Bolsonaro no exílio

José Horta Manzano

Fugido do Brasil e autoexilado nos EUA, Bolsonaro sopra o calor e o frio. Um dia, diz que está de malas prontas para voltar; dia seguinte, informa que o retorno não tem data marcada. Ora vem, ora não vem.

Por age assim? Acredito que basicamente é pra mostrar-se vivo. Se, além de sumir de circulação, ficasse quietinho, seria dado por morto e descartado como carta fora de jogo.

É verdade que todos os seus planos foram por água abaixo e não lhe resta nenhum mourão ao qual se agarrar. As Forças Armadas do Brasil não o acompanharam, Trump não quis saber de recebê-lo, seus aliados estão aos poucos saindo de fininha para entender-se com o Lula. A 8.000 km de distância, com medo de voltar, o que é que o capitão pode fazer além de gesticular?

Observe agora a ilustração acima. É uma montagem de fotos extraídas de filmetes feitos por devotos que pagaram pra ouvir uma “palestra” de Seu Mestre num templo evangélico da Florida sábado passado. As imagens foram tiradas de filmezinhos amadores, de baixa qualidade, eis por que aparecem meio desfocadas.

Qualquer um pode notar que o ex-presidente engordou – e muito. Nessas fotos, não me parece que estivesse vestido com colete à prova de balas, como costumava andar no Brasil. O diâmetro do capitão é inteirinho dele mesmo. Imagino que a haute cuisine do Planalto esteja fazendo falta. Nos EUA, sozinho naquele casarão sem terreno onde está homiziado, sem a esposa (que já lançou seu grito de independência e voltou a Brasília), deve estar se alimentando de pizza, hambúrguer, batata frita e maionese em dose dupla.

Ao permanecer nos EUA, Bolsonaro dá sossego a muita gente. A ele, pra começar, que vai pra cama sem o pavor de ser acordado pela PF. Para seus devotos, porque a ausência de Seu Mestre mantém acesa a chama sebastianista de um hipotético retorno. E também para os não-bolsonaristas, que preferem vê-lo pelas costas.

Assim, sua ausência convém a todos. Que ele continue na Disneylândia!

Lula nos EUA

by Gilmar Fraga (1968-), desenhista gaúcho

José Horta Manzano

A imensa vantagem de Lula, em qualquer viagem internacional, é que sua fama chega antes dele. No Brasil, ele venceu a presidencial com 51% dos votos mas, se todos os eleitores dos países democráticos tivessem podido votar, ele teria levado com um placar soviético de 80% ou 90%. Em resumo: no exterior, o demiurgo conta com enorme capital de simpatia.

Em matéria de ideologia, Lula continua o mesmo. (Aliás, ninguém costuma mudar – algum ângulo mais pontudo da personalidade pode até ser limado, mas a essência permanece.) Pelas contas, estamos na versão Lula 3.0, mas o presidente continua empacado no ideário que já adotava nos tempos de líder sindical. O antagonismo entre “nós” e “eles” é marca de sua personalidade. O vitimismo do oprimido que se revolta contra o opressor está na base de sua cartilha.

Ele persevera na ideia de que redistribuição de riqueza se faz por decreto – daí a guerra declarada contra a política de juros do Banco Central. Lula realmente acredita que bastaria baixar os juros para eliminar a carestia. Não entende (ou não quer entender) que a economia não é ciência exata, e que qualquer mexida num dos pilares pode fazer o edifício desmoronar. Com juros baixos, capitais estrangeiros que hoje garantem o funcionamento do Estado brasileiro vão fugir em busca de mercados mais atraentes. Acontecendo isso, o governo trava.

Se Biden tocar no assunto da invasão da Ucrânia pelos russos, o fará por pura formalidade. O presidente americano já conhece a posição de Lula e sabe que não adianta insistir. De todo modo, para os EUA, um Brasil “neutro” é sempre melhor que um Brasil “solidário à Rússia”, como Bolsonaro um dia garantiu a Putin.

Lula adora navegar entre siglas que lhe parecem importantes. Sons como OEA, Mercosur, Celac, OCDE, Unasur são bálsamo para seus ouvidos. O Brics faz parte desses clubes. Aliás Lula acaba de indicar Dilma Rousseff para presidente do Banco do Brics, com sede em Xangai (China). A Rússia também faz parte do Brics. Com sua lógica peculiar, Lula acredita que não fica bem o Brasil por um lado, ser sócio da Rússia, e por outro condenar a invasão da Ucrânia. Prefere prestigiar o companheiro Putin, colega de clube, e dar de ombros para o povo ucraniano, que sofre as penas do inferno.

Nosso presidente dá preferência a manter acordos comerciais enquanto fecha os olhos para o massacre intencional de milhões de seres humanos promovido por Moscou no território de um país soberano. É o mesmo raciocínio que o faz apoiar gente asquerosa como os irmãos Castro de Cuba, Nicolas Maduro da Venezuela, Daniel Ortega da Nicarágua, Bachar El-Assad da Síria, os aiatolás do Irã, ditadores africanos.

Lula é considerado humanista. Pois é estranho que um humanista dê preferência a sacrificar um povo inteiro no altar das boas relações entre companheiros, mas a realidade é essa. Parece que a máscara de “pai dos pobres” de Lula é só pra inglês ver.

A viagem a Washington, por seu lado, não vai resultar em grandes avanços nem fortes recuos. Para Biden, será a ocasião de mostrar que o Brasil continua um grande aliado, não armado e não belicoso. Para Lula, vai marcar um início de mandato com pé direito, sendo recebido com honras pelo chefe de Estado mais poderoso do planeta. E os ucranianos que se danem.

A democracia resiste

by Marcos “Quinho” de Souza Ravelli (1969-), desenhista mineiro

 

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense de 28 janeiro 2023

Há sinais de recuperação da democracia ao redor do globo. Embora tímidos, acanhados e quase imperceptíveis, apontam para o lado positivo. Vamos a alguns deles.

A China, entre os países importantes, é o que tem o regime mais controlado e hermético, apesar de ser mais autoritário que comunista. Na comparação, a vida na Rússia – país onde até o vocabulário do cidadão é escrutado pra vigiar que nunca associe o nome ‘Ucrânia’ à palavra ‘guerra’ – parece solta e jovial.

Pois foi essa China que nos deu, no fim do ano passado, inesperada mostra de que o rigor das regras sociais pode ser afrouxado pela pressão popular. Quase três anos de confinamento estrito, por motivo de covid, estavam fazendo mal à economia e, sobretudo, à população. Parece que a transmissão dos jogos da Copa do Mundo deu origem à ira popular. A visão de estádios cheios de gente sorridente e sem máscara foi a gota d’água. Manifestações de indignação se alevantaram nas metrópoles chinesas, com coro de “Fora, Xi Jinping!” – afronta insuportável. Poucos dias bastaram para o rigoroso regime de “covid zero” ser abolido.

No Irã, faz meses que a população manifesta seu desagrado com o rigor da ditadura dos aiatolás. O triste destino de uma jovem que morreu enquanto detida pela polícia da moralidade pelo motivo de não usar direito o véu obrigatório foi o estopim da revolta popular. Dia após dia, a obstinada e corajosa juventude iraniana manifesta nas ruas sua insatisfação com o regime. A dura repressão já deixou centenas de cadáveres, mas a ira da população tem se mostrado à altura da mão pesada do governo. Em mais de quarenta anos de regime teocrático, é a primeira vez que o povo se queixa com tal intensidade. Pode bem ser o primeiro passo para a queda da ditadura.

