Multas

José Horta Manzano

Jair e Eduardo, os dois membros do clã Bolsonaro que mais amam afrontar a lei, pintaram e bordaram durante os quatro anos em que Jair permaneceu no topo do poder. A cada oportunidade que se apresentou, pai e filho carteiraram: ignoraram regulamentos, prescrições e leis. Foi como se as regras que organizam a vida em sociedade tivessem sido criadas só para a ralé. Eles, gente acima da carne seca, estavam isentos de se curvarem.

O pai, escorado em suas prerrogativas de função, fez mais que o filho. Desafiou mundos e fundos. Não se passou uma semana sem que deixasse marca de incivilidade, no limite da selvageria. Sem máscara (quando seu porte era obrigatório), espalhou perdigotos e carregou crianças no colo. Sem capacete, liderou “motociatas”. Se não zombou mais da lei é porque não teve ocasião.

O capitão foi vítima do mal que castiga toda pessoa de poder: a (ilusória) sensação de onipotência e de imunidade eternas. Como sabemos hoje, ele persistiu nessa crença até seu último dia de mandato. Decolou para os EUA na certeza de que seu poder se prolongaria, que seus antigos comandados se rebelariam e que ele voltaria nos braços do povo, Ou na garupa de um blindado das Forças Armadas, tanto faz.

Furou. Não sei se a ficha já caiu, mas o clã perdeu. E perdeu feio. Não só o sonho de um futuro de poder e imunidade desabou, como também estão chegando as cobranças de um passado delituoso. Com a condenação à inelegibilidade, o ex-presidente já levou a primeira pancada. Outras vêm por aí.

A Justiça do estado de São Paulo está tratando de cobrar as multas que os Bolsonaros acumularam por desprezar o uso da máscara no tempo da covid. Consolidada e atualizada, a conta do capitão chega a um milhão de reais. A do filho desordeiro é mais modesta: 130 mil reais. Os dois contestam naturalmente. Não sei se vão conseguir alguma clemência, imagino que não. Agora o capitão virou cidadão comum e o n°03, embora continue deputado, não tem mais pai presidente.

Acho excelente que a Justiça não tenha deixado pra lá. Acho melhor ainda que estejam insistindo na cobrança. E espero que levem o processo até o fim. Sei que os dois personagens estão escudados pela robusta fatia de fundo eleitoral que toca ao partido deles e imagino que, no fim da aventura, o boleto acabe sendo pago pelo próprio partido.

Assim mesmo, a cobrança é exemplar. Por um lado, serve para mostrar aos Bolsonaros que realmente perderam, e que mais vale se recolherem a sua insignificância. Por outro lado, serve de aviso para incautos que possam imaginar que um eventual momento de poder os blindará pelo resto da vida. É ilusão.

Mas – que fazer? – dizem que o ser humano é o único animal capaz de repetir os próprios erros.

Absolver ou condenar?

Fernando Gabeira (*)

Tudo o que podemos fazer é prosseguir isolando Bolsonaro para derrubá-lo no momento em que for possível, ainda que isso só possa acontecer em 22. E julgá-lo também por sua incompetência assassina, quando for possível e tivermos força para que a Justiça não falhe.

Bolsonaro tem algumas características que podem absolvê-lo em certos tribunais brasileiros. Uma delas é a grande quantidade de provas contra ele. Já houve no país casos de absolvição por excesso de provas.

(*) Fernando Gabeira é jornalista. Trecho de artigo publicado no jornal O Globo de 5 abril 2021.

Lula em Genebra

José Horta Manzano

O distinto leitor há de se lembrar que, pouco antes das eleições de 2018, Lula da Silva solicitou ao Comitê de Direitos Humanos da ONU que desse parecer sobre a possibilidade de ele – então preso em Curitiba – se candidatar. Numa liminar, o Comitê recomendou ao governo brasileiro que deixasse o Lula ser candidato. Nosso governo repeliu a recomendação, numa decisão, a meu ver, acertada. Aceitar a injunção teria ofendido a soberania do Brasil e de seu Judiciário.

Aproveitando seu atual giro turístico em terras europeias, o ex-presidente desembarcou em Genebra faz dois dias. Veio pressionar pessoalmente o Comitê. Seu objetivo deixou de ser a candidatura às últimas eleições; essas são águas passadas. Quer agora que a entidade lhe conceda uma espécie de salvo-conduto, de absolvição ampla e irrestrita – uma carta branca que apague e anule os erros do passado, as condenações, as penas e suas consequências.

Genebra (Suíça), seu lago e seu jato d’água

A empreitada não é simples. Sem querer prejulgar o processo, é difícil imaginar o egrégio Comitê de Direitos Humanos da ONU afrontando a Justiça brasileira em decisão colegiada e final. Lula já foi condenado em três instâncias. Não dá mais pra falar em perseguição contra sua inflada pessoa unicamente por obra de doutor Moro.

