Passaporte vacinal falso

José Horta Manzano

Em resposta ao questionamento de parlamentares, Monsieur Olivier Véran, ministro da Saúde da França, revelou hoje que 1 em cada 20 pacientes internados por covid era portador de passaporte vacinal falso.

Lembrou que os titulares de um passaporte vacinal falso se expõem ao risco de serem condenados a até 5 anos de cadeia, além de serem “premiados” com multa de 75 mil euros (480 mil reais).

Os hospitalizados, se escaparem da infecção, não escaparão da justiça. Assim que estiverem recuperados, terão de responder ao processo.

Moral da história
Declarações falsas não protegem contra a epidemia e ainda podem custar (muito) caro. Fazendo bem as contas, não vale a pena trapacear.

Roubo de areia

Praia Rosa, Sardenha

José Horta Manzano

Me lembro que, de criança, a gente gostava de procurar conchinha na areia da praia. Naquela época, encontrava-se muita concha quebrada. Havia também daqueles caramujos grandes que a gente encostava no ouvido pra ouvir o ruído do mar. Faz tempo que não vou à praia, mas imagino que as crianças de hoje continuem praticando o mesmo esporte.

Conchinha, a gente levava pra casa. Quanto à areia, não me lembro de ter visto alguém levar nem um punhadinho de lembrança pra casa. Dizendo assim, até parece coisa de maluco: com tanta concha pra catar e tanto artesanato pra comprar, quem é que vai ter o mau gosto de botar areia na bagagem de volta?

Pois há lugares do mundo em que isso se faz. As praias cinematográficas da ilha da Sardenha (Itália) são vítimas dos aficionados desse estranho esporte. E não é de hoje. Já faz décadas que forasteiros enchem garrafas, baldes e sacos de plástico com areia e carregam pra casa. Nem sempre se conhece a finalidade do roubo. Há quem faça comércio. Parece até que há anúncios na internet de gente oferecendo 1kg de areia da Sardenha contra 1kg de areia das Bahamas, coisas desse tipo. Não posso garantir, porque nunca comprei.

Tanto fizeram, que o governo provincial resolveu legislar pra dar um basta. Já nos anos 1990, a pequena Praia Rosa (na região de Budelli, Sardenha) foi declarada zona de proteção ambiental, e as visitas, proibidas. É que, se bobeassem, a areia sumiria em pouco tempo. Essa praia tem uma particularidade: a cor rosada de sua areia. Ela é conferida por um microorganismo cor-de-rosa que vive dentro das conchinhas. Com o passar do tempo, os moluscos morrem, as conchas se partem em mil fragmentos que acabam chegando à areia da praia dando-lhe a cor característica. Que se saiba, esse fenômeno não ocorre em outros lugares.

Atualmente, só se pode ver a Praia Rosa de longe, em excursões a bordo de pequenas embarcações controladas e vigiadas. Elas têm permissão de se aproximar a, no máximo, 70m do litoral, mas ninguém pode desembarcar, nem a nado. Na pequena ilha, ninguém entra; lá só mora o vigia do parque natural.

Assim mesmo, turistas desavisados (ou que se fazem de bobos) continuam levando areia de outras praias sardas. É impossível saber a quantidade exata, mas se calcula que toneladas e toneladas são roubadas todos os anos e transportadas para toda a Europa. As bagagens que passam pelo aeroporto são fiscalizadas, mas a maior parte dos turistas vêm de veículos tipo motorhome, trailer ou camping car. Esses escapam quase sempre, dada a impossibilidade de inspecionar cada recanto de cada veículo.

Assim mesmo, não é aconselhável arriscar. Para quem for apanhado em flagrante, o castigo é pesado: multa que varia entre 500 e 3.000 euros (R$ 30 mil a R$ 190.000), dependendo da gravidade e do volume do roubo. A penalidade tem de ser paga imediatamente, por cartão de crédito. Se não houver fundos, veículos e passageiros serão retidos até resolução do problema.

Por que será?

José Horta Manzano

Quando alguém toma atitude fora dos parâmetros, convém desconfiar. Razões, pode haver muitas. Pode ser para ceder a chantagem, por convicção íntima, por vontade de aparecer. Há outras possibilidades. Vamos aos fatos.

É o Estadão(*) quem dá a notícia. Indusparquet, firma que se apresenta como a maior fabricante de pisos de madeira do país, é ativa na exportação. Algum tempo atrás, um lote de mercadoria sua foi apreendido pelo Ibama. Foi a maior apreensão já registrada no estado de São Paulo. A infração foi punida com multa milionária.

Foi aí que entrou em cena o modo Bolsonaro de gerir a coisa pública. A madeireira foi agraciada com perdão da dívida. Ficou o dito pelo não dito. E desculpe alguma coisa aí, hein! Não admira saber que a firma multiplicou suas exportações para EUA e Europa, nos últimos dois anos, justamente em virtude de produtos feitos de ipê e cumaru.

Se Bolsonaro insiste em liberar a pilhagem da floresta amazônica, não será por nenhuma das razões que mencionei na entrada. Que se saiba, não está sendo vítima de chantagem por parte das madeireiras. Não consta tampouco que faça isso por convicção íntima – convicção de quê? Vontade de aparecer, ele tem, é verdade; mas já aparece demais com a baixaria que sai de sua boca sem precisar aliviar multas.

Não sei como é que fica na cabeça do distinto leitor, mas na minha, espremendo bem, só sobra uma razão a explicar a estranha atitude do doutor. Se ele permite a destruição da floresta para beneficiar uns poucos neandertais, só vejo uma razão possível: ele está muito interessado em agradar a essa gente. É esquisito. Eleitoralmente, não contam. São muito poucos e não pesam na urna. O que é que sobra?

Bem, eu dei a pista. Cada um que tire suas conclusões.

(*) O artigo integral está aqui.

Lei do Ecocídio

José Horta Manzano

O governo francês acaba de anunciar o envio ao parlamento de uma lei que criminaliza todo e qualquer ato capaz de causar dano importante ao meio ambiente. Visto que o governo conta com folgada maioria, o novo dispositivo deverá ser aprovado. Será provavelmente conhecido como Lei do Ecocídio.

O texto ainda deve sofrer alterações, mas o cerne permanecerá. Na mira do legislador, estão não somente os danos intencionais, mas também os que forem causados por negligência. Deverão ser punidos comportamentos como despejar num rio material poluente, atear fogo à vegetação, expelir fumaça tóxica.

As multas previstas são dissuasivas: vão de 375.000 a 4,5 milhões de euros. Segundo a ministra da Ecologia, o poluidor periga levar multa de até dez vezes o valor que ele economizou despejando seu esgoto industrial no rio.

