Brasileiro não sabe votar?

José Horta Manzano

Para doutor Bolsonaro, a derrota de Trump já tinha sido uma senhora bordoada. Agora, nas municipais, conheceu uma derrota… que adjetivo usar? Vamos lá: estrepitosa. Ou fragorosa. Ou estrondosa. São todos termos que têm a ver com barulho forte de alguma coisa que se espatifa no chão.

O barulho foi tão forte que atravessou o Atlântico. Pela primeira vez, vejo a mídia europeia dar notícias das eleições municipais brasileiras – um assunto, em princípio, sem importância internacional. Pois imagine o distinto leitor que os principais órgãos soltaram uma breve nota sobre o assunto. A ênfase foi posta no fracasso de nosso doutor presidente no teste de meados do mandato.

Para todos os que, como este blogueiro e muita gente fina no planeta, andavam preocupados com a perspectiva de um Trump reeleito e de um Bolsonaro revalidado, foi um alívio. Um grande uff!

No tempo em que os militares mandavam, corria a voz de que ‘brasileiro não sabe votar’. Aliás, a frase foi repetida pelo Pelé, numa declaração imprudente que marcou o personagem e que o persegue até hoje. Olhe que, na época, podia até ser verdade, visto que os eleitores dos anos 70 eram menos esclarecidos que os atuais. Mas a situação mudou, e a prova está no resultado destas eleições.

Em mostra de amadurecimento cívico, o eleitor está reparando erros cometidos ao longo dos últimos vinte anos. Fosse hoje, é de duvidar que figuras simplórias como Lula, Dilma e Bolsonaro fossem eleitas.

by Angel Boligán Corbo (1965-), desenhista cubano

Ninguém está totalmente blindado contra aventureiros que prometem o que jamais poderão entregar. No entanto, o resultado destas municipais mostra um brasileiro menos ingênuo, mais objetivo, mais preparado para filtrar promessas e descartar potenciais estelionatários da política.

O resumo da ópera é que, se conseguir se segurar até o fim do mandato – o que não está garantido –, doutor Bolsonaro chegará ao fim da carreira em 2022. Não será reeleito. Nem ele, nem seu eventual indicado. Aliás, apadrinhamento de Bolsonaro é tóxico: é receber sua bênção e despencar nas pesquisas.

Outro que está queimado é o Lula. E seu partido junto. Não terão chance nenhuma de vencer em 2022. O Brasil acaba de mostrar que se enganou ao crer que Bolsonaro era o antídoto de Lula. Depois de experimentar ambos, optou por uma terceira via.

Assim, Lula e Bolsonaro podem saudar o público e sair de cena. Tanto eles como os respectivos afilhados. Assim que cair o pano sobre o atual governo, poderemos começar a reconstruir o país. Vai ser demorado e trabalhoso, mas não há outro jeito.

Ao vencedor, as batatas!

José Horta Manzano

Para 38 milhões de eleitores, hoje é dia de ir às urnas. De novo. E é bom votar direitinho, porque não há terceiro turno. A escolha de hoje é definitiva e o mandato dos eleitos, de quatro anos.

É de Machado de Assis (1839-1908) a expressão «Ao vencedor, as batatas!», que aparece no romance Quincas Borba. O tubérculo – que antigamente chamávamos batata-inglesa, por oposição à batata-doce – é originário da América do Sul, mais precisamente das encostas da Cordilheira dos Andes. Ainda hoje é a base da alimentação de populações inteiras naquela região.

Os primeiros europeus que visitaram a América se interessaram por aquele estranho tubérculo que alimentava tanta gente. Levaram mudas e se surpreenderam com a facilidade com que a nova planta se aclimatava às condições europeias. Não precisou muito tempo para a batata ser consumida e apreciada por todos os povos do Velho Continente. Seu consumo logo se equiparou ao do pão, chegando até a suplantá-lo na Europa do Norte.

