A cada 29 anos

José Horta Manzano

Neste 29 de fevereiro, o mundo se agita em torno de explicações do como e do porquê esse dia surge no calendário, quase como um penetra. Apesar das aparências, este post não fala do dia bissexto. O assunto é outro.

Pode ser coincidência; pode até ser superstição; quem sabe são elucubrações de quem não tem muito que fazer. Ou vai ver que é um pouco de cada uma das anteriores. O fato é que, a cada 29 anos, uma pedra aparece no destino do Brasil. Uma pedra, disse eu? Uma pedrada, isso sim! Vamos ver.

A inquietante série começou em 1961. Em 31 de jan° daquele ano, a Presidência do Brasil foi assumida por Jânio da Silva Quadros. Homem esquisito, populista da gema, era daquele tipo de gente que não se sabia bem de onde tinha saído. Tinha uma fala cheia de mesóclises e outros preciosismos. Solitário e arisco, acabou tragado pelo ermo da Brasília daqueles tempos sem internet. Notícias do Planalto chegavam aos grandes centros com 24 horas de atraso, já diluídas pelo diz-que-diz. Um dia, Jânio demitiu a si mesmo antes que um Congresso assaz hostil o fizesse. E acabou ligando a incubadora do golpe militar que viria dois anos e meio mais tarde.

Passaram-se 29 anos. Em 1° de março de 1990, assumiu a Presidência Collor de Mello, o “caçador de marajás”. Era um aprendiz de populista, fabricado em laboratório, desprovido da legitimidade que a poeira das estradas confere aos viajantes persistentes e calejados. Depois de belas escorregadelas, descobriu-se que o “marajá”… era o próprio presidente. Um Congresso assaz hostil tratou de expelir da Presidência aquele que se tinha apresentado como “antissistema”.

Passaram-se mais 29 anos. Dia 1° de jan° de 2019, quem subiu a rampa foi Jair Bolsonaro. Abduzido pela extrema direita e imbuído de ideias estranhas, o capitão tratou de utilizar métodos populistas para firmar-se no trono. O problema é que, incapaz de controlar sua mente confusa, acabou mais afugentando que agregando em torno de si. Para aplacar a rejeição de um Parlamento descontente, abriu as burras do Estado e permitiu que Suas Excelências se lambuzassem à farta. Foi a única forma que ele encontrou de se aguentar na corda bamba até o fim do mandato.

Adicionando 29 anos a 2019, chegamos ao ano da graça de 2048. Para quem já está entrado em anos, como este escriba, trata-se de um futuro inalcançável. Mas, para quem ainda tem sola de sapato pra gastar, é amanhã. Que anotem num caderninho a previsão deste Nostradamus de segunda. Um elemento novo deve entrar na vida de nossa República em 2048. Que será? Quando vai estourar o rojão? Difícil dizer. Minha bola de cristal anda meio embaçada.

De qualquer maneira, ainda que minha previsão esteja errada, não corro risco nenhum. Em geral, passado um ano, ninguém mais se lembra das previsões do ano anterior – imagine daqui a um quarto de século…

Ainda falta muito. Vamos ver se os incêndios, as secas e as inundações não acabam com nosso país antes.

O pequeno El Salvador visto por seu próprio presidente

José Horta Manzano

Ganhar uma eleição para presidente da República com 85% dos votos no primeiro (e único) turno – sabe lá o que é isso? Pois a façanha foi conseguida pelo jovem Nayib Bukele (42 anos), presidente de El Salvador, pequeno país da América Central. Aliás, não é de simples eleição que se trata, mas de reeleição. Bukele entra em seu segundo mandato.

Ele teve carreira meteórica, indo em sete anos de prefeito de cidadezinha até a Presidência. Analisando seu score soviético de reeleição, depreende-se que seu primeiro mandato deve ter agradado muito à população de El Salvador.

Nayib Bukele (que, fosse brasileiro, teria o prenome de Nagib) é de origem palestina. Teve um dia da semana passada em que ultrapassou 10 milhões de visualizações no Tweeter (atual X), com um vídeo em que aparece dando lições de história e democracia “à moda salvadorenha” a um compadecido jornalista da BBC.

O moço tem seis milhões de seguidores nessa mesma rede, multidão igual à população de seu país. Conclui-se que sua fama já atravessou as fronteiras.

Neste segundo mandato, o “ditador mais cool do mundo” (como se autodefine) continuará a governar à sua particular maneira. Com a força de seu partido Nuevas Ideas, que ocupa 54 dos 60 assentos do Parlamento, pulverizou a oposição. O país vive um estado de emergência agora permanente, que lhe dá amplos poderes, tudo com a clara aprovação da maioria de seus compatriotas.

Aqui estão alguns trechos de sua entrevista à BBC.

«Você não vive mais no El Salvador que foi, no passado, o campeão do mundo dos assassinatos. De país mais perigoso do mundo, passamos a ser o país mais seguro do Hemisfério Ocidental e a única maneira de chegar a isso foi prender todos os 70.000 assassinos.

Não havia outro jeito. O que você queria? Que prendêssemos uma centena de pessoas deixando 69.900 pandilleros (membros de gangues criminosas) nas ruas e que, por arte ou magia, os assassinatos diminuíssem? Ou você acha que nós, como salvadorenhos – uma espécie de cidadãos de segunda classe – merecemos morrer, deixar matar nossas famílias e nossos filhos porque vossa concepção de democracia precisa ser respeitada?

Devemos continuar a sangrar por mais 50 anos por causa das políticas importadas de vossos países? Na década de 1980, vocês financiaram uma guerra entre nós, salvadorenhos, uma guerra entre irmãos. Naquela ocasião, 85.000 salvadorenhos morreram. Depois, um milhão de deslocados foram para os EUA, para guetos, criaram gangues. Esses membros de gangues acabaram deportados de volta para El Salvador: os pandilleros.