Um segundo projeto de lei está em preparação para punir as agressões ainda mais graves. Os crimes que se enquadrarem neste outro dispositivo vão render ao autor pena de até um ano de prisão em regime fechado.

Não se deve esquecer que os 594 membros de nosso Congresso constituem um Poder independente do Executivo e do Judiciário. Tirando os que, por convicção ou por interesse, se ajoelham diante de doutor Bolsonaro, os demais deveriam mirar-se no exemplo francês.

Com o presidente empacado que temos e com o execrável ministro do Meio Ambiente que o assessora, não há esperança. Está claro que o Executivo não vai se mover na boa direção.

O Congresso está aí justamente para servir de contrapeso a uma presidência que bate cabeça enquanto nossos rios se enchem de mercúrio e de esgoto, e nossa vegetação vira fumaça.

No dia em que nossos desmatadores e poluidores começarem a ser encarcerados, os atentados contra a natureza cessarão rapidinho.

Couvre-feu

José Horta Manzano

Devido ao alastramento da pandemia, 46 milhões de franceses entraram neste 25 de outubro em regime de toque de recolher (couvre-feu) por um período inicial de 6 semanas. Essa medida pesada e excepcional atinge 2/3 da população do país. Entre as 21h e as 6h da manhã, é proibido sair de casa. Umas poucas exceções estão previstas.

Quem tiver de sair, tem de baixar um formulário oficial, preenchê-lo e levar no bolso para mostrar caso seja controlado. Quem for apanhado em infração vai pagar multa de 135 euros (900 reais). A dolorosa sobe a 3750 euros (25.000 reais) em caso de reincidência.

A intenção das autoridades é dupla. Por um lado, buscam reduzir o contágio, inevitável entre frequentadores de bares e outros locais noturnos. Por outro, com a eliminação da circulação noturna de automóveis, acidentes decorrentes do consumo de álcool – comuns entre jovens, em fins de semana – desaparecerão; com isso, leitos hospitalares de reanimação e de UTI estarão liberados e prontos para receber pacientes com covid.

by Bernard Jullien, artista francês

Couvre-feu
Couvre-feu é expressão muito antiga, presente na língua francesa desde os anos 1200. De origem militar, significava o toque de um sino ou de uma corneta informando aos soldados que era hora de voltar para o quartel. Nosso toque de recolher é perfeita tradução.

Com o tempo, a expressão passou a ser também usada fora do círculo militar. No entanto, num mundo civil em que liberdade individual não combina com rigidez disciplinar de quartel, seu uso é raro.  Na França, já houve imposição de toque de recolher em momentos de estado de sítio e também quando o país esteve ocupado, na Segunda Guerra. Fora isso, é a primeira vez.

Hora de inverno
É interessante anotar que, neste domingo 25 de outubro, a Europa atrasou seus relógios e voltou à hora normal, também conhecida como hora de inverno. Agora vai assim até o último domingo de março do ano que vem.

São outros quinhentos

José Horta Manzano

Você sabia?

Nem sempre é fácil encontrar a origem de expressões da língua. Algumas são tão evidentes que não precisam de explicação. Outras são misteriosas, como é o caso desta que tratamos hoje. Que outros quinhentos serão esses?

Fosse feita anos atrás, uma busca desse tipo seria trabalhosa. Precisava conversar com os mais velhos, perguntar ao professor de Português, ir até a casa de um amigo que tivesse a Enciclopédia Barsa – mas ir com disposição pra passar a tarde consultando os intermináveis 22 volumes. Era complicado, mas tinha uma vantagem: achada uma resposta, a gente se contentava. Era aquela, e não se falava mais nisso.

Hoje mudou. Em três rápidos cliques, encontram-se respostas. O problema é que surge logo uma dúzia de explicações, que nem sempre têm a ver uma com a outra. O engraçado é que tem gente incapaz de transmitir com as próprias palavras aquilo que leu; então, num rápido exercício de copiar/colar, apanham parágrafos inteiros e apresentam como se fosse obra sua. Curioso. O resultado é a multiplicidade de pistas, umas mais consistentes, outras menos.

Uma origem, apresentada por alguns como legítima, é a história engraçada de um trapaceiro que chega a uma cidadezinha e, com sua lábia, acaba enganando o padre, o fazendeiro, o dono da venda. E consegue extorquir 500 (reais, cruzeiros, milréis, como queira) deles. A historieta é engenhosa, mas não convence. Como é que uma piadinha que quase ninguém conhece havia de se transformar em expressão popular tão arraigada?

Outra origem – esta, mais consistente – situa a origem da expressão nos tempos medievais, uns 700 anos atrás. Encontrei um bocado de gente fina sustentando esta explicação. Naqueles tempos, a nobreza formava casta superior, cujos membros escapavam à lei comum. Até para punir delito de injúria, a pena variava conforme o ofendido pertencesse à nobreza ou ao povão. Quem ofendesse gente simples pagava 300 soldos de multa; se ofendesse barão, duque ou marquês, o descuido ia lhe custar 500 soldos(*).

Acontece que o pagamento da multa não livrava o ofensor de futuros arroubos. Caso escorregasse e reincidisse, pagava nova multa: eram outros 500. A história parece um tanto esquisita, mas é o que encontrei. Quando topam com uma explicação dessas, meio tortuosa, os franceses dizem que foi «tirée par les cheveux – puxada pelos cabelos». Ai, meu couro cabeludo!

(*) O soldo
Durante toda a Idade Média, antes da reforma introduzida no século XV pelo rei Eduardo 1°, a unidade monetária do Reino de Portugal foi o dinheiro, nome simples mas evidente, derivado do denarius romano.

De toda maneira, na Idade Média, dinheiro não era como hoje; não havia notas e os valores não circulavam. O escambo (sistema de trocas) era o modo habitual de comerciar. Portanto, que o dinheiro se chamasse dinheiro não incomodava ninguém. Doze dinheiros valiam um soldo (do latim solidus), e vinte soldos valiam uma libra (do latim libra).

Quem se lembrou do sistema vigente na Inglaterra até 1971, antes da decimalização da moeda, acertou. A libra se dividia em 20 xelins(shillings), subdivididos em 12 pence cada um. Como no Reino de Portugal, era reminiscência do sistema romano.

França: ex-primeiro-ministro condenado

José Horta Manzano

François Fillon é político francês. Nos últimos 30 anos, já exerceu numerosos cargos: foi presidente de administração regional, deputado, senador, ministro de Estado (diversas vezes). Seu posto mais importante foi o de primeiro-ministro, cargo que ocupou durante toda a presidência de Nicolas Sarkozy.