Entre 4500 e 5000 variedades de batata (!) estão inventoriadas pelos organismos dedicados à classificação dessa solanácea. Em muitos países, entre os quais a França, sua produção é rigorosamente controlada. Não se pode vender qualquer tipo de batata assim, sem mais nem menos. Para que a comercialização de uma variedade qualquer seja autorizada, ela tem obrigatoriamente de estar inscrita Catálogo Oficial francês.

Em 2010, apenas 214 variedades estavam oficialmente registradas. Assim, somente elas tinham o direito de ser comercializadas. Antes do plantio, o agricultor prudente consulta a lista oficial. Caso tente vender uma variedade não autorizada, estará cometendo infração. Portanto, estará exposto a sanções. É possível inscrever uma nova variedade no catálogo oficial, mas não é fácil. O caminho é longo e a burocracia, pesada.

Espantado? Eu também fiquei no dia em que soube da existência da lista oficial e, principalmente, da proibição de escapar dela. Mas o problema é só de princípio, tem pouca influência sobre a vida de todos os dias. Os comércios, mesmo as épiceries fines (mercearias finas), não oferecem mais que 10 ou 15 variedades. São amplamente suficientes para a realização das receitas mais sofisticadas.

Sem dúvida, é muito interessante saber que, entre nativas e manipuladas, milhares de variedades de batata já foram identificadas. Para o cidadão comum, no entanto, não passa de mera estatística.

Nota
“Ao vencedor, as batatas!”, a frase marcante de nosso escritor maior, tem de ser adaptada à realidade de nosso século. Hoje em dia, convém dizer “Ao vencedor, o abacaxi!”.

Publicado originalmente em 29 dez° 2012.

Bolsonaro e o pau no chão

Carlos Brickmann (*)

No início do Governo, a fiscalização encontrou invasores derrubando árvores amazônicas. Usavam aquelas máquinas enormes, com correntes, que arrancam grandes árvores com raiz e tudo, para abrir uma clareira na mata, onde implantariam uma fazenda em terra pública e supostamente preservada. As árvores, ilegalmente abatidas, seriam ilegalmente vendidas.

Os fiscais agiram conforme as normas: puseram fogo nas máquinas, única maneira de desativá-las, já que seria impraticável tirá-las de lá. O presidente Bolsonaro entrou em erupção: na hora, suspendeu a política federal de destruição de máquinas usadas para botar abaixo as árvores.

Dado o sinal de vale-tudo, em pouco tempo começaram os incêndios na Amazônia – havia até um grupo de WhatsApp coordenando as queimadas. Na comoção dos incêndios, que desviou as atenções, os desmatadores foram derrubando árvores. O governo Bolsonaro não pode ver pau em pé; deixa que os grandes troncos beijem o chão, sejam vendidos e só então interfere, para botar a culpa nos países e empresas estrangeiras que compram ilegalmente a madeira ilegalmente abatida. Gringos espertos! São capazes de se entender com os espertos daqui!

Alguém acredita que um jacarandá de 25 metros de altura (um prédio de oito andares) com tronco de 80 cm de diâmetro sumiu sem que ninguém notasse sua viagem para o porto? Um ipê de 40 metros (12 andares de altura!) pode ter entrado escondido no navio ilegal, sem conivência de ninguém? A culpa é só dos gringos? E aqui trabalhamos para preservar a Floresta Amazônica?

(*) Carlos Brickmann é jornalista, consultor de comunicação e colunista.

Coronavoucher

José Horta Manzano

O Instituto PoderData publica sua mais recente pesquisa sobre a percepção do eleitor quanto ao trabalho de doutor Bolsonaro. A opinião de 2500 cidadãos representativos da população brasileira, distribuídos nas 27 unidades da Federação, é incontestável: a popularidade do doutor cai. As curvas se cruzaram, mostrando que a desaprovação (48%) supera a aprovação (42%).