Nos EUA, o campo antidemocrático liderado por Donald Trump sofreu profundo revés nas eleições de “mid-term”. Quando todos já se resignavam de assistir a uma arrasadora onda de eleitos trumpistas, o eleitorado democrata deu um sobressalto e limitou as perdas. A volta do bilionário à Presidência ficou um pouco mais problemática.

Na Itália, a primeira-ministra Giorgia Meloni vem se saindo melhor que o figurino. Ao assumir a chefia do governo, abjurou Mussolini e o fascismo, regime pelo qual havia demonstrado simpatia no passado. Juntou-se aos demais países da Otan e deu seu apoio ao envio de armas para que os ucranianos defendam seu território contra o invasor russo. Em uma palavra, a Signora Meloni civilizou-se. Fez desaparecer o lado assustador da extrema-direita. Caminha na boa direção.

No Brasil, as últimas semanas de 2022 e as primeiras deste ano foram turbulentas. Jair Bolsonaro, quando presidente, passou anos prevenindo o distinto público de que, se não fosse reeleito, se insurgiria contra o resultado das eleições. Numa preparação do que estaria por vir, chegou a avisar, ao corpo diplomático lotado em Brasília, a vulnerabilidade de nossas urnas eletrônicas.

Quando as eleições chegaram e o capitão foi derrotado, forte apreensão tomou conta da população não fanatizada. E agora? Será que o perdedor nos condenará a regredir a uma era de botas na calçada e brucutus no asfalto?

Em outros tempos, talvez a pólvora tivesse assumido o protagonismo e o país tivesse de novo mergulhado nas trevas. Numa mostra de que o horizonte nacional já está desanuviado de aventuras desse tipo, Bolsonaro emburrou, enclausurou-se no palácio e lá ficou dois meses – calado para o público externo, mas certamente ativíssimo na preparação do sonhado golpe.

O resto, todo o mundo sabe. Bolsonaro fugiu, e o 8 de janeiro viu o “Exército da Loucura” em ação. Quebraram vidros, mas não quebraram a lealdade de uma maioria de fardados responsáveis. Derrubaram peças de arte, mas não derrubaram a Lei Maior. Subiram no alto de palácios, mas não atingiram o topo do poder. O Brasil balançou mas não cedeu.

Agora, o espetáculo que nos proporcionam um ex-presidente homiziado no exterior, invasores rastaqueras na cadeia e financiadores acuados traz uma lufada de ar puro a nossa nação. É a prova de que, na hora agá, nossa democracia não se rompeu.

Resenha – 3

by Guy Valls (1920-1989), desenhista francês

José Horta Manzano

A queda
Quando o cidadão está lá em cima, forte e poderoso, é cortejado por todos. Já quando desce do pedestal, vai aos poucos escorregando para o ostracismo. O caso de Bolsonaro é mais grave ainda. Dado que, quando presidente, exorbitou, ofendeu, insultou, extrapolou e magoou, sua queda dramática o transforma em indivíduo tóxico. Todos o abandonam e ninguém quer ter o próprio nome ligado a ele. A queda é vertiginosa.

Nos EUA, numerosos parlamentares fazem pressão sobre Joe Biden para que dê um jeito de impedir a estada do capitão em território estadunidense. Que seja expulso o mais rápido possível.

Na Itália, parlamentares horrorizados com os acontecimentos de Brasília também se insurgem contra o capitão. Ele não se encontra na Itália (por enquanto), mas sua figura paira como mancha indesejada. É que em novembro de 2021, em sua passagem pela Itália, Bolsonaro recebeu uma homenagem por parte da prefeita da cidadezinha de origem de seus antepassados. Concederam a ele a cidadania honorária do município de Anguillara Veneta. Depois do golpe de Estado fracassado do 8 de janeiro, diversos eleitos pressionam a prefeita para que anule o título concedido. Não querem ver o nome da cidadezinha associado ao do “Trump dos trópicos”.

Na minha visão, é uma bênção que Bolsonaro esteja no exterior. A cada dia longe da pátria, sua fama de fujão vai se afirmando e sua aura vai empalidecendo. Dependesse de mim, faria tudo para que ele nunca mais pisasse solo brasileiro. Quanto mais longe estiver, melhor será. O homem é nocivo e perigoso demais.

Ecos do 8 de janeiro
Encontrei na imprensa alemã as expressões mais veementes para descrever os terríveis acontecimentos de nosso 8 de janeiro em Brasília.

A malta que invadiu os palácios foi chamada de “Armee des Wahns”, ou seja, Exército da Loucura. Excelente definição.

Li também a afirmação seguinte: “Die Wut der Massen entstammt dem Gift des Populismus”, que se traduz por “A fúria das massas tem origem no veneno do populismo”, uma verdade histórica.

Parafraseando movimentos como a “Internacional Socialista” e a “Internacional Operária”, a mídia alemã tascou outra boa etiqueta para a turba:
“Die Internationale der Verschwörungsgläubigen”, que é
“A Internacional dos Crentes da Conspiração”.

Avaliação Lula x Bolsonaro
Pesquisa do Ipec apura que 55% dos brasileiros acreditam que o governo Lula será melhor que o governo Bolsonaro. Deduz-se que os demais, ou seja 45% dos brasileiros, são de outra opinião. Os números (55% x 45%) se aproximam do resultado do segundo turno (51% x 49%). Em outros termos, quem votou no Lula acha que o novo governo será melhor que o anterior. E quem votou Bolsonaro persiste em acreditar que bom mesmo era antes. Nem precisava de pesquisa.

Roraima
Bolsonaro passou quatro anos hostilizando a Venezuela, fechou embaixada, tirou pessoal diplomático, diabolizou o regime. Esbravejou e cantou de galo em cima do desprezível vizinho. Mas não se preocupou em conectar a rede de energia elétrica roraimense à rede brasileira. Roraima é o único estado da Federação cuja rede elétrica é desconectada do resto do país. Até hoje, é a Venezuela que fornece energia ao estado.

O capitão bradava: “Que ninguém ouse botar a mão na Amazônia!”, enquanto entregava a segurança energética de um vasto pedaço de nossa Amazônia aos caprichos de um ditador estrangeiro. Mais uma vez está feita a prova de que o nacionalismo dele é só de fachada, pra inglês ver.

Surpreendente
Em carta escrita nesta quarta-feira 18 janeiro 2023 e endereçada aos dirigentes do mundo inteiro, que estão atualmente reunidos no Fórum Econômico de Davos (Suíça), mais de 200 bilionários provenientes de 13 diferentes países afirmam que querem pagar mais impostos. Estudos especializados indicam que o patrimônio dos ultrarricos aumentou em 50% nos últimos dez anos.


“Vocês, nossos representantes no mundo, têm de aumentar nossos impostos, e isso tem de começar agora. Trata-se de uma medida simples e de bom senso.”

Trecho da carta


Na lata, ao tomar conhecimento da carta, o ministro francês da Economia convidou todos a irem morar na França. Explicou que se tratava de um dos países onde se pagam mais impostos no mundo e completou: “Saberemos cobrar de todos vocês”. Bem-vindos!

Top names 2021

José Horta Manzano

O mundo está cada vez menor. É impressionante constatar a que ponto a velocidade dos meios de transporte encurtou distâncias. A rapidez da circulação da informação tem contribuído para essa sensação de que o planeta virou um povoado. Todo o mundo fica sabendo de tudo o que acontece. O alastramento de modas e modismos acaba uniformizando o gosto dos humanos.