Quanto ao resultado da solicitação, quem viver verá. Pelo momento, fico imaginando que o Lula deve ter economizado um bocado pra poder se oferecer o luxo desta viagem. Paris e Genebra são conhecidas pelo elevadíssimo custo de vida. Como é que ele faz pra pagar viagem, hotel, refeições e tutti quanti? O homem deve estar com dinheiro saindo pelo ladrão. (Sem alusões.) Sua bênção, padrinho!

Carlos Ghosn e a Lava a Jato

José Horta Manzano

Até uns dois anos atrás, senhor Carlos Ghosn não era figura conhecida no Brasil. Precisou a Justiça do Japão encrencar-lhe seriamente a existência para os brasileiros se inteirarem de que tinham um conterrâneo famoso e poderoso, um homem que havia subido muito até chegar à presidência de uma das grandes montadoras de automóveis, a Renault-Nissan.

Fato é que, acusado de desviar dinheiro da firma para uso pessoal, nosso patrício foi convidado a passar uma temporada nas masmorras nipônicas. Parece que o sistema judiciário, por lá, é um bocado rigoroso. No Japão não tem essa de segunda instância, habeas corpus, nem recursos à profusão. Acusado de crime vai em cana e é lá que lhe cabe esperar pelo processo.

Depois de meses encarcerado, o moço conseguiu ir para prisão domiciliar, benefício especialíssimo cuja fiança lhe custou a bagatela de um bilhão de ienes (mais de 9 milhões de dólares). No Japão, presos em domicílio estão sob controle severo. Não pode isso, não pode aquilo. Nem internet, nem celular, nem mesmo visita da esposa. Saídas controladas, vigiadas e cronometradas. Não sei como ele fez, mas um dia conseguiu escapar.

Hoje chegou a notícia de que o homem tinha desembarcado em Beirute, cidade onde cresceu, trazido por um jatinho executivo. Mais, não se sabe. Parece essas fugas aventurosas que a gente vê muito no cinema, mas raramente na vida real. Apesar de parecer que senhor Ghosn está fugindo da Justiça, ele mantém que, na verdade, escapa da injustiça de um sistema em que não vigora a presunção de inocência; mesmo antes do processo, o acusado já é considerado culpado e como tal é tratado. Ele diz ainda que nada fez de errado, que tudo não passa de monstruosa e perversa maquinação.

Não tenho elementos pra julgar nem me compete fazê-lo. Mas é sabido que quanto mais rico e poderoso se torna um indivíduo, mais inveja e olho gordo atrai. Pode até ser que ele tenha boa dose de razão. Pode ser que a história contada pela Justiça japonesa seja fruto de montagem maligna. Provavelmente jamais saberemos.

Vinhedo no Líbano

Nosso conterrâneo é plurinacional, um luxo. Tem três cidadanias: a brasileira (por nascimento), a libanesa (pela lei do sangue) e a francesa (por naturalização). É neto de libaneses; nasceu no Brasil; foi, com a família, para o Líbano quando ainda criança. Em Beirute, fez seus estudos no Liceu Francês, o que lhe abriu as portas para a língua: fala francês perfeito e sem sotaque – condição sine qua non para ocupar posto importante em firma francesa.

No Líbano, ele é figura conhecida e respeitada. Tem lá investimentos no ramo imobiliário e em viticultura. De tão popular, já foi homenageado com um selo emitido com sua efígie. Dado que é cristão maronita, está habilitado para ocupar a Presidência do país. Ele tem grandes chances, porque muitos gostariam de vê-lo lá. De qualquer modo, o Líbano não tem tratado de extradição com o Japão. Senhor Ghosn não arrisca ser despachado de volta para Tóquio. Não sendo acusado de crime nenhum no Líbano, está livre de ir e vir à vontade.

Ele poderia também ter-se refugiado no Brasil, pois não? Como se sabe, nossa Constituição proíbe a extradição de nacionais. Nesse ponto, estaria tranquilo. Acontece que a Lava a Jato, que passou feito tsunami, abalou antigas convicções e fez um imenso favor ao país: o Brasil deixou de ser visto como paraíso para os que fogem da Justiça – tanto local quanto internacional.

Nosso país, bem mais vasto que o pequeno Líbano, permitiria a senhor Ghosn mais amplitude de movimentos. Aqui, ele jamais se sentiria sufocado. Assim mesmo, ele preferiu o país dos antepassados, onde sua vida vai ficar mais problemática. Dado que o Japão vai certamente lançar mandado internacional de captura contra ele, toda sua viagem ao exterior estará fortemente comprometida. Apesar disso, ele preferiu o país dos Fenícios. Será que nossa volubilidade política está assustando a esse ponto?