Analistas atribuem a queda de aprovação a diversos fatores. Entre eles, está a chegada da vacina, fato que contraria a postura de um Bolsonaro descaradamente hostil, sobretudo em se tratando da vacina chinesa. O crime do Carrefour é outro acontecimento que, tendo em vista o silêncio do presidente, convence o eleitor de que o governante é racista, ensimesmado e distante do país real. Por último, o mais importante: o fim anunciado do coronavoucher.

O fracasso de quase todos os candidatos a prefeito apoiados pelo presidente já era sintoma do declínio de sua influência – se é que um dia ela foi benéfica. Ao fim e ao cabo, vai ficando claro que a subida do nível de aprovação é que foi o ponto fora da curva. Bolsonaro está retornando ao fundo das estatísticas. A Lei da Gravitação, cláusula pétrea da Constituição do planeta, ensina que tudo aquilo que sobe acaba descendo um dia.

Coronavoucher
Quando a situação aperta e o fim do mês está longe, o funcionário pede um vale por conta do salário. O passado recente da nação está salpicado de outros vales: vale-transporte, vale-gás, vale-brinde, vale-refeição.

Curiosamente, na hora de dar nome ao auxílio especial ligado à epidemia, poucos disseram vale-corona. A expressão que se firmou foi coronavoucher. Minha hipótese é de que o termo coronavírus, já no ouvido de todos, terá contaminado.

Voucher era um verbo do francês medieval, usado em textos administrativos. Significava chamar, dar nome a e tinha as formas vochier/vogier. Nos anos 1300, atravessou o Canal da Mancha e foi enriquecer o inglês.

É interessante que o termo desapareceu da língua francesa, enquanto permanece vivíssimo em inglês. O pai de família é o verbo latino vocare. Em nossa língua, temos numerosos descendentes: vogal, vocábulo, vocação, advogado, convocar, evocar, invocar, provocar, revogar, equívoco, provocação. Há inúmeros outros.

Covid e as novas expressões

José Horta Manzano

Dos seres humanos que estão hoje vivos, nenhum jamais presenciou pandemia com as dimensões da atual. Houve a Gripe Espanhola de 1918-1919(*), é verdade. Mas os que, à época, estavam em idade de entender já se foram.

Nestes cem anos, a humanidade fez progressos incríveis. De uma época de comunicações precárias, quando nem rádio havia, passamos a uma fase buliçosa, em que todos falam com todos, em que tribunais informais berram em silêncio nas redes sociais, em que cada indivíduo condena ao fogo do inferno quem não lhe for simpático. Será que a precariedade antiga era melhor que a agitação de hoje? Taí uma boa pergunta pra futuros filósofos.

A pandemia gerou realidades novas. E foi preciso dar nome a elas. Rápidos no gatilho, anglo-saxões mergulharam na língua riquíssima e maleável que têm. E de lá sacaram nome perfeito pra cada fato novo. Agências de notícias traduzem despachos redigidos em inglês. Vai daí, a urgência (e a preguiça) optam pela facilidade: alguns termos são transplantados com raiz e tudo. São adotados como eram no original.

Há casos em que, para descrever a mesma realidade em nossa língua, precisaria de uma linha e meia, o que complica a vida; quando é assim, o remédio é adotar o termo original. Há outros casos, porém, em que basta um pouco de imaginação para encontrar termo equivalente. Vamos ver.

by Emmanuel Chaunu (1966-), desenhista francês

Homeschooling
Já falei sobre este termo em outro post. A mim parece que escola em casa é tradução perfeita. Tem a vantagem de evitar o vexame de pronunciar palavra inglesa com sotaque estrangeiro. Romi-iscúlim, por exemplo.

Coronavirus
Essa questão está resolvida. Ficou combinado adotar a forma inglesa com um acentozinho pra dar um ar tropical. Em vez de vírus corona, que tem mais ares nossos, vamos de coronavírus mesmo.

Social distancing
Fixou-se a expressão distanciamento social. Errado, não está. Eu teria adotado distanciação social. Distanciação é genuína palavra nossa, já dicionarizada. Apresenta a vantagem de ser raramente utilizada, excelente argumento pra servir de nome para um conceito novo.