Exemplos, há de monte. Hoje trago mais um. Dei uma espiada em duas listas de prenomes mais atribuídos aos bebês nascidos em 2021. A primeira delas reúne as estatísticas dos EUA; a segunda traz os nomes dados aos pequerruchos nascidos em Paris.


Nos EUA e na França, diferentemente do que acontece no Brasil, é pouco comum a invenção de nomes. Mais raro ainda – pra não dizer inexistente – é o acréscimo de letras a esmo, em geral mal colocadas (Jhonatan, Anitta, Deyvid, Dennise).


Nomes bíblicos aparecem tanto entre os americanos como entre os franceses. O mais curioso é que, apesar das diferenças linguísticas entre os países, três nomes aparecem em ambas as listas – e escritos da mesmíssima forma. Confira abaixo.

Nomes mais atribuídos nos Estados Unidos em 2021

Meninos:

1. Liam
2. Noah
3. Oliver
4. Elijah
5. James
6. William
7. Benjamin
8. Lucas
9. Henry
10. Theodore

Meninas:

1. Olivia
2. Emma
3. Charlotte
4. Amelia
5. Ava
6. Sophia
7. Isabella
8. Mia
9. Evelyn
10. Harper

Nomes mais atribuídos na cidade de Paris em 2021

Meninos:

1. Gabriel
2. Adam
3. Louis
4. Raphaël
5. Arthur
6. Noah
7. Isaac
8. Joseph
9. Mohamed
10. Léon

Meninas:

1. Louise
2. Alma
3. Emma
4. Adèle
5. Chloé
6. Anna
7. Olivia
8. Eva
9. Jeanne
10. Rose.

Os nomes assinalados em cor aparecem entre os favoritos em ambos os países.

Dois avisos

José Horta Manzano

Na quarta-feira 18 de maio, a Casa Branca mandou dois avisos.

Primeiro aviso
Suécia e Finlândia apresentaram seu pedido oficial de entrada na Otan. Para refrescar a memória, a Otan é uma aliança militar de defesa mútua do tipo “um por todos, todos por um”. Inclui os EUA, o Canadá e praticamente todos os países europeus, com exceção das micronações e dos países neutros (Suíça e Áustria).

No fundo, o interesse maior de cada membro do clube é abrigar-se debaixo do “guarda-chuva” nuclear dos Estados Unidos, a maior potência militar do planeta. É a melhor garantia contra agressões como a que a Ucrânia está sofrendo.

Só que tem um problema. A admissão da Suécia e da Finlândia não será imediata. O processo pode levar 6 meses ou mais. Enquanto isso, tecnicamente os dois países não fazem parte da aliança e, em princípio, não contam com sua ajuda.

É um período perigoso. Se sofrerem um ataque – da Rússia, de quem mais? – terão de se defender sozinhas.

O presidente Biden mostrou ter entendido o drama. Ontem mesmo a Casa Branca publicou um comunicado oficial garantindo que, mesmo neste período em que o procedimento de adesão não está finalizado, os EUA acudirão Finlândia e a Suécia “para deter e enfrentar toda agressão ou ameaça de agressão”. Traduzindo: para os EUA, os dois países já fazem parte do clube.

O recado foi direto para Putin: mexeu com eles, mexeu comigo. Não ouse!

Segundo aviso
No mesmo dia, Elizabeth Bagley, diplomata indicada por Biden para o cargo de embaixadora dos EUA em Brasília, foi sabatinada pelo Congresso americano.

Durante a audição, a diplomata lembrou que tem 30 anos de experiência em supervisão de eleições ao redor do mundo. Disse ter certeza de que as eleições brasileiras de outubro serão livres e justas, dada a tradição do país nesse particular.

Com estilo diplomático, fez uma referência leve mas incisiva ao comportamento do capitão, que tem feito o que pode para conturbar o processo eleitoral. A nova embaixadora mostrou estar ciente de que “os tempos serão difíceis” por causa “da quantidade de comentários”. Não chegou a apontar o autor dos “comentários”. Nem precisava.

São múltiplas as maneiras de exercer pressão sobre um país. Nem sempre é necessário recorrer a uma invasão. A futura embaixadora americana traz na sacola recados para o capitão. Se ele continuar a perturbar o processo eleitoral e, pior ainda, se ousar tentar derrubar a ordem constitucional, as consequências serão imediatas e vigorosas.

Diferentemente do que Bolsonaro parece acreditar, os países no mundo atual são interdependentes. O Brasil não é uma ilha. Nosso país depende de tecnologia estrangeira para funcionar. Um avião enguiçado precisa de peças americanas. Um aparelho de ressonância magnética é fabricado no exterior. Nossa indústria – química ou mecânica – é tributária de insumos americanos.

O que a embaixadora dirá a Bolsonaro – e que não sairá nos jornais – é justamente isto: se vosmicê ousar dar “aquele” passo torto, a torneirinha vai fechar e o Brasil vai parar. Será um caos. Um embargo americano pode ser extremamente dolorido, que o digam Cuba e o Irã.

Com o país enguiçado e o povo revoltado, quem vai levar um chute no traseiro é vosmicê.

Pronto, já lhe dei o aviso adiantado.

Quem vai ganhar a guerra?

José Horta Manzano


Como diz o outro, fazer prognósticos é muito difícil, especialmente para o futuro.


Pra responder à pergunta “Quem vai ganhar a guerra?”, é preciso primeiro saber o que se entende por “ganhar a guerra”.

Rússia
Para a Rússia, ganhar a guerra consistiria numa anexação pura, em que a Ucrânia seria engolida inteira, crua, sem mastigar. A crer nas falas de Putin, a vitória seria coroada pela total ‘desnazificação’ do país – o que subentende a derrubada do governo atual e sua substituição por um governo vassalo. O ditador russo cometeu a afronta de afirmar que a Ucrânia não existe como país, que não passa de uma invenção de prancheta, que aquele território foi, é e sempre será russo.

Decorridos dois meses desde o início da invasão, vai ficando evidente que a Rússia não tem como atingir os objetivos fixados. Submeter e ocupar um país cabisbaixo e desarmado é uma coisa; vencer e se apossar de um país habitado por gente bem armada e disposta a defender seu solo palmo a palmo é outra coisa. Nem o analista mais pró-Putin consegue vislumbrar a bandeira russa ondulando no topo de todas as prefeituras do país.

Nesses termos, a Rússia, desde já, perdeu a guerra. Movimenta-se, agita-se, ameaça o mundo com guerra nuclear. Mas não passa de figuração – pelo menos, é o que se espera. É ponto pacífico que não atingirá os objetivos iniciais.

Ucrânia
Para a Ucrânia, a vitória seria a total expulsão do exército russo do território pátrio, incluindo Crimeia e Donbás. Seria a reconquista de todo o terreno que as tropas russas ocuparam nestes meses de guerra. Impossível não é, mas não será tarefa fácil. A Ucrânia tem drones, mas não tem mais aviação. Tem mísseis antitanque, mas não tem mísseis de longo alcance. Não dispõe de forças navais. Nesse particular, por mais que o Ocidente forneça armamento aos ucranianos, os meios da Rússia serão sempre superiores.

A Ucrânia está semidestruída. Suas cidades foram bombardeadas, aeroportos estão impraticáveis, pontes foram dinamitadas, edifícios, teatros e hospitais foram pulverizados, a infraestrutura foi seriamente danificada.

Nesses termos, pode-se dizer que também a Ucrânia, desde já, perdeu a guerra.

