Sem vinho, nada de almoço

José Horta Manzano

A tolerância ‒ que alguns, equivocadamente, confundem com preconceito ‒ é um dos pilares do processo civilizatório. Tolerar a diferença alheia não quer dizer aderir a ela.

Significa esforçar-se por conviver com ela. Exigir que todos ajam e se comportem como nos agrada é dar mostra de intolerância no mais alto grau. É atitude que polui o relacionamento entre as gentes. Guerras deflagradas por motivos de intolerância religiosa já mataram milhões.

Itália: estátuas ocultadas

Itália: estátuas ocultadas

O Irã, país que até o mês passado estava banido do mundo civilizado, passou por uma lavagem a jato ‒ sem trocadilhos. De supetão, os pecados foram perdoados e o país se viu reintegrado no convívio planetário. Uma ressureição instantânea.

No entanto, não convém acreditar em milagres. Nada se transforma de golpe. Assim como o grão de milho, depois de virar pipoca, guarda alma de cereal, os dirigentes da república islâmica não perderam o inconfundível viés autoritário, despótico até.

Hassan Rohani, líder religioso, é o sucessor de Ahmadinedjad na presidência do Irã. Na esteira da anulação das sanções econômicas que pesavam sobre seu país, visitou Itália e França, esta semana, para reatar relações comerciais.

Dando prova de que tolerância é conceito desconhecido na alta cúpula de Teerã, o medalhão exigiu que, nas refeições, o cardápio fosse halal(*) e que bebidas alcoólicas não fossem postas à mesa.

França & Irã: reunião de trabalho

França & Irã: reunião de trabalho

A Itália dobrou-se à imposição dos visitantes. O tradicional copo de vinho foi substituído por água. Mais que isso, esculturas do Capitólio romano mostrando corpos desnudados foram ocultadas.

Já na França, menos disposta a vergar-se, o banquete programado foi simplesmente cancelado. Sem vinho, nada de refeição. O cerimonial francês julgou a exigência inadmissível. A delegação iraniana almoçou separada dos demais.

François Hollande 8A meu ver, a decisão de Paris foi acertada. Note-se, aliás, que as normas ocidentais de etiqueta impõem que homens se apresentem em reuniões e à mesa com a cabeça descoberta. Assim como o turbante do visitante foi tolerado, cabia ao dignitário aceitar que os franceses acompanhassem a refeição com a bebida à qual estão acostumados. Cada um se serviria de vinho ou de água, conforme lhe apetecesse.

É um toma lá dá cá necessário. A tolerância ensina que cada um deve dar um passo em direção ao outro. Embora tenha progredido, a cúpula iraniana mostra que ainda não chegou lá.

Interligne 18b

(*) Diz-se refeição halal daquela em que as carnes provêm de animais abatidos segundo as normas da charia, o conjunto de preceitos maometanos.

Falam de nós – 17

0-Falam de nósJosé Horta Manzano

Não é só no Brasil que as investigações de corrupção estão sendo avidamente acompanhadas pela plateia. Uns mais, outros menos, todos os países dão notícia do desenrolar de cada capítulo.

Interessante é notar que, no Brasil, o receio de arrumar encrenca vem impondo à mídia um certo recato na escolha do palavreado. Quando o santo nome de nosso guia está envolvido, calçam-se luvas e usam-se pinças para tratar do assunto.

Jornais preferem pôr verbos no condicional ‒ «teria feito», «haveria estado», «teria sido». Abusa-se de fórmulas como «supostamente», «hipoteticamente», «por suposição».

by Henriqe de Brito, caricaturista

by Henrique de Brito, caricaturista

Para relatar a mais recente encrenca em que nosso guia (& esposa) estão metidos, a imprensa nacional preferiu expressões do tipo «estão sendo investigados por envolvimento na compra de um apartamento».

Já a mídia internacional comporta-se diferentemente. Sem sentir a mesma pressão, costuma dar a notícia com palavras cruas, sem floreios e sem firulas. Dei um passeio pelas manchetes planetárias e deixo aqui o resultado da colheita.