Self isolation
Não tenho visto esta expressão utilizada no Brasil, nem no original, nem traduzida. Talvez o conceito esteja sendo confundido com lockdown (confinamento). Tem a ver, mas é mais específico. Está em auto-isolamento o cidadão que se isola por conta própria, sem ser obrigado pelas autoridades.

Key worker (ou keyworker)
Tendo em vista a balbúrdia em que se transformou o enfrentamento da pandemia no Brasil, essa expressão pouco aparece na mídia nacional. Key workers são os funcionários essenciais, os únicos autorizados a circular nas ruas em caso de confinamento rigoroso. São funcionários de hospital, supermercado, transporte em comum, corpo de bombeiros, polícia & assemelhados.

Protective distance
Não vi ninguém cair na tentação de dizer “distância de proteção”. A expressão protective distance vem sendo corretamente traduzida por distância de segurança.

Home office
Não resta dúvida: o original inglês é pra lá de chique. Dá impressão de que a gente está no 85° andar de uma torre envidraçada, apreciando a paisagem do Rio Hudson. Mesmo assim, ainda prefiro nosso teletrabalho, uma expressão que dá a ilusão de que nossa língua aboliu aquele castigo de Deus que é o hífen. Quem diz home office deixa a impressão de ter trazido o escritório para casa. Já o teletrabalho separa bem as coisas: o escritório e a residência ficam cada um no seu lugar; o funcionário é que espicha os braços, faz o trabalho que tem a fazer, depois encolhe os braços e volta pra casa. Há ainda a possibilidade de utilizar trabalho remoto, expressão a ser usada com cuidado, visto que remoto é termo ambíguo, que pode também significar antigo, remoto no tempo.

Lockdown
A perfeita tradução de lockdown é confinamento. Informa que o indivíduo (ou a população inteira) está obrigado, queira ou não, a ficar trancado num determinado espaço confinado. Antes do covid, o termo era usado em tempo de guerra ou para prisioneiros que, em caso de mau comportamento, são condenados a passar um tempo na solitária. Quem está sob lockdown fica confinado. Que diga lockdown quem quiser; mas, se for pra pronunciar “loquidáũ”, recomendo adotar confinamento mesmo. Soa mais natural.

(*) A ‘Espanhola’ não era espanhola. Levou esse nome porque, naqueles tempos de guerra mundial, a Espanha era um dos raros países em que informações sobre a epidemia puderam ser livremente publicadas. Fora daquele país, ninguém falava da doença. Com isso, fixou-se a informação falsa de que a doença era espanhola. Veja o alcance (secular) que um fake news pode ter!

Causada por um vírus da família H1N1, a gripe fez estrago feio. Segundo o Instituto Pasteur, o saldo de mortos situa-se entre 20 milhões e 50 milhões. Avaliações mais recentes chegam a mencionar 100 milhões de vítimas, ou seja, um morto para cada 20 habitantes do planeta. Uma enormidade.

Ilha da Trindade

José Horta Manzano

Vendée Globe é uma competição esportiva. Considerada a mais importante corrida em barco a vela do mundo, é organizada a cada quatro anos. O regulamento é rigoroso. Cada barco tem de ter um único tripulante – sem direito a assistência. Pode comunicar-se e receber instruções por rádio ou telefone, mas não pode pedir ajuda física a ninguém nem que haja problema no barco. Se precisar, pode até parar num porto, mas terá de fazer sozinho qualquer conserto. Se alguém ‘der uma mão’, o corredor será desclassificado.

A largada se dá na cidade francesa de Sables d’Olonne. Em seguida, os concorrentes devem dar a volta ao mundo, fazendo o percurso na direção oeste-leste (Atlântico Norte, Atlântico Sul, Índico, Pacífico, Estreito de Magalhães, Atlântico de novo). O ponto de chegada é o mesmo porto de onde partiram. O recordista de velocidade conseguiu fazer o percurso em pouco mais de 74 dias.