Conclusão
A fim de evitar uma longa guerra de posição, como não se via desde as trincheiras da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), as partes beligerantes terão de sentar-se ao redor de uma mesa e chegar a um acordo. Nenhum dos lados vai atingir seus objetivos. Mas não há outro jeito. Em seguida, cada dirigente poderá apresentar a seu povo a “narrativa” que lhe parecer mais conveniente.

A grande ganhadora deste conflito está a milhares de quilômetros do front. É a China, que, sem disparar um tiro, tem agora a Rússia a seus pés. Uma Rússia que precisa vender seu gás, seu petróleo e seu trigo. Uma Rússia que precisa importar insumos e peças tecnológicas. Pelos próximos anos, as normas do comércio exterior russo e, até certo ponto, da economia russa serão ditadas pela China.

No resultado final, a Rússia sai humilhada e diminuída. A Otan sai ressuscitada. Os EUA mostram quem é que dá as ordens no mundo ocidental. A União Europeia prova que, quando se sente ameaçada, tem capacidade para dar resposta rápida, unânime e enérgica. E a China, que ganha a Rússia como fornecedor e cliente preferencial, continua crescendo.

No cavalo certo

José Horta Manzano

Em 2019, as eleições presidenciais argentinas estavam sendo preparadas. Todos já sabiam que o presidente Mauricio Macri, candidato à própria sucessão, não tinha chance. Bolsonaro passou por cima das evidências. Foi até lá, trocou beijos e abraços com o dirigente argentino e ainda ousou criticar o adversário. Deu no que deu: o adversário ganhou – o que todos já sabiam que ia acontecer, menos o capitão. As relações Brasil x Argentina se complicaram.

Em 2020, foi a vez das presidenciais americanas. Os prognósticos se apresentavam apertados. Nem a vitória de Trump, nem a de Biden estava garantida. Bolsonaro passou por cima da reserva a que todo chefe de Estado inteligente se obriga nessas horas. Com palavras e atos, foi ostensivo ao sustentar Donald Trump. Encerrada a contagem dos votos, constatou-se que o presidente não havia sido reeleito. Inconformado, Bolsonaro negou a realidade quanto pôde, e foi um dos últimos dirigentes mundiais a reconhecer que tinha perdido a aposta. As relações Brasil x EUA se complicaram.

Em 2021, chegou a hora das eleições chilenas. As pesquisas hesitavam em apontar claramente o vencedor. Em situações assim, a prudência ensina que chefes de Estado estrangeiros devem evitar demonstrar claramente sua preferência por este ou por aquele. Nunca se sabe. Mas Bolsonaro não reza por essa cartilha. Pra piorar, não deve ter assessores qualificados. De novo, apostou no cavalo errado. Botou todas as fichas em cima de Señor Kast, candidato da extrema direita. Ganhou Señor Borić, um jovem esquerdista. As relações Brasil x Chile se complicaram.

Neste mês de abril de 2022, é a França que está em pleno processo eleitoral. O mandato do presidente Macron se encerra dentro de poucas semanas. Pela lógica, nosso capitão já teria se jogado nos braços de Marine Le Pen, candidata da direita extrema. Mas tem um porém.

Um dia, em nossa eleição de 2018, quando Bolsonaro já tinha passado para o segundo turno, Madame deu uma entrevista à televisão francesa. Entre um assunto e outro, o apresentador mencionou o nome de Bolsonaro, naquele momento candidato à Presidência do Brasil, e o classificou como “de extrema direita”. Em seguida, perguntou à política francesa o que ela achava do brasileiro. Madame declarou que “não é só porque alguém costuma dizer coisas desagradáveis que se deve logo colar-lhe uma etiqueta de extrema direita”. Ficou claro que ela repelia o capitão. É certamente baseado nessa declaração que ele se absteve de tomar partido na atual disputa francesa, que voltou a alçar Madame Le Pen ao segundo turno.

Quanto ao Lula, mostrou mais uma vez que, mesmo sendo fraquinho em geopolítica, de bobo não tem nada. No primeiro turno, apoiou Monsieur Mélenchon, velho militante da esquerda radical, que completa 71 anos este ano. Pois não é que o homem quase passou para o segundo turno? Com 22% dos votos, faltou um nadinha pra ultrapassar Madame Le Pen, que obteve 23,4%.

Ao apoiar Mélenchon, o Lula estava também retribuindo a visita que o político francês lhe fez quando mofava no cárcere úmido de Curitiba. O destino não quis que o companheiro francês passasse ao segundo turno. No discurso pronunciado assim que foram conhecidos os nomes dos finalistas, Mélenchon dirigiu-se a seus eleitores e, alto e bom som, deu-lhes a recomendação para o segundo turno: “Nenhum voto para a extrema-direita!”. Para deixar bem claro, pronunciou quatro vezes a mesma frase.

Mélenchon recomendou a seus eleitores que não votassem na extrema direita, mas não teve peito pra pedir voto para Macron. Deve ter achado que era demais. Assim sendo, deixou seus apoiadores livres para se absterem, votarem em branco, anularem o voto ou eventualmente votarem em Macron. Em resumo, fez o serviço pela metade.

O Lula, que está ciente de ter boas chances de vencer a eleição brasileira, foi mais realista. Já que o companheiro Mélenchon ficou pelo caminho, lançou uma série de tuítes conclamando a derrotar a extrema direita francesa. Foi ainda mais longe que o militante francês. Deu serviço completo. Acrescentou que votar em Emmanuel Macron é fundamental porque ele “encarna melhor os valores democráticos e humanistas”.

Lula está agindo com esperteza. Em primeiro lugar, está se valendo da antipatia que Bolsonaro espalhou pelo mundo, especialmente na França. Portanto, ao apoiar o provável vencedor das presidenciais, ganha pontos. Em segundo lugar, Lula sabe que tem boas chances de ser o próximo presidente do Brasil. Um Macron reeleito e que foi apoiado pelo demiurgo estará pronto a abrir os braços para um Lula eleito e que o apoiou.

Quando insultou Brigitte Macron e quando se indispôs com meio mundo, o empacado Bolsonaro não pensou no dia seguinte. O Lula já está pensando no futuro que terá início com sua (provável) volta ao Planalto.

Entre Bolsonaro e Lula, há muitos pontos convergentes e alguns divergentes. Ambos amparam a corrupção, adoram acertos e conchavos, dirigem o país de olho no retrovisor. Uma das poucas diferenças é que o Lula pensa.

Que tal ir ao essencial?

José Horta Manzano

Não sou lulista nem nunca fui. Não sou bolsonarista nem nunca serei. Não acredito que o Lula, eleito, venha a fazer bom governo, visto que nunca fez. Não acredito que Bolsonaro, reeleito, venha a fazer bom governo, visto que nunca fez.

Se alguém tiver alguma dúvida, está convidado a percorrer este blogue, que já está completando dez anos. Aqui na coluna da direita, há um campo mostrando as “tags” mais frequentes. Basta clicar em “Lula”, por exemplo, e aparecerão todos os artigos em que o ex-presidente é mencionado. O mesmo vale para Dilma, Bolsonaro & tutti quanti. Fica a dica.

Gosto de deixar as coisas bem claras logo de entrada. Nestes tempos estranhos, muitos enxergam um mundo em preto e branco: quem não é de um lado só pode ser do outro. E vice-versa. Comigo não funciona assim. Sou capaz de encontrar (se bem que é difícil) algum detalhe positivo nos longos governos lulopetistas. Seria também capaz de encontrar (se bem que é quase impossível) algum detalhe positivo no interminável mandato do capitão.

