Mês: agosto 2018
País das maravilhas
José Horta Manzano
Crescer 50 pontos em 8 anos no Pisa ‒ exame internacional de avaliação do Ensino Médio.
Usar inteligência e tecnologia para combater o crime organizado.
Aprimorar o Bolsa Família, com adoção de medidas que garantam uma “porta de saída” efetiva, por meio de qualificação profissional e empreendedorismo.
Fazer o país crescer 4% ao ano.
Criar pelo menos 10 milhões de empregos.
Ampliar o espaço do Brasil nas negociações políticas e comerciais globais.
Os objetivos citados foram extraídos ipsis litteris do programa de alguns dos candidatos à Presidência. Dei uma olhada na carta de intenções de cada um deles. Tirando alguma proposta folclórica (vinda de concorrente nanico) ou de viés marcadamente ideológico (emanada de algum postulante situado na extremidade do espectro político), os programas são excelentes. Todos prometem dar o melhor de si para o bem do Brasil.
Há até pontos em que todos estão de acordo. Por exemplo, nenhum propõe incentivar a criminalidade, nem aumentar a pobreza, nem declarar guerra à Mongólia. Com maior ou menor ênfase, todos pregam o combate ao crime e o aprimoramento da Instrução Pública. Todos exaltam a inserção do Brasil no mercado mundial ‒ o detalhe curioso é que a extrema esquerda gostaria de restringir a abertura à América Latina, enquanto os demais concordam com expandi-la para todo o planeta, algo que parece lógico.
Pouco importa, são detalhes. O principal é que, em teoria, todas as listas de intenções são excelentes. Nenhuma ‒ digo bem: nenhuma ‒ enaltece o apoio à corrupção nem o assalto ao erário. Embora não mencionem apoio à Operação Lava a Jato, transparece acordo implícito.
Aqui e ali, topa-se com um detalhe picante. Esquecido de que o mandato é de 4 anos, um dos candidatos promete fazer o Brasil crescer no Pisa nos próximos 8 anos. Sem cerimônia, está invadindo o mandato do sucessor. Mal-educado.
Não temei, brava gente! Votai em quem quiserdes, que todos os candidatos à Presidência são supimpas! Todos prometem conduzir-nos ao país das maravilhas ‒ no papel, pelo menos. Inxalá!
Inadequação vocabular ‒ 8
José Horta Manzano
E a febre do defender continua. Eta modismo persistente! Já me insurgi, em artigo de três anos atrás, contra o uso abusivo desse verbo. Mas não tem jeito. Defender virou ônibus: sempre cabe mais um.
O uso insistente de um único verbo para expressar situações diferentes é, no fundo, sintoma de pobreza vocabular. O natural de uma língua é enriquecer com o passar do tempo. Novos vocábulos vão-se juntando aos existentes até formar um léxico gigantesco. Estranhamente, a língua brasileira, em lugar de se tornar mais rica, empobrece. Para cada novo vocábulo que entra no circuito, uma dúzia dos antigos sai da boca do povo pra recolher-se na poeira dos dicionários. É pena.
Volto a sugerir ao distinto leitor que, caso esteja pra cair na tentação de usar defender no sentido de preconizar, pense em substitui-lo por outro mais sugestivo.
Na chamada do Estadão, ficaria mais elegante dizer, por exemplo, que «Dallagnol propõe não votar em envolvidos…». Essa é apenas uma possibilidade. Há dezenas. Uma lista (não exaustiva) de verbos que podem ‒ nesse caso e com vantagem ‒ substituir defender está aqui:
Preconizar, aconselhar, orientar, recomendar, sugerir, propor, indicar, alvitrar, prescrever, estimular, insinuar, pregar, solicitar, apregoar, elogiar, lembrar, requerer, exigir, instilar, postular, exaltar, pedir, louvar, aventar, enaltecer, propagandear.
Cada um deles carrega nuance diferente. Na hora de usar, basta escolher o que melhor convier.
Ah! É bom ter sempre em mente o que doutor Dallagnol “defende”. Votar em corrupto? Só faltava.
A tropa em Roraima
José Horta Manzano
A última guerra travada em território nacional terminou há 150 anos. De lá pra cá, tem diminuído a importância do Exército como força de defesa do país em caso de ataque externo. No mundo globalizado em que vivemos, o risco de sermos agredidos militarmente por exército inimigo decresce a cada dia.
Para que, então, manter Exército, Marinha e Aeronáutica? Porque as Forças Armadas são o símbolo da soberania nacional. Têm efeito dissuasivo. Anunciam, a quem interessar possa, que esta terra tem dono e está preparada pra se defender caso seja atacada.