Nenhum veículo fez rodeios em torno do assunto. Foram todos direto ao ponto. Dizem todos qual é a acusação pela qual o antigo presidente (& esposa) estão sendo investigados:

Interligne vertical 17aAlemão: Geldwäsche (lavagem de dinheiro)

Inglês: money-laundering (lavagem de dinheiro)

Italiano: lavaggio di denaro (lavagem de dinheiro)

Francês: blanchiment d’argent (branqueamento de dinheiro)

Espanhol: lavado de dinero (lavagem de dinheiro)

Turco: yolsuzlukla (corrupção).

Como se vê, dependendo de quem chama, o boi tem outro nome. Mas é sempre o mesmo boi.

A carapuça serviu

Medo 1José Horta Manzano

Às vezes a gente joga verde pra colher maduro. Falo daquelas insinuações que se lançam ao ar, como quem não quer nada, só pra ver o que acontece. Às vezes, tudo passa despercebido; outra vezes, atinge-se o alvo.

Com toda a pompa e todo o estrondo que o momento requer, a Polícia Federal disparou mais uma fase da operação de caça aos assaltantes de colarinho branco. Visava a pôr em pratos limpos o imbróglio que tem por núcleo um apartamento de alto luxo no Guarujá (SP).

Alguns cidadãos foram presos, outros levados a depor. Em nenhum momento, o nome de nosso guia foi mencionado ‒ nem entre os presos nem entre os convocados. Em princípio, o demiurgo nada tem a temer ‒ desde que não esteja ocultando algum esqueleto dentro do armário, naturalmente.

Chamada do Estadão, 29 jan° 2016

Chamada do Estadão, 29 jan° 2016

No entanto, a cúpula do Partido dos Trabalhadores está alvoroçada. Sem que o presidente de honra tenha sido acusado do que quer que seja, já anunciaram estar preparando ato para defendê-lo. Não faz sentido.

Devem defender-se aqueles que são acusados. Quem arquiteta defesa prévia, antes de qualquer acusação, mostra que tem algo a temer. O anúncio público de que defesa está sendo preparada mostra que a carapuça serviu.

Cotas futuras

José Horta Manzano

O Quotidiano do Povo, portal chinês de informação, relata que cinco chineses foram socorridos no Rio de Janeiro, no âmbito de uma campanha contra o trabalho clandestino. Os cinco trabalhavam em condições de escravidão, sem direito a salário, hipoteticamente para reembolsar o valor da viagem ao Brasil.

Grilhões 1Segundo autoridades trabalhistas brasileiras, a operação foi lançada em vista das Olimpíadas. Até agora, cerca de vinte chineses já foram alforriados. O portal afirma que, na região de Cantão (sul da China), numerosas agências especializadas recrutam trabalhadores para enviá-los ao Brasil.

Não fica claro como é possível que ‘numerosas agências’ chinesas continuem exercendo, sem ser incomodadas, esse ancestral tráfico de viventes. Nada foi publicado tampouco sobre os cúmplices que necessariamente operam em nosso território.

Chinês 2É permitido imaginar que, daqui a alguns anos, a doutrina do politicamente correto nos obrigue a instituir cotas para ressarcir os descendentes desses escravos.

Traducción, por favor!

José Horta Manzano

Dilma 15Nem a eloquência nem a clareza são atributos do discurso de dona Dilma. Até aí, nenhuma novidade: todos já nos demos conta. Há ocasiões, no entanto, em que a governante consegue se superar.

Ontem, em visita ao compañero Rafael Correa, presidente do Equador, a senhora Rousseff declarou que «o Brasil não consegue restabelecer condições sustentáveis de crescimento nesse novo contexto internacional sem o crescimento dos demais países da América Latina».

Sem dúvida, a frase é pomposa. ‘Condições sustentáveis’ e ‘contexto internacional’ são termos à la mode. Tirando os penduricalhos e trocando em miúdos, a fala presidencial permite várias interpretações.

Dilma e Correa1) O Brasil só cresce se os vizinhos crescerem primeiro.
Denota pirraça. Lembra conversa de namorado do tipo «só vou se você for». Pega mal.