Não há de ser fácil fazer esse trajeto. Frio, calor, vento, tempestade, ondas de alto-mar – cada um tem de enfrentar isso sozinho, sem ajuda e com muito pouco tempo pra dormir. Se houver problema maior, o socorro pode levar dias pra chegar, o que pode ser um problema em caso de acidente grave.

O sinal de partida da atual edição foi dado quinze dias atrás. Os competidores ainda estão em mar calmo, ‘descendo’ o Oceano Atlântico ao longo das costas do Brasil. As coisas vão se complicar daqui a alguns dias, à medida que se aproximarem do Polo Sul. Aí, vento, frio e ondas gigantescas vão começar a castigar feio.

A bela foto que ilustra este post foi tirada estes dias por Yannick Bestaven, um dos concorrentes. Ao fundo, aparece a silhueta das ilhas da Trindade (à direita) e de Martim Vaz (à esquerda), sentinelas avançadas da terra brasileira, plantadas em pleno Atlântico a mais de 1000km da costa capixaba.

Lei do Ecocídio

José Horta Manzano

O governo francês acaba de anunciar o envio ao parlamento de uma lei que criminaliza todo e qualquer ato capaz de causar dano importante ao meio ambiente. Visto que o governo conta com folgada maioria, o novo dispositivo deverá ser aprovado. Será provavelmente conhecido como Lei do Ecocídio.

O texto ainda deve sofrer alterações, mas o cerne permanecerá. Na mira do legislador, estão não somente os danos intencionais, mas também os que forem causados por negligência. Deverão ser punidos comportamentos como despejar num rio material poluente, atear fogo à vegetação, expelir fumaça tóxica.

As multas previstas são dissuasivas: vão de 375.000 a 4,5 milhões de euros. Segundo a ministra da Ecologia, o poluidor periga levar multa de até dez vezes o valor que ele economizou despejando seu esgoto industrial no rio.

Um segundo projeto de lei está em preparação para punir as agressões ainda mais graves. Os crimes que se enquadrarem neste outro dispositivo vão render ao autor pena de até um ano de prisão em regime fechado.

Não se deve esquecer que os 594 membros de nosso Congresso constituem um Poder independente do Executivo e do Judiciário. Tirando os que, por convicção ou por interesse, se ajoelham diante de doutor Bolsonaro, os demais deveriam mirar-se no exemplo francês.

Com o presidente empacado que temos e com o execrável ministro do Meio Ambiente que o assessora, não há esperança. Está claro que o Executivo não vai se mover na boa direção.

O Congresso está aí justamente para servir de contrapeso a uma presidência que bate cabeça enquanto nossos rios se enchem de mercúrio e de esgoto, e nossa vegetação vira fumaça.

No dia em que nossos desmatadores e poluidores começarem a ser encarcerados, os atentados contra a natureza cessarão rapidinho.

Problema de tradução

José Horta Manzano

Ah, ninguém segura esses estagiários que escolhem facilidade aparente na hora de traduzir!

Este blogueiro é do tempo em que, quando alguém recebia violento golpe emocional, ficava arrasado. Podia também dizer que tinha ficado abalado ou abatido.

O que fica devastado é um prédio atingido por um míssil, uma cidade após um terremoto, um pasto depois do estouro da boiada. Gente devastada? Não é comum.

Tuíte – 17

José Horta Manzano
Chanceler Federal (Bundeskanzler) é o título que se dá na Alemanha ao chefe do governo.

Faz hoje exatamente 15 anos ininterruptos que a chanceler Frau Angela Merkel (1949-) ocupa o posto. É longevidade pra ninguém botar defeito.

O poder costuma desgastar, mas parece que os anos não têm afetado a popularidade de Merkel. Ao contrário, sua imagem melhora a cada dia. O exemplo maior está ocorrendo agora mesmo. Desde o começo da pandemia, sua popularidade subiu incríveis 21 pontos. Este mês, está em 74%, um nível de fazer inveja a qualquer dirigente. Seu modo de gerenciar a crise da covid é a razão principal da satisfação popular.

