Lula e os novos tempos

José Horta Manzano

Quando vejo a dexteridade de meus sobrinhos-netos ao lidarem com telefone celular e outros teclados ainda mais sofisticados, fico aliviado. Acho ótimo que essas modernidades tenham chegado agora, quando já não preciso mais delas. E desconfio que, mesmo mais jovem, eu não teria sido capaz de escrever mensagens num tecladinho de faz-de-conta, utilizando só a pontinha de dois dedos. Para os que, como eu, fizemos curso de dactylographia em mil novecentos e nada, escrever num celular é desafio. Ainda bem que escapei dessa.

Nos dias atuais, não seria possível aguentar o tranco de uma vida profissional sem utilizar telefones e outros instrumentos que todos usam. Para voltar à ativa, eu teria de me dobrar à evidência: é indispensável me atualizar. Só que eu não quero nem pretendo retormar o batente, portanto estou dispensado de reciclagem.

Mas tem gente que, após uma pausa de anos, decide voltar à ativa sem passar pela fase de reciclagem, porque acha muito chato ter de aprender. E vai em frente e mete as caras, crente que sua esperteza vai vencer todos os obstáculos.

Talvez o distinto leitor já se tenha dado conta de que estou pensando em nosso atual presidente, Lula da Silva.

Afastado dos negócios durante uma dúzia de anos – inclusive porque esteve preso –, Luiz Inácio quis porque quis voltar à Presidência. Dos oito anos que havia passado no cargo, só guardava lembranças felizes, de reis e rainhas, de honras e louvores, de mares de bonança singrados com sucesso. Tendo descido a rampa com 80% de popularidade, pareceu-lhe ter atingido o ponto máximo, lugar de onde não se desce mais até o fim da vida.

A realidade é mais cruel. Não é permitido a nenhum mortal conservar para sempre seu prestígio no patamar mais elevado. Se até os que morreram na glória são, com o passar dos anos, rebaixados, imagine os vivos.

O fato é que o tempo passou, novos ventos sopraram e aquela aura de demiurgo que Lula carregava se dissipou. E ele não percebeu. Ou achou que seu olho vivo daria conta de reinflar o que houvesse murchado.

Descurou a voz da experiência, que ensina o óbvio:


“Tem que reciclar, Lula! Não se opera telefone celular só com diploma de dactylographia! Tudo mudou no mundo. Toma cuidado, que tu não és mais esperto que a esperteza!”


E lá se foi o Lula, com demasiada confiança em si mesmo, achando-se capaz de dar daquelas piruetas que a idade já não lhe permitia. Estivesse, ainda, cercado de profissionais de qualidade superior a aconselhá-lo (e estivesse ele disposto a seguir os conselhos), a coisa ainda teria jeito. Mas Lula é orgulhoso e cabeçudo. Além de sua equipe nem sempre ser lá essas coisas, ele refuga os conselhos bons e acolhe os maus.

A imagem que o governo envia é um cenário todo feito de desencontros, de hesitações, de morde e assopra, de batalhas palacianas, de dois passos à frente e dois atrás. Adivinha-se um Lula com sinais inquietantes de ter perdido a mão. O que antes dava certo já não funciona, e ele não encontra a chave para resolver problemas novos. Tenta soluções antigas, que não dão cabo do enrosco.

Não sei se Luiz Inácio acha que está abafando, como nos velhos tempos, ou se já admitiu, para si mesmo, em seus pensamentos mais recônditos, que os truques e mágicas do passado já não funcionam e que ele perdeu o pé.

De um lado, temos um Bolsonaro inelegível e amedrontado, aflito para escapar da justiça; de outro, temos um Lula passivo, preocupado com picuinhas, distante dos grandes projetos do passado, mais reagindo do que agindo.

Nossa gerontocracia vem a galope, já aponta o nariz na esquina. E não vem sorridente.

Irã e prisões de segurança máxima

José Horta Manzano

O ataque lançado pela República Islâmica do Irã sobre o Estado de Israel, na noite de sábado passado, envolveu mais de 300 foguetes, incluindo 170 drones, 30 mísseis de cruzeiro e pelo menos 110 mísseis balísticos.

Para se defender, Israel contou com a ajuda de três potências: os EUA, a França e a Grã-Bretanha. Esses países contam com bases militares na região, e conseguiram deter e destruir boa parte das armas voadoras antes que atingissem território israelense. O exército de Israel fez o resto. Daí os estragos terem sido tão limitados.

Não precisa ser especialista em assuntos militares pra se dar conta de que o Irã lançou mão de apreciável quantidade de foguetes – arsenal fabricado por eles, ainda por cima. Tivessem atirado três bombinhas, é possível que Israel, ao constatar a fragilidade do inimigo, já estivesse enviando seus próprios foguetes para destruir Teerã.

Acredito que a amplidão do ataque seja um dos fatores que estão fazendo o governo de Tel Aviv hesitar. Se os dois países entrarem em guerra de verdade, o risco é grande de o equilíbrio regional (e talvez mundial) sentir o baque e sair abalado.

Faz quase duas décadas que o Irã vive sob sanções pesadas aplicadas pelos EUA e também pelos países aliados. Na teoria, o Irã deveria estar exangue, com a língua de fora, pedindo arreglo. Não foi o que se viu sábado passado. Analistas tentam minimizar a força do Irã, argumentando que o arsenal é antiquado, fora de moda, impreciso e isto e aquilo. Me parece mais é desculpa de despeitado.

Antiquado ou não, o arsenal despachado pelo Irã não bate com a imagem de um país mendigo, de pires na mão, pária do mundo civilizado. Como é possível? “Fatta la legge, fatta la burla”, como dizem os italianos (a lei nem bem acabou de ser feita, já se dá um jeito de fraudá-la).

Nosso cândido Lula da Silva gosta de se apresentar como “aliado” deste ou daquele país, o Irã entre eles. Ser aliado é mais do que sair na foto ao lado do “parceiro”. Inclui unir forças em busca de um objetivo comum. Qual é o objetivo comum entre Brasil e Irã, além de buscar o progresso do povo respectivo? Concluo que o Brasil não é “aliado” de fato do Irã. Ainda bem.

O fato é que o Irã tem petróleo e o mundo precisa de petróleo. Pronto, a conexão está feita. Dinheiro não compra tudo, mas quase. Petróleo pode ser excelente moeda de pagamento. Se uns se recusam a comprar óleo iraniano, outros fecham os olhos para os excessos do regime dos aiatolás e entram na fila dos compradores.

Assim, com dinheiro na mão e meio quilo de esperteza, qualquer país “pária” dá logo um jeito de passar por cima das sanções e adquirir tudo o que quiser. Com os equipamentos assim importados, os iranianos vão construindo seus drones e seus mísseis. Não vamos esquecer que, junto com a Turquia, o Irã está entre os melhores fornecedores de drones da Rússia.

Tudo isso mostra que impor sanções é o mesmo que tapar um cano d’água com peneira de taquara: o fluxo pode até diminuir, mas a água continua passando.