Isso posto, vamos ao ponto. Estes dias, boa parte do Brasil pensante está indignada. Como fariseus, batem no peito e juram que jamais se comportariam assim. Refiro-me às viagens que um certo senhor Frias & assessores empreenderam aos EUA. Pelo que dizem, o indigitado senhor, encarregado de cuidar da cultura em nosso país(!), só não participou do segundo convescote por estar em licença-covid.

Um punhado de auxiliares teriam dado os dois passeios, um a Nova York e o outro à Cidade dos Anjos, como costumam dizer os franceses (Los Angeles). Leio hoje, em artigo da Folha, que um subsecretário gastou cerca de 20 mil reais numa estada de 5 dias em LA.

Ao câmbio atual, a quantia corresponde a 3.900 dólares. Não é dinheiro de pinga, é verdade, mas convenhamos, não me parece nenhum despropósito. Sem dúvida, o homem podia ter passado uma semana comendo hambúrguer, mas parece que engorda. Podia também ter viajado de ônibus, mas ia demorar mais. Além disso, pra atravessar a América Central, ia ter de se vacinar contra a malária; como bom discípulo do capitão, talvez recusasse a picada.

Enquanto isso, o capitão bloqueou o Aerolula por uma semana pra ir dizer pessoalmente a Vladímir Putin que se solidariza com ele, numa daquelas gafes pesadas, que esgarçam nossa imagem no exterior. Ele nos pôs no nível da Nicarágua, da Venezuela, da China, da Bielo-Rússia, do Cazaquistão e da Quirguízia: todos se solidarizam com a Rússia. Estamos em boa companhia.

Acho interessante que, enquanto estão todos crucificando o sub do sub por ter assimilado rápido as regras da casa e agido como agiria o chefe do clã, ninguém está fazendo as contas de quanto o vexame internacional moscovita custou aos cofres do país. Viagem presidencial começa uma semana antes, com os “batedores” que abrem a picada. E dá-lhe avião da FAB, diárias de hotel, restaurantes e gastos anexos. A comitiva presidencial compõe-se de dezenas de convidados, uns úteis (ex: grandes importadores e exportadores), outros inúteis (ex: o filho do capitão, vereador do RJ).

Bolsonaro jura que a hospedagem em Moscou, em suites com diária de 100.000 reais, foi mimo do governo russo. Pode até ser, mas fico de pé atrás. De qualquer maneira, não foi com o cartão corporativo de Putin que a multidão de acompanhantes pagou suas diárias. Nem a alimentação. Nem os extras. Nem as matriochkas que vieram na bagagem de volta.

Tenho dificuldade em entender por que razão os que têm voz se jogam em cima do peixinho e deixam escapar o tubarão. Será por medo? Falta de informação? Falta de vontade?

É bom ter em mente que, se o peixinho se permite desvios de comportamento é porque se sente coberto por seus superiores hierárquicos. Que também se sentem acobertados. E assim por diante, até chegar ao chefão. Isso não é “Lei de Murphy”, é simplesmente a realidade.

Tem outra coisa. No caso da viagem do sub do sub a Los Angeles, seria mais útil deixar de lado, por um instante, o custo da viagem e se interessar pelo objetivo do passeio. O que é que o rapaz foi fazer lá? Com quem se encontrou? Que pito toca essa pessoa? Há relatório escrito? Que diz esse relatório? Foram concluídos negócios? Foi assinado um protocolo de acordo? Quais são as perspectivas de futuro? Qual é o interesse do país nesse gasto de tempo, energia e dinheiro nosso?

Esse é o tipo de questionamento que está a fazer muita falta. Estamos nos perdendo nos considerandos sem nunca chegar aos finalmentes.

Partido Democrata x Partido Republicano

José Horta Manzano


“In our closely divided and highly polarized country, each party is likely to hold power at some point in coming years. But when the Republican Party does, it may change the rules to ensure that it remains in power, as Trump tried in 2020 and as Viktor Orban has done in Hungary.”

“Em nosso país extremamente dividido e polarizado, cada um dos partidos tem chance de assumir o poder nos próximos anos. Mas quando chegar a vez do Partido Republicano, ele pode mexer nas regras a fim de garantir sua permanência no poder, como Trump tentou em 2020 e Viktor Orbán conseguiu na Hungria.”

David Leonhardt, em artigo no The New York Times, 6 jan° 2022


No Brasil, a inacreditável pulverização partidária torna menos viável essa sombria possibilidade que pesa sobre os EUA.

Nosso sistema de coalizão por cooptação faz que a maioria parlamentar se desloque sistematicamente em direção ao centro do poder, pouco importando quem for o chefe do governo.

Entre nós, etiquetas partidárias importam menos que interesses pessoais e paroquiais. No Brasil, o voto ideológico não passa de figura de linguagem. Nunca vai além do palanque eleitoral.

De certo modo, é até bom que assim seja.

A história se repete

José Horta Manzano

O general João Baptista de Oliveira Figueiredo presidiu o Brasil durante exatos 6 anos, de 1979 a 1985. Foi o último presidente do período militar. Conhecido por seu falar franco, era um tipo sem papas na língua.

Apesar disso, que fique bem claro, não chegava nem perto da vulgaridade nem do linguajar chulo do capitão que ocupa hoje o mesmo cargo. Comparado a Bolsonaro, Figueiredo era um fidalgo. Não privei da intimidade do presidente, mas tenho certeza de que, na presença de dona Dulce, sua mulher, ele não soltava os palavrões que Bolsonaro solta diante de qualquer um, para um Brasil enojado ouvir.

Naquele começo da década de 1980, o regime já começava a amansar. A censura estava afrouxada. Os exilados retornavam. Não havia mais presos políticos. O sol começava a despontar no horizonte. Pois foi justamente nesse período cheio de promessas que o general sofreu um infarto.

Os brasileiros, habituados a tramas e golpes urdidos nos círculos do poder, ficaram ressabiados. Com um Figueiredo impossibilitado de presidir, como é que ficaria? Quem tomaria seu lugar? E a abertura democrática – continuaria ou não?

Bem ou mal, o presidente se recuperou do ataque. Mas não completamente. Naquela época, a medicina no Brasil estava defasada com relação a países mais adiantados. Ricos e poderosos, quando gravemente enfermos, procuravam ajuda médica no exterior.

Em 1983, dado que os problemas cardíacos do general continuavam incomodando, ele decidiu tratar-se nos EUA. Foi internado numa clínica de Cleveland, onde lhe implantaram duas pontes (nome que muitos aportuguesam para “bypass”, bem mais chique), uma de safena e outra de mamária. Depois da intervenção, com seu linguajar pouco aveludado, Figueiredo chegou a comentar que se sentia “como um peru de Natal, todo costurado”.

De lá pra cá, o Brasil avançou muito nas ciências médicas. Hoje em dia, é raro alguém procurar tratamento no exterior, seja para uma simples vacina, seja para cirurgias complexas. Em geral, os bons hospitais nacionais estão capacitados para atender a todos os casos.

Bem, nem todos os cidadãos seguem as mesmas regras. Há os que estão (ou imaginam estar) por cima da carne seca, como se diz. Quarenta anos depois dos problemas coronários de Figueiredo, a atual primeira-dama deu o ar de sua graça nesse palco iluminado.

Como todos ficaram sabendo, Madame Bolsonaro decidiu estender o braço para ser vacinada contra a covid justamente durante uma breve estada em Nova York. Por que razão fez isso? Por que repudiou a vacina daqui? É difícil saber.