Garde à vue

José Horta Manzano

Michel Platini, glória do futebol francês nos anos 80, subiu na vida depois que abandonou o gramado. Chegou à presidência da Uefa, a União das Associações Europeias de Futebol, equivalente a nossa Conmebol.

Acusado de envolvimento em obscuras negociatas, voltou à luz dos holofotes. Só que, desta vez, não são os holofotes do estádio, mas os da mídia internacional, que se delicia quando um figurão tem contas a acertar com a justiça.

Chamada do Estadão, 18 jun 2019

O Estadão errou. Não, Platini não foi preso.

Chamada da Folha de SP, 18 jun 2019

A Folha de São Paulo errou. Não, Platini não foi preso.

Chamada d’O Globo, 18 jun 2019

O Globo acertou! Platini foi detido.

Na França – e também no Brasil – ser preso e ser detido são coisas diferentes. Platini foi hoje «placé en garde à vue».

Segundo os procedimentos policiais e judiciais da França, no decurso de uma investigação policial, o suspeito pode ser detido e instalado numa cela especial, dentro da delegacia de polícia. A todo momento, pode ser chamado para interrogatório. Dorme ali. Come ali. Esse regime, chamado de «garde à vue – retenção à vista», dura geralmente 48 horas. Ao final, o suspeito será apresentado a um juiz, que decidirá se o deixa livre ou se o despacha direto para a prisão.

Atualmente, Michel Platini está nessa situação. Nos filmes policiais, a cela costuma ser um engradado, num canto da delegacia, sem privacidade, à vista de quem por ali passar. Na vida real, pode ser situada em local mais discreto.

Amanhã ou depois, conheceremos a decisão do juiz. Saberemos se será aberto processo judicial e, se for o caso, se Platini poderá responder em liberdade. Ou não.

O presidente e o asilado

José Horta Manzano

Interessadíssimos na promessa feita por doutor Bolsonaro de mandar signor Cesare Battisti de volta para seu país, os italianos despacharam uma equipe do primeiro canal da televisão pública (Rai) a Cananeia, estância balneária paulista onde reside o estrangeiro.

Todos se lembram, mas não custa recordar. Battisti é aquele cidadão italiano condenado pela Justiça de seu país à prisão perpétua por envolvimento em quatro assassinatos cometidos nos anos 1970. Refugiou-se no Brasil em 2004. Passou os primeiros anos como clandestino. Uma vez descoberto e preso, foi objeto de pendenga judicial em que se envolveram o ministro da Justiça, o STF e até Lula da Silva, então presidente da República.

Depois de o asilo lhe ter sido negado pelo STF, o condenado já estava com um pé no avião que o levaria de volta à Itália. Eis senão quando, em 31 de dezembro de 2010, no último dia de seu mandato, Lula da Silva deu o golpe do escorpião, aquele bicho traiçoeiro que leva o veneno atrás. Contrariando parecer do Supremo, concedeu asilo ao estrangeiro. A Justiça italiana acusou o golpe, ressentido como afronta.

Vista de Cananeia, Estado de São Paulo

Desde então, a Itália reclama a entrega de Battisti. Nos tempos em que o PT detinha o mando, toda esperança era vã. Quando o candidato Bolsonaro afirmou, durante a campanha, que entregaria o condenado às autoridades de seu país, o povo italiano se animou. Eis por que, Bolsonaro eleito, a equipe de televisão veio procurar pelo asilado.

Faz uns dias, o grande jornal da tevê italiana inseriu matéria de um minuto e meio sobre o caso. Lá aparecem cenas de Cananeia (SP) e uma curta entrevista com Cesare Battisti. Petulante, o estrangeiro afirma que a declaração do ora presidente eleito não passa de palavras ao vento, de fanfarronice, de bravata. Acrescenta que é protegido pela Justiça e que Bolsonaro nada pode fazer. Os italianos não apreciaram a fala do entrevistado, tanto que intitularam a matéria “a última zombaria de Battisti”.

Cada um que cuide de sua vida, não tenho conselho a dar a esse senhor. Assim mesmo, considero que a atitude desafiadora dele é imprudente. Nestes tempos de insegurança jurídica, em que a lei é continuamente reinterpretada no Brasil, nada é garantido. O que valia ontem pode não estar mais em vigor hoje. Atitude insolente não desperta simpatia. Melhor faria o estrangeiro se procurasse ganhar a simpatia do novo presidente em vez de o provocar para duelo.

Honey catches more flies than vinegar ‒ mel atrai mais moscas do que vinagre.