Vocês nos impuseram outra de vossas receitas: “Não prendam menores”. Mas naquela época todos os membros de gangues eram menores. Assim, as pandillas cresceram e terrorizaram o país. Tentamos a receita da ONU, a receita da União Europeia, a receita dos EUA. Nenhuma delas funcionou.

Tínhamos que fazer alguma coisa para salvar nossa gente. Agora somos o país mais seguro do Hemisfério Ocidental, mas de repente parece que alguma coisa desagrada a vocês. Saiba que não apenas temos o direito de fazer o que achamos certo e o que o povo de El Salvador decide por meio de eleições livres, mas provamos que isso funciona.

Se eu pusesse o melhor governo da União Europeia para governar o Afeganistão, ele não duraria uma semana. Pare de nos pedir para usar suas receitas porque aqui elas não funcionam.»

Observação
Por diferentes razões, tanto Lula quanto Bolsonaro devem estar babando de inveja do jovem ditador.

Lula simplesmente adoraria poder controlar 90% do Parlamento. Todas as suas vontades e seus caprichos passariam fácil, sem reclamação e sem demora, sonho de todo candidato a autocrata. Governar sem oposição, já pensou?

Bolsonaro há de vibrar com a ideia de poder prender gente assim, à vontade, a torto e a direito, por um sim ou por um não. Proporcionalmente, os 75 mil salvadorenhos presos corresponderiam a 2,5 milhões de brasileiros atrás das grades. Nessa cifra, dá pra incluir todos os bandidos do país e ainda sobra bastante espaço para prender parlamentares, juízes, governadores, oponentes, rivais, adversários e inimigos.

¡Extranjeros, no!

José Horta Manzano

O misterioso título do artigo da Folha me chamou a atenção:


“Argentina aperta cerco contra estudantes brasileiros sem visto e falsos turistas”.


Sei que os brasileiros têm o direito de permanecer na Argentina até 3 meses sem visto. Sei também que o período é prorrogável por 3 meses. Cogitei: “Onde estarão esses ‘falsos turistas’ e por que razão um cerco se aperta contra eles?” Intrigado pela enigmática chamada, li o artigo.

O drama, creio eu, tem a ver com má circulação da informção no emaranhado de funcionários burocráticos argentinos que fixam diferentes taxas. Há jovens brasileiros que optam por estudar numa faculdade argentina, o que pode ser uma ideia interessante. Em princípio, para eles, o roteiro deveria ser: primeiro, matrícula no estabelecimento; segundo, obtenção de um visto de estudante; terceiro, viagem rumo à Argentina e entrada no país.

Só que aí tem um problema – burocrático, acredito. O visto de residência para estudar na Argentina (normalmente solicitado antes de entrar no país) custa 550 dólares (R$ 2.700). No entanto, o mesmo visto solicitado por um estrangeiro que já se encontra no país sai bem mais barato: 14 mil pesos (R$ 80).

Essa disparidade explica que muito candidato a estudar num estabelecimento argentino de ensino superior tente burlar a regra fazendo o caminho inverso. Em vez de solicitar o visto antes de entrar na Argentina, o indivíduo entra como turista, sem pagar nada, e só então faz a solicitação do visto de residência para estudante. Sai por R$ 80.

A diferença de custo entre os dois vistos é tão brutal que dá margem a esse tipo de “caminho alternativo”. Pecadinho que, convenhamos, não é tão grave assim.

Agora, com a subida de Javier Milei à Presidência, ficou mais difícil escapar da taxa de 2.700 reais. Controles têm sido feitos para desmascarar e expulsar do país os “falsos turistas”, ou seja, os estrangeiros que os agentes de imigração julgam ser futuros estudantes. Há muito de adivinhação nesse procedimento, e a consequência são injustiças aos montes.

Para corrigir o problema na raiz, bastaria que a burocracia argentina acertasse os ponteiros com referência às taxas. Basta igualar as duas e o nó será desfeito. Todos entrarão no país já com o visto no bolso e os “falsos turistas” serão coisa do passado.

O que surpreende nesse drama é o fato de o governo argentino dificultar a vinda de estudantes estrangeiros que buscam as universidades do país. Os alunos não argentinos acabam se sentindo “personae non gratae”, expressão que anda por todas as bocas. Não atino a razão por detrás dessa prática de estigmatizar alunos estrangeiros.

Em princípio, todo país, principalmente os que já são (ou gostariam de ser) potências importantes, trabalham para difundir sua cultura e seu modo de vida. Foi assim que a cultura dos EUA e seu “American way of life” marcaram e continuam marcando o globo. Países importantes mantêm escolas e institutos no estrangeiro para espalhar sua influência. Todos querem ser sede de encontros importantes: G7, G20, Brics, Olimpíadas, Copa do Mundo.

O estudante que passa quatro ou cinco num país como a Argentina chega ao fim do curso com uma bagagem cultural que conservará por toda a vida. E essa bagagem inclui a língua e os costumes do país no qual passou esses anos todos.

Parece-me que a Argentina, ao tratar estudantes estrangeiros como penetras, está na direção errada. O aluno rejeitado encontrará de qualquer maneira outro país que o acolha. A continuarem as coisas desse jeito, quem sai perdendo é a Argentina.

Baile da saudade

José Horta Manzano

A charge
Achei genial a charge que saiu na Folha de hoje, obra do jovem desenhista João Montanaro (27 anos). É a imagem reproduzida acima.

A seita
Os obstinados que se mobilizam a um simples aceno de Bolsonaro estão mais para sectários (fiéis de uma seita) do que para partidários (companheiros de partido). A obediência absoluta demonstra isso. Partidos, especialmente no Brasil, não exigem fidelidade total de seus membros. Já uma seita só sobrevive da lealdade de seus adeptos.

Sem faixas
Me parece simples. Com receio de ser levado em cana por incitação à sedição, Bolsonaro pediu a seus fiéis que não trouxessem faixas. Resultado: ninguém veio com faixas. Isso expõe a devoção do distinto público a Seu Mestre, ou seja, ao super-homem que lhes dá ordens.