Infelizmente, em nosso país, a gestão da pandemia não tem trazido melhora na imagem do presidente. É pena porque, se ele perde, perdemos nós também.

“Realizei tudo sozinho”

José Horta Manzano

Domingo passado, o Brasil assistiu, surpreso, à inusitada demora na apuração dos votos. Pra quem está acostumado, há vinte anos, a conhecer os resultados na hora, a espera foi longa. Teorias conspiratórias logo se alevantaram. “Isso é obra dos russos”, “Eu te disse que os chineses iam atrapalhar”, “Só pode ser coisa da CIA” – foram as hipóteses que correram por aí.

Em típica atitude defensiva – que ocorre esporadicamente no mundo todo, mas que, no Brasil, se tornou esporte nacional –, as autoridades responsáveis logo trataram de pôr a culpa em terceiros. “Não fomos nós!” Impossibilitados de negar a evidência do atraso, acusaram a covid, os computadores, os técnicos, os fornecedores, o faxineiro, a moça do café.

Dias depois, aparece o verdadeiro culpado. “Realizei tudo sozinho”, avisa um pirata informático (=hacker). Longe de se mostrar envergonhado, exibe o orgulho de que somente os muito jovens são capazes. O rapaz, um português de 19 anos, esclarece ter cometido a façanha munido de um simples telefone celular, desses que todo o mundo tem no bolso.

Por que fez isso? Ora, pelo frisson(*). Tendo ouvido dizer que o TSE tinha reforçado a segurança do voto eletrônico, resolveu testar. O resultado foi além da expectativa: perturbou a vida de 100 milhões de eleitores e ainda deu munição aos desajustados do Planalto para lançarem suspeita sobre a lisura do pleito. Desculpem qualquer coisa aí, hein!

O mundo informático, marca dos novos tempos, é contrastado. Do lado bom, está a facilidade infantil com que a gente se comunica, pouco importando a distância. O custo das comunicações, que caiu a quase zero, também é excelente notícia. Porém, do lado mau, está essa permeabilidade do sistema.

Nos tempos de antigamente, para grampear um telefone, era preciso subir no poste e instalar o dispositivo de arapongagem. Dava mão de obra e era indiscreto. Hoje em dia, com dois cliques um operador faz o mesmo trabalho – com a vantagem de poder grampear um indivíduo ou um bairro inteiro, se assim lhe apetecer.

Antes da informática, as palavras que se diziam ao telefone chegavam ao correspondente, em seguida se perdiam no espaço e se apagavam. Hoje não funciona mais assim. Gosto de imaginar que, nalgum bunker secreto no Arizona ou em Utah, todas as comunicações e mensagens telefônicas (escritas ou de voz) são gravadas e armazenadas para eventual uso futuro.

Não é ficção científica. Pense um pouco. Se um adolescente, com um telefone na mão, consegue invadir o complexo sistema do TSE e devassar o voto de uma população do tamanho da nossa, fica demonstrada a facilidade de manipular resultado de eleição.

Falando em manipulação, se alguma já não foi feita nas eleições passadas, fica aqui a sugestão. Quem tiver telefone pode tentar. O frisson(*) é garantido. As instruções de piratagem devem se encontrar na internet, acredito eu.

Ah, ia esquecendo de prevenir. Quando você tiver ganas de falar mal de alguém, em mensagem escrita ou de voz, pense duas vezes. Esse alguém pode até um dia invadir o bunker do Arizona. Se ele descobrir a maledicência, vai dar um forrobodó dos diabos.

(*)Frisson
É palavra francesa dicionarizada no Brasil sem alteração da grafia. Em sentido próprio, significa arrepio, calafrio. Aqui foi usada no sentido figurado, dado que arrepio não seria a melhor opção. O termo é descendente longínquo do verbo latino frigere = ter frio, através da forma medieval frictio/frictionis, que acabou dando nossa fricção. A idéia é que quem tem frio treme e sente arrepios.

Segundo turno curto?