Justiça-espetáculo

José Horta Manzano

O princípio de publicidade da justiça é conquista da Revolução Francesa, afirmado pela primeira vez por leis de 1790. Nestes mais de duzentos anos, textos legais, decretos, normas, regulamentos e convenções vieram confirmá-lo. Excetuados os países onde vigoram regimes totalitários, o segredo foi abolido dos procedimentos judiciais. Hoje em dia, justiça proceder às claras é uma evidência.

Casos excepcionais há em que o julgamento corre a portas fechadas. Dá-se isso quando menores de idade estão envolvidos, por exemplo. O tribunal deliberará então ‘em segredo de justiça’. Ainda assim, o segredo é apenas para o grande público, sendo garantido às partes acesso a cada passo do processo.

De uns tempos a esta parte, nosso Congresso, que já não era grande coisa, desandou de vez. Corrupção, roubalheira, ignorância de boa parte dos parlamentares têm contribuído para a perda de qualidade e a quase paralisia da Casa. Um Legislativo em baixa aciona o sistema de contrapesos da República. O resultado, inevitável, é uma alta do Judiciário, com magistrados erguidos à ribalta.

Todos os países civilizados que conheço proibem que julgamentos sejam gravados, fotografados ou filmados. A entrada na sala de debates é, naturalmente, franqueada a público, mas o único registro gráfico que se pode levar de lá são desenhos. Há até excelentes aquarelistas especializados em registrar cenas de tribunal.

Não sei de quem terá sido a ideia de autorizar o televisionamento de debates do STF. A intenção era boa, sem dúvida. Quem tomou a decisão há de ter imaginado potencializar, como isso, a publicidade da justiça. O resultado, no entanto, está sendo desastroso.

É permitido entrar no salão do STF onde se desenrolam os julgamentos. Jornalistas e populares são autorizados a assistir. Com isso, a publicidade está assegurada. Não há necessidade de transmitir, para todos os rincões do país, debates travados em linguagem hermética e ininteligível para a esmagadora maioria da população.

A presença de câmeras e holofotes faz brotar efeito perverso. Algumas das excelências ‒ se não todas ‒ criam asas e se põem a flutuar. Em arroubos líricos, imaginam-se no fórum da Roma antiga e perdem o fio da meada. A fala de cada um se enche de pompa e se encapela a tal ponto que o voto sai prejudicado. Já houve casos de, a despeito de arenga interminável, não ficar claro se o ministro quis votar sim ou não.

Melhor seria o Tribunal Maior voltar a funcionar como qualquer corte do país. Que a tevê se contente com transmitir sua programação habitual. Jornais, portais e a mídia social estão aí pra informar o grande público. Se uma volta à moda antiga contribuísse pra baixar a bola de Suas Excelências, já estaríamos dando grande passo na boa direção.

Justiça pra quem pode

José Horta Manzano

Levantamento do Estadão mostra que a tropa de advogados de Lula da Silva já interpôs, só no processo do triplex do Guarujá, 78 recursos com vista a obter algum favor especial para o cliente. Anulação pura e simples da condenação, soltura ou até prisão domiciliar ‒ qualquer coisa serve. Setenta e oito apelações, minha gente!

Não conheço país civilizado onde tal enxurrada de floreios seja permitida. O que se vê pelo mundo é a possibilidade que todo condenado tem de fazer uma apelação. Assim mesmo, ele deve pensar bem antes de dar o passo, porque a Justiça não aprecia contradizer-se. A menos que haja falha gritante no primeiro processo, cortes de apelação tendem a confirmar sentença. Novo recurso ‒ o segundo ‒ só se faz em casos especialíssimos, quando o advogado está absolutamente convencido de que as duas primeiras instâncias falharam e de que a corte superior fará desabrochar a verdade.

Resumindo: em países normais, não costuma haver brecha pra mais de dois recursos. Mas o Brasil não é um país normal. País que leva Lula e Dilma à presidência, francamente, não é como os demais. Interpor setenta e oito recursos… passa batido.

Corte de Apelação do Distrito Federal
Casa na Rua do Passeio (RJ) que abrigou a corte suprema na virada do séc. 19 para o séc. 20

No enrosco judicial em que Lula da Silva se encontra, a primeira pergunta é se os 30 anos de luta sindical do condenado, complementados por 13 anos de governo petista, conseguiram garantir a todos os brasileiros esse sofisticado grau de assessoria jurídica em caso de necessidade. Em outras palavras: uma vez condenado, terá o ladrão de galinhas condições de entupir a Justiça com 78 recursos?

A resposta é um rotundo não. Conclui-se que a era petista, com Lula da Silva na cabeça, foi incapaz de propiciar aos mais humildes isonomia de tratamento jurídico. Apesar de se ter apresentado como ‘socialista’ e ‘do povo’, fracassou. Chicanas judiciais continuam a ser apanágio de ricos.