Os protocolos de segurança de uma prisão “de segurança máxima” funcionam de forma semelhante. Por mais medidas que se tomem, como celas revistadas, algemas no passeio, informação compartimentada e encarcerados isolados, sempre resta alguma brecha. E é por ali que passa toda a comunicação que não devia passar.

Em conclusão, vamos dizer que não somos “aliados” de papel passado do Irã nem temos prisões de absoluta “segurança máxima”. Jair Messias já quebrou os dentes quando levou um ‘chega pra lá’ de Viktor Orbán, seu “aliado” húngaro. Não me venha agora Luiz Inácio com suas manias de considerar seus ditadores de estimação como “aliados do Brasil”.

Tanto Bolsonaro quanto Lula estão errados. O capitão, após a decepção da embaixada, já caiu na realidade. Entendeu que, em política internacional, não existe amizade.

E tu, Lula, vais continuar batendo na mesma tecla?

Fim de ano, Lula e extrema direita

Hidra de Lerna
monstro de múltiplas cabeças da mitologia grega

José Horta Manzano

Artigo publicado no Correio Braziliense de 30 dezembro 2023

As pesquisas de opinião revelam um Lula da Silva que vai se segurando apesar de um tropeção aqui ou ali. Ao final de um ano de mandato, sua popularidade não parece ter sofrido desgaste significativo. Entre outras razões, estão duas especificidades.

Por um lado, o turbilhão de fatos políticos nacionais gira com tanta velocidade que as ocorrências não têm tempo de se fixarem na retina. Cada notícia empurra e apaga a anterior, só permitindo que dramas chocantes permaneçam no ar por algum tempo a mais. Por outro lado, Luiz Inácio já deu amplas provas de ser do gênero “político teflon”, aquele em quem manchas e desdouros não grudam, desaparecendo logo.

Até aqui, falamos do Brasil insular, um país cujos habitantes acreditam que, circundados por fronteiras herméticas, vivem isolados do mundo. Na vida real, não é assim. As aves que aqui gorjeiam, trinam por lá também. Frases que Lula costuma tirar do bolso do colete ao dar palpite sobre graves assuntos internacionais podem passar despercebidas ao público brasileiro, mas fazem as manchetes no exterior. E acabam nos prejudicando a todos.

A acolhida fidalga e despropositada que Luiz Inácio, ao tomar posse, ofereceu ao ditador da Venezuela pregou um susto nas chancelarias estrangeiras. Os conceitos fora de esquadro que ele declamou sobre a guerra na Ucrânia e o conflito na Palestina fizeram murchar sorrisos em velhos admiradores estrangeiros. O anúncio, feito durante a recente COP de Dubai, do ingresso do Brasil na Opep+ mostrou que a extravagância de Lula é irrefreável, podendo confinar com a incongruência.

Ao final deste primeiro ano de governo Lula 3, numerosos líderes estrangeiros que muito esperavam dele tornaram-se desconfiados e precavidos. O troco já começou a chegar. Veja-se a maneira nada sutil com que Emmanuel Macron torpedeou o acordo UE-Mercosul. Vai longe o tempo em que o francês se deixava filmar exclamando “Lula, mon ami!”. A fraterna amizade parece não ter resistido aos percalços do primeiro ano de mando lulista.

Talvez por estar ressabiado, Lula abdicou de se expor em duas recentes ocasiões. Primeiro, ao declinar de saudar o ucraniano Zelenski no aeroporto de Brasília, quando este fez escala técnica a caminho de Buenos Aires para a posse de Milei. Segundo, ao recusar-se a viajar até a ilha caribenha em que os presidentes da Venezuela e da Guiana bambeavam entre guerra e paz.

Visto do exterior, Luiz Inácio termina o ano menor do que começou. É pena, mas é constatação inescapável: o Brasil entra em novo período de refluxo, enquanto o mundo lá fora continua a girar. Esse nosso negacionismo oficial é difícil de explicar.

Dez dias atrás, a Assembleia-Geral da ONU pôs em votação uma resolução condenando a violação de direitos humanos na Ucrânia invadida. A Europa inteira (até a Hungria!) aprovou. Nossos vizinhos Uruguai, Chile e Argentina também. O Brasil se absteve, preferindo fazer companhia ao Iraque, ao Vietnã, à Indonésia, à Etiópia e a outros recalcitrantes. O Itamaraty não se dá conta de que, quando o sofrimento humano está em jogo, seja onde for, a politicagem tem de se curvar e dar passagem à empatia. É doloroso constatar que um governo que se diz progressista cede a ideologias mortas e enterradas, e passa por cima de valores essenciais do humanismo.

Daqui a uma semana, o triste 8 de janeiro de 2023 completará um ano. Alguns veem nessa data o ato final da ópera, com a morte simbólica dos protagonistas. Antes fosse, mas é bom não facilitar. A hidra extremista tem múltiplas cabeças, cada uma representando um público diferente. Libertários, evangélicos, “anticomunistas”, sebastianistas, ultraegoístas, novos-ricos, racistas – cada um deles está associado a uma das cabeças. Embora se desconheçam entre si, esses grupos contribuem, quiçá sem se dar conta, para a perpetuação do extremismo. A existência de tantos ramos disparates explica a resiliência da direita extrema que, em nosso país, é nutrida por um em cada quatro eleitores.

Portanto, olho! Não é hora de baixar a guarda. Se nossa política externa declina, continuemos vigilantes ao que fermenta dentro de nossas fronteiras, que a hidra, embora sonolenta, continua viva.

Feliz ano novo a todos!

Speranza

José Horta Manzano

É provável que o distinto leitor e a graciosa leitora já tenham lido algum dia a frase


Lasciate ogne speranza, voi ch’intrate (*)
Abandonai toda esperança, vós que entrais


É o 9° verso do terceiro canto do Inferno, parte da obra A Divina Comédia, escrita por Dante Alighieri há 700 anos. A frase terrível está gravada na porta do inferno, aconselhando aos recém-chegados que percam as esperanças – estão entrando ali para nunca mais sair, que o castigo é eterno.

A frase é frequentemente usada como citação, como paródia ou como metáfora. Usa-se a frase, por exemplo, quando nos referimos a uma situação tão complicada que é melhor não insistir porque não há solução possível.

Lembrei disso hoje ao observar os altos e baixos da política externa do Brasil, inconstante como uma montanha russa de parque de diversões. Aliás, mais inconstante ainda. Uma montanha russa, apesar dos sustos que prega nos viajantes, tem percurso delineado, balizado, fixo, previsível. Ao término da sessão, costuma-se desembarcar inteiro, são e salvo. Já nossa política exterior não tem mostrado ser balizada nem previsível.

Lula, que imaginava ser candidato prioritário ao Nobel da Paz, tem bombardeado a própria candidatura com inacreditável frequência. Não falo tanto das ações internas, que essas têm visibilidade pequena para quem está fora. Falo das tomadas de posição do chefe do Estado brasileiro em assuntos internacionais, o melhor termômetro para aqueles que, de Estocolmo e de Oslo, observam, selecionam e julgam os candidatos finalistas para a premiação do Nobel.