José Horta Manzano

Chamada Folha de São Paulo

Com referência ao segundo turno de votação, já li em numerosos veículos que será “mais curto”, “extremamente curto”, “o mais curto da história”. Bobagem.

Os eleitores depositaram o voto na urna dia 15 de novembro: esse foi o primeiro turno da eleição. Primeiro e único em quase todos os municípios. Naqueles poucos que se enquadram nas condições fixadas pela lei, os eleitores estão convocados a se dirigirem à urna de novo, dia 29 de novembro, para um segundo turno de votação.

A realização de um segundo turno de votação já entrou nos hábitos. O que nunca se viu antes é um intervalo tão curto entre o primeiro e o segundo.

Bobeia quem diz que o segundo turno “será mais curto”. O que será mais curto é o intervalo entre as votações, abreviado de 4 para 2 semanas.

Vox populi

José Horta Manzano

Acontece com todos os personagens importantes. Quando chegam lá, atraem inevitavelmente uma tropa de aduladores, cuja ocupação principal é achar graça em qualquer bobagem que o chefe disser, achar genial qualquer ideia que ele tiver, aprovar toda medida que ele decidir tomar. Isso cria uma realidade paralela, tão forte, que o chefe acaba acreditando ser onipotente e estar acima do bem e do mal.

Já tinha ocorrido com Lula da Silva. Agora, não foi diferente com Bolsonaro. Bobinho, acreditou num carisma e num poder que não tinha, e se expôs durante a campanha eleitoral para as municipais. Não precisava, que era melhor ter-se preservado. Mas como ninguém teve a coragem de avisar, fez.

Deu no que deu. O que antes estava no terreno das suposições, agora tem o peso da vox populi – a voz do povo. As urnas falaram, como diria o outro. E não tem como fingir que não viu. O resultado está aí pra quem quiser ver.

Assim como o veredicto deixa um presidente diminuído, o lulopetismo também sai das urnas achatado, desmilinguido e sem gás. A situação é pra lá de péssima para ambos, Bolsonaro e Lula.

Lula se dá conta – se é que ainda não tinha caído a ficha – de que seu tempo passou. O que está feito, está feito. Mais não haverá. Quanto a Bolsonaro, assiste ao desmanche do (falso) enredo de ser ele o bastião que vai purificar o Brasil, livrando-nos do petismo.

Por um lado, o PT já não é ameaça para ninguém. Por outro, a extrema esquerda representada pelo PSOL desponta como força ascendente. E os temidos psolistas surgem nos braços do povo, situação espinhosa para Bolsonaro.

O ‘centrão’, que de bobo não tem nada, já se deu conta da nova paisagem. Num estalar de dedos, podem todos saltar fora do bonde e deixar o presidente falando sozinho. Se isso ocorrer, a cotação do doutor no mercado vai cair. Será caminho espinhoso que pode levar ao encurtamento de seu mandato.

Vox populi
É expressão latina que se traduz por voz do povo. Aparece já na Bíblia mas, como toda citação das Escrituras, tem de ser tomada com precaução. Termos bíblicos atravessaram muitos séculos e foram objeto de muitas traduções, às vezes malfeitas. De todo modo, o original não teria o significado que lhe atribuímos hoje.

A expressão completa utilizada atualmente é: Vox populi, vox DeiA voz do povo é a voz de Deus. É o enunciado sobre o qual repousa a noção de democracia.

As qualidades do capitão

José Horta Manzano

A (longínqua) infância deste blogueiro foi povoada de capitães. Cada um, a seu modo, era herói.

O Capitão Nemo, que conduzia o submarino das 20.000 Léguas Submarinas, era sério, pouco dado a sorrisos, mas rigoroso e certeiro nas decisões.

Tinha também o Capitão Haddock, que aparecia nas aventuras do garoto Tintim e do cãozinho Milu. Com sua paixão pela bebida, estava mais pra anti-herói. Quando sóbrio, era rabujento mas não fazia mal a ninguém; bêbado, tornava-se irresponsável.