No começo de 2017, corria solta a campanha para presidente da República. Monsieur Fillon tinha vencido as primárias de seu partido (direita moderada), e o futuro se apresentava sorridente. Com a bagagem que carrega, tinha boas chances de vencer a eleição. Eis senão quando, uma reportagem do jornal satírico Le Canard Enchaîné veio espalhar pedras por seu caminho.

François Fillon: a queda vertiginosa

Foi acusado de nepotismo por ter garantido à própria esposa, durante uma dezena de anos, emprego de assessora fantasma no tempo em que ele tinha sido parlamentar. O político defendeu-se como pôde. Alegou que, longe de serem fictícias, as funções de Madame Fillon correspondiam ao ordenado que recebia. Mas o estrago estava feito. Instalou-se a desconfiança. Monsieur Fillon, cuja candidatura se apresentava tão promissora, não foi ao segundo turno. Ninguém pode afirmar o que teria ocorrido caso o escândalo não tivesse estourado.

A máquina judiciária, inexorável, levou três anos investigando. O veredicto saiu ontem, 29 de junho. O ex-primeiro-ministro foi condenado a 5 anos de prisão, sendo dois anos em regime fechado. Pra coroar, levou multa de 375 mil euros e foi agraciado ainda com 10 anos de inelegibilidade. A esposa saiu-se melhor: 3 anos de prisão com suspensão de pena, mais outra multa de 375 mil euros.

As penas são pesadas até para padrões franceses. E olhe: sem Lava a Jato e sem Sergio Moro. Imaginem se a moda pega no Brasil. Imaginem se o Bolsonarinho – aquele que está enrolado com a Justiça – leva uma condenação desse quilate pra cada funcionário fantasma com o qual é acusado de praticar rachadinha. Não sai da cadeia até o fim da vida.

Observação
Monsieur Fillon foi condenado em primeira instância. Não foi encarcerado imediatamente porque seus advogados tencionam recorrer.

A multa

José Horta Manzano

La Chaux de Fonds é uma cidadezinha suíça situada num planalto a 1000m de altitude, nos Montes Jura. Desde o século 18, tem-se distinguido como centro relojoeiro. Naquele clima rude de altitude, a agricultura é problemática, daí a especialização em fabricação de relógios, atividade que se exerce em ambiente fechado e aquecido. Dois personagens de renome internacional fazem o orgulho da cidade.

Um deles é o arquiteto e urbanista Charles-Edouard Jeanneret-Gris (1887-1965), mais conhecido como Le Corbusier. Muitos de seus trabalhos estão na Suíça e na França, mas há realizações suas também em outros continentes. Sua obra está inscrita no patrimônio mundial da Unesco. Um exemplo é a Maison du Brésil, residência destinada a acolher estudantes e pesquisadores brasileiros, situada na Cidade Universitária de Paris. É obra conjunta do brasileiro Lúcio Costa e do suíço Le Corbusier.

1km/h acima do permitido

A outra glória de La Chaux de Fonds é Louis-Joseph Chevrolet (1878-1941), mecânico, piloto de corrida e empresário. Ainda jovem, emigrou para os EUA. Tinha raro pendor para a mecânica. Depois de trabalhar para algumas fábricas de automóvel – naquele tempo, eram numerosas –, fundou sua própria marca. Em 1911 abriu pequena montadora à qual deu seu sobrenome. É justamente a marca Chevrolet, famosa até hoje.

Estou pra lhes contar esta historinha faz tempo. Ela andou esquecida, mas hoje lembrei. Vamos lá. Ocorreu já faz uns anos. Eu estava circulando de automóvel por uma avenida do centro de La Chaux de Fonds, num trecho em que a velocidade é limitada a 50km/h. Distraído, não me dei conta de que estava rodando ligeiramente mais rápido que o permitido. O radar, no entanto, não estava distraído e me pegou.

Dias depois, recebi a multa por correio. No documento, explicavam bem que, numa via onde a velocidade autorizada era de 50km/h, eu estava circulando a 56km/h. A regra manda deduzir 5km/h como ‘margem de segurança’ – que, na minha juventude, se chamava ‘de lambuja’.

Na avenida Chevrolet

Contas feitas, 56 menos 5 = 51. Portanto, o excesso de velocidade era de 1km/h. Unzinho só. Geralmente, quando a infração é tão pequena, a direção do tráfego deixa pra lá. Nesse caso não deixaram. Fiquei surpreso e me perguntei qual poderia ser a razão desse excesso de zelo, que mais parecia pirraça. Multar alguém em 40 francos (170 reais) por um excesso de 1km/h? Dói.

Eis senão quando, descobri o nó. Eu estava na cidade natal de Louis-Joseph Chevrolet, na avenida Louis-Joseph Chevrolet, dirigindo um… Ford! Era afronta imperdoável. Onde já se viu?

A Cancún brasileira

José Horta Manzano

Em 2012, o cidadão Jair Bolsonaro iniciava o último ano de seu terceiro mandato consecutivo como deputado federal pelo Rio de Janeiro. Nascido e criado em São Paulo, estava estabelecido no Rio havia décadas e, como parlamentar, representava aquele estado.

Na manhã de 25 de janeiro – uma quarta-feira – o parlamentar achou que o dia estava excelente pra uma pescaria. Navegou até as águas claras da Estação Ecológica de Tamoios, unidade de conservação marinha criada em 1990 na Baía da Ilha Grande, região de Angra dos Reis (RJ). A área, reservada à pesquisa científica, é interditada ao acesso público. Estende-se por 5,7% da superfície da Baía da Ilha Grande.

Pouco tempo depois de chegar ao local e sacar dos apetrechos do perfeito pescador, aconteceu o que tinha de acontecer: foi apanhado por um fiscal do Ibama em flagrante delito de pesca proibida. Observe-se que o deputado não vestia escafandro de exploração submarina, mas camiseta e sunga. Nas mãos, não segurava aparelho fotográfico subaquático, mas uma vara de pesca. Não havia como negar a razão da excursão. O fiscal ainda tomou a precaução de guardar registro fotográfico da cena.

Habituado à dissimulação descarada típica dos políticos de alto coturno e baixa moralidade, cujo arquétipo é o integrante do baixo clero da Câmara, Bolsonaro começou por negar a evidência. Deu carteirada, perguntou ao fiscal se sabia com quem estava falando, sacou do celular e mostrou intimidade com o ministro da Pesca da então presidente Dilma Rousseff. Enfurecido, acabou se retirando sem pagar a multa aplicada pelo fiscal. E ainda debochou do funcionário: prometeu voltar dia seguinte pra continuar a pescaria interrompida.