O Brasil já conheceu populistas que, a seu tempo, magnetizavam os fiéis. Getúlio Vargas talvez tenha sido o mais significativo deles. Assim mesmo, assisti a conversas animadas entre getulistas e ademaristas (de Adhemar de Barros) que não terminavam em tiro nem morto estendido no meio-fio.

A diferença é o que eu dizia antes: num caso, temos simpatizantes de um partido; no outro, são fiéis obedientes a um guru. Essa é a diferença entre os de antigamente e os de hoje. Daí a dificuldade de lidar com os ditos “bolsonaristas”.

No espírito de um “bolsonarista”, o chefe tem sempre razão. Não há discussão possível. Se mandou levar faixa, levo; se não mandou, não levo. Se ele diz que é um inocente perseguido por pessoas más, acredito.

Como argumentar? Não adianta nem tentar. Seria como tentar convencer um eleitor argentino de que o “peronismo” já faleceu faz meio século. Ele não concordará.

Resumindo
Isso foi o que mais me impressionou no ajuntamento de ontem: a ausência de faixas. Da meia dúzia de discursos, já se imaginava que não insultariam magistrados, mas do público era mais difícil. No final, vê-se que foi mais fácil adestrar os assistentes do que conter um dos ‘pastores’ discursantes, que chegou a cutucar autoridades superiores a ele.

Trocando em miúdos, temos uma continha de soma zero. Os ‘bolsonaristas’ deram mostras de quem são e do apreço que devotam ao guru. Continuam a apreciar o chefe. Quanto aos ‘não bolsonaristas’, continuam no seu canto, sem precisarem de chefe que lhes diga de que cor têm de se vestir. Os de lá não votam nos de cá e vice-versa. O desfile não fez ninguém mudar de campo. Zero a zero.

Quanto à Justiça, ah, são outros quinhentos! O tempo judicial é mais longo que o tempo do trio elétrico ex-presidencial. Daqui a uma semana, a algazarra suscitada pelo ajuntamento da Avenida Paulista terá sossegado. Mas os processos, implacáveis, continuarão a correr nos escaninhos do Supremo.

Não acredito que choro de Madame amoleça coração de magistrados.

PS
Esperemos que os juízes que vão julgar Bolsonaro não tenham interpretado essa movimentação como demonstração de força ou, pior, como afronta ou provocação. Juiz irritado tem a mão pesada.

A ilusão política das grandes manifestações populares

Fernando Pessoa (*)

Nisto de manifestações populares, o mais difícil é interpretá-las. Em geral, quem a elas assiste, ou sabe delas, ingenuamente as interpreta pelos fatos como se deram. Ora, nada se pode interpretar pelos fatos como se deram. Nada é como se dá. Temos que alterar os fatos, tais como se deram, para poder perceber o que realmente se deu. É costume dizer-se que contra fatos não há argumentos. Ora, só contra fatos é que há argumentos. Os argumentos são, quase sempre, mais verdadeiros do que os fatos. A lógica é o nosso critério de verdade, e é nos argumentos, e não nos fatos, que pode haver lógica.

Nisto de manifestações – ia eu dizendo – o difícil é interpretá-las. Porque, por exemplo, uma manifestação conservadora é sempre feita por mais gente do que toma parte nela. Com as manifestações liberais sucede o contrário. A razão é simples. O temperamento conservador é naturalmente avesso a manifestar-se, a associar-se com grande facilidade; por isso, a uma manifestação conservadora vai só um reduzido número da gente que poderia, ou mesmo quereria, ir. O feitio psíquico dos liberais é, ao contrário, expansivo e associador; as manifestações dos “avançados” englobam, por isso, os próprios indiferentes de saúde, a quem toda a vitalidade acena.

Isto, porém, é o menos. O melhor é que, para quem pensa, o único sentido duma manifestação importante é demonstrar que a corrente de opinião contrária é muito forte. Ninguém arranja manifestações em favor de princípios indiscutíveis. Tão pouco se aglomeram vivas em torno a um homem a quem é feita uma oposição sem relevo ou importância. Não há manifestações a favor de alguém; todas elas são contra os que estão contra esse alguém. É por isso este, não o “homenageado”, quem fica posto em relevo. Quanto maior a manifestação, mais fraco está o visado, maior se sente a força que se lhe opõe. Toda a manifestação é um corro-a-salvar-te de quem não pensa contribuir para a salvação senão com palmas e vivas.

É este o ensinamento que toda a criatura lúcida tira das manifestações populares.

Quando a uma criatura, que está em evidência ou regência, se faz uma manifestação que resulta pequeníssima, conte tal criatura com o apoio dum país inteiro. Se a manifestação fosse grande, tremesse então. É que os seus partidários teriam sentido, por uma intuição irritada, a grandeza da oposição a ele, e isso os chamaria em peso para a rua, para, com suas muitas palmas e vivas, aumentar a ele e a si próprio a ilusão duma confiança que enfraquece.

(*) Fernando Pessoa (1888-1935), poeta, escritor e literato português.

Manda embora o assessor, Lula!

José Horta Manzano

Lula, prezado presidente!

É curioso notar que tens o costume, desde teu primeiro mandato, de nomear uma dupla para cuidar as Relações Exteriores. Talvez isso te dê maior segurança numa área em que tu, vez por outra, deslizas na maionese.

Nos primeiros mandatos, além do ministro de Relações Exteriores, mantiveste um “assessor” (aquele do top-top, lembras?), que parecia ter mais influência nas tuas decisões do que o próprio ministro. Neste Lula 3, continuas a manter o esquema. Um diplomata de carreira, bom conhecedor das minúcias da profissão, está no posto de ministro. A par disso, de novo, um “assessor” avulso.

Só que, desta vez, escolheste um assessor problemático, Lula. O temperamento belicoso dele tem te dado dores de cabeça. Parece que te apoias demais nos conselhos do personagem.