Em disputas internacionais, Luiz Inácio parece fazer de propósito: coloca-se sistematicamente do lado que choca o mundo civilizado – justamente aquele que lhe poderia atribuir o almejado Nobel. Quando assumiu o trono, deu honras especiais ao ditador da Venezuela, recebido 24h antes dos demais e paparicado à beça. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, pôs-se ao lado da Rússia. Quando o grupo terrorista Hamas atacou populações civis em Israel, condecorou o embaixador da Palestina em Brasília. Parece ou não parece que ele faz de propósito?

A cada pronunciamento, mormente se for espontâneo, sem script, pode se preparar porque lá vem alguma enormidade.

Dizem, com razão, que a mentalidade de Lula estacionou nos anos 1970 e de lá nunca mais saiu. Há quem tenha esperança de que, com o tempo, ele consiga tirar os pés da areia movediça em que se enfiaram e assim arejar a mente e adaptar seu pensamento ao mundo do século 21.

Quanto a mim, não boto fé. Lula está a dois dedos de completar 80 anos. Nessa idade, falo de cátedra, não se muda mais. O que tinha de mudar, já mudou. O que está, é pra ficar. Seu antiamericanismo infantil está cristalizado. Encruou, não tem mais jeito. Já foi presidente por 9 anos, já viajou mundo, já conversou com reis, rainhas, presidentes, chefes de Estado e de governo. O que tinha de aprender, já aprendeu.

Não tem remédio: continua preferindo ditadores e chefes de regime fechado e autoritário. E não vai mudar. Continuará assim até o último suspiro.

Lasciate ogni speranza!

(*) Essa é a grafia original proposta por Dante. Em italiano moderno, escreve-se Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate.

TPI – Tribunal Penal Internacional

José Horta Manzano

Em 7 de junho de 2002, o Diário Oficial da União publicou o Decreto Legislativo n°112, pelo qual o Congresso Nacional ratificou a adesão do Brasil ao termos do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. A partir de então, o Brasil é Estado Parte do Tribunal.

O Artigo 86 do Estatuto reza:
“Os Estados Partes deverão, em conformidade com o disposto no presente Estatuto, cooperar plenamente com o Tribunal no inquérito e no procedimento contra crimes da competência deste.”

O objetivo é evidente: um tratado desse teor só pode funcionar se todos os Estados Partes se comprometerem a cumpri-lo. Do contrário, não faria sentido. O Estatuto de Roma congrega hoje 123 Estados Partes. Alguns países preferiram não se comprometer – entre eles, alguns importantes: os EUA, a China, a Rússia.

Em março passado, o Tribunal Penal Internacional emitiu ordem de prisão contra o cidadão Vladímir Valadímirovitch Pútin, presidente da Federação Russa. É coisa séria. Todos os Estados que assinaram o Estatuto têm o compromisso de cumprir a ordem. Não é à toa que Pútin declinou o convite para comparecer à reunião do Brics na África do Sul. Foi avisado que, caso desembarcasse no território sul-africano, poderia acabar preso.


Frase 1
”O que eu posso dizer é que, se eu sou o presidente do Brasil e ele for para o Brasil, não há por que ele ser preso”


Foi o que Lula da Silva declarou no sábado, todo sorrisos, em entrevista a um canal indiano de informação, quando lhe perguntaram se Pútin será preso se for ao Rio de Janeiro para a reunião 2024 do G20. E não parou por aí. Lula garantiu que vai mesmo convidar Pútin para o encontro. E completou seu pensamento:


Frase 2
“Ninguém vai desrespeitar o Brasil, porque tentar prender ele no Brasil é desrespeitar o Brasil”


Análise da Frase 1
O discurso suscita alguma reflexão. Ao pronunciar a Frase 1, Luiz Inácio mostra que acredita ser dono do país. Ele se faz de bobo, como se não conhecesse as atribuições do presidente da República. Vivemos numa democracia em que cada um dos Poderes é autônomo. “Mandar prender” não é assunto da quitanda dele. E ele sabe disso perfeitamente.

Ao se pronunciar assim, Lula deixa em ouvidos estrangeiros a convicção de que o Brasil vive sob um regime de republiqueta de bananas, em que o líder máximo detém poder absoluto sobre todas as instituições. É ele que “manda prender” ou “manda soltar”.

Ao agir dessa maneira, Luiz Inácio faz um desfavor a si mesmo e ao país inteiro. Está agindo como um certo capitão que o antecedeu, aquele que passou quatro anos tentando escantear as instituições. Lula entra de sola em paróquia alheia, o que nunca é muito bom.

Ao anunciar que, em caso de visita do russo, passará por cima da autoridade do TPI (Tribunal Penal Internacional), Luiz Inácio deixa claro que considera seu juízo melhor que o do próprio Tribunal. Os juízes da Haia (Holanda) lançaram mandado de prisão contra um indivíduo, mas Lulinha paz e amor resolveu estufar o peito e dar guarida ao procurado pela justiça.

Com essa ideia escrachada – um triste repeteco do caso Cesare Battisti –, Lula informa que o Brasil continua sendo um país acolhedor para fugitivos da justiça, mas pouco confiável no geral, visto não respeita nem a própria assinatura em tratados internacionais.

Análise da Frase 2
“Tentar prender ele no Brasil é desrespeitar o Brasil”. Como é que é? A princípio, achei que Lula quisesse dizer que o Brasil deixaria de ser um país de respeito se prendesse o ditador russo. Achei até que a ideia trazia um propósito patriótico, de um presidente preocupado com a imagem do país.

Só que não era isso. Ao reler, me dei conta de que Luiz Inácio não parece ter ideia do que seja um mandado de prisão internacional. As palavras que ele pronunciou mostram que ele teme que “alguém” (uzamericânu?) vá prender Putin em território brasileiro, o que seria “desrespeitar o Brasil”.

É urgente que alguém avise ao presidente que o temor dele é infundado. Nenhum comando armado até os dentes vai singrar as águas da Baía de Guanabara no mormaço noturno, todos vestidos de preto, para sequestrar o ditador russo e despachá-lo para a Holanda. Não é assim que costuma funcionar.

Conclusão
Por um lado, Lula acredita que “alguém” pode abduzir o visitante e fazê-lo desembarcar diante dos magistrados do TPI. Por outro, o mesmo Lula garante que o ditador russo pode vir tranquilo, que nada lhe acontecerá.

Ora, se a ameaça de sequestro vem de fora, Lula não tem como garantir a integridade física do visitante.

Enquanto isso, Pútin, que não é ingênuo e sabe os perigos que corre, não irá rever os encantos de nossa terra tropical. E será melhor assim.

De quem é a Crimeia?

José Horta Manzano

Acabo de assistir à coletiva de imprensa que Lula e Pedro Sánchez, o chefe do governo espanhol, deram na saída de uma conversa a portas fechadas. Em virtude do pouco tempo disponível, só foram permitidas duas perguntas, uma de uma jornalista brasileira e uma de um jornalista espanhol.