A partir daí, o deputado Bolsonaro agiu como costumam agir os poderosos. Além de negar-se a pagar a multa pela infração, acionou a (já sobrecarregada) justiça do país. Mandou alegar ter estado ausente do local no dia do flagra. Vingativo, fez o que estava, então, em seu poder para retaliar o Ibama, na forma de um projeto de lei para desarmar os fiscais do órgão quando em cumprimento de missão.

O tempo passou. Bolsonaro não pagou a multa, nem se desculpou, nem deu sua versão do ocorrido. Mais tarde, elevado ao cargo maior do Executivo nacional, (o agora doutor) Bolsonaro não se deu conta de que, nestes tempos de feicibuque, uotisápi e vazamentos de tudo quanto devia ser secreto, tornou-se impossível guardar segredo de deslizes passados. A solução rápida e indolor para pôr panos quentes e esvaziar toda controvérsia seria pagar a multa e virar a página. Não foi o que ele fez.

Que tal um “Spring break” (férias de Páscoa) na paradisíaca Cancún?

‘Vingança é prato que se come frio’ – costuma dizer o povo sabido. Doutor Bolsonaro parece ser daquele tipo descrito pelo velho Tancredo Neves no dia em que comentou que ‘tem gente que guarda mágoa em geladeira’. Seis anos depois do episódio da infração, além de não pagar o que devia ao Ibama, Bolsonaro foi bem mais longe. Assim que lhe passaram a faixa, deu ordem para que o fiscal que ousara multá-lo seis anos antes fosse sumariamente desbancado – perdeu o cargo e foi rebaixado.

A vingança que sufoca o coração de nosso presidente vai além. É poderosa e irrefreável. Já propôs ideia fabulosa: transformar o santuário ecológico de Tamoios em estação turística de alta frequentação. Uma «Cancún brasileira», segundo sua visão. Pobre presidente!

Sua experiência no campo turístico, além de invadir reserva ecológica, não enxerga mais longe que estações de turismo de massa. Cancún (México), Varadero (Cuba), Punta Cana (Rep. Dominicana) são exemplos dessa versão ultrapopular de turismo. Caravanas de voos charters decolam toda sexta-feira à noite da Europa, abarrotados de turistas, em direção a esses «paraísos» tropicais. A troca da guarda, isto é, a partida dos antigos ocupantes e a chegada dos novos, se faz aos sábados.

Os turistas, em geral de baixo poder aquisitivo, adquirem pacote completo incluindo voo, alojamento e refeições. Despejados à beira da praia de destino, enfurnam-se no hotel e de lá não arredam pé até o sábado seguinte. Dormem, comem, brincam, dançam, avermelham-se na praia particular – tudo no terreno do hotel, cercado como fortaleza e vigiado como prisão. Não estão interessados em conhecer a cultura do país que os acolhe, muito menos em gastar um dinheiro de que não dispõem. Não precisa dizer que, para construir um ‘paradisíaco’ complexo hoteleiro nas beiradas de Angra dos Reis, largas extensões de mata nativa terão de ser destruídas.

Ninguém sabe até que ponto pode chegar o implacável sentimento de vingança de doutor Bolsonaro e quais são os castigos que, para aplacá-la, ele poderá impor ao povo brasileiro. Ousará, realmente, transformar o entorno da Baía da Ilha  Grande na «Cancún brasileira»? Valei-nos, São Jorge e São Sebastião!

Observação
Este blogueiro não é adepto de nenhuma denominação dita ‘evangélica’. Assim mesmo, posso afirmar, sem medo de errar, que a vingança é considerada, em todas elas, falta pesada, pecado grande do qual convém se livrar. Doutor Bolsonaro certamente estava ausente no dia desse sermão. Um ministro evangélico nomeado para o STF há de dar cabo dessa questão. Deus acima de todos!

 

Brinquedo ressuscitado

José Horta Manzano

Este blogueiro é do tempo em que patinete era feito de madeira. E preferia o gênero masculino: O patinete. E não andava sozinho, era movido a feijão e dependia da batata da perna. E era exclusivamente reservado para crianças de até 8 ou 10 anos. E, no meu caso pelo menos, tinha de ser vermelho. Hoje mudou.

Já faz alguns anos que o antigo brinquedo foi ressuscitado, numa prova de que o mundo dá voltas e os acontecimentos acabam se repetindo. Só que agora, motorizado, o simpático biciclo deixou de ser brinquedo para crianças. Quem sobe em cima agora são marmanjos.

Patinete (que costumava ser usado por crianças) e monociclo (que costumava ser usado por palhaços) proliferam atualmente. Ainda não enquadrados pela regulamentação viária, fazem como os primeiros veículos motorizados que circularam 120 anos atrás: rodam desordenadamente por onde bem entendem. O fenômeno não é só brasileiro mas mundial. Por toda parte, o problema é o mesmo: esses novos meios de transporte individual não se encaixam em nenhuma categoria de veículos. Assim, circulam como bem lhes agrada.

A França em geral e Paris em especial se ressentem do problema. Esses miniveículos mostram-se invadentes. Dezenas de acidentes graves já foram registrados, sempre envolvendo atropelamento de pedestres. As vítimas são em muitos casos pessoas idosas, cujos ouvidos já perderam a acuidade e cujos reflexos não são mais tão alertas.

O Código de Circulação francês está sendo modificado para incluir os novos veículos. Dentro em breve, eles não poderão mais circular na calçada. Terão de utilizar a faixa de bicicleta – se houver. Caso não haja, rodarão na rua. A velocidade está limitada a 25km/h. O transporte de passageiro será rigorosamente proibido, assim como a utilização por condutor com menos de 8 anos de idade. Conduzir em estado de embriaguez também é proibido. Quem for apanhado em infração, receberá multa de 135 euros (600 reais), um montante dissuasivo.

Detalhista e burocrático, o Estado francês já preparou longa lista de podes e não-podes. Uso do capacete, farol dianteiro, farol trazeiro, gestos para indicar mudança de direção, estacionamento estão entre os pontos tratados. Queira ou não, o Brasil terá de seguir o mesmo caminho. Quantos acidentes graves serão necessários pra pôr em marcha a máquina legislativa?

Bebeu, pagou

José Horta Manzano

Você sabia?