Por exemplo, a terrível comparação que fizeste, em discurso pronunciado em Adis-Abeba, que deu que falar no mundo todo, foi improviso teu, não há que se diga. Já a emenda do soneto leva as impressões digitais de teu assessor, aquele que tem esperança de que o “bloco dos pobres”, o desengonçado Sul Global, possa ser levado a sério.

Lula, há que ser razoável: toda troca de ofensas e ameaças tem hora pra acabar. É como jogo de futebol – pra usar metáforas que te são familiares. Tem tempo pra jogar e tem tempo pra acabar. Quando o árbitro apita o fim da partida, não é mais hora de tentar acertar o gol.

O auê que a tua fala provocou em Israel e no mundo já se estava acalmando. Eis senão quando, na tua alocução de sexta-feira passada, tornaste a martelar o prego da discórdia:


“Se isso não é genocídio, nâo sei o que é genocídio”.


Pois não sabes, velho Lula, não sabes de fato o que é genocídio. E pensar que já te ensinei mais de uma vez, mas não pareces ter boa memória. Ou quiçá nem lês o blogue. Ou (desconfio que seja a resposta correta) isso é obra de teu “assessor” marrudinho. É ele quem te está ‘fazendo a cabeça’.

O martírio imposto aos gazeus pelo exército israelense, podes chamá-lo como quiseres: massacre, matança, morticínio, castigo coletivo, carnificina perpetrada por agressores desapiadados. Mas genocídio, certamente não é. Se em mim não acreditas, pergunta a teu ministro, o verdadeiro. Ele parece ser pessoa arrazoada. Terá estudado o assunto e deve saber que a definição de genocídio é rigorosa, estabelecida há 75 anos pela ONU.

Mas um conselho te dou e repito, Lula: livra-te rápido de teu empacado “assessor”. Se não tens coragem de dispensá-lo de chofre, oferece a ele um prêmio de consolação: uma embaixada em Paris, por exemplo. Ele não há de recusar. Assim tu te livras de uma fonte de dor de cabeça.

Está na hora de nossa diplomacia olhar pra frente em vez de ficar aí andando de banda feito caranguejo.

O insulto de Lula

José Horta Manzano

Artigo publicado no Correio Braziliense de 21 fevereiro 2024

Fico imaginando a cena. Vejo um Lula que, apesar do incentivo de seus áulicos, hesita em puxar o gatilho. E a torcida: “Vai firme, Lula, não tem perigo, que o gatilho está travado!”. Depois de muita hesitação, Luiz Inácio por fim aperta o dedo com força. Desastre! O gatilho não estava travado, e o tiro sai, mortal.

Não sei até que ponto Lula se deixa influenciar por seu séquito empoeirado, de gente enrijecida e ideologizada mas orgulhosa da própria sapiência. Tanto faz, porque o autor do tiro é aquele que aperta o gatilho. Luiz Inácio será sempre pessoalmente responsabilizado pelo que diz.

Lula não é um caso único. O fenômeno é recorrente: homem público em viagem ao exterior faz às vezes declarações estranhas, contrastantes com a doutrina que deveria estar defendendo. Já assisti a episódios envolvendo diferentes líderes. Até Papa Francisco, no enlevo de ares estrangeiros, já deslizou.

Fato é que Lula já disse coisas de arrepiar o cabelo, pronunciou frases que contrastam com a neutralidade e a equidistância que a diplomacia brasileira tradicionalmente exibe diante de conflitos externos. Ele já se posicionou ostensivamente simpático a Putin e avesso à causa ucraniana. Já estendeu tapete vermelho para o ditador Maduro enquanto os demais líderes sul-americanos pisaram chão nu. As enormidades pronunciadas por Lula – especialmente quando em viagem ao exterior – são muitas. Não vale a pena elencá-las todas.

Holocausto é termo dos tempos bíblicos, de etimologia controversa, que nos chegou através do grego antigo. Na sequência dos malfeitos da Alemanha nazista, a palavra deixou o contexto da História da Antiguidade, ganhou H maiúsculo e passou a designar o massacre sistemático de judeus perpetrado nos campos de concentração da Segunda Guerra.

A política de genocídio nazista foi tão cruel e violenta que marcou os espíritos. Ninguém quer ver repetir-se o horror daqueles tempos. Tudo foi feito para banir a ideologia nazi-fascista da face da Terra. Na Europa, que assistiu de mais perto às atrocidades daqueles tempos, a legislação de numerosos países proíbe gestos, sinais e palavras que lembrem a barbárie: é proibido macaquear saudações nazistas ou exibir insígnias daqueles tempos.

Todo negacionismo da exterminação dos judeus nas câmaras de gás é ilegal. Um discurso feito em público, como o que Lula pronunciou, é passível de processo, quiçá de encarceramento. Nenhum dirigente no mundo, nem mesmo os aiatolás do Irã, piores inimigos de Israel, ousaram até hoje fazer a comparação que Lula fez – entre o exército israelense e as hordas nazistas.

O resultado da fala desastrada é a humilhação em dose múltipla. Lula é declarado “persona non grata” em Israel, sinônimo de “impedido de visitar”. Mais ainda: nosso presidente é instado a pedir desculpa por suas palavras. Nosso embaixador é tratado de ignorante e levado ao Memorial do Holocausto “para aprender o que os nazistas fizeram com os judeus nos anos 1940”.

Luiz Inácio teve direito a mais espinafradas. Israel Katz, ministro do Exterior de Israel, cuja família foi dizimada pelos nazistas: “A fala de Lula da Silva profana a memória daqueles que morreram no Holocausto”.

Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel: “Lula cruzou a linha vermelha. Suas palavras são vergonhosas e alarmantes. Trata-se de banalização do Holocausto e uma tentativa de prejudicar o povo judeu e o direito de Israel de se defender”.

Dani Dayan, presidente do Memorial do Holocausto: “Os comentários de Lula representam um antissemitismo flagrante e uma combinação ultrajante de ódio e ignorância”.