Persiste o fluxo contínuo de infelizes venezuelanos que escapam a um quotidiano de miséria e penetram no território nacional. Isso tem dado dores de cabeça às autoridades locais e federais. A presença de um grande número de estrangeiros do lado de cá de nossa fronteira vem sendo causa de atritos (equivocadamente) classificados de xenofóbicos. A chegada ininterrupta de refugiados periga atiçar as brasas do conflito.
Diante da ameaça de convulsão social, Brasília despachou o Exército a Roraima. Inúmeras vozes se alevantaram para condenar a decisão. Foi notícia até na imprensa internacional. Dizem que a tropa não tem nada que fazer nesse conflito e que, além do mais, não são treinados para lidar com esse tipo de situação.
Pode até ser que não sejam treinadas para isso, mas as tropas têm, sim, um papel nesse drama. Em qualidade de marca da soberania nacional, o Exército, com sua presença, deixa claro quem é que manda no pedaço.
Não estão lá pra combater inimigo nenhum. Caso tenham alguma tarefa pacífica e útil a cumprir, melhor ainda. Se não, basta que patrulhem as ruas, em rondas ostensivas.
Não se pode admitir que nem um centímetro quadrado do território nacional seja terra de ninguém, sem dono e sem lei. Nas zonas de fronteira, quem garante isso é o Exército. É sua função.
Observação para os mais jovens
Antes de ser Estado, Roraima era território federal não autônomo, administrado por um interventor nomeado pelo governo central. Naquela época, tinha o simpático nome de Território do Rio Branco, em alusão ao rio do mesmo nome, o principal curso d’água da região, que corta o Estado de Norte a Sul. Na hora de transformar o Território em Estado, trocaram nome de rio por nome de morro. Parece que foi pra evitar confusão com a cidade de Rio Branco, capital do (então) Território do Acre. Deve ser isso.
Quadrinhos ‒ 255
Plebiscitos & referendos
José Horta Manzano
Várias entidades andam promovendo debates, entrevistas e sabatinas com os candidatos à Presidência. É maneira interessante de conhecer melhor cada um deles. Mais vale ver um candidato responder diretamente do que ler breves tuítes caligrafados com o polegar.
Na série de entrevistas Estadão-Faap, doutor Álvaro Dias foi o entrevistado desta segunda-feira. Quando a conversa rodeou em torno da consulta ao povo, o candidato declarou que o recurso a referendos e plebiscitos «é um aprimoramento do sistema democrático».
Engana-se o doutor. A democracia direta, em que os eleitores são consultados toda vez que se tem de tomar uma decisão, não é aprimoramento, mas a expressão mais elementar desse tipo de organização da sociedade. Foi assim que a democracia nasceu, lá na Grécia antiga. Era um modo de consulta viável, dado o pequeno número de eleitores.
À medida que as cidades cresceram, o sistema se tornou inaplicável. No Brasil, por exemplo, não dá pra reunir 140 milhões de eleitores numa praça e pedir-lhes que votem, levantando o braço, cada projeto de lei.

Landsgemeinde: voto com braço levantado
A prática vigora em pequenas cidades da Suíça
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Eis por que já faz tempo que se inventou a democracia representativa. Dada a impossibilidade de reunir todos em praça pública, os eleitores elegem previamente seus representantes os quais, em seguida, se reúnem no Congresso onde deliberam em nome do povo. Diferentemente do que pensa doutor Dias, a representatividade é que é o verdadeiro aprimoramento do sistema democrático. Plebiscitos são úteis como instrumento auxiliar, a ser usado com moderação.
Nos momentos históricos em que o Congresso representa fielmente a vontade popular, plebiscitos se tornam desnecessários. Quando é preciso recorrer a eles a toda hora, é sinal de que o Parlamento já não reflete a vontade dos eleitores.
No Brasil vota-se com olhos vendados. O sistema proporcional faz que se vote no candidato A e se eleja o candidato B. Além disso, parlamentares que abandonam o mandato são substituídos por suplentes não eleitos. A acumulação dessas distorções resulta num Congresso dissonante, distante do povo e voltado para os interesses pessoais dos próprios integrantes.
No limite, quando o sistema funciona adequadamente, não há necessidade de recorrer a plebiscitos. Seja como for, eles não são um “aprimoramento”, mas uma volta às origens.
O salário do prefeito
José Horta Manzano
Levantamento do Estadão informa que um terço dos municípios brasileiros não gera receita suficiente para pagar o salário do prefeito e dos vereadores. E como sobrevive a administração dessas unidades? Ora, de repasses vindos da União.
Essa incapacidade de gerar receita atinge cidades pequenas, de menos de 20 mil habitantes. Muitas delas foram criadas nos últimos 30 anos, por desmembramento de municípios maiores.