Ambas as perguntas foram múltiplas, com três ou quatro subperguntas embutidas, mas o tema principal das duas foi o mesmo: a guerra na Ucrânia. Está confirmado que as declarações contraditórias que nosso presidente tem dado nos últimos tempos retumbaram na Europa.

Uma das perguntas deixou Lula em saia apertadíssima. À queima-roupa ouviu: “Na sua opinião, presidente, a Crimeia e o Donbas pertencem a que país?”. Luiz Inácio engasgou. Disse que não tinha entendido a pergunta. O repórter repetiu pausadamente. O presidente do Brasil continuou reclamando que não havia entendido.

O chefe do governo espanhol se meteu na conversa, e Lula teve de entregar os pontos. Admitiu que tinha entendido. Mas logo se esquivou alegando que não cabia a ele responder a essa pergunta. Não lhe compete decidir quem é o dono da Crimeia e do Donbas. Espichou um pouco mais o raciocínio, mas acabou mudando de assunto.

Lula está gravemente enganado. Sua resposta está longe da realidade. Ao escapar por essa portinha estreita, ele mostrou que seus conhecimentos não lhe permitem meter-se em política internacional sem dar vexame.

Só para recordar, a Ucrânia era uma república integrante da União Soviética. Com o desmonte da URSS, o país tornou-se independente em 1991. Em dezembro daquele ano, o Brasil reconheceu a Ucrânia como país independente dentro de fronteiras soberanas e universalmente reconhecidas. O território incluía a Crimeia e a bacia do Rio Don, o Donbas. O próprio Lula visitou Kiev em 2009, como presidente do Brasil, quando o país estava inteiro e ninguém discutia a propriedade do território.

O fato de a Rússia ter invadido a Crimeia em 2014 e parte do Donbas em 2022 não altera o tabuleiro: essas duas regiões continuam fazendo parte integrante da Ucrânia. Portanto, a resposta que se esperava de Luiz Inácio era que, até que eventual novo tratado modificando fronteiras internacionais venha a ser assinado e reconhecido pelo mundo todo, o território ucraniano inclui, sim, a Crimeia e o Donbas.

Se um líder estrangeiro, indagado sobre quem é o dono do Acre, desse uma resposta à la Lula – “não cabe a mim decidir a que país pertence o Acre” –, causaria fúria em Brasília e indignação no resto do mundo. E com razão, pois não?

Escapar à pergunta, como fez Lula da Silva, é levar água ao moinho de Putin. Somente o ditador da Rússia põe em dúvida o que ficou acertado e sacramentado 30 anos atrás. Lula mostra que continua mal preparado para enfrentar as consequências de suas falas desastradas.

Que se prepare para as próximas vezes, que virão certamente.

Brasil à mesa dos grandes

José Horta Manzano


Este blogueiro não tem a menor simpatia pelo Lula. E jamais votou em candidato petista. Quem me lê sabe disso, mas não custa repetir.


Cúpulas do G7
As reuniões anuais de cúpula dos países mais industrializados começaram em 1975 e continuaram a ser organizadas anualmente. Os que têm mais de 30 anos hão de se lembrar que o grupo dos países mais industrializados se chamava G8. Isso foi enquanto a Rússia, que era um dos participantes, foi considerada terra civilizada. Tudo mudou em 2014, quando Putin mandou a tropa invadir e tomar a região ucraniana da Crimeia. A partir de então, a Rússia foi suspensa do grupo e nunca mais conseguiu seu bilhete de entrada.

Tirando o ano de 2019, em que a covid grassava freio, houve cúpula todos os anos. Desde a virada do século, o país que hospeda a reunião ganhou o direito de propor a líderes de países não-membros que participem como convidados de honra. Lula da Silva, então presidente do Brasil, foi convidado nas seguintes cimeiras:

2003, realizada na França
2005, realizada no Reino Unido
2006, realizada na Rússia
2007, realizada na Alemanha
2008, realizada no Japão
2009, realizada na Itália

Nosso Guia, como se sabe, deixou a Presidência em 2010. Coincidência ou não, depois disso, o Brasil nunca mais recebeu convite para participar. Nem Dilma, nem Temer, nem muito menos Bolsonaro tiveram a honra. A bem da verdade, diga-se que o capitão estava na lista de convidados para a cúpula de 2019, a ter lugar nos EUA durante o governo de Trump. A pandemia acabou com a festa e obrigou ao cancelamento.

Aqui vai uma curiosidade pra deixar o atual presidente verde de inveja. Sabe quem esteve entre os convidados de honra este ano, na cúpula que acaba de terminar na Alemanha? Pois foi Señor Alberto Fernández, representando a Argentina. Além dele, foram homenageados os líderes da Indonésia, da Índia, da África do Sul e do Senegal. O Brasil ficou na geladeira, fazendo companhia à Rússia (banida) e à China (que nunca entrou).

Sabe quando é que o Brasil de Bolsonaro vai voltar a ter alguma chance de participar? Nunca. Só depois que voltar ao normal, ou seja, após a partida de Bolsonaro. Nem que, por impiedade do destino, o homem fosse reeleito e ficasse mais quatro anos no palácio: seriam quatro anos sem Brasil entre os grandes. Agora, se Nosso Guia vestir a faixa em janeiro próximo, boas são as chances de o Brasil subir de novo ao palco.

Anote aí
As próximas reuniões de cúpula do G7 estão previstas para 2023 no Japão e 2024 na Itália.

Só vou de mulher

José Horta Manzano

 

“Ninguém gosta de homossexual, a gente suporta.”
Jair Bolsonaro, então deputado.
Vídeo do ano 1997.

 

“Pelotas é uma cidade-polo, né? Exportadora de veados.”
Lula da Silva, então sem função política definida.
Vídeo do ano 2000

 

“Um estudo publicado em 1996 no ‘Journal of Abnormal Psychology’ demonstrou que os homens homofóbicos – só eles, não os demais – se põem fisiologicamente excitados ao visionar vídeos explicitamente homossexuais.”
Boris Cheval, doutor em Ciências e pesquisador em Neuropsicologia da Saúde, Psicologia do Esporte e Epidemiologia Social.
Entrevista do ano 2016

O título deste post faz alusão a um samba fora dos padrões, composto por Luiz Reis e Haroldo Barbosa em 1961, aqui na interpretação bem-humorada de Ivon Curi (1928-1995).

Farinha do mesmo saco?

José Horta Manzano

Os candidatos que neste momento ocupam os quatro primeiros lugares na corrida presidencial têm um currículo(*) interessante.

Lula da Silva
Foi presidente e também presidiário.

Jair Bolsonaro
É presidente com boa probabilidade de tornar-se presidiário assim que descer a rampa.

Ciro Gomes
Foi ministro do Lula, aquele que foi presidente e presidiário.

Sergio Moro
Foi ministro de Bolsonaro, aquele que é presidente e tem risco de se tornar presidiário.

Como se vê, a escolha parece ampla, mas não nos tira do círculo vicioso no qual rodopiamos há duas décadas. Nosso mundinho político exala mau cheiro.