2) O Brasil só cresce se os vizinhos ajudarem.
Denota fraqueza e dependência. Equivale a: ‘se vocês não me derem uma força, não consigo andar com minhas próprias pernas’. Pega pior ainda.

3) O Brasil tem tentado crescer, mas vocês estão nos atrapalhando.
Denota arrogância. Corresponde a acusar os vizinhos de fazer corpo mole. Além de pegar mal, ofende.

O distinto leitor pode torcer, rodear, revirar, enrolar, inverter a frase ‒ o sentido continua absconso. Não é de espantar, que já estamos habituados.

Da próxima vez, vale incluir na comitiva presidencial um intérprete simultâneo.

A adega do Lula

Cláudio Humberto (*)

Lula caricatura 2Na reta final do governo, as visitas do Lula ao exterior foram marcadas por ligações do Planalto às embaixadas do Brasil informando que o então presidente “esperava receber de presente” algumas caixas de vinhos especiais, cuja lista era em seguida enviada.

Embaixadores do Brasil naquela ocasião afirmaram à coluna, pedindo anonimato, que recebiam o “pedido” do Planalto como um ultimato. Outros diplomatas interpretaram o pedido como uma “oportunidade de agradecer” pelo posto que ocupavam no exterior.

Lula deixou o Alvorada com 1.403.417 itens transportados em 11 caminhões da Granero no trajeto de Brasília a São Bernardo (SP). Um dos veículos, climatizado, levou espantoso acervo de vinhos. Dona Marisa pediu à Granero “cuidado redobrado” com a adega do Lula.

A oposição planeja, este ano, esmiuçar a formação da adega do Lula, considerada como uma das mais valiosas de todo o País.

(*) Cláudio Humberto, bem informado jornalista, publica coluna diária no Diário do Poder.

Evolução do templo

José Horta Manzano

Você sabia?

Cordoba 3Desde tempos pré-históricos, o homem sentiu necessidade de designar local específico para cultuar deuses. O Oriente Médio guarda numerosos resquícios de templos de outras eras. Petra (na atual Jordânia) e Palmira (na atual Síria) são exemplo de antiquíssimas cidades que contavam com edifícios de culto.

Na Europa Ocidental, a Idade Média conheceu o apogeu do fervor espiritual. Entre os anos 1200 e 1500, dezenas de catedrais góticas foram levantadas. Eram obras monumentais cuja edificação, à força de braço, levava muitíssimos anos, um século às vezes.

Catedral de Córdoba

Catedral de Córdoba

Há o caso curioso de um templo cuja função flutuou ao sabor da religião dominante. Mais de dois mil anos atrás, o povoado ibérico situado onde hoje está Córdoba (Espanha) foi ocupado por tropas romanas, que aí estabeleceram a capital da província da Hispania Bætica.

Como toda capital que se preze, Córdoba merecia um templo. Ganhou um dedicado a Janus, o deus romano dos começos e dos fins, aquele que abre portas e passagens. É o mesmo deus que, mais tarde, emprestaria seu nome ao mês de janeiro, espelhando a abertura de novo ano.

Catedral de Córdoba

Catedral de Córdoba

Passaram os séculos. O esfacelamento do Império Romano abriu caminho à invasão de Vândalos e de Visigodos. Povos germânicos convertidos à fé cristã, os recém-chegados se valeram do que restava do antigo edifício para construir templo cristão.

Trezentos anos mais tarde, a região mudou novamente de dono. Muçulmanos, que haviam atravessado o Estreito de Gibraltar, estabeleceram em Córdoba um califado que duraria mais de 500 anos. O templo existente foi inteiramente reformado e ampliado para abrigar o culto maometano. Majestosa, a nova mesquita refletia o poder do califa.

Catedral de Córdoba, detalhe

Catedral de Córdoba, detalhe

Cinco séculos depois, no lento movimento que ficou conhecido como como La Reconquista, o muy católico Fernando III, rei de Castela, retomou Córdoba. Na sequência, reformou a mesquita, derrubou colunas, acrescentou uma nave, ergueu uma torre e transformou o edifício em templo cristão. Olhando do exterior, o visitante hesita em definir o conjunto como mesquita, convento ou catedral.