A criação de municípios por fragmentação raramente responde a demanda social ou econômica. Os interesses em jogo costumam ser políticos. Novo município corresponde a novos cargos: prefeito, vereadores, secretários, pessoal administrativo. É o trenzinho da alegria que se põe em marcha. Se faltar dinheiro, não faz mal: Brasília manda. E nós todos pagamos a conta.
E assim segue a vida em nossa República de bananas e trenzinhos. Agora mesmo, está em tramitação no Congresso um projeto para criação de 400 municípios(!). O assunto tinha sido enterrado no governo Rousseff, mas voltou agora. E periga ser transformado em lei.

Câmara Municipal de Ouro Preto, vista por Carl Hermann Conrad Burmeister (1807-1892), multifacetado naturalista, viajante e desenhista alemão, que visitou o Brasil nos anos 1850.
Quanto à gestão dos municípios, seria boa ideia adotar, no Brasil, um preceito que vigora em outras terras. Parte-se do conceito de que as funções de prefeito e de vereador ‒ em municípios pequenos, naturalmente ‒ não são cargos de tempo integral. São tarefas de que se pode dar conta a tempo parcial. E sem remuneração.
Essas funções administrativas são exercidas por cidadãos de boa vontade, que desejam sinceramente doar parte de seu tempo à coletividade. Falo de voluntários dispostos a pôr-se a serviço dos comunícipes pelo prazer de servir.
Por um lado, tal sistema afasta cidadãos que buscassem somente um cabide de emprego; por outro, atrai gente bem-intencionada. O prefeito dá expediente durante um par de horas, duas ou três vezes por semana. A Câmara Municipal só se reúne à noite, depois que todos já terminaram a jornada de trabalho, com frequência de uma ou duas sessões por mês. Para gerir um pequeno município, esse ritmo é suficiente.
A adoção dessa prática permite que os repasses de Brasília, se ainda necessários, sejam dirigidos a cobrir as reais necessidades do município. É finalidade mais nobre do que engordar o bolso de suas excelências.
Outras máximas ― 44
Eleitorado conservador?
José Horta Manzano
É frequente ouvir dizer que, em política, o brasileiro está cansado de tudo o que está aí e quer mudança, novos ares, novos personagens. De tanto ouvir falar nisso, a gente quase acaba acreditando. E se a realidade não fosse exatamente essa?
Recentemente, o Grupo Record encomendou uma pesquisa a um certo Instituto Real Time Big Data(*), do qual nunca ouvi falar e sobre o qual não encontrei nenhuma referência. A pesquisa, que procura descobrir que tipo de presidente o brasileiro gostaria de ter, deve ser portanto encarada com um pé atrás. Assim mesmo, vale a pena olhar de esguelha.
A sondagem indica que dois terços do eleitorado preferem que a presidência seja ocupada por um homem. Após um desastre chamado Dilma Rousseff, o ressabiamento é compreensível.
Num rasgo de conservadorismo explícito, a sondagem informa que, de cada 4 brasileiros, 3 gostariam que o ocupante do cargo maior fosse branco. Sabendo que mais da metade da população do país é mestiça, dá pra medir o tamanho do preconceito: metade da população mestiça optaria por um branco no trono mais alto.
Nove entre dez compatriotas exigem que o chefe do Executivo acredite em Deus. A pesquisa não indagou se exigem também que pratique uma religião ou se basta dizerem que acreditam.
Uma estranha pergunta foi incluída: se preferem que o presidente venha de família rica ou pobre. Estranheza por estranheza, o povo se dividiu. Pouco mais da metade prefere que o homem tenha tido infância pobre, o que pressupõe que a outra metade prefira o contrário.
Confirmando a ancoragem na tradição, os eleitores ‒ numa proporção de 4 contra 1 ‒ fazem questão de que o eleito tenha experiência política, sinalizando preferir um político tradicional, à exclusão de todo novato.
Escaldados pela pobreza de ideias da era lulopetista, mais de três quartos dos eleitores exigem que o novo mandatário tenha formação universitária. Nunca se sabe ‒ formação mais sólida evita gafes internacionais e patacoadas internas.
Com lógica evidente, esmagadora maioria de 85% dos entrevistados não querem saber de ter de novo um presidente investigado por corrupção. Interessante é analisar a resposta pelo avesso. Por exclusão, 15% não se importam que o homem seja investigado. Ora, ora.
Aí está. Quem buscar lógica integral vai se sentir decepcionado. Repito que a sondagem deve ser olhada com certo distanciamento. Assim mesmo, não há de estar muito longe da verdade.
(*) Se o distinto leitor puder lançar alguma luz sobre o perfil desse instituto, convido-o a deixar comentário. Agradeço antecipadamente.