Na Suíça, o sentimento de cidadania é palpável. Desde a infância, todos aprendem que pertencem a uma comunidade e que devem seguir as regras indispensáveis para conviver em harmonia. Diferentemente do que ocorre no Brasil, as leis se aplicam a todos os cidadãos, sem exceção nenhuma. Particularidades como cela especial ou foro privilegiado são inconcebíveis para um suíço.

Como em todo o mundo, os jovens às vezes se excedem. Em bares ou festas, especialmente em fins de semana, alguns exageram na bebida e acabam dando trabalho. As delegacias de polícia do país têm uma cela reservada para esse tipo de ocorrência. É chamada «cela para recuperar a sobriedade».

Toda pessoa encaminhada a essa cela permanece lá até voltar ao estado normal. Ao sair, receberá conta cujo valor pode variar conforme o cantão. Em Genebra, são 300 francos suíços (R$ 1100). O cálculo corresponde a uma hora de trabalho de dois policiais. O raciocínio é que o contribuinte não deve arcar com o custo de comportamentos problemáticos. O pagamento da despesa cabe a quem causou o problema ‒ uma lógica aceita por todos.

Em casos extremos, se o comportamento escandaloso daquele que bebeu demais tiver causado incômodo a moradores ou transeuntes, ele receberá multa de 300 francos por perturbação da ordem e da tranquilidade.

Como no Brasil, a polícia faz batidas pra medir a taxa de alcoolemia de motoristas. Costuma parar veículos aleatoriamente e mandar o condutor soprar no bafômetro. Se o teste der negativo, é «merci et au revoir» ‒ obrigado e até logo. Já se der positivo, é apreensão da carteira, imobilização do veículo e multa pesada. Com uma peculiaridade: além da multa, o motorista imprudente terá de pagar a despesa do teste de bafômetro. O preço é 100 francos (R$ 370).

Mais vale pensar duas vezes antes do primeiro trago.

Lula e Bolsonaro julgados

José Horta Manzano

Antes de qualquer outra consideração, quero deixar claro (como se necessário fosse) que não nutro especial simpatia nem pelo Lula nem por Bolsonaro. O primeiro traz, como marca registrada, a amoralidade, mãe da corrupção, da ladroeira, do populismo e de males que podem afundar o Brasil ainda mais. Do segundo, o pouco que se sabe não é animador. O gajo parece limitado, hesitante, inexperiente. Falta-lhe firmeza. Mais vale não tentar a experiência.

Ambos são políticos. O próprio de todo político é manter-se no noticiário a qualquer preço. «Falem bem, falem mal, mas falem de mim» ‒ é a divisa de todos eles. Quanto mais aparecerem na telona, na telinha e na telica, melhor será. Político vive de voto, e voto só se recebe quando se é conhecido. Propaganda faz parte do jogo.

Corre no Tribunal Superior Eleitoral processo contra cada um dos dois personagens citados. São acusados de «propaganda eleitoral antecipada». Taí um conceito difícil de delimitar. Político discursa, faz pronunciamento e dá entrevista diariamente. A partir de que ponto a fala se transforma em propaganda eleitoral?

Se já não era fácil responder à pergunta que acabo de fazer, os modernos meios de difusão da palavra e da imagem se encarregaram de baralhar ainda mais as cartas. Vídeos circulam no Youtube falando bem (ou mal) deste ou daquele personagem. Pedem «Lula em 2018» ou «Bolsonaro no Planalto» ou ainda «Juca de Chiquinha para presidente». Propaganda eleitoral antecipada é isso?

A corte eleitoral está embaraçada. Em princípio, candidatos que fizerem campanha antes da hora serão punidos com multa financeira. Mas como multar candidatos se as candidaturas ainda não estão registradas? E se apoiadores lançarem vídeo na rede ‒ sem conhecimento nem autorização do elogiado ‒, como proceder? «Mandar retirar o vídeo», dizem alguns. «Mas isso é censura à livre expressão do pensamento», retrucam outros.

O mundo tem evoluído rapidamente. A lei, como é natural, segue atrás. (Não se pode legislar sobre realidade que ainda não existe.) Estamos diante de fato novo para o qual a legislação não está adequada. Pessoalmente, não vejo problema no fato de um futuro candidato se fazer conhecer por antecipação. Aliás, tudo o que é demais cansa. Propaganda demasiado longa periga deixar o eleitor enjoado.

De qualquer modo, o panorama mudou. Antigamente, para fazer propaganda, o político precisava de muito dinheiro e forte aparelho partidário. Hoje em dia, basta um telefone celular para filmar o discurso feito em casa. Em seguida, é só divulgar pelo Youtube ou por qualquer rede social.

Não dá mais pra segurar. Estou curioso pra ver o que decide o legislador.

Le bac

José Horta Manzano

Para aliviar o peso habitual de toda segunda-feira, uma historinha leve. Ou «leviana», como dizem muitos na minha terra.

Como sabem meus cultos e distintos leitores, as estações do ano na Europa ‒ e em todo o Hemisfério Norte ‒ são invertidas em relação às nossas. Justamente agora, quando o friozinho faz as primeiras incursões no sul do Brasil prenunciando o inverno, é época de calorão na parte de cima do mapa-múndi.

Como o ano escolar começa em setembro e termina em junho, as férias de verão caem em julho e agosto, e estamos em época de exames de fim de ano. Na França, o coroamento do ensino médio é representado pelo «baccalauréat», familiarmente conhecido como «bac», análogo a nosso Enem. É época um tanto angustiante para os candidatos.

Semana passada, um jovem automobilista foi parado pela polícia por estar dirigindo a 125km/h num trecho onde a velocidade máxima permitida era de 80km/h. Excesso tão grande resulta em apreensão imediata da carteira de habilitação, o que foi feito na hora. Por mais que se lamentasse e implorasse, nosso estudante foi impedido de continuar dirigindo.

Acontece que ele se encaminhava para o local de exame. E já estava atrasado, daí a velocidade excessiva. Aflito, explicou aos policiais que perigava perder um ano de estudos. Um dos agentes, condoído da sorte do rapaz, tomou uma decisão inusitada. Não devolvia a carteira ao moço, que isso a lei não permite. Mas prontificou-se a levá-lo até o local da prova. Na viatura policial.

O estudante pôde, assim, chegar a tempo de prestar exame. Dias depois, a família do jovem escreveu carta de agradecimento à polícia, o que deve ter rendido anotação elogiosa no prontuário do policial camarada. Não se ficou sabendo se o candidato passou no exame, mas essa já é uma outra história.

