Façam como eu digo

José Horta Manzano

José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, dito José Sarney, foi-se embora atirando. Depois de ter sido eleito e reeleito durante 60 anos, o político – que muitos consideram ser o homem mais poderoso do País – saiu de cena. Pelo menos oficialmente.

Dono hoje de considerável fortuna, passeou por sete partidos políticos. Representou dois Estados no parlamento, fato assaz raro. Foi governador, senador, presidente do Senado e até, por uma dessas traquinagens com que a história nos surpreende, presidente da República. Sublinhe-se que chegou lá sem ter recebido um voto sequer.

Fonte: petrobrasilfatosedados.wordpress.com

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Sempre procurou estar ‘de bem’ com o poder. No tempo em que só os fardados mandavam, grudou-se a eles. Ironicamente, serviu de dobradiça entre o período militar e o atual período de governança civil.

Aos 84 anos, decidiu pendurar as chuteiras. Não se candidatou a um enésimo mandato. Não deve tê-lo feito de coração leve. Astuto, há de se ter dado conta de que sua estrela declinava. Aqueles a quem havia dado uma senhora ajuda no difícil começo – entenda-se o PT – já andam com suas próprias pernas e não precisam mais dele. Para piorar, nas últimas eleições, seu clã perdeu o controle do Estado do Maranhão, um péssimo sinal.

Foi-se o homem. Mas fez questão de detonar um derradeiro petardo em seu último discurso no Senado. Confessou-se arrependido de ter voltado à vida pública depois de ter sido presidente da República. Dou-lhe inteira razão. Os que já exerceram o cargo máximo deveriam ter a dignidade de se eclipsar. É a melhor garantia de manter aura respeitável.

Numa demonstração de que sua visão autoritária de mundo não se alterou, propôs a proibição, a ex-presidentes, de ocuparem cargo eletivo. Pois que vá plantar batatas. Como diria o outro, ninguém precisa de seus conselhos, cada um sabe errar sozinho.

Além de anticonstitucional, sua proposta é hipócrita. Faz 25 anos que deixou de ser presidente. Desde então, vem-se elegendo e reelegendo ininterruptamente. Quer nos fazer crer que foi só na semana passada que descobriu que não devia ter feito isso? Essa foi muito boa, senador, conte outra.

Fonte: petrobrasilfatosedados.wordpress.com

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Tem mais. Lançou ao vento a ideia de «reforma política», aquela tecla na qual todos voltam a bater cada vez que se sentem numa posição desconfortável. Disse que o voto distrital deveria substituir o proporcional. Concordo com o senador. Mas… por que, diabos, não trabalhou nessa direção enquanto segurava as rédeas do poder?

Tinha mais cacife que qualquer outro parlamentar para levar adiante a discussão e vencer a batalha. Não fez porque não quis. Dizer isso na hora do adeus não tem mais alcance – só faz apequenar ainda mais a imagem do mais antigo dos quatro ex-presidentes da República ainda vivos.

José Sarney saiu de cena pisando duro e batendo a porta. Sua personalidade concentrou os piores males que afligem a política brasileira: patrimonialismo, paternalismo, oligarquia, ‘vira-casaquismo’, coronelismo, fisiologia, leniência com ‘malfeitos’, corporativismo, vaidade, menosprezo para com os eleitores. Foi-se o homem, mas… deixou uma revoada de filhotes.