A ponte e a Copa
José Horta Manzano
Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 25 agosto 2018.
Faz dez dias, uma ponte desabou na Itália. Foi um horror difícil de descrever. O tráfego era denso naquele dia. O desmoronamento arrastou carros e caminhões para o abismo, deixando dezenas de vítimas, entre mortos e estropiados. Na hora de alinhavar o balanço da tragédia, voaram acusações. Era imperativo designar culpados. Foram apontados os técnicos encarregados da inspeção permanente, a concessionária da estrada, o arquiteto idealizador da obra (falecido há uma eternidade), as autoridades provinciais, até o governo central. Sem sucesso. Assim como é ingênuo esperar de um solitário messias a redenção de um povo, impossível será atribuir a responsabilidade de tamanha catástrofe a um único fator.
O drama de Gênova, como toda calamidade, vem de longe e tem muitos pais. Errará quem se obstinar em eleger causa única. O mesmo raciocínio vale para a tragédia brasileira, que nos desaba sobre a cabeça quotidianamente. Desastre como o nosso não se arma em um dia. É obra de gerações. Nos tempos coloniais, a proscrição de cursos superiores já anunciava a ignorância que se havia de instalar e que acabaria sendo louvada (quem diria!), séculos mais tarde, por um figurão da República. Enquanto a América Espanhola inaugurava a primeira universidade nos anos 1550, a colônia lusa teve de se contentar, por três séculos, com mestres-escolas esforçados, mas de limitados recursos. Como nada fica sem consequência, pagamos hoje a conta atrasada. Com juros e correção.
E como dar cabo do atraso acumulado? Como chacoalhar o vidro pra fazer a emulsão? A essa pergunta, a resposta costuma ser: Educação. Sem dúvida. Boa escola pública e formação profissional de qualidade estão entre os ingredientes básicos do sucesso de um povo. Só que, no nosso caso, visto que partimos de patamar baixo, o caminho será longo, vai levar gerações. Supondo que, por milagre, a Instrução Pública adotasse novas diretivas agora, o Brasil não poderia esperar parado até que os guris, munidos de formação adequada, chegassem à idade produtiva. É imperativo encontrar um atalho que dê resultados já.
A cada quatro anos, tem Copa. Vêm aqueles meses de fervor popular durante os quais a pátria calça chuteiras e os olhares não desgrudam dos gramados e do entorno. Cidadãos comuns que, na vida normal, não costumam frequentar estádios nem vestir camisa de time, são capazes de recitar o nome dos integrantes da Seleção, reservas incluídos. Os fatos e gestos de cada jogador, o braço torcido deste, o mau-humor daquele, o dedinho quebrado de um terceiro, a nova namorada daqueloutro, nada escapa. Tudo o que concerne às estrelas do momento é de domínio público. Aqueles que nos representam no campo carregam nos pés a promessa de heroísmo que palpita na cabeça de todos nós.
Por coincidência, também a cada quatro anos, tem eleição das gordas, pra uma pancada de cargos. Na Copa, que o Brasil vença ou deixe de vencer, não muda grande coisa na vida de ninguém. Já os dirigentes e os representantes do povo que saírem das urnas vão, sim, determinar o destino da nação. No entanto, é esquisito que, a poucas semanas do dia da eleição, a maioria não tenha ainda escolhido candidato para os diversos cargos. Penso, principalmente, nos deputados e senadores que vão votar leis e reformas que balizarão a vida de todos nós.
E pensar que é justamente esse o (único) atalho susceptível de produzir, em prazo mais curto, as reformas pelas quais todos ansiamos. Votar em fichas sujas, trapaceiros, ladrões ou aventureiros é condenar o país a permanecer no atraso em que se encontra desde os tempos coloniais. Cada eleitor deveria se informar sobre o passado, a experiência, o programa (e a eventual folha corrida) do candidato que lhe parecer simpático. Hoje em dia, com as facilidades da rede e dos portais de transparência, é tarefa pra lá de simples. Só não faz quem não quer. Presidente é importante, mas deputado e senador têm mais força. Sem o apoio da Câmara e do Senado, o presidente pode muito pouco. É nossa escolha de representantes que desenhará o perfil do país até a próxima Copa.
Tempo de tevê ‒ 2
José Horta Manzano
Saiu o detalhe da repartição do tempo de tevê destinado aos candidatos à Presidência da República. Falo do tempo que lhes será destinado para inserir reclames dirigidos ao eventual eleitor.
Dizem que o espaço é gratuito, mas não se deve levar a sério. Assim como não existe almoço grátis, alguém tem de pagar por esse uso do rádio e da tevê. Ao fim e ao cabo, quem acaba pagando é o consumidor, como de costume.