Pobre Messi

José Horta Manzano

A Fifa anunciou ontem que Señor Lionel Messi, jogador argentino de futebol, foi punido por desrespeito ao artigo 57 do Código Disciplinar daquela entidade. Em jogo entre o Chile e a Argentina, contando pela classificação para a Copa de 2018, o hábil esportista «pronunciou palavras injuriosas contra um árbitro assistente». Supõe-se que a injúria tenha sido dirigida à mãe do árbitro, mas o comunicado da Fifa não esclarece esse particular.

A sanção é dupla. Por um lado, señor Messi está proibido de atuar nos quatro próximos jogos da Seleção de seu país. Por outro, terá de desembolsar uma multa de dez mil francos suíços (pouco mais de nove mil euros). O esportista deve estar dando pulos de alegria.

Lionel Messi e Cristiano Ronaldo

Por quê? Ora, distinto leitor, raciocinemos. A edição de ontem de France Football informa o ganho dos jogadores mais bem pagos na temporada 2016-2017. Pela primeira vez em cinco anos, Messi não foi o campeão ‒ perdeu a taça para Cristiano Ronaldo. O português levou pra casa 87,5 milhões de euros enquanto o argentino teve de se contentar com 76,5 milhões (cerca de 260 milhões de reais), uma ninharia. A multa da Fifa não há de lhe pesar muito.

É sabido que essas fortunas abocanhadas por jogadores provêm do salário e são engordadas pela receita publicitária. Quatro jogos de suspensão no «Seleccionado» não fazem grande diferença. Ou melhor, fazem diferença, sim: dão ao jogador «punido» excelente pretexto para gozar de alguns dias de férias.

Fiquei com muita pena do talentoso argentino.

A quem interessar possa
Na lista de France Football, o terceiro lugar na classificação dos mais bem pagos coube ao brasileiro Neymar. Esta temporada, o jovem terá de se contentar com 55,5 milhões de euros (cerca de 190 milhões de reais). Uma miséria.

Pra reduzir a corrupção ‒ 1

José Horta Manzano

No atual estágio de evolução da humanidade, banir a corrupção da face da Terra é tarefa impossível. Talvez a situação mude num distante futuro, mas vai demorar um bocado. Embora pareça especialidade nacional, corrupção não é invenção nem exclusividade nossa. Há pior.

Nem falemos de pequenos países africanos, latino-americanos e asiáticos dos quais pouco se ouve falar. Mesmo em grandes nações «emergentes», a prática é pra lá de disseminada. Pode ir do mais alto mandatário ao mais humilde cidadão. Não se limita ao folclórico suborno do guarda para evitar multa.

Há lugares em que, sem pagar um “por fora”, não se tem acesso a bens ou serviços básicos. Pode parecer incrível, mas países há onde o cidadão tem de levar a mão ao bolso e dar uma «contribuição» informal para conseguir atendimento médico, para ser atendido num guichê, para matricular o filho na escola ou na creche, para conectar-se à rede de distribuição de eletricidade, para passar pela alfândega sem ser multado ‒ ainda que nada esteja irregular na bagagem, para obter um medicamento na farmácia, para assinar um contrato de aluguel e para uma infinidade de atos corriqueiros e diários.

O distinto leitor pode acreditar: comparado a muitos países, o Brasil ainda pode ser considerado um paraíso nesse particular. Eu diria até mesmo que, entre nós, corrupção e suborno já foram piores no passado. Por mera falta de informação, notava-se menos.

Num tempo em que poupatempos e outras modernidades não existiam, tinha-se de recorrer obrigatoriamente a um despachante ‒ profissional que, com o advento da informática, está com o futuro comprometido. O homem era especialista em subornar funcionários. Fazia disso meio de vida. Para tirar carteira de identidade, CNH, título de eleitor, passaporte, CPF e todos os documentos que o cidadão é obrigado a ter, era imprescindível passar pelo despachante. A situação tem mudado rapidamente.

Nosso problema maior, nesse campo, não é tanto a pequena corrupção feita de subornos e gorjetas. Os milhões (bilhões?) que passam de mão em mão nas altas esferas são o verdadeiro tumor que freia o avanço do país. Que ninguém se engane: quando uma empreiteira fatura ao governo uma obra com sobrepreço, quem paga, em última instância, é o contribuinte. Se Odebrecht & congêneres distribuem fortunas a torto e a direito, não é por espírito filantrópico. Os fundos não saem da reserva da empresa, mas são subtraídos dos cofres públicos ‒ do seu e do meu dinheiro.

Banir a corrupção, como eu dizia mais acima, é tarefa cabeluda. Mas há medidas relativamente simples que podem complicar e cercear a corrupção grossa. Tenho algumas sugestões. Pra não alongar demais, fica para um próximo artigo.

Carreira promissora

José Horta Manzano

Vereadores são, por definição, conselheiros eleitos pelos próprios concidadãos para discutir soluções para problemas do município. O bom senso preconiza que conselheiros municipais sejam os primeiros a seguir leis que eles mesmos debateram, aprovaram e chancelaram.

Em teoria, vivemos num regime democrático. Ninguém é obrigado a se candidatar a cargo público. Se o faz, é porque sente especial vocação para servir à sociedade ‒ pelo menos é o que se espera. Atenção: eu disse «servir à sociedade», não «servir-se da sociedade». A nuance é de importância capital.

Chamada Estadão, 4 mar 2017

Chamada Estadão, 4 mar 2017

O acerto é o seguinte: toda decisão tomada pelo colegiado dos vereadores e promulgada pelo prefeito passa a valer para todos os munícipes e por todos deve ser seguida. Democracia é assim. Ninguém imagina que Mr. Obama tenha entregado a chave do cofre a Mr. Trump com o coração pulando de alegria. No entanto, não havia como escapar: as regras de convivência civilizada são peremptórias.

Dia 14 de fevereiro, a Câmara Municipal do município de São Paulo votou uma lei antipichação. Aprovada por ampla maioria ‒ com oposição unicamente de vereadores filiados ao PSOL ‒, a lei prevê multa de cinco mil reais aos contraventores. Nestes tempos de tuítes e redes sociais, mensagens murais são coisa antediluviana. No entanto…

Poucos dias depois, veio a primeira prisão por desrespeito à lei. Apanhada em flagrante delito, a infratora tem 26 aninhos e é filiada ao PT (partido dito ‘dos trabalhadores’). Note-se que seu partido votou a favor da lei que reprime o vandalismo dos pichadores. Agora, o detalhe picante: a jovem é… suplente de vereador do município paulistano.

A pichadora. Eleita pelo povo.

A pichadora. Eleita pelo povo.