Agora vem a segunda pergunta. Dado que Lula da Silva se apresenta como cidadão de classe média que não se valeu do cargo para enriquecer, quem estará pagando os honorários dessa baciada de causídicos? Trabalham todos por amizade?

A resposta a esta última pergunta dificilmente será dada ao distinto público. Cada um está livre pra dar curso à própria imaginação.

Explicar a explicação

José Horta Manzano

Esta é do Estadão deste sábado:

Chamada Estadão, 9 jun 2018

Do jeito que está, entende-se que a Justiça determina que doutor Lindbergh entre em contacto com doutor Doria e lhe dê explicação sobre determinadas críticas.

Mas não é isso que se quis dizer. Doutor Doria é quem está a exigir explicação de críticas proferidas por doutor Lindbergh.

Portanto, a chamada devia ter dito: «Justiça intima Lindergh a explicar-se sobre críticas a Doria», onde explicar-se vale dar explicações.

Desculpa esfarrapada

José Horta Manzano

O Partido dos Trabalhadores deu a público um filmezinho gravado por Lula da Silva pouco antes de ser preso, semanas atrás.

No vídeo, como de costume, o demiurgo peita a Justiça. Sem ruborizar, declara que podia ter fugido; se não o fez, foi porque é inocente e pretende se defender.

Dizem as más línguas que a coisa não é bem assim. Se Lula não fugiu é porque não imaginava que ordem de prisão contra ele fosse dada. Caso fosse dada, não seria cumprida. Caso fosse cumprida, ele sairia do cárcere em 24 horas.

Deu tudo errado. Ele estaria mais bem acomodado se tivesse buscado refúgio numa confortável embaixada amiga. Ah, se arrependimento matasse…

O prometido e o entregado

Vera Magalhães (*)

Enquanto engana um público cada vez mais reduzido com o figurino da vítima, Lula age como chefe de bando. Seus seguidores insuflaram a violência, ele zombou da Justiça, promoveu um showmissa em “memória” da mulher, se escondeu atrás de um biombo humano de políticos e militantes para não cumprir a ordem de se apresentar à Polícia Federal e mostrou, uma vez mais, que quer para si uma lei própria, uma justiça personalíssima e a vassalagem de um povo ao qual, tendo prometido igualdade de oportunidades, entregou Dilma Rousseff, a maior recessão da história e uma roubalheira generalizada incrustada em todo o aparelho estatal, em conluio com empresários amigos. Em troca de propina.

(*) Vera Magalhães é jornalista.

Justiça igual para todos

José Horta Manzano

Acho que todos acompanharam a sessão do STF desta quinta-feira. Se não tiveram ocasião de acompanhar, pelo menos ficaram sabendo. Para quem esteve de férias em Marte, aqui vai um resumo em meia dúzia de pinceladas:

* Avisado de que seria preso no começo da semana que vem, o Lula mandou que seu batalhão de advogados pedisse ao STF um ‘habeas corpus’ preventivo para livrá-lo da cadeia.

* Com celeridade incomum, o STF botou em votação o HC (=’habeas corpus’). Mas procedeu em duas etapas. Em primeiro lugar, os ministros não entraram no mérito da questão. Votaram apenas para conferir se o pedido tinha cabimento.

* Procurador da República, defensores e todos os ministros falaram, alguns interminavelmente. Houve apartes, piadinhas, interrupção de 50 minutos para lanchinho, intromissões irônicas de uns na fala de outros, risadinhas, palavrório em jurisdiquês incompreensível. Ao fim de quatro intermináveis horas de blá-blá-blá, ficou apurado que, sim, o tribunal considerava que o pedido de HC era cabível. Logo, era possível entrar no mérito e decidir sobre a concessão do benefício.

* Acontece que já estava ficando tarde. Alguns ministros já tinham voo marcado ‒ afinal, era quinta-feira! Outros sentiam-se cansados. Ficou, então, decidido que… nada seria decidido. O julgamento do HC foi aprazado para 4 de abril. Daqui até lá, o réu fica protegido: não poderá ser preso. Em seguida, veremos.

Pronto, está aí a sinopse da sessão surreal. Um comentário do ministro Dias Toffoli foi particularmente esclarecedor. Ele fez as contas e informou que, nestes últimos oito anos e meio, o STF recebeu espantosa quantidade de pedidos de «habeas corpus»: foram 55 mil, ou seja 6500 por ano.

Baseado nas contas do ministro, fiz as minhas. Considerei que, descontando sábados, domingos, feriados, férias e recessos, o tribunal deve trabalhar por volta de 200 dias por ano. Dividindo 6500 por 200, chego a uma média de 32 habeas corpus a serem julgados por dia. Se cada julgamento durar 4 horas, o STF precisa trabalhar 128 horas por dia para dar conta de todos os casos.