(*) Tem casos em que, em vez de currículo, o termo mais adequado seria prontuário.

O general e a gravata

José Horta Manzano

Curioso para conhecer Pazuello, o ex-ministro que eu nunca tinha tido oportunidade de ver nem de ouvir, fui dar uma espiada em seu depoimento de ontem na CPI. Devo admitir que fiquei um tanto decepcionado. Depois de tudo o que já li sobre ele, imaginava dar de cara com um General Trovão, um Figueiredo dos tempos atuais, um líder do tipo “deixa comigo, que eu mato e arrebento”. Em vez disso, o homem está mais pra Zangado, um dos anões que rodeavam a Branca de Neve, aquele que nunca sorria. Parece um Zangado falante, mas sempre de maus bofes.

Na foto tirada durante o depoimento, o general aparece de olhos fortemente avermelhados. Fica a nítida impressão de ele não ter dormido na noite anterior – o que poderia explicar o quase-desmaio que sofreu à tarde. É difícil imaginar que ele tenha passado a noite se agitando num baile funk, mas é concebível que tenha ficado acordado até altas horas recapitulando as respostas que lhe tinham sido aconselhadas pelos media trainers contratados pelo Planalto. Pode ser também que, nervoso, tenha simplesmente perdido o sono.

Fiquei surpreso com a inabilidade dos senadores para conduzir o interrogatório. O próprio interrogado parecia mais bem preparado que eles, quando deveria ser exatamente o contrário. Os inquiridores é que tinham de surpreender o convocado com perguntas inesperadas, incisivas e inescapáveis. Em vez disso, notei certa displicência entre os parlamentares, como se estivessem surpresos pelo fato de o general dar respostas firmes sem tropeçar. É verdade que senador não está necessariamente formado para a função de promotor público, mas a CPI tem como se fazer assessorar por especialistas trabalhando em tempo real. Se não o fez, foi porque não quis.

Fiquei encantado com a gravata do general. Não me esqueço de quando esse modelo foi apresentado ao mundo. Foi em Copenhague (Dinamarca), em outubro de 2009, no dia em que o Comitê Olímpico Internacional anunciou que atribuía ao Rio de Janeiro a organização das Olimpíadas 2016. Representando o Brasil, um grupo eufórico estava presente. Quando souberam do resultado, soltaram gritos e deram pulos de contentamento. Na época, a gente imaginou que fosse por patriotismo. Usavam todos esse modelo de gravata.

Como modelo, até que ela não é feia, com as cores da bandeira. Só que os primeiros usuários, além de não serem modelos de desfile de moda, tampouco eram o que se pode chamar de modelo de virtude. Os figurões mais proeminentes estão na foto acima, todos devidamente engravatados com o mesmo modelito do general. Vamos ver quem são. Da esquerda para a direita.

Eduardo Paes
Atual prefeito do Rio, é o único em atividade neste momento. Não chegou a ser preso, mas a lista das acusações de corrupção que o perseguem é longa como um dia sem comer.

Sergio Cabral
Foi governador do Rio. Condenado por corrupção e outros crimes, não só passou pela casa prisão, como ainda está lá. Condenado a mais de 200 anos de privação de liberdade, ainda deve permanecer encarcerado por algum tempo.

Carlos Arthur Nuzman
Era o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro à época. Acusado de corrupção, passou pela casa prisão em 2017.

Lula da Silva
Foi presidente do Brasil. Condenado por corrupção e outros crimes, passou pela casa prisão, onde purgou mais de ano e meio.

Orlando Silva
Dos retratados, este parece ser o mais maneiro. Foi ministro do Esporte. Teve problemas com a justiça por ter comido uma tapioca de R$ 8,30 e posto na conta da Viúva. Visto que é arraia miúda demais, não passou pela casa prisão.

Não conheço o sexto cavalheiro.

Tendo em vista a folha corrida dos primeiros portadores da gravata verde-amarela, vale indagar que motivo levou o general a enrolar essa gravata de corruptos em torno do pescoço ontem. Algumas suposições:

• Ele não assistiu à cerimônia de 2009, portanto não sabe que os que lançaram a moda são personagens pouco recomendáveis, pra dizer o mínimo.

• Imaginando que ia acabar preso, já veio paramentado para seguir os passos dos que o precederam.

• A coisa é o que parece: sabe-se lá por que, vestiu a gravata em homenagem à bandidagem.

• Distraído, saiu de casa de camisa aberta, como quem se prepara para um passeio num shopping de Manaus. Foi Bolsonaro que, ao vê-lo descamisado, emprestou sua gravata de estimação.

Pode ser alguma dessas razões. Ou nenhuma das anteriores. O distinto leitor o que acha?

Marina e a perereca

Ascânio Seleme (*)

Lula tem razão. Ele e Gleisi assinaram artigo na “Folha” mostrando preocupação com o meio ambiente e batendo na política criminosa de Bolsonaro para o setor.

Mas é bom não esquecer que o maior ícone ambientalista nacional, a ex-senadora Marina Silva, pediu demissão do Ministério do Meio Ambiente no governo Lula por falta de “sustentação política” para tocar sua pauta.

Também não custa lembrar que Lula sempre se queixou da “poderosa máquina de fiscalização” ambiental. Por isso disse, no longínquo 2010, que o Brasil não podia “ficar a serviço de uma perereca”. Criticava a paralisação das obras do Arco Metropolitano do Rio em favor da preservação de um anfíbio que habitava um charco por onde passaria a estrada.

(*) Ascânio Seleme é jornalista. Trecho de artigo publicado no jornal O Globo de 24 abril 2021.

Falas impróprias

José Horta Manzano

Qualquer um de nós, apanhado desprevenido, pode soltar alguma bobagem. Nem com muito treino e controle seria possível acertar todas, em todas as ocasiões. Mas gente mal preparada é um problema. Quando alguém, além de mal preparado, exerce função elevada, então, é desastre assegurado!

Com a exceção do curto interregno durante o qual Temer assumiu as funções da titular destituída, nossa história presidencial recente é rica em gafes verbais cometidas por dirigentes que não tomaram a medida exata do cargo. Foram indivíduos eleitos sem ter a formação necessária para o cargo. A bagagem que carregam não é suficiente para lhes permitir estar à vontade em todos os ambientes.

Jair Bolsonaro assegura a continuidade do festival de impropriedades iniciado por Lula da Silva e endossado pela doutora. Comedido e pouco palavroso, Michel Temer garantiu uma trégua temporária ao festival. Doutor Bolsonaro tem se esforçado pra recuperar o tempo perdido.

Lula da Silva, por exemplo, deixou uma impagável explicação da circulação das massas de ar ao redor do planeta. Foi no dia em que garantiu que a poluição atmosférica que castiga nosso país só existe porque a terra é redonda e gira. Fosse quadrada, não haveria poluição no Brasil. O vídeo (de menos de 1 minuto) continua no youtube à disposição de quem quiser rever.

A doutora deixou impressionante coleção de pérolas, desde a saudação à mandioca até a invenção da Mulher sapiens, em contraponto ao Homo sapiens.