Yoav Gallant, ministro da Defesa: “Acusar Israel de perpetrar um Holocausto é um ultraje abominável”.

Até Yair Lapid, líder da oposição, se manifestou: “Os comentários de Lula demonstram ignorância e antissemitismo”.

Registre-se que, nessa derrapada fenomenal, dizer que a fala “foi tirada de contexto” não vai funcionar. Essa desculpa, comum no Brasil, não vale lá fora.

Lula da Silva parece ter incorporado a ‘síndrome de ser pária’ de Bolsonaro. É curioso como sempre escolhe o lado errado da História. Fica com Putin e despreza a Europa; apoia ditadores e desdenha a democracia; apoia o povo palestino e odeia o povo israelense.

É extremamente preocupante. Um Lula em perceptível processo de envelhecimento, que se aplica a tornar públicas suas convicções pessoais, é um risco na cerzidura de nossa esgarçada democracia, tarefa para a qual foi eleito.

Do jeito que vai, ele está-se tornando o melhor cabo eleitoral de nossa estridente e folclórica extrema-direita.

O avesso do avesso

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Na medicina antroposófica há algumas práticas curiosas que muitas vezes beiram o nonsense, mas que, em última instância, se revelam bastante eficazes para promover transformações importantes no bem-estar físico, psíquico e anímico dos que se atrevem a segui-las. Uma delas, que sempre me encantou, é a proposição de um “Dia do Contrário”, que deve acontecer ao menos uma vez por mês – ainda que não haja uma frequência imposta nem datas específicas a serem observadas. É muito mais a autoavaliação de necessidade que dita como e quando ele vai acontecer.

Ao longo desse dia, a pessoa é instada a fazer absolutamente tudo de uma forma diferente da habitual. Cada um decide quais novas medidas serão testadas e eventualmente incorporadas. Ao tomar banho, por exemplo, pode-se ensaboar o corpo com a mão “errada” e/ou inverter a ordem da higienização: ao invés de começar pela lavagem do rosto, por exemplo, começa-se pela lavagem dos pés. Abrir portas com a mão trocada; alterar toda a rotina de horários (de acordar, tomar banho, arrumar a casa, comer e dormir); alterar o cardápio (com carne/sem carne) e/ou inverter a ordem dos pratos nas refeições; trocar o papel tradicional atribuído a cada membro da família, permitindo, por exemplo, que as crianças determinem quem vai fazer o quê, quem manda e quem obedece, etc. são outras formas comuns de autoexperimentação.

Não só isso, porém. Nos dias de hoje esse período de desconstrução de manias poderia abranger coisas como abolição do uso de telas de qualquer espécie por 24 horas e substituí-lo por rituais de meditação e introspecção; envolver-se com experiências táteis, auditivas e gustativas, de olhos fechados; abandonar uma reunião de trabalho para levar o filho para um passeio no parque; envolver-se num debate respeitoso com familiares, vizinhos ou desafetos ideológicos sobre os principais lances da política nacional e internacional – e tantos outros desafios que só a imaginação de cada um pode indicar.

O propósito? Simplesmente conscientizar-se a respeito da tirania dos hábitos do cotidiano, quebrar estruturas de autoridade encarquilhadas, ressignificar visões de mundo e crenças pessoais, abrir mão da zona de conforto de forma a destravar o potencial criativo e promover mudanças que nunca se ousou fazer antes por medo de perder a própria identidade. Os mesmos objetivos são perseguidos pela arquitetura antroposófica: na construção de residências e prédios comerciais busca-se eliminar ao máximo paredes com ângulo de 90 graus, de modo a evitar que as pessoas se tornem “quadradas” ao interagirem no ambiente.

Tive a oportunidade de colocar em prática várias vezes essa proposição e me impressionei com os resultados. A sensação de leveza e de liberdade, o alívio das tensões normais do dia a dia, a oportunidade de assumir-se imperfeito/desajeitado e principalmente a injeção de coragem para experimentar novas formas de estar no mundo são resultados inegáveis.

Semana passada, assistindo a flashes dos desfiles das escolas de samba, me dei conta de que o dia do contrário e o carnaval têm algo em comum. Percebi com mais nitidez o que esteve por trás da necessidade de instituição de um modelo de ‘carnaval à brasileira’. Inventado com base nas mesmas premissas do dia do contrário, a proposta original da nossa folia era a de inverter totalmente a hierarquia social – incluindo os papéis tradicionais de gênero.

Mistura sincrética de diferentes manifestações culturais, como as danças de salão europeias, bailes de máscara, ritmos indígenas e danças africanas, nossa forma única de conceber os festejos carnavalescos permitia que trabalhadores domésticos, garis, manicures, babás, cozinheiras e outros membros das camadas populares assumissem o centro do palco, transmutados em reis e rainhas. Era a consagração da insubmissão às normas hipócritas de compostura de uma sociedade escravagista, da autodeterminação, da alegria despudorada e da resistência pacífica.

Infelizmente, boa parte da espontaneidade da festa foi se perdendo ao longo das décadas. Da “bagunça organizada” dos pequenos blocos carnavalescos comunitários, o carnaval brasileiro passou a obedecer aos interesses comerciais de radiodifusão, com regras rígidas de coreografia, divisão em blocos temáticos com fantasias específicas, tempo de evolução na passarela e inclusão de figuras de destaque não-pertencentes às comunidades de origem.

Seja como for, a alegria transgressora e o caráter catártico da nossa festa maior continuam encontrando abrigo nas frestas e franjas dos festejos oficiais através da multiplicação de blocos amadores e nas diferentes versões regionais da folia. A brasilidade continua se reconhecendo como negra e indígena, nortista e nordestina, feminina e periférica, inventiva e improvisadora, inclusiva e avessa ao moralismo de ocasião. Em resumo, o inverso do perfil que a extrema direita tentou nos impingir nos últimos quatro anos (uma brasilidade branca, masculina, sulista e sudestina, heteronormativa, segregadora, conservadora, militarizada e teocrática).