Dado que o dia tem só 24 horas ‒ cláusula pétrea e imutável ‒, a conclusão é inelutável: todos os pedidos de «habeas corpus» não são tratados com os mesmos cuidados. Enquanto o do demiurgo mereceu um dia inteiro de trabalho dos onze ministros reunidos, o HC do Zé da Silva será tratado de baciada e relegado à vala comum dos mortais chués.

Não dá pra eludir a pergunta: a Justiça é igual para todos? A resposta foi dada pelas peripécias do STF neste 22 de março.

Trânsito em julgado

José Horta Manzano

Quando sancionou a lei dita “da ficha limpa”, o Lula, então presidente da República, não imaginava que o feitiço um dia se viraria contra o feiticeiro. Ah, se arrependimento matasse…

O mesmo se pode dizer do STF, quando determinou que condenados por tribunal colegiado de segunda instância podem ser despachados à prisão. Não imaginavam que a decisão pudesse alcançar tanto político ladrão.

Seja como for, vale o escrito. Assinou, assinado está. O jamegão sapecado pelo demiurgo e a decisão do STF confortaram os brasileiros de bem. Ambos os dispositivos têm-se mostrado preciosos para abolir a sensação de impunidade que costumava vigorar entre criminosos de colarinho branco.

Boa parte dos atuais inquilinos da carceragem de Curitiba e da Papuda só estão lá em virtude da decisão do tribunal maior. Não fosse isso, muita gente fina ‒ Eduardo Cunha, Sergio Cabral & outros de jaez equivalente ‒ ainda estaria por aí, soltinha, a vampirizar a seiva do país e o fruto do trabalho dos conterrâneos honestos.

Faz tempo que, acossado pela interpretação do STF, o esperto ex-presidente gasta fortunas para escapar do cárcere. Até um antigo membro do STF, um doutor de nome Sepúlveda, foi ressuscitado para encorpar seu batalhão de defensores. (Aliás, perguntar não ofende: de onde virá a dinheirama pra pagar esse mundaréu de advogados?)

O nó da questão está na interpretação que se dá ao Inciso n° 57 do Artigo n° 5 da Constituição. Está lá escrito que «ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória». O texto é cristalino. É proibido dizer que um réu é culpado até que se esgotem todos os recursos e apelações. Somente quando não houver mais para quem apelar é que o indivíduo será definitivamente considerado culpado.

Contra lei clara, não há argumento que se mantenha em pé. Portanto, nosso guia, assim como cúmplices e companheiros de aventura, ainda goza da presunção de inocência. Só se podem considerar culpados os que já tiverem esgotado o estoque de chicanas.

Acontece que tem um porém. A Constituição não reserva a prisão unicamente para culpados confirmados. Nenhum artigo da carta magna proíbe que presumidos culpados sejam encarcerados. Se assim não fosse, não haveria o instituto da prisão temporária, muito menos o da prisão preventiva.

Cadeias estão cheias de gente que ainda não passou nem por julgamento de primeira instância. Um punhado de motivos pode levar um indivíduo a ser preso antes da condenação definitiva. Um deles ‒ talvez o mais importante ‒ é justamente o risco à ordem pública que o cidadão possa representar.

Esse argumento cai como luva no caso de nosso pranteado ex-presidente. Todo réu,  mesmo condenado em duas instâncias, ainda goza da presunção de inocência. Por seu lado, o corolário é válido: esse mesmo réu padece também da presunção de culpabilidade.

Nosso guia, que se encontra exatamente nessa situação, insiste na tentativa de agitar as massas ao atacar magistrados, enxovalhar a Justiça, acusar juízes de o perseguirem, açular brigadas amestradas (e remuneradas) de baderneiros, provocar comoção nacional. O que mais precisa pra caracterizar risco de perturbação da ordem pública?

Battisti: desta vez vai?

José Horta Manzano

É impressionante a que ponto a insegurança marca o dia a dia do Brasil e dos brasileiros. Dúvidas atingem gente fina e gente menos fina. Se há uma coisa que põe mocinhos e bandidos em pé de igualdade, essa coisa é a incerteza. Com certeza.

Gente boa não sabe se a lei de hoje ainda estará de pé amanhã. Condenado ignora se irá pra prisão. Cidadão de bem sai de casa de manhã sem muita certeza de voltar à noite são e salvo. Bandido condenado por unanimidade em todas as instâncias pode ainda, no último minuto, ser inocentado por um salto de humor do STF. No Brasil, em matéria de Justiça e de Segurança Pública, caminha-se numa corda bamba. Pode-se cair pra um lado, pro outro ou até continuar no precário equilíbrio. Tudo é possível, até o impossível.