Como se vê, o caminho político da infratora já começa torto: aderiu ao partido que abriga o maior número de afiliados enroscados com a Justiça e, para coroar, contraveio a uma decisão a que ela mesma tinha subscrito.

Estará aí o futuro de nosso infeliz país? Seremos governados, amanhã, por gente que diz um «sim» à vista e às claras para, em seguida, praticar um «não» na calada e à sorrelfa? Aquele que contravém a uma lei votada por ele mesmo comete uma coleção de impropriedades:

demonstra comportamento esquizofrênico;
trai o grupo ao qual optou aderir;
delinque contra a lei.

Pichação interrompida pela chegada da polícia. Crédito: Sousa, SMSU

Pichação interrompida pela chegada da polícia.
Crédito: Sousa, SMSU

A meu ver, não é suficiente aplicar à garota multa de cinco mil reais. Sua situação de «suplente» de vereador complica o caso. O risco de que a moça assuma uma cadeira na Câmara paira sobre a cabeça dos paulistanos como espada de Dâmocles, que pode desabar a qualquer momento e causar estrago. Todo mal tem de ser cortado pela raiz. Vale a pena considerar a possibilidade de cassar-lhe a condição de suplente. Até as próximas eleições, pelo menos, os concidadãos estarão livres do risco de ter a moça na vereança.

Profissão
A moça informa ser estudante de Direito(!), sim, senhor. Não há dúvida: é o processo civilizatório brasileiro em marcha acelerada. O futuro radioso do país está garantido.

Desembebedamento

José Horta Manzano

Você sabia?

Vou «beber até cair», dizia a marchinha de Carnaval de 1959, aquela em que o protagonista pedia «Me dá um dinheiro aí!». Naqueles tempos antediluvianos, além de beber até cair, o indivíduo ainda se sentia no direito de exigir dinheiro alheio. O mundo deu voltas e muita coisa mudou. Genebra é bom exemplo.

Na cidade suíça, a polícia acaba de adotar regras mais rigorosas para lidar com a bebedeira. No âmbito privado, nada se altera. Desde que seja maior de idade e que esteja em perfeito uso da razão, cada um tem o direito de encher a cara. Se o fizer sem causar distúrbio à ordem pública, o único castigo será uma ressaca danada no dia seguinte.

alcool-1No entanto, se o estado de ebriedade o levar a infringir determinações que regem a harmonia da sociedade, o culpado pode ser obrigado a pôr a mão no bolso e pagar preço elevado.

Quem, em consequência de bebedeira, perturbar a ordem pública ‒ coisa que acontece frequentemente com quem forçou na dose ‒ será obrigado a pagar multa de 300 francos (cerca de mil reais). De fato, a lei considera que não cabe à sociedade arcar com custos causados por comportamentos individuais problemáticos. Intervenção policial tem seu preço.

Tem mais. Se o estado do bebum não permitir que seja deixado pelas ruas ‒ caso daquele que «bebeu até cair» ‒ a polícia o conduzirá ao distrito, onde ficará o tempo necessário até voltar ao estado normal. Em geral, passa o resto da noite numa cela especialmente destinada ao desembebedamento. Quando tiver atingido estado sóbrio, será chegada a hora de botar a mão no bolso. Uma noite em célula de desembebedamento custa 300 francos (cerca de mil reais). Se o infrator estiver desprevenido, que não seja por isso: receberá a conta pelo correio.

guarana-1Agora, só pra arrematar, um curioso pormenor referente ao bafômetro. Como no resto do mundo, em Genebra também a polícia faz blitz noturnas aleatórias nas ruas. Quando suspeitam que um motorista tenha bebido mais do que devia, solicitam gentilmente que sopre no bafômetro. Aqui não tem essa de se recusar a soprar: polícia mandou, tem de obedecer.

Se o teste der resultado negativo, o motorista será liberado na hora. No caso de resultado positivo, porém, o indivíduo terá de pagar pelo teste. Custa 100 francos (cerca de 300 reais). Sem prejuízo das consequências habituais desse tipo de comportamento: multa, confisco da carteira de habilitação e conexos.

Vai um guaraná aí? É mais prudente.

Fifa-Mafia

José Horta Manzano

O alemão Thomas Kistner (1958-) é jornalista e escritor. Especializado em esportes, escreve para o quotidiano de Munique Süddeutsche Zeitung. Nos últimos anos, publicou meia dúzia de livros, os mais polêmicos dos quais mostram a promiscuidade entre esporte, dinheiro e dopagem. Naturalmente, seu cavalo de batalha é a Fifa, organização que coordena o esporte mais popular do mundo.

Seu penúltimo livro, lançado em 2014, chama-se FIFA-Mafia. Die schmutzigen Geschäfte mit dem Weltfußball ‒ Fifa-Mafia, os negócios sujos do futebol mundial. O nome já diz tudo. E olhe que foi escrito antes da espetaculosa ação da polícia suíça que mandou para o xilindró um certo senhor José Maria Marín acompanhado de meia dúzia de cartolas planetários.

blatter-2«A Fifa e a máfia se assemelham ao oferecer cargos e empregos a filhos, tios, sobrinhos, amigos próximos, que trabalham em empresas secretas mundo afora. Há uma enorme rede de negócios em torno da Fifa que inclui parentes de dirigentes.» Profundo conhecedor da cúpula futebolística, Kistner faz afirmações dessa magnitude.

No entanto, como se sabe, pau que nasce torto não tem jeito. Em que pese a prisão e a extradição para os EUA de figurões medalhados, a chefia do futebol mundial continua a dar mostras de compadrio e conivência com o crime. Proteger companheiros ainda é palavra de ordem.

O exemplo mais recente é o novo estatuto da Conmebol, o organismo que coordena o futebol sul-americano. Como é natural, encontros periódicos reúnem os presidentes das diversas confederações do subcontinente. Em geral, têm lugar no Paraguai, onde está a sede da entidade. Nada estava previsto para o caso de algum presidente faltar à reunião. Pois essa lacuna foi preenchida.

jornal-5Dado que senhor Del Nero, presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) teme ser preso caso viaje ao exterior, o estatuto da Conmebol aceita, desde setembro último, que um substituto tome o lugar de qualquer presidente ausente. A medida, como se vê, tem beneficiário líquido e certo. O cartola que preside aos destinos do futebol pentacampeão não ousa pôr os pés além das fronteiras nacionais por medo de ser preso. A situação já dura mais de três anos. Charmoso, não?

Mas deixa estar, jacaré, que a lagoa há de secar. Enfronhado no assunto, o mencionado jornalista alemão avalia que as condenações e as multas bilionárias aplicadas pela Justiça americana devem ser anunciadas a qualquer momento e poderão significar o fim da Fifa. Não seria má notícia. Quando a maioria das laranjas está podre, mais vale jogar fora o cesto inteiro.