Sendo uma das raríssimas manifestações culturais brasileiras que empresta igual importância ao processo e ao resultado e tem um caráter cooperativo, sem direção central, nosso carnaval tem tudo para continuar simbolizando a alma dionisíaca do povo brasileiro. Embora ainda rechaçado por muitos como sinal de alienação, devassidão moral e preguiça/aversão ao trabalho, ele se coloca em agudo contraste com as manifestações raivosas do bolsonarismo e do neopentecostalismo. Para quem aprecia o valor da igualdade democrática, pode ser mil vezes mais fácil tolerar o barulho ensurdecedor, o lixo nas ruas e os transtornos no tráfego dos eventos carnavalescos do que as intimidadoras motociatas, os desfiles fumacentos de tanques e muito provavelmente as manifestações de rua previstas para o dia 25 de fevereiro próximo.

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

Eleições na Indonésia

Eleições indonésias: transporte das urnas após encerramento da jornada eleitoral

José Horta Manzano

Quarta-feira passada, os eleitores indonésios foram convocados para votar nas eleições gerais. Quem não tem grande informação sobre o país pode calcular o tamanho do enrosco pelos seguintes números:

● 200 milhões de eleitores

● 820 mil seções eleitorais

● 10 mil candidatos para ocupar:
     – 580 cadeiras de deputado
     – 152 cadeiras de senador

● 38 províncias e 416 distritos elegem prefeitos e vereadores.

Dado que o país é um imenso arquipélago, as urnas tiveram de ser entregues a seções eleitorais espalhadas por 6 mil ilhas, ilhetas e ilhotas. Viajaram de barco, de caminhão, de canoa e até de carro de boi.

Na Indonésia, vota-se em imensas cédulas de papel, coloridas, dobráveis, com o nome e a foto dos candidatos. O voto é demorado, visto que cada eleitor leva um certo tempo até encontrar seu(s) candidato(s) preferido(s).

Encerrada a eleição, as urnas percorrem o caminho inverso, de carro de boi, de canoa, de caminhão e de barco até chegarem a um centro de apuração, geralmente situado num grande estádio coberto.

As apurações começaram no dia seguinte. Correndo tudo bem, devem terminar daqui a um mês, em março. Sublinho: se tudo correr bem.

Não sei quem fabrica nossas urnas eletrônicas mas, seja que firma for, me parece que estão marcando bobeira. O que é que estão esperando pra convencer os dirigentes daquele país de que chegou a hora de entrar no século 21? Às favas esse voto pré-histórico!

A perspectiva é de comercializar um milhão de urnas! Em vez de ofender gregos e troianos a todo instante, o Lula utilizaria melhor seu tempo vendendo tecnologia made in Brazil. A experiência de terreno é genuinamente verde-amarela.

Prisão de segurança máxima

José Horta Manzano

Talvez seja ainda um pouco cedo para apontar o dedo, mas algo me parece esquisito nessa fuga de dois presos da Penitenciária Federal do Rio Grande do Norte. Quando a esmola é muito grande, o santo desconfia – é o que se costumava dizer na minha terra. No presente caso, a esmola que os fujões receberam é pra lá de enorme.

Alguns pontos acusam a própria concepção do presídio. Vamos ver. Vinte e cinco anos atrás, um cunhado meu que morava numa casa em São Paulo decidiou instalar um sistema de alarme antirroubo. Um dos pontos frágeis assinalados pelo técnico foi o teto de madeira de casa antiga. Pra evitar que um eventual assaltante entrasse pelo telhado, foi instalada uma rede de fios finíssimos encostados à superfície do teto. Com isso, caso um ladrão invadisse o forro e tentasse entrar na casa fazendo um furo no madeirame, o alarme soaria imediatamente.

Ora, entendi que os presos da penitenciária federal saíram “fazendo um furo no teto” da cela para chegar ao andar superior, que era justamente a área de banho de sol. É de crer que uma superfície que serve de área de lazer há de ter um piso de concreto reforçado. (Fica pra ser explicado como cada um conseguiu perfurar, no teto de concreto de sua cela, um círculo permitindo a passagem de um homem.)

Se meu cunhado, um quarto de século atrás, conseguiu quem lhe instalasse um sistema simples, consistindo em uma tela de fios, me pergunto como é que um presídio de segurança máxima não dispunha desse dispositivo. O teto das celas está à disposição do primeiro que se dispuser a fazer um furo. Impressionante. Falha de concepção?

Tem um detalhe que me deixa intrigado: é a presença de um alicate “esquecido” nas obras em curso na área de banho de sol. Estamos falando de um objeto de tamanho extra grande, capaz de cortar as malhas de um alambrado. Primeiro, o que faz um objeto desses numa obra? Segundo, como é possível que um funcionário “esqueça” um trambolho desses assim, sem mais nem menos, num local utilizado pelo detentos para exercitar as pernas? Considere-se que um objeto pesado de ferro, como um grande alicate, pode perfeitamente servir de arma mortal. É inconcebível esse tal “esquecimento”.

Ainda tem muita coisa pra explicar nessa história. Enquanto isso, fica parecendo que alguém abriu a porta da cadeia e convidou dois dos hóspedes a dar um passeio lá fora.

Lula no Egito

José Horta Manzano


“A única coisa que se pode fazer é pedir paz pela imprensa, mas me parece que Israel tem a primazia de descumprir, ou melhor, de não cumprir nenhuma decisão emanada da direção das Nações Unidas”


O texto acima faz parte da declaração dada por Lula no Egito, país onde foi fazer turismo no Complexo de Gizé para visitar as pirâmides. No segundo dia, aproveitou para se encontrar com o ditador de turno, um senhor sorridente que leva o vistoso nome de Abdul Fatah Khalil al-Sissi.