O candidato mais bem aquinhoado dispõe de blocos de mais de cinco minutos, enquanto o menos dotado não terá mais do que 5 segundos pra fazer passar sua mensagem. Não me parece equânime. É violenta a distorção provocada pela disparidade entre os que têm mais e os que têm menos.
Acredito que todos os candidatos à Presidência devessem ser postos em pé de igualdade. Pretendem todos chegar ao mesmo cargo, assim, é justo que disponham das mesmas armas. Dar mais tempo aos que têm bancada maior no Congresso é a melhor maneira de perpetuar a velha política, fechando a porta à renovação.
A meu ver, espaço de tempo idêntico devia ser concedido a cada um deles. Ou alguém imagina, em sã consciência, que um candidado seja capaz de expor seu programa em 5 segundos? É uma palhaçada. Ter um personagem que vem diariamente repetir «Meu nome é Enéas» pode ser muito engraçado, mas não resolve nenhum problema nacional.
Cada eleição presidencial é um recomeço. Não me parece justo conceder vantagem aos que têm base congressual mais sólida. Justo será dar chance idêntica a todos. Os mata-burros para conter aventureiros estão colocados antes da propaganda eleitoral. As exigências são: nacionalidade brasileira, idade mínima, filiação partidária, ficha limpa.
Uma vez que os postulantes tiverem preenchido os requisitos, devem ser agraciados com chances iguais. Todos têm o direito de expor as próprias ideias e de dizer a que vêm. Não faz sentido deixar que os antigos falem 5 minutos enquanto os recém-chegados só têm tempo de balbuciar um «Oi!».
Do jeito que está, a mudança fica prejudicada. Desconfio que o objetivo seja exatamente esse.
Aquecimento global
José Horta Manzano
Você sabia?
No Brasil, é voz corrente que na Europa faz frio. É verdade. Mas faz calor também, e muito. E tem piorado estes últimos tempos em virtude do aquecimento global.
Jakub Marian preparou um mapa mostrando a temperatura máxima já registrada em cada país. Está aqui.
Só para comparar, no dia mais quente jamais registrado no Brasil, os termômetros marcaram 44,7°. Aconteceu em Bom Jesus (PI) em 2005.
O aprendizado ‒ 3
José Horta Manzano
Você sabia?
Espera-se que todo profissional seja diplomado. Esse postulado é válido por toda parte para quem cursou ensino superior: médicos, engenheiros, filósofos, biólogos, geógrafos. Na Suíça, a coisa vai mais longe. Diplomas são conferidos a profissionais artesanais. Pedreiros, cozinheiros, eletricistas, azulejistas, vendedores de loja, criadores de moda, encanadores têm diploma.
A formação começa à altura dos 15 anos de idade. O jovem que não estiver disposto a encarar, depois de terminar a escola média, quatro ou cinco anos de estudos universitários, pode optar pelo sistema de aprendizado. Será contratado como aprendiz numa empresa que lhe ofereça a oportunidade de aprender a profissão escolhida.
O aprendizado dura geralmente três anos. Durante esse período, o jovem dividirá seu tempo entre o trabalho e a escola. Alguns dias por semana, permanecerá no emprego, onde aprenderá a prática da profissão. Nos demais dias, seguirá um curso para aprender a parte teórica.
Ao final, enfrentará um exame federal. Se for aprovado, receberá seu CFC ‒ Certificado Federal de Capacidade, que prova estar ele apto a exercer a profissão escolhida. É um trunfo inestimável, uma quase garantia de emprego para o resto da vida. Na hora de encontrar colocação, quem tem CFC passa à frente de quem não tiver.
Uma das formações possíveis é a de agricultor. A ouvidos brasileiros, pode parecer surpreendente, mas muitos jovens escolhem esse caminho. Ao final, todavia, enfrentam um problema: não encontram meio de exercer a profissão que escolheram.
Na Suíça, não existem grandes empresas agrícolas como no Brasil. As propriedades são pequenas e agricultura é assunto familiar. Se o jovem recém-formado for filho de agricultores, continuará a trabalhar com a propriedade dos pais quando eles se aposentarem. Se, no entanto, não for herdeiro de gente da terra, vai dar de cara com um problemão: como fazer pra comprar um sitiozinho?
A terra custa um dinheirão, e jovem não tem capacidade financeira pra obter financiamento bancário. Assim, quando um casal de agricultores chega à idade da aposentadoria sem herdeiros, a terra acaba sendo dividida e vendida aos agricultores vizinhos.
Desse modo, os recém-formados, apesar do diploma, ficam a ver navios. São os trabalhadores rurais sem terra à moda suíça.