Pra dizer a verdade, o edifício ‒ hoje por muitos chamado Catedral-Mezquita ‒ é um verdadeiro bolo de noiva. Uma surpreendente e interessantíssima mistura que marca a passagem de diferentes culturas.

O caça cassado

José Horta Manzano

O protótipo do caça francês Rafale fez o primeiro voo em 1991. Fabricado pelas indústrias Dassault, o modelo corresponde às exigências da aeronáutica militar francesa. Paris comprometeu-se a comprar 180 aparelhos, dos quais 142 já foram entregues.

Avião 6Sofisticado mas muito caro, o Rafale não foi um sucesso de vendas. Mais de vinte anos depois de lançado, nenhum país, além da França, tinha mostrado interesse. Eis senão quando, um Lula no auge da popularidade, a pouco mais de um ano de terminar o segundo mandato, faz anúncio estrondoso.

Contrariando os interesses dos que entendem do assunto ‒ as Forças Aéreas Brasileiras ‒, tomou a decisão pessoal de entabular negociação firme em vista de adquirir 36 exemplares. Para comemorar e oficializar o acordo, convidou Nicolas Sarkozy, então presidente da França, para assistir aos festejos do 7 de setembro. Estávamos em 2009.

A forte limonada servida no almoço há de ter deixado os dois presidentes eufóricos. Imprudentemente, deram o fechamento do negócio por favas contadas. Garantiram que o Brasil estava comprando os aviões franceses.

Lula e SarkozyO tempo passou, os dois presidentes terminaram o mandato, e o assunto morreu. A razão do malogro das discussões não ficou clara, deixando a cada um liberdade para imaginar o que bem entender.

Em 2015, para alegria do fabricante, o Egito encomendou 24 aparelhos. Meses mais tarde, o Catar também adquiriu duas dúzias. São pedidos firmes ‒ aliás, os três primeiros aparelhos já foram entregues ao país das pirâmides.

Interligne 18h

Monsieur François Hollande, atual presidente da França, está de visita oficial à Índia este fim de semana. A principal razão da viagem é o interesse demonstrado por Nova Delhi em adquirir 36 Rafales. Escaldados pelo fiasco quando das tratativas com o Brasil, franceses e indianos se abstêm de apregoar que o negócio está no papo.

Hollande IndiaQuando as negociações entre o Brasil e a França goraram, todos imaginaram que tivesse sido por razões técnicas ou ligadas à transferência de tecnologia. Hoje, desencadeada a Lava a Jato, sabemos que operações políticas envolvendo dinheiro gordo encerram mais mistérios do que sonha nossa vã filosofia.

Assim, fica no ar a pergunta: «Por que é mesmo que deixamos de comprar os Rafales?». Que cada um imagine o que quiser.

Frase do dia — 285

«Do alto de seu elevado discernimento, [o Lula] passou a tratar os brasileiros como idiotas. Sua biografia certamente se valorizaria se ele se dispusesse a seguir o conselho que deu a Fernando Henrique Cardoso em 2003: um ex-presidente da República não deve dar palpite em assuntos do governo.»

Editorial d’O Estado de São Paulo, 23 jan° 2016.

Sem escala

José Horta Manzano

Os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro eram para ser a cereja em cima do bolo, a consagração do Estado Novo reencarnado. Deviam cobrir de louros a cabeça de nosso guia genial simbolizando o ápice de sua estupenda carreira. Deviam gravar, no mármore do panteão nacional, a memória imorredoura do admirável líder-mor.

Mas a vida é cruel. O Mensalão, o Petrolão, a Lava a Jato, o vexame dos 7 x 1, as delações, as condenações, o espectro da Papuda, a catástrofe econômica, a inflação paralisante, a fuga de cérebros, a humilhação imposta por agências de notação, a aproximação de Cuba com os EUA, a desaceleração da China contribuíram para o desmoronamento do projeto.

