Ah, essa gente que dá notícia pela metade… Dias atrás, tomei um susto ‒ que compartilhei com meus distintos leitores ‒ quando fiquei sabendo que a empresa de um dos filhos de nosso guia contava com uma cadeira «de alto couro ecológico», avaliada em 15 mil reais. Um patrimônio, coronel!
Na ocasião, pra evitar que alguém pensasse que eu estava delirando, cheguei a reproduzir a imagem do Estadão online. Aproveitei para deixar no ar a pergunta sobre o que viria a ser uma cadeira «de alto couro ecológico».
Alguns distintos leitores fizeram a fineza de dar opinião. Conversa vai, conversa vem, ficou a impressão de que andávamos em círculo sem matar a charada. Não foi possível chegar a um acordo.
Pois neste sábado, 30 abril, o Estadão volta ao assunto com mais detalhes. Até certo ponto, esclarece parte de nossa dúvida. Como se podia já ter desconfiado, o estagiário que deu a primeira notícia havia interpretado mal o despacho da agência de notícias. Agora, a publicação do balanço patrimonial da firma de Lula Júnior desvenda parte do mistério.
Uma leitura atenta da relação de bens ensina que o significado do ítem ‘cadeira enc alto couro ecológ.’ não foi captado pelo estagiário. Na verdade, não é o couro que é alto, mas o encosto. Ah, agora ficou claro! O fato de o objeto valer 17 salários mínimos continua a ser mero detalhe. O que fica claro é que o espaldar é alto e o couro é ecológico.
Meia dúvida foi aclarada, pronto! Não tem mais essa de ‘alto couro’. Sobra, no entanto, o segundo termo da incógnita: que vem a ser ‘couro ecológico’? Até agora, a melhor interpretação supõe ser couro vindo de vacas alimentadas com capim desnatado. SMJ.
Adendo ecológico
Nossa cadeira não está desacompanhada, largada num canto do escritório. O balanço patrimonial da firma de senhor Lula Júnior informa que, além da indigitada cadeira, há ainda uma poltrona de espaldar médio e uma poltrona cromada. Ambas de ‘couro ecológico’. Naturalmente. Fica evidente a preocupação do clã com a preservação da saúde do planeta.
Adendo etimológico
O vocabulário restrito de quem deu a notícia não lhe permitiu identificar o que se escondia detrás da abreviatura «esp». Especial? Qual nada! Em assuntos de cadeira, «esp» indica o espaldar, a espalda.
E que vem a ser? É o que chamamos, em linguagem caseira, as costas da cadeira. A raiz *spatula, que se desenvolveu no latim medieval, dava nome à parte do corpo situada no alto das costas, na altura da clavícula e da extremidade superior do úmero. Em miúdos, é o que chamamos espádua ou ombro.
O espaldar da cadeira é justamente onde encostamos o ombro. Na mesma família há um parente mais utilizado. É o verbo respaldar e seu irmão, o substantivo respaldo, ambos transmitindo a ideia de dar apoio.
Menos comum mas também parente é o termo spalla, palavra italiana para designar o primeiro violino de uma orquestra. É o músico que respalda os demais, que lhes dá apoio.