Frase do dia — 370
O fúnebre cenário eleitoral
Myrthes Suplicy Vieira (*)
Mais uma emissora de televisão preocupou-se em organizar um debate entre presidenciáveis. Cenário hollywoodiano, profusão de luzes, cores e sons, gente empertigada vestindo suas melhores roupas e escolhendo cuidadosamente as palavras e o tom mais atraente a ser empregado no discurso. A aparente seriedade das pessoas contrastando fortemente com o tom carnavalesco emprestado ao evento. Mas, afinal, o que foi dito? Não sei ao certo, já que não me dei ao trabalho de acompanhar a transmissão, mas posso apostar que tudo não passou do mesmo de sempre: acusações aos governos anteriores, falsos embates entre direita e esquerda, homens e mulheres, promessas de mudar radicalmente o foco e, finalmente, atender aos reclamos da população. Como se a única entidade a satisfazer fosse a sociedade e não o exigente mercado. Manchete do dia: mercado especula com a eleição e dólar opera perto de R$4,00.
Mais um instituto de pesquisa divulgou o resultado bombástico do último levantamento. Primeiro e segundo colocados na intenção de voto mantêm firmes suas posições, mesmo que um corra o risco de ter sua candidatura impugnada e o outro rebole para amansar o eleitorado hostil a suas convicções, sem frustrar a empolgação dos que dão apoio a seus discursos de ódio.
Mais reportagens e mais entrevistas em todos os órgãos de imprensa com os candidatos. Mais análises de especialistas sobre as reais chances de cada candidato chegar ao posto de primeiro mandatário. Angustiantes considerações de cientistas políticos sobre o que está faltando abordar e como corrigir distorções históricas no sistema presidencialista brasileiro.
A sensação de déjà-vu é tão forte que me causa engulhos. Para que, me pergunto, gastar tanta energia com toda essa pantomima e emprestar um ar de seriedade ao que não passa de um espetáculo burlesco? Nada é sério, nada é representativo, nada é convincente. Me desculpem os que se deixam seduzir por tanto falatório para ouvidos moucos, mas o fato é que estamos revivendo a farsa que nos assombra desde que nos conhecemos por nação.
Não tivemos de lutar pela república, ela nos foi dada de presente por um militar abilolado, anteriormente servil ao imperador. Nunca correu sangue de veias pátrias na conquista ou na defesa de direitos civis. Nunca tivemos de perseguir o pleno Estado de Direito. Enfrentamos, é verdade, revoluções e contrarrevoluções, embates pontuais entre diferentes segmentos ideológicos que, entretanto, nunca se generalizaram para se transformar em genuíno levante da cidadania. Experimentamos, é certo, um gostinho refrescante de arejamento em 2013, mas os caciques de sempre se apressaram em fechar novamente as janelas. Por que agora seria diferente? Em poucas palavras, nas eleições de outubro próximo, não estaremos buscando democracia. Ponto. Nem mais democracia.
Em psicanálise se diz que só o que pode ser simbolizado tem o condão de nos tirar do lamaçal da animalidade e nos afastar da miséria humana. E, perguntar não ofende, quais são mesmo os símbolos da democracia para a imensa maioria de nossa população? Liberdade de expressão, direito à autoafirmação, igualdade de direitos, independência e harmonia entre os três poderes da república e até justiça neutra para todos são conceitos vazios, ocos mesmo, para quem sente que sua única forma de participação no regime democrático é votar ‒ mesmo que isso não se configure em nosso país como direito, mas como simples obrigação.
O que estamos procurando de fato, ainda que doa dizer, é o restabelecimento da autocracia. Seja ele um civil, um militar, um príncipe ou um sindicalista, ansiamos por encontrar um líder forte que ponha cobro aos avanços dos movimentos sociais libertários, como o empoderamento feminino, a maior visibilidade dos segmentos LGBTT e negro, a descriminalização do aborto e das drogas, o acesso universal a uma educação de qualidade e a um sistema de saúde impecável, de primeiro mundo ou de padrão Fifa. A ilusão que se esconde por trás desse desejo? A de que seremos para sempre amigos de quem dá as cartas.
Não queremos diálogo, queremos calar a boca de quem ousa dissentir. Se não for por convencimento quanto à superioridade de nosso ângulo de visão, que se inserte então, à força, uma premissa religiosa que sirva de obstáculo definitivo à conquista desses e de novos avanços. Estado laico? Ora bolas, isso é conversa mole para boi dormir.
Não queremos mais liberdade. Ao contrário, já redefinimos muitas de suas formas como libertinagem e estamos cansados de nos sentir oprimidos por ela: agora é tempo de proclamar a necessária volta da moral e dos bons costumes.