Popeye, embora não fosse capitão, tinha as qualidades que se esperam de um chefe: a retidão, a lealdade e o destemor. Nestas alturas, já deve ter subido de patente: terá sido nomeado capitão de longo curso.

O Capitão América, criado para encarnar os ideais americanos na Segunda Guerra, era portador das melhores qualidades do herói sem defeito. Faz tempo que a guerra acabou, mas o personagem continua por aí, ora eliminado, ora ressuscitado. Há sempre alguma guerra nalgum ponto do globo.

Tintim, Milu e o Capitão Haddock

Havia ainda o temido Capitão Gancho. Era capitão de verdade, comandante de galeão. Tirando a feiura e o jeitão assustador, não tinha grandes qualidades. Aquele gancho que lhe servia de mão era de tirar o sono dos pequeninos.

Nunca imaginei que um dia veria um capitão na Presidência do Brasil. Generais, vi desfilar vários. Civis puros e sem mistura, também. Mas nunca tinha visto, no trono maior, um senhor que se reclama de ambos os lados – militar e civil. E que, ainda por cima, não combina com nenhum deles. Como militar, é esquisito um simples capitão deter as atribuições (constitucionais) de comandante supremo das Forças Armadas. Como civil, é esquisito ver esse qualificativo aplicado a personagem tão incivil.

Pra dizer a verdade, não precisava nem o Capitão Nemo, nem o Capitão América no Planalto – seria pedir muito. Eu me contentaria até com um desajeitado Capitão Gancho, que só assustava criancinhas. Mas, que falta de sorte, fomos cair logo com o Capitão Cloroquina. Mon Dieu!

Cloud Oracle

José Horta Manzano

Quem viver, verá. Mas quem viveu, já viu. Quem conheceu as eleições brasileiras pré-urna eletrônica sabe o que é bom pra tosse.

Pra voltar àquela época, precisa fazer um esforço de imaginação. Pense num Brasil com 50% da população vivendo na zona rural, em localidades remotas e de difícil acesso. Imagine urnas sendo transportadas por estrada de terra (ou de lama), num país sem computador, sem internet, (quase) sem telefone, com rede elétrica periclitante.

Pesquisas prévias não estavam na moda. Só a apuração valia – e como era lenta! Os primeiros resultados, bem parciais, só começavam a surgir lá pelo quarto ou quinto dia. Pra contar todos os votos, levava uns quinze dias. Mas era assim mesmo, e a gente já estava feliz de ter eleições, num mundo bipolar em que a maior parte da humanidade não dispunha desse luxo.

Estes dias, o TSE – órgão que dá as cartas em matéria de eleições – está apanhando de todos os lados. Governo, parlamentares e povo se uniram pra apedrejar o Tribunal. E tudo isso por quê? Porque estamos todos mal acostumados. Esperávamos o resultado em duas horas, mas ele levou uma noite inteira. O pior é que não é difícil imaginar quem encomendou e pagou os piratas internéticos.

Quanto à demora, não vejo razão pra tanto assanhamento. Veja o que se passa nos EUA. Entendo que o voto lá é mais complexo, o eleitor tendo de se pronunciar em numerosos assuntos. Assim mesmo, demoram muito pra contar. Hoje, exatamente 15 dias depois do dia do voto, a apuração ainda não terminou.

Até que nossa demora é rápida…

Tuíte – 16

José Horta Manzano
É curioso. Em fala aos dirigentes do grupo de países conhecidos como Brics, doutor Bolsonaro prometeu publicar o nome dos países que recebem madeira extraída ilegalmente da mata brasileira. Do que resta da mata brasileira, devia eu dizer.

Fico impressionado com a coragem de nosso mito. Denunciar publicamente os receptadores! Que desprendimento!

Mas… peraí. Quer dizer que ele sabe quem são os compradores? Também sabe que a madeira está sendo extraída ilegalmente? Se tem esses dados, tem também o nome de quem está extraindo e de quem está exportando, correto? E o que é que está esperando para enfiar esses meliantes na Papuda?