Nesse contexto de falas deslocadas, as impropriedades soltadas por doutor Bolsonaro são tão numerosas, que seria aborrecido listá-las todas. Muitos o consideram não muito afeito ao trabalho. Acusam-no de ter passado 28 anos (sete mandatos!) na Câmara Federal sem ter relatado um único projeto. É fato que fala por si.

Seja como for, a continuidade do besteirol na Presidência está garantida. Depois de um Lula verborrágico e de uma Dilma que proferia uma inconveniência a cada duas palavras, temos um Bolsonaro que se inscreve como sucessor legítimo.

Seu adversário no segundo turno de 2018 era Haddad. Acontece que este não convinha para a Presidência. Para começar, era lulopetista – justamente a família política que a maioria queria evitar naquele momento. Mais que isso, carregava o peso de um pecado mortal: conseguia exprimir-se decentemente.

Estava muito evidente que não ia combinar com nossa tradição presidencial. De fato, não foi eleito. Dentro da coerência, quem levantou a taça foi doutor Bolsonaro.

Rodamoinho

José Horta Manzano

De criança, aprendi que se chamava rodamoinho. Era uma palavra misteriosa, cujo significado, para mim, não ia além da espiral que se formava acima do ralo da banheira quando a água escorria.

Com o tempo, entendi que havia outras formas de dar nome ao fenômeno: redemoinho, redomoinho, rodomoinho e o simples e poético remoinho.

Aprendi também que a palavra transborda do universo da banheira e pode dar nome, em sentido figurado, a fenômenos circulares que, a cada giro, descem um pouco mais, numa viagem inexorável em direção ao fundo.

Às vezes me ocorre que, desde que virou o século, nosso país entrou num rodamoinho, numa situação que, em vez de melhorar, piora a cada ano que passa, e nos puxa para baixo.

Junto com o hábito de comer arroz e feijão, que nos iguala a todos, está um outro fato nacional que nos põe em pé de igualdade: é a escolha do presidente da República. Dela participam todos – obrigatoriamente, aliás. O voto do abastado pesa tanto quanto o do desvalido. O do branco, do preto, do amarelo e do azul têm todos o mesmo valor unitário.

O distinto leitor há de convir que, em matéria de escolha de presidente – que é feita por todos, com um voto por cabeça –, a coisa vai de mal a pior. Dado que o voto representa um concentrado de Brasil e a soma dos anseios e expectativas de todos… ai ai ai. Parece que, em vez de visar para a frente e para o alto, estamos de olho na descida, loucos pra chegar ao fundo do poço.

Na virada do século, tínhamos FHC na Presidência. Goste-se dele ou não (pouco importa), há que reconhecer seus predicados: o homem, autor de uns 30 livros, era sociólogo e senhor de sólida cultura. Foi um dos raríssimos visitantes estrangeiros a serem convidados a visitar o Parlamento francês… e a proferir um discurso lá! Dava orgulho de um Brasil que parecia deslanchar.

De lá pra cá, desandou. Veio Lula da Silva, um malandro arrogante, sem-diploma e orgulhoso. Seguiu-se Dilma, falsa doutora, incompetente e de pensamento confuso. E agora temos doutor Bolsonaro. Este, só de encomenda. Potencializa os defeitos dos antecessores: é mais arrogante que o Lula, é mais agressivo e tem o pensamento mais confuso que o da falsa doutora. E ainda por cima, é de ignorância brutal, crônica e assumida.

Está aí. Já se vão duas décadas desde que entramos no rodamoinho. Deixar-se levar corrente abaixo é moleza; nadar corrente acima é que são elas. Depois que nos livrarmos desse estropício que está aí, o trabalho de reconstrução vai ser longo e pesado.

Remoinho
A palavra vem de moinho, numa alusão ao movimento rotatório das pás que giram, acionadas pelo vento ou, mais frequentemente, pela água corrente.

Remoinho combina com seu irmão castelhano remolino e com os primos-irmãos remous (francês) e mulinello (italiano) – todos de mesmo significado e derivados de moinho (molino, moulin, mulino).

Têm primos mais afastados em outras línguas europeias. Pra dizer moinho, o alemão usa Mühle e o inglês prefere mill. O sueco tem o verbo mala para moer e o substantivo mjölnare (miólnare) para moleiro, aquele que toca o moinho. Até o russo, ao chamar o moinho de мельница (mélnitsa), está se servindo de fruto da mesma árvore.

Lula, Battisti e as desculpas

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 29 agosto 2020.

Como se verá a seguir, certas atitudes expõem a incompetência e a falta de visão de governantes. O caso Battisti é emblemático. Terrorista condenado por atos cometidos nos anos 70 – dois homicídios e participação em outros dois –, o italiano Cesare Battisti fugiu da prisão, passou anos homiziado por França e México, para finalmente pousar em Copacabana, onde se escondeu por 3 anos.

Descoberto em 2007, passou a navegar pelos meandros da exótica prática judiciária do Brasil. Foi preso, foi solto, recebeu o estatuto de refugiado político, perdeu essa condição. As chicanas de nossa peculiar justiça – com sua dificuldade de dar decisão definitiva, como a deixar sempre brecha para uso futuro – conduziram o caso até a escrivaninha do presidente da República, então um certo Lula da Silva.

A ele coube dar o veredicto. Numa decisão estranha, Lula humilhou a justiça italiana e, passando por cima da decisão dos tribunais da Península, concedeu asilo político ao condenado por homicídio. Pegou muito mal, tanto aqui quanto na Itália.

O asilado passou a transcorrer dias despreocupados numa cidade de praia do estado de São Paulo. Distraído, não se deu conta de que o Brasil ainda guarda relentos absolutistas do “Ancien Régime”, sistema em que a lei se amolda à vontade pessoal do rei. Pois foi o que aconteceu. Recém-eleito, doutor Bolsonaro prometeu revogar, uma vez empossado, o asilo dado a Cesare Battisti. O asilado não esperou para ver – escapou à sorrelfa e tomou o rumo da Bolívia.

Ao passar a fronteira, deve ter acreditado que estava a salvo. Engano bobo. Agentes do serviço secreto italiano não tardaram a encontrar seu paradeiro. A partir daí, é permitido especular que tenha havido um acerto entre Roma e La Paz. (Esta parte não é oficial, mas é plausível.) O fato é que, apenas chegado a Santa Cruz de la Sierra, Cesare Battisti foi preso pela polícia boliviana e, em 24 horas, deportado em rito sumário. Nem processo de extradição houve.

Levado à Itália, foi trancado numa prisão de segurança máxima. Meses depois de ter voltado ao país natal, talvez para aliviar a consciência, confessou ser realmente autor dos crimes pelos quais tinha sido condenado. Consternada, a família lulopetista emparedou-se num silêncio obsequioso.

by Gilmar Fraga (1968-), desenhista gaúcho

Agora, ano e meio depois da confissão de Battisti, entra em cena nosso conhecido Lula da Silva. Numa entrevista concedida há 10 dias a um canal amigo, apareceu contrito e arrependido de ter concedido asilo ao italiano. No entanto, a fim de manter intacta a imagem do guia infalível, procurou um culpado para a enormidade cometida. Declarou ter sido “enganado” pelo homicida – o que traz à mente o estouro do mensalão, quando ele também se queixara de ter sido “traído”. Declarou ainda que não teria problema em pedir desculpa à família das vítimas. Usou o condicional: “não teria problema”. Como ninguém cobrou as desculpas, não as pediu. E o assunto morreu ali.