Podia até ter guardado silêncio, que ninguém teria jamais descoberto. Mas o marido, linguarudo, dedurou numa entrevista. O que ele pretendia reafirmar é que ele, pessoalmente, não tinha tomado vacina, não estava tomando e não tinha a menor intenção de tomar. O nome da primeira-dama entrou na conversa assim como Pilatos entrou no Padre-Nosso: era pra ser uma citação dita “en passant”, mas foi o que marcou a fala.

O resumo da novela ficou feio, até para os padrões bolsonáricos. O presidente confessou, sem se dar conta, que não manda nem em casa. Não tem voz ativa. Embora continue remando contra a corrente e batendo o pé na sua estúpida convicção antivax, a mulher se vacinou. Os filhos também estenderam o braço para a picada anticovid. Isso prova que seus conselhos não são seguidos nem pela família, que dirá pelo resto da nação.

Aerolula x Aerobolso

José Horta Manzano

Acho que ninguém esqueceu de quando, no longínquo março de 2020, Bolsonaro foi visitar o amigo Trump, que o recebeu em seu resort particular de Mar-a-Lago.

Na volta, 22 integrantes da comitiva, que tinham viajado no Aerolula (que agora deveríamos chamar de Aerobolso ou talvez Aeronaro) receberam resultado positivo no teste anticovid. Vinte e dois!

Passou-se exatamente um ano e meio durante o qual Bolsonaro praticamente não viajou para o exterior. Por um lado, foi por causa da covid. Por outro, é porque ninguém quer ser visto ao lado do capitão. Dado que fogem dele como da peste, ninguém o convida.

Ele então aproveitou a ocasião da abertura dos trabalhos anuais da ONU para dar um pulinho a Nova York. Aproveitou pra vacinar a esposa e pra levar a turma pra espairecer, gastar nosso dinheiro em hotéis estrelados e fazer umas comprinhas com o cartão corporativo. A ONU de Nova York é o único lugar aonde ele pode ir sem ser convidado, ainda que o preço a pagar seja comer pizza na calçada.

Na volta, os infetados por covid já começaram a aparecer. O primeiro foi o próprio ministro da Saúde (da Saúde!), aquele que cometeu o delicado gesto de apontar o dedo maior em riste aos que demonstravam não gostar do chefe dele. Em seguida, começa a cair gente graúda. Saiu hoje a notícia que o presidente da Caixa é a 4a vítima. Se não apareceu mais gente contaminada, é porque muitos – provavelmente todos, com exceção de Bolsonaro – estão vacinados.

Esse avião presidencial está mais pra navio fantasma, embarcação mal-assombrada, carroça com urubu trepado. Será praga do presidente barbudinho que preferiu comprar essa aeronave, deixando pra trás a nacional Embraer?

Não sei, mas, se fosse eu, mandava benzer esse avião. Eu é que não punha os pés lá dentro, nem que me pagassem.

Militares nos EUA e no Brasil

Nos EUA, militares seguiram a lei em vez de Trump, e afastaram temor que agora há no Brasil

Pedro Doria (*)

Comandante do Estado-Maior das Forças Armadas americanas, o general Mark Milley discursou em novembro de 2020 sobre o dever de cada militar em sua visão, após o presidente Donald Trump promover uma série de mudanças no alto escalão do Pentágono. “Não fazemos juramento a um rei”, ele afirmou, “a um tirano ou a qualquer pessoa. Juramos defender a Constituição dos Estados Unidos.”

O cargo de Milley está acima do dos três comandantes de cada uma das Armas e ele é o militar mais graduado do país, imediatamente abaixo do secretário da Defesa, que em geral é civil. Existe um motivo para que, em democracias liberais, militares não possam se manifestar politicamente. Não é uma razão trivial. É, isso sim, uma razão da qual depende a essência da democracia.

As Forças Armadas são, o próprio nome diz, a instituição mais armada de uma nação. Tem tanques, mísseis, caças, toda sorte de armas, e profissionais especialistas em seu manuseio. Elas precisam existir. Se um país é atacado, precisa se defender. A existência de Forças Armadas já é um motivo para evitar guerras.

Mas isso cria, para democracias, um dilema. Armam-se essas instituições e seus integrantes – e o que acontece se elas decidem se envolver em política? O debate público não pode envolver violência. Não pode, portanto, ter a participação de elementos que ameacem de alguma forma, com violência, a defesa de seus ideais. É por isto que qualquer cidadão, quando escolhe a carreira militar, abre mão imediatamente de se manifestar publicamente sobre política.

Porque tem acesso às maiores armas de um país, não pode entrar no debate sobre política. É preciso que o debate público ocorra sem que um lado tenha força militar.

Não é uma peculiaridade do Brasil. Está no alicerce de qualquer democracia. O que o alto-comando do Exército decidiu na quinta-feira, ao não punir o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello por ter participado de uma manifestação com o presidente Jair Bolsonaro, é, portanto, isto: militares já podem se manifestar publicamente em favor do presidente da República. Uma decisão temerária: o Exército acaba de se colocar na política.

(*) Pedro Doria é jornalista e escritor. O artigo foi publicado no jornal O Globo de 4 junho 2021.

Indulto presidencial

José Horta Manzano

Ao apagar das luzes, sempre aparece algum engraçadinho pra fazer travessuras. Tem que desconfiar do último minuto; é justamente quando ninguém mais espera, que o demônio ataca.

O instituto da graça presidencial é resquício do Ancien Régime. De fato, no regime absolutista anterior à Revolução Francesa de 1789, quando a lei seguia apenas a vontade do rei, o monarca tinha o poder de condenar ou até graciar um cidadão. Reis já se foram faz tempo, mas muitos países conservaram o princípio da graça presidencial.

Os Estados Unidos, a França e o Brasil estão entre esses países. Na falta de dirigentes de sangue azul, é o presidente da República quem tem a prerrogativa de indultar e graciar – nossa Constituição fala em conceder indulto e comutar penas.

Na minha opinião, é instrumento poderoso demais para ser confiado a um só indivíduo, ainda que fosse o presidente. Tem de ser muito bem enquadrado pela lei, o que não me parece ser o caso dos EUA.

De fato, um dia antes de deixar a Casa Branca, Mr. Trump extinguiu a pena de 70 pessoas e comutou a sentença de 73 outros indivíduos. Todos são pessoas de suas relações.

Chamada G1, 20 jan° 2021

Não sei o que pensa o distinto leitor, mas esse dispositivo consitucional me parece uma excrescência, uma prática que combinava com a época de Luís XV, mas que hoje soa anacrônica.

Seja como for, o artigo do G1 contém uma imprecisão. O indulto é sempre coletivo. No Brasil, a concessão de indulto natalino é habitual; ele é concedido a toda uma categoria de sentenciados; por exemplo: os condenados a penas mais curtas do que 4 anos, não reincidentes, sem sangue nas mãos. Não se escolhem os beneficiários, vai a  categoria inteira, desde que responda aos requisitos.

Quando se perdoa a pena de um indivíduo isoladamente, não é indulto, mas graça. Deve-se dizer que o presidente graciou fulano de tal. Apesar de ter perdoado a pena de 70 pessoas, Trump não o fez coletivamente, mas individualmente. Eles não faziam parte de uma categoria precisa; o único ponto comum entre eles era serem todos amigos seus.