Vira e mexe, volta às manchetes a novela sem fim de signor Cesare Battisti, aquele terrorista condenado na Itália à prisão perpétua por envolvimento em quatro assassinatos cometidos nos anos 1970. Como sabem todos, o moço ‒ que hoje se apresenta como escritor ‒ vive fugido da polícia há quase quarenta anos. Homiziou-se no México e na França antes de se esconder no Brasil.

Em nosso país, passou por processo de extradição nos conformes. O STF decidiu que fosse devolvido à Itália. No último dia de mandato, nosso guia, o Lula, houve por bem dar vexame horas antes de sair de cena: negou a extradição. Nunca antes ‘nessepaiz’ se tinha visto algo assim. O capricho de um dirigente que, com um pé já fora do governo, decide peitar decisão do tribunal maior. Um despautério.

Excetuando os que apreciam bandidos, ninguém engoliu o desvario do demiurgo. De lá pra cá, mais de três anos se passaram. Anos de incerteza. O Lula podia ter feito o que fez? Não podia? A polêmica corre solta, cada um dá sua opinião, mas os que têm o poder de decidir não ousaram tomar nenhuma atitude. Numa ocasião em que foi apanhado em flagrante ao tentar escapar para a Bolívia, o terrorista chegou a passar curta temporada atrás das grades. Mas logo foi solto.

Esta semana, a Procuradoria-Geral da República enviou ao STF parecer sobre o caso. Julga a presidência da República competente para dar (de novo) a palavra sinal sobre a extradição do condenado. Foi o que bastou para pôr a Itália de orelha em pé. De fato, o povo de lá nunca se esqueceu do criminoso agasalhado pelo lulopetismo. A mídia peninsular repercutiu o ocorrido.

É verdade que doutor Temer tem preocupações mais prementes. Mas há que se levar em conta que o presidente não trabalha sozinho: o governo federal é estofado por milhares de funcionários, entre assessores, ministros, secretários e outros auxiliares. Se a «última palavra» cabe ao presidente, por que tergiversar e postergar?

Nunca é tarde demais pra corrigir uma (das inúmeras) trapalhadas do ‘filho do Brasil’. Que doutor Temer mande preparar a papelada e assine embaixo. Com esse gesto, estaremos livres de um delinquente. Já temos suficientes malfeitores nacionais, não precisamos de bandidos importados. De quebra, o gesto servirá como desagravo à Justiça italiana, insultada pelo Lula.

Não estava bloqueado?

José Horta Manzano

A Justiça do Rio de Janeiro acaba de ordenar o bloqueio dos bens de doutor Sérgio Cabral, que já foi governador do estado. A notícia, de deixar qualquer um perplexo, saiu ontem.

Como é que é? O doutor, preso há mais de ano, já foi julgado e condenado a um século de prisão. Em seu prontuário, ainda estão na fila à espera de julgamento dúzias de processos por crimes de corrupção, assalto ao erário, lavagem de dinheiro & correlatos.

Qualquer pessoa de bom senso daria de barato que seus bens, por mera medida de precaução, já estivessem sob sequestro há muito tempo. É estonteante ficar sabendo que o doutor ainda fosse, até ontem, senhor e dono de contas bancárias e propriedades. Como se sabe, com três cliques na internet é possível dissimular dinheiro hoje em dia.

Resta a pergunta: será que o que acaba de ser bloqueado representa realmente a totalidade do que foi roubado? Nada, nesse meio tempo, terá sido dissimulado nem repassado a terceiros?

Certas coisas são difíceis de engolir.

Recursos e apelações

José Horta Manzano

Para não-iniciados, a profusão de recursos, contestações, apelações, embargos e pedidos de «habeas corpus» à qual assistimos estes últimos tempos tem algo de surreal. Não se passa um dia sem que um juiz decida desdizer o que outro juiz acolá havia decidido. É permanente a insegurança jurídica.

Apaixonados por estatística observaram que os advogados do Lula têm por hábito entrar com um pedido desse tipo a cada seis dias. Dos outros personagens de alto coturno, sabemos menos ‒ mas pode-se imaginar que o exército de advogados de cada um siga o mesmo caminho.

As equipes de defesa fazem um pedido especial. Ao receber negativa, não se contentam. Entram com o mesmo pedido dias depois. Diante de nova negativa, apelam. E repetem, insistem, martelam até cair com um magistrado camarada que lhes outorgue decisão seja favorável. E isso é visto como absolutamente natural.