Televisão Suíça ‒ captura de tela

Televisão Suíça ‒ captura de tela

As Olimpíadas passaram a segundo plano. A cereja que devia enfeitar o bolo está podre. O golpe de graça está sendo assestado pelo vírus Zika. Em todas as línguas, o mundo está sendo alertado para o perigo. A mídia internacional desaconselha fortemente toda visita à América do Sul, em especial ao Brasil. A advertência é imperativa para grávidas.

No Brasil, há quem pressinta que estamos em meio a uma década perdida. Guardando as devidas proporções, a situação atual chega a evocar um panorama que não se observava havia mais de um século.

Televisão Suíça ‒ captura de tela

Televisão Suíça ‒ captura de tela

Na virada do século XIX para o século XX, o Rio de Janeiro era uma cidade suja, infestada de focos de doenças tropicais ‒ malária e febre amarela principalmente. Antes do saneamento orquestrado por Oswaldo Cruz e apoiado pelo presidente Rodrigues Alves, europeus evitavam visitar a cidade.

Revolta da Vacina, 1904

Revolta da Vacina, 1904

Companhias italianas de navegação tranquilizavam os passageiros ‒ imigrantes que se dirigiam à Argentina ‒ garantindo que a viagem seria direta, «senza scalo a Rio de Janeiro», sem escala no Rio.

Mais cedo ou mais tarde, a epidemia de febre zika há de ser refreada. A endemia de violência e criminalidade, infelizmente, ainda vai afugentar visitantes por algum tempo.

Alguns alertas:
Televisão Pública, Suíça
Sydney Morning Herald, Austrália
La Repubblica, Itália
Portal Yle, Suécia

Frase do dia — 284

«A melhor notícia para o Brasil nos últimos tempos é Mauricio Macri.»

Conhecido analista econômico que se confiou, exigindo anonimato, ao jornalista Clóvis Rossi em Davos, Suíça. O artigo saiu na Folha de São Paulo, 22 jan° 2016.

Intercâmbio prejudicado

José Horta Manzano

Ninguém gosta de pagar imposto. A gente só paga porque não tem outro jeito. Por sinal, mais e mais países adotam o sistema de retenção na fonte, modalidade em vigor no Brasil há muito tempo. É justamente para evitar ‘hesitação’ do contribuinte na hora de pagar.

Queiramos ou não, é assim que os países funcionam: o rendimento dos habitantes é puncionado, seja na fonte, seja mais tarde. Todos entendem que é mal necessário. Mas tudo tem limite. O que nos contraria não é tanto o desconto, mas o mau uso que eventualmente se faz do dinheiro recolhido.

Imposto 1A revelação das tenebrosas transações que correm à solta no Brasil nos deixa revoltados. Com que então, o fruto do meu suor vai parar no bolso de sanguessugas que ainda riem na minha cara? O sentimento de injustiça, de raiva e de impotência é insuportável.

Sabemos que a conjugação de ladroagem com incapacidade e ignorância tem feito nosso país retroceder na escala da civilização. Anos de malandragem e roubalheira levaram as contas públicas ao fundo do poço.

Interligne 18h

Desde o começo deste ano, valendo-se de uma imprecisão na legislação fiscal, a Receita Federal instituiu novo imposto. Toda remessa para o exterior está sendo tributada. O tapa não foi dado de mão morta: a alíquota é de 25 por cento. E tem mais: toda remessa legal é, por definição, constituída de dinheiro já tributado pelo Imposto de Renda. Estamos falando de dupla tributação.

O imposto não atinge, naturalmente, os milhões subtraídos ilegalmente e depositados em paraísos fiscais. Esse tipo de operação, intermediada por doleiros e acobertada por gente graúda, zomba das leis e goza de isenção. Os prejudicados são cidadãos do andar de baixo, aqueles que ganham a vida com o próprio trabalho.

Imposto 2As principais vítimas são brasileiros que aderiram a programa de intercâmbio. Os que batalham pós-graduação, mestrado e doutorado no estrangeiro também entram na dança. A vertiginosa desvalorização do real combinada com o confisco de 25% tornam a permanência de muitos estudantes inviável.