A meu ver, a graça presidencial seletiva não devia poder ser exercida pelo chefe do Executivo. Se a Justiça condenou, cabe à Justiça repensar, rever, reestudar, reconsiderar e, eventualmente, extinguir a pena. Essa possibilidade de o rei graciar seus amigos me parece destoar feio da democracia em que imaginamos viver.

Observação
O exemplo dado por Trump há de ter sido anotado com esperança e alegria pelo clã dos Bolsonaros. Se a Justiça condenar algum dos rebentos antes do término do mandato do pai, é mais que provável que o sentenciado seja graciado. Mais vale esperar que o doutor seja despachado de volta à insignificância de onde nunca deveria ter saído.

Cloud Oracle

José Horta Manzano

Quem viver, verá. Mas quem viveu, já viu. Quem conheceu as eleições brasileiras pré-urna eletrônica sabe o que é bom pra tosse.

Pra voltar àquela época, precisa fazer um esforço de imaginação. Pense num Brasil com 50% da população vivendo na zona rural, em localidades remotas e de difícil acesso. Imagine urnas sendo transportadas por estrada de terra (ou de lama), num país sem computador, sem internet, (quase) sem telefone, com rede elétrica periclitante.

Pesquisas prévias não estavam na moda. Só a apuração valia – e como era lenta! Os primeiros resultados, bem parciais, só começavam a surgir lá pelo quarto ou quinto dia. Pra contar todos os votos, levava uns quinze dias. Mas era assim mesmo, e a gente já estava feliz de ter eleições, num mundo bipolar em que a maior parte da humanidade não dispunha desse luxo.

Estes dias, o TSE – órgão que dá as cartas em matéria de eleições – está apanhando de todos os lados. Governo, parlamentares e povo se uniram pra apedrejar o Tribunal. E tudo isso por quê? Porque estamos todos mal acostumados. Esperávamos o resultado em duas horas, mas ele levou uma noite inteira. O pior é que não é difícil imaginar quem encomendou e pagou os piratas internéticos.

Quanto à demora, não vejo razão pra tanto assanhamento. Veja o que se passa nos EUA. Entendo que o voto lá é mais complexo, o eleitor tendo de se pronunciar em numerosos assuntos. Assim mesmo, demoram muito pra contar. Hoje, exatamente 15 dias depois do dia do voto, a apuração ainda não terminou.

Até que nossa demora é rápida…

Inefável presidente

José Horta Manzano

Pessoas públicas – em especial as que ocupam cargos majoritários, como prefeito, governador e presidente – vivem sob os holofotes. É natural. Se quisessem passar a vida incógnitos e abrigados pela sombra discreta de uma mangueira, não se candidatariam.

Uma vez eleitos, conquistam privilégios e mordomias que não são accessíveis à plebe. Em compensação, sua existência perde a privacidade garantida aos demais mortais. Daí dizermos que são ‘pessoas públicas’. Antigamente bastava dizer homens públicos, mas a a linguagem politicamente correta de hoje quer que se mencionem todos os gêneros, sem deixar nenhum de fora; a palavra ‘pessoa’ cumpre a exigência.

Personagens públicos têm agenda pública, são vigiados da manhã à noite, seus deslocamentos são acompanhados. Até suas férias são esquadrinhadas. Ainda que andem na linha, serão analisados e criticados. Se saírem do bom caminho, então, serão alvo de uma torrente de críticas, que podem tomar o rumo perigoso da destituição do cargo.

Políticos mais espertos, que conseguem ser discretos, escapam desse olhar desconfiado e inquiridor. Já os outros, estabanados, se expõem demais da conta. Nesta última categoria, está nosso inefável(*) presidente da República.

Se fizesse um esforço pra conter a língua, seus defeitos, que são incompatíveis com o exercício do cargo, ficariam na sombra. Ao não se dar conta disso, o moço tropeça em perna de cadeira, procura casca de banana pra escorregar, se aventura de chinelão em solo ensaboado. Resultado: dia sim, outro também, tropica. E se esborracha que dá gosto.

Idade Média: vassalo prestando juramento a seu suzerano.

Com a perda de seu mentor americano, ficou ‘aborrecido’ – é o que disse a mídia. Tenho a impressão de que o buraco é bem mais profundo que um simples aborrecimento. Para doutor Bolsonaro, a queda de Donald Trump é a notícia mais pavorosa que podia ter ouvido. Ele há de estar se sentindo muito, mas muito, deprimido.

Basta uma rápida comparação para ver que, entre os dois, há numerosos pontos comuns. ‘Falem bem, falem mal, mas falem de mim’ – é o lema de ambos. Os dois não toleram ser contraditos; assessor que não lhes disser amém será demitido. Em matéria de política externa, nenhum deles tem a mais remota ideia do que seja o frágil equilíbrio entre as nações; vai daí, tratam o assunto a bofetadas. Têm ambos a desagradável tendência a só falar para seus devotos, alheios ao fato de terem de governar todo um país. Poderia enfileirar mais uma dúzia de convergências entre eles.

Há, no entanto, um ponto em que divergem: é o olhar que cada um dirige ao outro. Trump sempre guardou altivez no trato com Bolsonaro, mostrando pouco-caso pelo brasileiro e deixando claro quem é que manda no pedaço. Já nosso presidente visitou o colega americano quatro vezes, sendo que, na última delas, ficou hospedado ‘de favor’ na propriedade particular do anfitrião – um cúmulo de despudor. Trump nunca se dignou de vir ao Brasil.

Doutor Bolsonaro sempre se conformou em ocupar posição submissa, de admirador servil, de lambe-botas do americano. Todos se lembrarão do dia em que se fez fotografar quando assistia, orgulhoso, a uma aparição do ídolo na televisão.

É por isso que, muito mais que ‘aborrecido’, Bolsonaro há de estar deprimido, aterrorizado, catastrofado. Como diria o outro, sente-se perdido como cãozinho caído do caminhão de mudança. Deve estar pensando: ‘Se aconteceu com ele, pode acontecer comigo também’. Essa ameaça é de tirar o sono.

Bolsonaro não tem jeito, que fazer? Como dizia o Barão de Itararé, «de onde menos se espera, daí é que não sai nada».

(*) Inefável é aquilo que não pode ser descrito com palavras. O termo é perfeitamente adequado a nosso presidente. A descrição de seu comportamento e de suas falas não cabe em palavras. Embora extenso, o vocabulário da língua portuguesa é finito; a imbecilidade do doutor, infelizmente, é infinita.

O termo inefável pertence a vigoroso tronco com muitas ramificações. Provém do verbo latino fari, que significa falar, dizer, conversar. Além de inefável (que não pode ser descrito com palavras), a família tem outros membros em nossa língua: afável (pessoa de conversa cortês), fama / famoso / famigerado (coisa ou pessoa falada), infante/infantil (que ainda não fala), ênfase (conceito proferido com destaque), fábula (narração inventada), fonético (que é próprio da voz), difamar / infame (falar mal, mal falado). A lista não é exaustiva.

Os amigos do presidente

Carlos Brickmann (*)

Na época da ditadura que dizem que não houve, contava-se esta piada: quem denunciasse um comunista ganharia um Fusca; quem denunciasse dois comunistas ganharia um Fusca e um apartamento; quem denunciasse três comunistas iria em cana, porque conhecia comunistas demais.