Luiz Inácio se esmerou no discurso, falou bonito, usou até o verbo emanar, mas tropeçou na hora de escolher uma palavra para expressar a liberdade que as Nações Unidas dão a Israel para fazer o que quiser.

Disse que Israel tem a primazia de descumprir ordens da ONU. Primazia é superioridade, competência, excelência de algo ou alguém. Certamente não é o que Lula queria dizer. Ele quis sublinhar a licença especial que, segundo ele, Israel tem para dar de ombros às determinações onusianas e agir como bem entende.

Em vez de primazia, tinha a escolha entre uma dezena de termos:

  • Licença (como citado acima)
  • Consentimento
  • Permissão
  • Privilégio
  • Anuência
  • Direito
  • Apanágio
  • Regalia
  • Carta-branca

A lista não é extensiva. Há outras palavras ainda. Ficam para a próxima, não é, senhor Presidente?

Lembre-se de que quem usa “emanar” não pode escolher termo inadequado no mesmo discurso, pior ainda, na mesma frase. Se não, vão acabar pensando que o discurso foi escrito por outra pessoa. O que cai mal, francamente.

Pronto, poluímos a Lua: 227 toneladas de lixo já se acumulam por lá

André Masson (*)

Algumas criaturas são tão imundas que põem em perigo a própria saúde. Os seres humanos estão claramente destinados a ser tão sujos que vão alterar o curso geológico dos planetas. Como relata o site The Conversation, investigadores da Universidade de Brock (Ontário, Canadá) avisam que, no que diz respeito à Lua, a era humana já começou – e não no bom sentido.

A NASA estima que cerca de 227 mil quilos de material tenham sido deixados na Lua pela atividade humana. Esse lixo inclui veículos lunares, mas também bandeiras, bolas de golfe, estátuas, cinzas humanas, excrementos e todo tipo de objetos.

Até hoje, apenas doze homens pisaram a Lua – e lá não fizeram grande coisa. E isso resultou em 227 toneladas de resíduos. Christine Daigle, Jennifer Ellen Good e Liette Vasseur, três professoras de filosofia, comunicação e biologia da Universidade de Brock, respectivamente, estão analisando o impacto que terá a colonização humana do satélite natural da Terra.

Não é instalando estações tripuladas permanentes e enviando turistas (não particularmente conhecidos por serem mais limpos que os astronautas) que deixaremos o local nas mesmas condições em que o encontramos.

Esse impacto, ainda que esteja atualmente limitado à superfície da Lua, pode evoluir. A NASA acredita que a Lua encerra recursos no valor de centenas de bilhões de dólares, incluindo terras raras, essenciais para nossos equipamentos eletrônicos, e hélio-3, um isótopo de hélio procurado pelas suas aplicações na fusão nuclear.

A era dos humanos
As três pesquisadoras da universidade canadense indicam que essas centenas de toneladas de lixo são o início de uma nova era geológica para a Lua: a que verá a atividade humana mudar o destino de nosso satélite natural. Para ilustrar a repetição de um fenômeno que já está em curso na Terra há várias décadas, as autoras do artigo falam de “Antropoceno Lunar”, termo introduzido por um estudo científico publicado em dezembro de 2023 na revista Nature.

Para um planeta como a Terra, trata-se da era dos humanos, o que não é necessariamente uma boa notícia. O Antropoceno é um novo período geológico influenciado mais pela humanidade do que por forças geofísicas. Constata-se que a Terra está entrando nessa era há algumas décadas e a Lua parece estar seguindo o mesmo caminho.

Próximo objetivo: emporcalhar Marte.

(*) André Masson (1950-), economista francês, é diretor de pesquisa na Escola de Estudos Superiores de Ciências Sociais, Paris.

Odette Roitmann

by Igor Dantas, desenhista mineiro

José Horta Manzano

As investigações em torno da quadrilha instalada no Planalto nos tempos do capitão estão apertando. A conspiração se desvenda cada dia um pouco mais e o nome dos bois começa a aparecer. A boiada começa a passar. Por ironia, tudo lembra muito o auge da Lava a Jato, quando as estrelas Moro e Dall’Agnol concentravam a luz dos holofotes e os criminosos, um a um, iam sendo mandados para a Papuda.

Quanto aos conchavos bolsonáricos, a história completa ainda está por ser escrita. Todo bom romance tem de ir até o fim – não termina enquanto a trama não estiver totalmente desenrolada. Em nosso atual “Quem matou Odette Roitmann”, não basta saber quem deu o tiro. Também tem de ficar claro quem comprou a arma, quem adiantou o dinheiro, quem pagou pela munição, quem carregou o revólver, quem catou o cartucho caído no chão, quem escondeu a arma depois de consumado o crime. Tudo tem de ser apurado, nenhum figurante deve escapar “duela a quién duela”, como disse uma vez o ilibado presidente Collor.

Nesta altura dos acontecimentos, ninguém está em condições de contar o drama de A a Z – com exceção dos personagens, evidentemente. Tenho lido numerosas análises da novela. Mas todas só vão até o capítulo atual, sem arriscar palpite sobre o que virá. Todas, não. Encontrei uma, uma apenas, que não só conta o fim de Odette Roitmann como também dá o nome do assassino e dos cúmplices.

Falo do artigo que o Estadão publicou ontem, assinado pela competente jornalista Eliane Cantanhêde. Com boa visão de conjunto e espírito de síntese, a autora dá sua visão do desenrolar do drama daqui para a frente. Vale a pena dar uma olhada.

Copiei e ponho aqui ao dispor dos corajosos leitores que preferiram abondonar o Bloco do Mamãe eu Quero para ler estas linhas. Fica aqui meu agradecimento.

Virada de Mesa.

Um reparo

José Horta Manzano

Faz mais de ano que jornalistas, analistas e comentaristas vêm falando em “tentativa de golpe” quando se referem à sequência de acontecimentos preparados durante o governo do capitão e que culminaram no 8 de janeiro.