Além de ser confiscatória, a intolerável medida pouco contribuirá para elevar o nível do erário dilapidado. Pior que isso, essa tributação cerceia os jovens que se aperfeiçoam no estrangeiro ‒ exatamente os que poderiam contribuir para a elevação do nível cultural do Brasil de amanhã.

É mais uma vez a Pátria Educadora garantindo o atraso.

Pensa que é só aí?

José Horta Manzano

A Suíça é conhecida por várias particularidades ‒ todas boas, em princípio. Tranquilidade, honestidade, qualidade de vida são conceitos que distinguem este país. A excelência da hotelaria é proverbial: numerosos cinco estrelas ao redor do planeta fazem questão de que o diretor tenha sido formado por escola suíça. Se o profissional for suíço, então, melhor ainda.

Escola 4Ensino superior é outra área em que o país é respeitado. Famílias abastadas do mundo inteiro mandam filhos estudar na Suíça. Há estabelecimentos para todos os gostos, desde escola elementar até ensino altamente especializado. Sem esquecer os institutos que preparam moçoilas para tornar-se futuras socialites ‒ não estou brincando, é a pura verdade.

Uma curiosidade: Kim Jong-un, atual ditador da Coreia do Norte, passou quatro anos da adolescência numa escola suíça em Berna. Para não dar na vista, foi inscrito sob nome falso. Dizem que era bom em Matemática e que adorava basquetebol.

Interligne 18c

Situada em Genebra, a Escola Superior de Gestão (Haute école de gestion) faz parte do seleto clube de estabelecimentos de ensino mundialmente renomados. Forma ‘Bachelors of Science’ e ‘Masters of Science’. Este 21 jan° era dia de prova de fim de semestre.

Assim que receberam as folhas de exame com as questões impressas, os alunos descobriram, incrédulos, que a última página trazia todas as respostas. Tratava-se de um erro de impressão, naturalmente. Os documentos não tinham sido previamente conferidos. Em todo caso, o mal estava feito. Depois de poucos minutos, os responsáveis decidiram suspender e anular a prova.

Exame 2O problema é que amanhã é o último dia do semestre. Muitos alunos já reservaram passagem para viajar. Que fazer? Convocar todos durante as férias não seria justo.

A solução foi encontrada. Amanhã, sexta-feira, às 16h, serão todos submetidos ao exame. Com novas questões certamente. É de esperar que, desta vez, as respostas não venham impressas.

Errare humanum est.

Frase do dia — 283

«O Brasil será responsável por um a cada três novos desempregados em 2016 no mundo. A afirmação é da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Em informe anual, a entidade revela que o País registrará o maior salto na taxa de desemprego entre as grandes economias do mundo neste ano. Perderão o emprego 700 mil brasileiros.»

Cláudio Humberto, jornalista em sua coluna no Diário do Poder, 20 jan° 2016.

Por causo que

José Horta Manzano

Escola 2Nos tempos em que escola ensinava e aluno aprendia, aulas começavam pontualmente. Se um aluno chegasse atrasado, tinha de bater à porta e pedir licença ao professor. O mais das vezes, o mestre consentia em deixar entrar o aluno. Logo em seguida, pedia justificativa para o atraso.

«Desculpa, professor, eu cheguei atrasado por causo que…»

Nesse ponto, o discurso era interrompido de chofre.

«Não se diz ‘por causo que’, menino! O certo é ‘por causa de’».

Interligne 18h

Meu distinto leitor já há de ter percebido que, nos dias atuais, esse diálogo está fora de moda . De fato, a expressão ‘por causa de’, em via de extinção, foi substituída pela estranha ‘por conta de’.

Não sei quem terá sido o primeiro a abandonar a locução tradicional. Suponho que o modismo tenha logo sido integrado às novelas, que são o meio mais rápido e eficaz de esparramar cacoetes (não só linguísticos) no Brasil.