Não desejamos mais encarnar o tão propalado espírito de conciliação característico da brasilidade, nossos adversários agora são nossos inimigos. Toda resistência democrática será doravante enquadrada como puro “mimimi” de perdedores, de quem não sabe jogar o jogo. Chegamos a um estado tal de descrença na democracia representativa que a única paz que pode nos redimir é a paz dos cemitérios.
Quem se anima a escolher o menos pior para reformar nossa oscilante democracia?
(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.
Censo ameaçado
José Horta Manzano
Deu nas manchetes: «Censo do IBGE ameaçado». Em seguida, o texto explica que falta dinheiro para organizar o censo de 2020 que, por isso, periga não ser realizado. Em resumo: ou será realizado pela metade, ou, se duvidar, nem sai do papel.
Acostumados a tragar absurdos todo santo dia, já nem damos muita atenção. É verdade que, se a gente for ficar de cabelo em pé a cada notícia espantosa, ninguém mais precisa fazer permanente.
Essa história de anular o censo de 2020 ou fazê-lo no estilo meia-sola é um erro histórico, uma barbaridade saída da mente obscura de gente ignara. O censo decenal ‒ realizado nos conformes, naturalmente ‒ é fonte indispensável de preciosos conhecimentos.
Essa pesquisa, levada a cabo de dez em dez anos, é um marco, uma radiografia do país. Permite avaliar o estado da educação, do transporte, da moradia, da escolaridade, da religião, da pirâmide das idades, do acesso ao saneamento básico ‒ enfim, um conjunto de informações sem as quais impossível será planejar.
Sem conhecer o passado, não se pode projetar o futuro. Só o censo permite comparar o avanço de políticas públicas. Perturbar o recenseamento é criminoso. É erro irrecuperável. Passado o tempo, não adianta medir, que a comparação estará prejudicada.
Tem mais. Tirando os imprevistos, para os quais há sempre uma reserva de segurança, os gastos do país são previstos em orçamento, pois não? Ficam, então, interrogações. Devemos entender que o censo não foi previsto no orçamento? Ninguém se terá dado conta de que nos anos terminados em zero se contam os ativos da nação? Pior ainda: se foi previsto e o dinheiro orçado, onde estão os cobres? Corruptos passaram a mão?
Respostas para a redação, por favor.
Justiça-espetáculo
José Horta Manzano
O princípio de publicidade da justiça é conquista da Revolução Francesa, afirmado pela primeira vez por leis de 1790. Nestes mais de duzentos anos, textos legais, decretos, normas, regulamentos e convenções vieram confirmá-lo. Excetuados os países onde vigoram regimes totalitários, o segredo foi abolido dos procedimentos judiciais. Hoje em dia, justiça proceder às claras é uma evidência.
Casos excepcionais há em que o julgamento corre a portas fechadas. Dá-se isso quando menores de idade estão envolvidos, por exemplo. O tribunal deliberará então ‘em segredo de justiça’. Ainda assim, o segredo é apenas para o grande público, sendo garantido às partes acesso a cada passo do processo.
De uns tempos a esta parte, nosso Congresso, que já não era grande coisa, desandou de vez. Corrupção, roubalheira, ignorância de boa parte dos parlamentares têm contribuído para a perda de qualidade e a quase paralisia da Casa. Um Legislativo em baixa aciona o sistema de contrapesos da República. O resultado, inevitável, é uma alta do Judiciário, com magistrados erguidos à ribalta.
Todos os países civilizados que conheço proibem que julgamentos sejam gravados, fotografados ou filmados. A entrada na sala de debates é, naturalmente, franqueada a público, mas o único registro gráfico que se pode levar de lá são desenhos. Há até excelentes aquarelistas especializados em registrar cenas de tribunal.
Não sei de quem terá sido a ideia de autorizar o televisionamento de debates do STF. A intenção era boa, sem dúvida. Quem tomou a decisão há de ter imaginado potencializar, como isso, a publicidade da justiça. O resultado, no entanto, está sendo desastroso.
É permitido entrar no salão do STF onde se desenrolam os julgamentos. Jornalistas e populares são autorizados a assistir. Com isso, a publicidade está assegurada. Não há necessidade de transmitir, para todos os rincões do país, debates travados em linguagem hermética e ininteligível para a esmagadora maioria da população.
A presença de câmeras e holofotes faz brotar efeito perverso. Algumas das excelências ‒ se não todas ‒ criam asas e se põem a flutuar. Em arroubos líricos, imaginam-se no fórum da Roma antiga e perdem o fio da meada. A fala de cada um se enche de pompa e se encapela a tal ponto que o voto sai prejudicado. Já houve casos de, a despeito de arenga interminável, não ficar claro se o ministro quis votar sim ou não.