Tenho um reparo a fazer. Pelo que as investigações têm deixado cada dia mais claro, estão errados os que falam em “tentativa de golpe”. Não era uma tentativa, mas um golpe de verdade! O chato (para os arquitetos da manobra) é que não deu certo, o navio fez água e a vaca foi direto pro brejo.

Melhor então falar em “golpe fracassado”. Quem preferir, pode usar outro termo: golpe malogrado, abortado, frustrado, falhado. Acho que “gorado” cai como luva. Na verdade, chocaram o ovo sem perceberem que ele não estava fecundado. Resultado: gorou.

Tentativa é que não foi. Naqueles tempos obscurantistas, todos os atores estavam convencidos de estar trabalhando para um golpe com G de general, grandioso, glorioso e ganhador. Na cabeça daquela gente desmiolada, o futuro estava garantido.

Vamos de “golpe gorado” mesmo.

Brasil invadido

José Horta Manzano

O site britânico Statista publica bons mapas históricos. Num artigo de 2021, informa, com indisfarçado ufanismo very British, que, entre os quase 200 países do globo, somente 22 nunca foram invadidos pela Grã-Bretanha. Acompanha um mapa-múndi com os continentes recobertos de azul-marinho (os países invadidos pelos ingleses) e umas manchas de cor cinza, aqui e ali, indicando aqueles que nunca foram invadidos. (Veja ilustração.)

Pensei que, se eles afirmam isso, deve ser verdade. Mas não me lembrava de ter ouvido falar de invasão de ingleses em Pindorama. A única ocasião em que, assim por dizer, britânicos puseram os pés em terras nossas com o fim de tomar posse delas aconteceu na passagem do século XIX para o século XX.

Como sabemos, as Ilhas da Trindade e Martim Vaz hoje fazem parte do estado do Espírito Santo. Mas nem sempre foi assim. Até os anos 1890, nenhum país havia se preocupado em tomar posse do arquipélago. Desabitadas e inóspitas, as ilhas eram terra de ninguém.

Foi quando, em 1893, um sujeito bastante original, de nacionalidade americana, desembarcou em Trindade e fez saber ao mundo que ele era o dono do pedaço. Aquela minúscula ilha havia de se tornar ‘ditadura militar’ submetida a seu comando pessoal. O nome do novo país seria Principado de Trinidad (sic) e ele, o dono, seria conhecido como James I, Príncipe de Trinidad.

A declaração ecoou em Londres e no Rio de Janeiro e soou alarme vermelho. De fato, os britânicos, no auge de seu poder marítimo, entendiam que o local era ideal para instalar uma estação telegráfica. Quanto ao Brasil, considerava que Trindade era parte integrante do território nacional desde a época do descobrimento.

Os britânicos foram os primeiros a acudir ao arquipélago. Com o pretexto de estudos de astronomia, desembarcaram e detiveram o “príncipe”. A partir daí, começou a disputa entre a Inglaterra e o Brasil pela posse das ilhas. A questão não levou muito tempo para se resolver, dado que o interesse inglês não era particularmente forte. Ao final de tratativas diplomáticas, o arquipélago foi atribuído ao Brasil.

Esse é o único episódio em que o olho gordo dos ingleses “invadiu” território nacional. Não me ocorre outra ocasião. Se algum leitor souber de outra invasão britânica, me avise por favor.

Bom, o mapa está aí para a apreciação de vosmicês. Não sou o autor da ideia nem do grafismo. Estou vendendo o peixe pelo mesmo preço que paguei.

Fila da fome

Fila da fome
Buenos Aires, 5 fev° 2024

José Horta Manzano

Quinta-feira passada, os deputados argentinos debatiam a aprovação de um pacote de reformas apresentadas pelo presidente Javier Milei. O angustiante contexto é um país com inflação anual de 211% (pelos dados oficiais, nem sempre confiáveis). Como consequência direta, 45% dos habitantes estão abaixo da linha de pobreza.

Enquanto os parlamentares negociavam, um grupo de pessoas se dirigiu ao Ministério de Capital Humano para reclamar do corte de verba destinada a restaurantes comunitários.

A ministra veio em pessoa atender aos reclamantes. Vendo que não passava de um grupinho pequeno, pensou num jeito de resolver o problema. Perguntou: “Gente, vocês estão com fome?”. Sem lhes dar tempo de responder, emendou: “Venham um por um que vou anotar o n° do documento de identidade, o nome, de onde vem, e vão receber ajuda individualmente.”

A ministra não imaginou em que arapuca estava se metendo. O fato é que sua proposição extravazou do grupinho de reclamantes. A voz correu e logo todos os pobres de Buenos Aires (teoricamente 45% da população) já ficaram a par.

A proposta da ministra foi tomada ao pé da letra. Ontem, segunda-feira, os sem-dinheiro formaram a chamada “Fila da fome”. Foram milhares de participantes. A fila começava na porta do ministério e continuava por 30 quarteirões, visão impressionante.

Cartazes reclamavam: “Comer mal adoece”, “Emergência alimentar já!”, “Com a fome do povo não se negocia”, “No restaurante comunitário falta comida para as crianças”. E assim por diante.

Todos esperavam ser atendidos pela ministra, que não recebeu ninguém, com a desculpa de que “nenhum deles tinha agendado encontro comigo”.

Nossos políticos têm sorte de os brasileiros serem menos enfezados e reativos do que os hermanos. Por aqui, um ou outro é incomodado no avião ou no restaurante – coisa feia, rebotalho dos tempos do capitão, mas sempre menos visível que uma fila de três quilômetros de gente sacudindo cartazes.

De qualquer maneira, nem fila nem agressão verbal a políticos resolve problema nenhum. O único instrumento que tem o poder de mudar as coisas é o voto. Não adianta votar mal e, em seguida, xingar político ou fazer fila na rua portando cartaz com rima.

Mas que ninguém se preocupe. Votar mal e reclamar em seguida não é exclusividade destes pagos – no mundo inteiro é igual.