Anistia fiscal

José Horta Manzano

Dinheiro voadorQuem é que gosta de pagar imposto? Você? Duvido muito. Nem eu. É da natureza humana. Todos gostamos de aproveitar do bem comum e da estrutura posta à nossa disposição, mas nem sempre nos damos conta de que esse arcabouço tem de ser financiado por alguém. E que esse alguém somos nós mesmos. Quem usa, paga – não há almoço grátis.

Não se sinta embaraçado, distinto leitor. Todos os cidadãos do planeta estão no mesmo saco. Pagamos imposto por obrigação, porque não há meio de escapar. Ah, se desse pra cair fora…

Banco 5Alguns conseguem. O assalariado, o funcionário, o empregado dificilmente escaparão das longas garras do fisco. Já para empresários, autônomos e todos os que trabalham ‘por conta’, o caminho é menos pedregoso. Caixa dois e não declaração de rendimentos são os meios mais utilizados para diminuir a dívida para com o fisco. Longe de ser exclusividade brasileira, isso ocorre no mundo todo.

A Câmara Federal acaba de aprovar, por estreita margem, projeto de lei visando à regularização de ativos que cidadãos residentes no Brasil possam eventualmente manter no exterior. É o que se chama anistia fiscal. O resultado apertado do voto (230 x 213) mostra que os parlamentares estão longe da unanimidade. É compreensível que suas excelências se dividam entre favoráveis e contrários. O assunto pode ser olhado a partir de ângulos diferentes.

Dinheiro 1Os que são contra dão grande valor a princípios. Enxergam a anistia fiscal como perdão indevido aos que cometeram crime contra a sociedade – uma espécie de traição. Usufruíram o bem comum sem dar sua contribuição. Para esse grupo, por princípio, a absolvição é ruim. Vale como prêmio (e até incentivo) à delinquência.

Já os que aprovam a medida mostram ter visão pragmática. Entendem que, com anistia ou sem ela, o mundo continuará a girar e as gentes continuarão a tentar escapar ao fisco. Dão-se conta de que não é uma lei que vai modificar mentalidades. Percebem que mais vale recuperar esses bilhões e reinjetá-los na economia nacional – sem esquecer de reforçar os mecanismos para coibir tais práticas daqui pra frente.

Banco 6Fosse eu deputado, teria aprovado a anistia. Acredito que comportar-se como Dom Quixote, fechando os olhos à realidade, não vale a pena. Eu teria proposto, para complementar, um projeto de emenda constitucional que vedasse toda nova anistia por um prazo de cinquenta anos. Perdões frequentes, sim, são incentivo à fraude. Inscrever tal medida na Constituição é garantia de que novas anistias não venham a ser instituídas intempestivamente por lei ordinária.

Interligne 18hComo fazem os outros
Na Suíça, a última anistia geral aos que tinham patrimônio não declarado foi concedida em 1969. De lá pra cá, vários projetos surgiram, mas nenhum prosperou até que uma lei, que entrou em vigor em 2010, instaurou uma espécie de anistia permanente, que se aplica a todos os habitantes do território.

Banco 3Todo cidadão tem direito – somente uma vez na vida, isso é importante – a declarar patrimônio dissimulado. Para tanto, terá de provar que o capital não cresceu durante os últimos dez anos, ou seja, demonstrará que se trata de fortuna antiga. A declaração só será válida se for espontânea. Caso o fisco descubra sozinho, babau: é tarde demais.

O capital será regularizado mediante pagamento do imposto sobre a fortuna – particularidade fiscal adotada por meia dúzia de países, entre os quais a Suíça e a França. O imposto será cobrado sobre os últimos dez anos, acrescido de juros de mora. Resumindo, dá uns quinze porcento do capital. Mas é bom não esquecer: só se pode recorrer a esse caminho uma vez na vida.

Corrupto no bolso

José Horta Manzano

Você sabia?

Nem tudo está perdido. O recém-nomeado superintendente regional da Polícia Federal no Estado de São Paulo é membro da mesma corrente de pensamento seguida pelo juíz federal Moro, do Paraná.

Em entrevista ao Estadão, foi simples e direto: «É pegar corrupto no bolso», ou seja, o confisco das posses dos assaltantes do dinheiro público é pra lá de eficiente no combate a organizações criminosas que compõem as máfias brasileiras.

Disney RossetiUm mês de carceragem, tornozeleira, prisão domiciliar não bastam. Assim como a cupidez foi o motor dos larápios, a prevenção reside na perspectiva de perder tudo o que roubaram. E, por cima disso, ainda pagar multa pesada, proporcional ao valor surrupiado.

Execração pública não dissuade cara de pau. Os sem-vergonha são gente sem vergonha. Estamos cansados de ver políticos cassados – ou que renunciaram ao mandato para fugir à cassação – voltarem à ativa, cara limpa e sorridente, como anjinhos recém-escorregados de uma nuvem.

Apesar da pouca idade, o novo superintendente já acumulou experiência no ramo. Estes dois últimos anos, funcionou como adido policial junto à embaixada do Brasil na Itália. Além de participar do caso Pizzolato, teve ocasião de entrar em contacto com a experiência da polícia antimáfia daquele país. Uma escola e tanto!

Quero aproveitar o ensejo pra compartilhar uma curiosidade com o distinto leitor. O novo superintendente chama-se Disney Rosseti. São duas palavras de grafia distorcida.

O sobrenome italiano, bastante comum, deveria escrever-se Rossetti, com dois tt. Tal nome indica que, lá pelo século 13 ou 14, quando sobrenomes começaram a ser atribuídos, o patriarca da família era ruivo. Rosso (= vermelho), rossetto (vermelhinho), rossetti (os vermelhinhos). Um tê se perdeu quando a família chegou ao Brasil.

Isigny-sur-mer, Normandia, França

Isigny-sur-mer, Normandia, França

O prenome – pra lá de original – lembra Walt Disney, o idealizador de simpáticos personagens que povoaram nossa infância. Você sabia que, apesar da aparência britânica, Disney tem origem francesa?

Pois é, vem da Normandia, norte da França. Nada mais é que a grafia inglesa – um pouco arrevesada – do francês d’Isigny (= de Isigny). Quem leva esse sobrenome há de ter tido, centenas de anos atrás, um antepassado originário da graciosa cidadezinha francesa de Isigny-sur-mer, situada à beira do Canal da Mancha, bem em frente à Grã-Bretanha.