Escola 3Na língua falada, é difícil escapar a modismos. Dado que a rapidez da elocução não deixa tempo para refletir, as palavras se encadeiam num semiautomatismo. Na língua escrita, a história é outra. O ritmo mais lento da redação permite ao escriba ser mais cuidadoso na escolha de vocábulos e expressões.

No entanto, mesmo na mídia escrita, ‘por conta de’ tem suplantado a locução tradicional por ampla margem. É surpreendente que locutores e articulistas não se preocupem em apurar o vocabulário, que é, no fundo, seu instrumento de trabalho.

Interligne 18h

Casos em que ‘por conta de’ se encaixa perfeitamente:

Interligne vertical 14Aos trinta anos, ainda vive por conta dos pais.

Patrão, quero pedir um vale por conta do salário do mês.

Ela assa os bolos. A venda fica por conta do marido.

Interligne 18h

Expressões que, conforme o contexto, podem substituir ‘por causa de’:

Interligne vertical 16 3Kfem virtude de
por efeito de
visto que
por obra de
uma vez que
graças a
dado que
em consequência de
devido a
já que
em razão de
porque
por motivo de
pois que
por ação de
por mérito de
em função de

Viram como língua é rica? Falar bem custa a mesma coisa e rende mais.

Cada cabeça, uma sentença ― 4

José Horta Manzano

Como numerosos países, a Irlanda oferece, a seus nacionais que tencionem viajar ao estrangeiro, informações práticas sobre usos e costumes de diversos destinos. O site do ministério irlandês de assuntos exteriores exibe longa lista com duas centenas de países e regiões. A extensa relação inclui até lugares pouco frequentados como as Ilhas Salomão, o Turcomenistão, a Coreia do Norte.

Por curiosidade, andei consultando algumas fichas. Fiquei agradavelmente surpreso: são extensas, bastante acuradas e atualizadas. Para o Brasil, por exemplo, entre as dezenas de perigos óbvios, chegam a alertar para o risco do golpe conhecido como Boa-noite, Cinderela. Para a eventualidade de o turista ser assaltado, dão as mesmas recomendações que a polícia: não resista; mais vale entregar o ouro aos bandidos do que perder a vida.

Em verde, os países mais seguros

Em verde, os países mais seguros

Naturalmente, as dicas estão na rede, accessíveis a todos. A equipe do departamento de informações da Televisão Suíça andou folheando as advertências. Levaram um susto daqueles de cair da cadeira. Contrariando o que parecia óbvio, a Suíça não aparece entre os mais seguros. A equipe ficou despeitada.

A triste constatação foi parar na manchete do site de informações da rádio-televisão pública. Para mostrar o choque e para acentuar o desagrado, o título da matéria foi: «Segundo a Irlanda, a Suíça é mais perigosa que o Brasil».

Cada um enxerga o mundo com os próprios óculos. Ficou patente que as autoridades irlandesas mostram maior preocupação com o risco de atentados e de tumultos sociais do que com a criminalidade nossa de todos os dias.

Pais perigoso 1Em função do risco, os países estão classificados em cinco categorias. Na primeira, entram os menos perigosos, aqueles que requerem nada mais que cuidados básicos. Entre outros, estão lá os EUA, a Suécia, a Nova Zelândia, a Alemanha e… o Brasil.

Pais perigoso 2Na segunda categoria, estão as regiões que requerem cuidado redobrado. Estão lá a China, a Rússia, Angola, a Turquia e… a Suíça(!).

Pais perigoso 3No terceiro degrau, situam-se os destinos que exigem extrema atenção. Nesse nível, estão a Venezuela, a Argélia, a Nigéria e… a França(!).

Pais perigoso 4O quarto nível compreende os países que só devem ser visitados em caso de necessidade absoluta. O Sudão, o Paquistão, o Congo estão entre eles.

Finalmente, na quinta categoria, estão os países que não devem ser visitados em hipótese alguma. Como é compreensível, lá estão a Líbia, a Síria, o Iraque, o Afeganistão.

Ânimo, minha gente. No olhar simpático e indulgente dos irlandeses, o Primeiro Mundo é aqui!