Com a velocidade do raio, a notícia chegou à Itália. Das vítimas de Battisti, Alberto Torreggiani é aquele que sofreu os “efeitos colaterais” mais severos. Tinha 15 anos de idade quando o pai, um joalheiro milanês foi assassinado a sangue-frio. Baleado na coluna vertebral, o jovem não morreu, mas ficou paraplégico. Está hoje com 56 anos, 41 dos quais passou aprisionado a uma cadeira de rodas.

Ao tomar conhecimento das “desculpas” do Lula, Torreggiani mostrou desânimo. Declarou-se indignado e perplexo. Intuiu que as lágrimas do ex-presidente são para uso eleitoreiro. Amargo e irônico, indagou se seria o caso de agradecer ao Lula. Depois de tantos anos de sofrimento e atribulações, não vê sentido em ouvir, de pessoa tão importante, a confirmação do que sempre foi evidente: que ele, a vítima, estava com a razão.

Battisti, decerto habituado às chicanas da justiça do Brasil, solicitou em maio prisão domiciliar em razão dos riscos de apanhar a covid-19. O Ministério da Justiça italiano negou provimento argumentando que todos corriam o mesmo risco e que ele não era melhor que ninguém.

Quanto às desculpas fora de hora do Lula, comenta-se na Itália que essa covid parece estar causando efeitos estranhos na cabeça de certas pessoas.

Saiu corrido

José Horta Manzano

Weintraub, nosso pranteado ministro da Educassão, abandonou o Brasil às carreiras, antes de sua exoneração ser publicada no Diário Oficial. O atropelo tinha dois motivos.

Em primeiro lugar, fugiu por razões sanitárias. O governo norte-americano restringiu, em razão da covid-19, a entrada de pessoas provenientes do Brasil. O ‘esperto’ Weintraub aproveitou que ainda tinha no bolso um passaporte diplomático(*) e escafedeu-se. Conclui-se que, na curiosa contabilidade americana, diplomatas estão imunizados, razão pela qual sua entrada é permitida. É que o governo americano não sabe, mas o risco representado pelo ex-ministro é de outra natureza. O moço é bem mais nocivo do que aparenta.

Em segundo lugar, fugiu por pânico. Ao perder o cargo, o doutor perde o foro por prerrogativa de função (foro dito “privilegiado”). Em termos simples: se bobear, dança; e vai pra cadeia. Com a procissão de acusações que seu comportamento rasteiro acumula, o risco é real. Nos EUA, fica temporariamente longe dos braços da Justiça brasileira. Mas um dia acaba voltando. Que tome cuidado!

(*) Já me exprimi, em outras ocasiões, sobre o uso – e principalmente o abuso – que vêm sendo feitos do tal passaporte diplomático. Em princípio, o documento destina-se a diplomatas e a funcionários que viajam a serviço do país. No entanto, depois que Lula da Silva, no último dia de mandato e antes de apagar a luz, concedeu passaporte diplomático a todos os parentes, avacalhou de vez.

Doutor Weintraub, que não está nos EUA em missão oficial, não tem direito a viajar com o documento. Mas vivemos uma situação em que crimes maiores ofuscam ‘delitozinhos’ como esse. Estivéssemos em país civilizado, ele ainda teria de responder, diante da Justiça, pelo uso indevido de documento oficial não autorizado. Seria gratificado com pesada multa. Em país civilizado, disse eu.

As muletas de cada um

José Horta Manzano

Tem muita gente que, pra falar, precisa de muleta. Isso não é exclusividade nossa; em outras terras ocorre fenômeno idêntico. Não sei se já foi feita alguma estatística sobre o assunto, mas acredito que “né?” seja a mais usada. Um “né?” aqui, outro ali, todos costumamos usar. Mas tem gente que não consegue terminar uma frase sem acrescentar a muletinha. Fica a impressão de que o sujeito não tem certeza de ter sido entendido, daí o “né?”.

Outros dizem “entendeu?”, muleta tamanho família, de três sílabas. Muito comum em certas regiões do país é terminar frases com “uai”, muletinha graciosa que sempre me fez lembrar um porquê inglês “why?”.

Os dois presidentes mais marcantes deste século no Brasil também pontuam suas frases, cada um a seu modo. Lula da Silva não soltava duas frases sem terminar com um “sabe?”. Já doutor Bolsonaro mostra nítida preferência pelo “talquei?”. Embora a expressão preferida de cada um deles varie (sabe x talquei), a informação é a mesma: tanto o antigo quanto o atual chefe do Executivo deixam transparecer insegurança.

Quem solta um “sabe?” está pedindo confirmação do interlocutor. O mesmo vale para quem diz “talquei?”. Ambas as muletinhas são perguntas. Quem pergunta, implicitamente espera resposta, de preferência simpática. Quem tem certeza do que está afirmando, simplesmente afirma, sem acrescentar perguntinha no final.

É interessante como a gente acaba descobrindo traços da personalidade alheia. No fundo, somos todos como o gato que se esconde mas deixa o rabo de fora.

O presidente e o golpe

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 2 maio 2020.

Uma bela tarde de 2010, Lula da Silva subiu ao palanque de Dilma Rousseff, então candidata à Presidência. Deitaram ambos copioso falatório. Com palavras agressivas, criticaram a imprensa, a oposição, os jornalistas. Ridicularizaram os opositores e desclassificaram os que não pensavam como eles. A intenção não era expor propostas de governo – desse assunto pouco ou nada se falou. O propósito maior era demolir tudo e todos que estivessem do outro lado da imaginária linha do nós x eles.

Lá pelas tantas, Lula ousou: «Nós não precisamos de formadores de opinião. Nós somos a opinião pública!». Um atrevimento. Era a confirmação explícita dos eflúvios absolutistas embutidos na ideologia lulopetista. Àquela época, a repercussão da palavra presidencial era modesta. Internet não tinha o alcance nem o vigor de hoje. Além disso, dois mandatos tinham deixado claro que não se podia levar a sério as bravatas do chefe. Por causa disso, a história de ‘nós somos a opinião pública’ morreu ali, sem direito a debates nem análises. A frase teve o destino inglório que deveriam ter todas as falas inconsequentes: foi para a lata do lixo.

Ironicamente, o socorro do Brasil acabou vindo da absoluta inépcia da presidenta. A doutora tanto forçou, que a corda arrebentou. Com isso, seu mandato foi para o beleléu. Com o impeachment, conseguimos estancar a escalada do besteirol presidencial e da rapina orquestrada.