Melhor seria o Tribunal Maior voltar a funcionar como qualquer corte do país. Que a tevê se contente com transmitir sua programação habitual. Jornais, portais e a mídia social estão aí pra informar o grande público. Se uma volta à moda antiga contribuísse pra baixar a bola de Suas Excelências, já estaríamos dando grande passo na boa direção.
Periculum in mora
José Horta Manzano
O caso Lula da Silva, que virou novela de segunda categoria, já está levando à saturação a paciência dos brasileiros de bem. De molecagem em molecagem, o grão-petista e seu bando têm dado que fazer à Justiça, viciados que estão em brigar no tapetão.
Com as eleições chegando, seu mestre está de olho na miragem de uma eleição ao cargo maior, situação que lhe valeria, por quatro anos, imunidade para novos processos. A chance de poder concorrer (chance para ele, que para nós é risco) é praticamente nula. Ainda assim, Lula da Silva dá uma banana para o Brasil e passa o tempo entupindo a Justiça com recursos e reclamos absurdos.
Coube a doutor Luís Roberto Barroso a decisão sobre a fixação do rito que vai governar a decisão de homologar ou embargar a candidatura de Lula da Silva. Comedido, doutor Barroso, que é ministro do STF e também do Tribunal Superior Eleitoral, tem mostrado privilegiar decisões de bom senso. A maior parte das vezes, seu voto tem-se revelado isento, sem marcado viés ideológico.
Honesto e precavido, doutor Barroso considerou que o caso é de grande repercussão. Assim, preferiu adotar o rito longo, com prazos dilatados, consulta ao plenário da Corte, direito a réplica, tréplica e quatréplica. Sua intenção foi de fornecer um resultado inatacável. Louvo a decisão, mas acredito que Sua Excelência esteja equivocado.
Do outro lado da mesa, não está um “paciente” comum. Quando se julga um cidadão normal, deve-se calçar luvas de pelica e oferecer-lhe todas as possibilidades de defesa e de contestação. Quando, do outro lado da mesa, está um grupo de embusteiros, o tratamento tem de ser diferente, mais seco, mais radical, mais próximo do rito sumário.
Doutor Barroso está empenhado em seguir um caminho liso, perfeito, de modo a impedir todo ataque e toda contestação. Engana-se o magistrado. Seja qual for o rito seguido, é certo que Lula da Silva & amigos reclamarão de qualquer jeito. Insistindo no mito da vitimização, hão de proclamar ao Brasil e ao mundo que o julgamento terá sido injusto, autoritário e abusivo.
Se assim é, por que então deixar o Brasil em aflitivo suspense? Se a decisão (lógica) de proibir Lula da Silva de concorrer será atacada seja qual for o rito, não faz sentido fazer durar a espera.
Periculum in mora ‒ há perigo na demora.
Bit
Ricardo Soca (*)
É palavra espanhola? Não exatamente, mas algumas de suas acepções atuais remontam ao século 15, mais precisamente ao reinado de Fernando de Aragão e Isabel de Castela.
É verdade que bit é palavra inglesa que se infiltrou em quase todas as línguas ‒ espanhol incluído ‒, na esteira do avanço tecnológico das últimas décadas do século 20, quando grande parte da humanidade passou a ter acesso à informática.
Os franceses, entrincheirados com louvável bravura na defesa do próprio idioma, forjaram octet ‒ octeto para denominar cada um dos conjuntos de oito elementos, uns e zeros, utilizados na codificação binária dos computadores. Em inglês, esse conjunto de oito elementos se chama byte, e cada uma de suas partes é um bit.
No entanto, o que poucos sabem é que o uso da palavra bit para designar cada elemento de um conjunto de oito provém de antiga moeda espanhola de prata, o real, criado em 1497 pelos Reis Católicos, quando uma reforma monetária se fez necessária para a Espanha recém-unificada.
O peso se dividia em oito reais (real de oito). Os povos de língua inglesa, mesmo rechaçando essa prática, mantiveram o costume de dividir a moeda em oito partes. Sua moeda principal, primeiro a libra e hoje o dólar, frequentemente era chamada eight bits ‒ oito pedaços, ou também piece of eight ‒ moeda de oito.
Até hoje, em zonas rurais e pequenas cidades dos EUA, a moeda de 25 centavos (quarter) se chama two-bits ‒ dois pedaços de oito, relíquia do velho dólar inspirado no real de oito. A explicação de que o uso da palavra bit en informática provém de binary digit foi engendrada, portanto, vários séculos depois que bit designasse pela primeira vez cada unidade de um conjunto de oito.
(*) Ricardo Soca, uruguaio, é linguista e jornalista. Edita um blogue sobre a língua castelhana. A tradução do texto acima, descompromissada, é deste blogueiro.