E como a família Bolsonaro conhece gente que tem problemas, digamos, éticos! É o Queiroz, são aqueles milicianos que têm foto com alguém da família, é aquela tropa de gente empregada em seus gabinetes parlamentares e que mora a horas e horas de distância, tendo ainda de ocupar parte de seu tempo em outros trabalhos remunerados! E esse tipo de amigos e conhecidos agora se internacionalizou: Steve Bannon, guru de Olavo de Carvalho, talvez o maior ideólogo do bolsonarismo, foi preso nos Estados Unidos. Problema político? Não: a acusação é mesmo a de ter enfiado a mão no pudim.

Bannon sentou-se ao lado de Bolsonaro no jantar da embaixada brasileira em Washington (do outro lado, Olavo de Carvalho). Ali estavam sete ministros, inclusive o Imposto Ipiranga Paulo Guedes, mas Bannon era o astro. Já ídolo e amigo de Eduardo Bolsonaro, defendeu publicamente sua nomeação para embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Eduardo o chamou de ícone da luta contra o marxismo cultural. Bannon o escolheu como seu representante no Brasil, chefiando a seção brasileira do Movimento, grupo empenhado em lutar internacionalmente contra o comunismo.

Bannon foi guru de Trump, que o demitiu: nem ele o aguentou.

(*) Carlos Brickmann é jornalista, consultor de comunicação e blogueiro.

Bochecha com bochecha

José Horta Manzano

Todos os brasileiros não-robotizados têm uma sensação de desconforto quando doutor Bolsonaro solta suas barbaridades. Elas são costumeiras, mas – que remédio? – a gente não se acostuma. Para nós que vivemos longe da pátria, então, o desconforto é maior; chega a ser vergonha. Quando alguém começa a falar do presidente do Brasil, a gente se mexe na cadeira e quer mais é que a conversa se desvie logo pra outro assunto. É muito chato ter de explicar o tempo como é que esse estropício chegou lá.

Quanto aos ministros, enquanto seus insultos não atingem personalidades do exterior, ninguém fala deles. Felizmente. Só entram para o noticiário quando algum, mais ousado ou com mais pressa de agradar ao chefe, agride um país estrangeiro ou um figurão internacional. Aí, de novo, a gente pode ir se preparando para uma sessão desculpa.

Estes dias foi a vez de senhor Guedes, ministro que gere os dinheiros da nação. Em videoconferência patrocinada por The Aspen Institute – uma célula de reflexão frequentada por investidores estrangeiros –, o auxiliar de Bolsonaro rodou a baiana. Ele falou em inglês. Procurei o vídeo em versão original, infelizmente só circula a versão semidublada, aquela em que a voz do locutor cobre a fala original. Portanto, tenho de botar fé na (má) tradução.

O ministro foi instado a dar explicações sobre a política ambiental do governo do qual participa. Em vez de responder, decidiu, malandro, imitar a manjada linha de defesa lulopetista: arreganhou os dentes e partiu para a agressão pra cima dos mensageiros – no caso, os jornalistas. Disse horrores. Esbravejou lembrando que os EUA já tinham matado seus índios e destruído suas florestas, portanto, que nos deixassem e paz pra matar os nossos e destruir as nossas. Classudo, não?

Cheek to cheek
by Romero Britto (1963-), artista pernambucano radicado nos EUA

Acusou os EUA de serem Estado escravagista e racista. Denunciou a política econômica daquele país por estar dançando «de rosto colado» com a China (a tradução, digna de um aplicativo de tradução automática, diz ‘bochecha com bochecha’, mas desconfio que o original fosse mesmo ‘cheek to cheek’). Num insuperável rasgo de elegância, disse que nem um brasileiro bêbado ousaria conduzir o sistema bancário como fizeram os EUA quando da crise bancária de 2008 – repare na classe! Numa passagem um tanto obscura, mencionou o Lula e disse que estaria dando «apertos de mão» a Obama porque havia corrupção e compra de pessoas no Brasil. Esse pedaço, confesso, não entendi.

Entender o que dizem auxiliares de Bolsonaro é tarefa árdua. Esse senhor Guedes não foge à regra. Petulante, rosna e atira insultos assim que um microfone lhe aparece. Se o objetivo era afastar investidores, o sucesso está garantido. Se era resgatar a confiança do empresariado internacional num governo aprumado, o tiro saiu pela culatra. Se era desviar a atenção da criminosa destruição da Amazônia, em cartaz atualmente, conseguiu o efeito contrário: todos se deram conta de que Guedes tentou fugir às respostas. Fugiu às respostas, mas seu chefe não fugirá às consequências.

Aqui na Europa, a conferência não foi divulgada. Melhor para nós, que não teremos de dar explicação. Tenho pena de nossos conterrâneos que vivem nos EUA – e são muitos. Desta vez, a canseira e a vergonha são para eles. Ânimo, patrícios!

Publicado também no site Chumbo Gordo.

Mapa macabro

José Horta Manzano

O ESRI (Environmental Systems Research Institute) é uma entidade americana que gere poderosa plataforma cartográfica de análise. Alimentada pelos dados da Universidade Johns Hopkins, o instituto mantém um mapa interativo da propagação da covid-19 no planeta.

O mapa mostra a mortalidade, não em números absolutos, mas por 100.000 habitantes, uma abordagem que reflete melhor o estrago provocado pela doença. De fato, algumas centenas de óbitos num pequeno país podem representar uma baixa relativamente mais importante do que centenas de milhares de mortes num país mais populoso.

Em números absolutos, os EUA e o Brasil são os mais atingidos pela epidemia. Porém, em número de mortos por 100.000 habitantes, o quadro se modifica. Excluindo casos anômalos, como San Marino, Andorra e outros micropaíses, a lista macabra dos 10 mais atingidos é a seguinte:

Mortes por 100.000 habitantes
Bélgica       85,7
Reino Unido   71,5
Peru          63,8
Espanha       58,3
Suécia        57,7
Itália        56,6
Chile         54,6
EUA           47,6
Brasil        45,7
França        45,2

clique para ver o original

A maioria de nossos vizinhos sul-americanos está em situação bem mais confortável que a nossa:

Mortes por 100.000 habitantes
Peru          63,8
Chile         54,6
Brasil        45,7
Equador       35,4
Bolívia       29,0
Colômbia      23,1
Argentina      8,6
Suriname       4,6
Guiana         2,9
Uruguai        1,1
Paraguai       0,8
Venezuela      0,8

Observa-se que o confinamento precoce parece ter contido, em certa medida, o avanço da epidemia. Países que, num primeiro momento, deram de ombros às medidas de distanciação social estão pagando conta mais salgada – é o caso do Reino Unido e da Suécia. A Alemanha, que deu resposta rápida à ameaça, exibe quota menos trágica: 11,37 mortos por 100.000 habitantes.

Essa era a situação em 4 de agosto. O problema é que, enquanto o contágio caiu na Europa, continua feroz nas Américas. Fica evidente que as trapalhadas (ordens e contraordens, confinamento e desconfinamento, quarentena vs circulação livre), além de repercutir mal no exterior, contribuíram e continuam contribuindo para a subida incessante dos números.

O link para o mapa interativo original é este.

Presidente Wilson dixit

José Horta Manzano

I am very much more afraid of the man who does a bad thing and does not know it is bad than of the man who does a bad thing and knows it is bad; because I think that in public affairs stupidity is more dangerous than knavery, because harder to fight and dislodge.

Tenho muito mais medo do homem que erra sem saber que errou do que daquele que erra sabendo que errou. Acho que, na trato da coisa pública, a estupidez é mais perigosa do que a velhacaria, por ser mais difícil de combater e eliminar.

Woodrow Wilson (1856-1924), presidente dos EUA, em seu livro The New Freedom, publicado em 1913.