem mesmo rezar.

Só que desta vez não deu.

(*) Fernão Lara Mesquita é jornalista. Edita o site http://vespeiro.com/