José Horta Manzano
Jovens brasileiros caçam arroz na prateleira como seus pais caçaram boi no pasto em 1986, na época do pranteado Sarney.
A capa do Estadão de ontem traz foto de um supermercado. À frente de uma montanha de sacos de arroz, um cartaz previne:
«Todos arroz está limitado a 03 unidades».
O confuso recado combina com os tempos estranhos que vivemos. Assim como o país, o texto não tem rumo, não sabe a que veio, nem como sair desta.
É irônico ver no mesmo jornal, lado a lado, a notícia do perdão da dívida de ‘igrejas’ – leia-se bilionárias multinacionais da fé. As notícias estão na mesma página, o que faz sentido: são duas faces da mesma moeda.
Do lado cara, temos um presidente que apelou aos supermercados para que renunciem ao lucro. O pedido é um rematado absurdo, considerando-se que estabelecimentos comerciais não são obras de benevolência. O lucro é o objetivo final de toda empresa.
Do lado coroa, está sobre a escrivaninha desse mesmo presidente, para sanção, uma lei recém-votada por nosso desvairado Parlamento, referente à pesada dívida que certas denominações neopentecostais têm com a Receita(*). A nova lei isenta de vez igrejas e ‘igrejas’ de todo e qualquer tributo; além disso, concede perdão fiscal a elas por todos os débitos pendurados. Isso quer dizer: sonegaram, mas está tudo bem, a conta será dividida entre todos os brasileiros. É a socialização da safadeza.
No Brasil atual, sob a orientação do clã que nos dirige, a orientação é tirar dinheiro de empresas normais, que compram e vendem, para entregá-lo a ‘bispos’ auto-ordenados e trambiqueiros, que se tornaram bilionários à custa da ingenuidade alheia. Pode?
Bem voltemos a todos arroz. O cartaz tem poucas palavras, mas alguns grãos de areia incomodam.
1. Dado que o sujeito está no plural, o verbo deve acompanhar. “Estão limitados” ficaria melhor. Como o “está limitado” já vinha pré-impresso, vamos deixar barato.
2. “03 unidades”. Ah, esse zero inútil antes dos números é praga. Este blogueiro é do tempo em que dígito se chamava algarismo e valia por si, sem precisar da inútil companhia de um zero à esquerda.
3. Ainda “03 unidades”. Por que “unidades”? A palavra saco tornou-se politicamente incorreta? Pois acho que “3 sacos” fica melhor; são 3 sacos de arroz.
4. “Todos arroz”. Em duas palavras, dois escorregões. Primeiro, falta o artigo. Segundo, muita gente não sabe, mas arroz tem plural. É arrozes. Não é usual, mas no cartaz do supermercado caberia perfeitamente. Portanto: “Todos os arrozes”.
(*) Caso o distinto leitor queira, por curiosidade, saber se seu deputado foi cúmplice da aprovação dessa velhacaria, consulte a lista que a Câmara publicou com o voto de cada um. Pode-se ordenar por unidade da Federação, por partido ou por deputado. Clique aqui.