Nas eleições de 2018, o contragolpe tinha de vir. E veio violento. Já durante a campanha, Jair Bolsonaro lançou sinais anunciadores de como seria sua presidência, mas ninguém ligou. O cenário já se podia até entrever quando o candidato soltou um tuíte estranho: “Nosso partido é o povo!”. Estava anunciada a inclinação populista da gestão que estava por vir, espécie de lulopetismo de sinais trocados. Na época, ninguém calculou qual seria a extensão do drama.

Foto: Uol/Folha

O que tinha de acontecer, aconteceu. O candidato esquisito, incapaz de expor o próprio programa, foi eleito. Não há milagre: candidato esquisito tende a exercer governo esquisito. Seu programa, de tão vago, não se consegue até hoje decifrar; más línguas dizem que a única diretiva é manter o poder a todo custo. No intuito de preencher os vazios e desviar a atenção do que interessa, o Planalto nos inunda de ruídos periféricos, slogans, falatório e palavras de ordem. Essa colcha de retalhos traz mensagens desconexas e discordantes. O que hoje é, amanhã poderá deixar de ser. O que se diz agora pode acabar desmentido logo mais.

Embevecido com a atenção que prestam a seu palavrório, o presidente se sente livre e cria asas. Diz o que lhe passa pela cabeça. Lança palavras ao ventilador. A cada rodada, o tom sobe e as palavras ganham força e vigor. A plateia acompanha. Uns se sentem indignados; outros, nauseados; alguns ainda, encantados. Analistas tentam encontrar sentido onde não há lógica. Põem-se a refletir sobre o significado profundo; buscam entrever mensagem criptada; tentam ponderar o que não tem nexo. É inútil. Um único recado é claro e inequívoco: doutor Bolsonaro não enjeitaria iniciar, aos 65 anos, carreira de ditador; afora isso, não há que remexer mais fundo. O zigue-zague presidencial é uma não tática.

Sabemos todos que o desejo do doutor não se realizará. Primeiro, porque nossas instituições funcionam; em seguida, porque uma reforma súbita e radical do regime não interessa às elites que realmente detêm o poder. Não estamos mais em 1964. A ameaça vermelha, então real, hoje só sobrevive na imaginação de mentes anacrônicas. Golpe e refundação do regime é ruim para todos. Nos negócios, trava o bom andamento; nas Forças Armadas, embaralha promoções; nas exportações, gera boicote; na vida do cidadão comum, instala ambiente de desconfiança. Em resumo, atrapalha muito mais do que ajuda. Portanto, pra serenar ânimos e garantir sossego, o melhor favor que a mídia séria pode fazer ao país é baixar a bola e dar à fanfarronice presidencial a importância que ela merece, ou seja: nenhuma.

PT – Cancelamento de registro

José Horta Manzano

A procuradoria da Justiça Eleitoral deu parecer favorável a um pedido de cassação do registro do PT – Partido dos Trabalhadores. A agremiação é acusada de ter recebido financiamento do estrangeiro, o que é proibido pela legislação eleitoral. Dificilmente o caso progredirá. As reações dos extremos do espectro político foram contrastadas.

Do lado dos populistas de direita, choveram aplausos; os apoiadores de doutor Bolsonaro estão soltando foguetes. Do lado dos populistas de esquerda, o que se ouve são protestos indignados; os simpatizantes de Lula da Silva estão soltando fogo pelas ventas.

Se eu fosse do time dos populistas de direita, deixaria de lado esse sentimento de vitória e refletiria com calma; se eu fosse do time dos populistas de esquerda, esqueceria essa sensação de orgulho ferido e pesaria os prós e os contras.

Para o projeto de reeleição de doutor Bolsonaro, o desaparecimento do PT não convém. O presidente foi eleito na onda do anti-petismo. Volta e meia, ele nos assusta com o perigo da volta ao poder do adversário. Ora, se o PT desaparecesse, quem encarnaria o espectro da volta dos ‘comunistas’ no discurso bolsonarista? Melhor que o partido da bandeira vermelha continue existindo. E, se seguir desidratado como está, melhor ainda. Nada de cassar-lhe o registro.

Estrela do PT formada com sálvias.
Foi plantada no Alvorada quando Lula era presidente. Descaracterizou o jardim, um projeto paisagístico oferecido ao Brasil pelo imperador do Japão.

Para o projeto dos petistas – com exceção de Lula da Silva –, o desaparecimento do partido é uma bênção. O PT, convenhamos, anda com o nome sujo na praça. Mensalão e petrolão deixaram marca pesada, indelével, que não sai nem lavando com água quente. Há que considerar que a extinção da legenda não significa a sumidura dos afiliados. Alguns eleitos migrarão para outras siglas. Os que permanecerem, simplesmente fundarão um novo PT, com outro nome. Seria até boa ocasião para ascenção de figuras novas, menos ‘lulodependentes’.

Em princípio, mudar de nome parece manobra grosseira e fadada ao fracasso. Mas não é assim. Vejam o caso do DEM: alguém ainda se lembra que é a continuação do antigo PFL, sucessor da Arena, partido da ditadura? E alguém se dá conta de que o Cidadania sucedeu ao antigo PPS, partido que reclamava a abolição da propriedade privada?

Se a reciclagem deu certo para eles, havia de dar também para o PT. A mudança de nome seria o melhor caminho pra surgir como partido novo, livre de vícios e de pecados.

Nota
Não sou petista e muito menos bolsonarista. Que fique claro.

Lula em Berlim

José Horta Manzano

O quarto em que Lula da Silva esteve acomodado em Curitiba por ano e meio não era nenhuma masmorra. Assim mesmo, não há de ter sido um prazer ter de viver em espaço confinado por tanto tempo. Acima de tudo, faltou a nosso guia o calor de plateias amestradas.

É surpreendente constatar que os presidentes de nossa República, tanto o Lula quanto o atual, recusam contacto com audiência que não esteja pronta a aplaudir e a dizer amém. Ambos temem enfrentar plateia heterogênea. Lula da Silva deixou de se arriscar diante de público normal desde o dia em que foi vaiado nos Jogos Pan-americanos de 2007, faz 13 anos. Quanto a Bolsonaro, é paranoico de nascença. E tudo sugere que vai piorando. Não sai da bolha de jeito nenhum.

Aproveitando que está livre, Lula da Silva foi-se para a Europa. Passou por Paris e Genebra, visitas que renderam quatro artigos neste blogue: Lula no palanque, Lula em Paris, Lula em Genebra e Lula levanta poeira. Em seguida, já que estava em terras europeias, seguiu viagem. Seus admiradores organizaram uma apresentação para 500 pessoas em Berlim.

Nosso guia, exprimindo-se em português para uma plateia entusiasmada, disse o que se imagina que pudesse dizer. Criticou o governo atual mas confessou não achar que o presidente venha a sofrer impeachment – “Temos que amargar Bolsonaro por quatro anos”. Mas garantiu que o povo brasileiro “lutará pela democracia”. Insinuou apoio ao ditador Maduro ao criticar Señor Guaidó, o autodeclarado presidente.

Quanto às eleições de 2022, deixou o suspense no ar: não se declarou candidato. Por enquanto.