Para o cidadão comum que, embora tenha dado duro a vida inteira, não possui fortuna suficiente para sustentar um exército de advogados de renome, fica um sentimento de frustração. Se o honesto cidadão tiver a infelicidade de ser vítima de acusação falsa, será julgado. Caso tenha a desgraça de ser condenado injustamente, é provável que não tenha meios para levar adiante a causa e enfrentar novo julgamento. Justiça é isso?

O que ocorre na Justiça segue a linha do que vigora na Saúde Pública: a população se divide em duas camadas. De um lado, estão os que podem se permitir manter plano de saúde de primeira linha; de outro, estão os demais, obrigados a contentar-se com o SUS. Não precisa ser simpatizante comunista pra sentir aí um desagradável sabor de injustiça. Afinal, todos pagam, cada um na medida de suas posses, impostos diretos e indiretos. Mereciam ter os mesmos direitos.

Depois de driblar a Justiça por um quarto de século, doutor Maluf foi mandado para a cadeia, lugar onde um cidadão comum que tivesse cometido crimes semelhantes aos do figurão já estaria trancafiado há décadas. Desde que foi encarcerado, sua equipe de defesa apresenta, a cada semana, novo pedido de soltura. Até hoje, não tiveram sucesso, mas a insistência é tamanha que qualquer dia destes o condenado será mandado de volta à mansão familiar.

Um juiz mandou prender doutor Garotinho. Outro mandou soltar. O primeiro voltou a despachá-lo para a cadeia. O segundo voltou a soltar. Dizem que isso é sintoma de «bom funcionamento de nossas instituições». A mim, parece sinal de que a corda, de tão esticada, está a ponto de romper-se. As tais «instituições» estão mais pra falência que pro bom funcionamento.

Um juiz mandou apreender o passaporte do Lula. Outro mandou devolver. A argumentação de cada um deles não segue a mesma linha. Nada garante que amanhã um outro magistrado volte a mandar recolher o documento de viagem do demiurgo. Nem que, depois de amanhã, um enésimo juiz mande devolver. Até onde vamos?

Em países mais civilizados, coisas assim não ocorrem. Na esmagadora maioria dos casos, o condenado aceita a sentença de primeira instância e o processo termina ali. Entrar com recurso já é fato excepcional, que se justifica, por exemplo, quando surgem fatos ou testemunhos novos, não tratados no primeiro julgamento. Chegar à instância seguinte, a suprema, é fato raríssimo, digno de sair no jornal.

No Brasil ‒ para quem tem como pagar ‒ , entrar com recurso tornou-se regra. Vai aqui uma sugestão para desentupir a Justiça: que tal eliminar a primeira instância e submeter todo processo criminal diretamente a tribunal colegiado? A primeira instância passaria a tratar unicamente de casos menos graves, como litígio de vizinhança, guarda de filhos, atraso no pagamento de condomínio, agressão verbal. Economizaríamos tempo, esforço e dinheiro.

As coisas estão mudando

José Horta Manzano

Em muitos filmes policiais dos últimos cinquenta anos, quando a perseguição apertava e obrigava o criminoso a fugir pra bem longe, o Brasil era opção natural. De cada dois foragidos, um escolhia estabelecer-se em nosso país. E a imagem correspondia à realidade. Só não vinham todos por falta de dinheiro para a passagem.

O clichê persistente pintava o Brasil como terra paradisíaca e acolhedora, de vida mansa, sol, praias, palmeiras, com gente sorridente e despreocupada que passava o tempo dançando pelas ruas. Fugitivo que se prezasse não escolheria outro destino. Quem é que havia de preferir a Sibéria?

Terminada a hecatombe da Segunda Guerra, criminosos nazistas se refugiaram clandestinamente em nosso país. Não saberemos nunca quantos terão vindo, que não há estatísticas. O carrasco Josef Mengele, um dos mais tristemente famosos, terminou seus dias numa praia do litoral paulista em 1979.

Ficou famoso o caso do assaltante inglês Ronnie Biggs, célebre por ter desvalijado um trem pagador em 1963 na Escócia. Homiziado no Rio de Janeiro, o homem valeu-se da lei vigente à época, que vedava extradição de quem tivesse filho brasileiro, como era seu caso. Viveu tranquilo até que, já idoso, decidiu voltar ao país natal para entregar-se às autoridades.

À semelhança do mafioso Tommaso Buscetta, que aqui se encafuou nos anos 70, diversos bandoleiros escolheram o Brasil. Além dos casos que se tornaram públicos, deve ter havido inúmeros outros que passaram em branco. Mais recentemente, como todos sabem, abrimos os braços para um certo Cesare Battisti, italiano condenado à prisão perpétua por envolvimento em quatro homicídios.

No entanto… as coisas estão mudando. A Operação Lava a Jato tem incentivado a atenuar a impunidade. Sua influência começa a se alastrar para setores da criminalidade não necessariamente ligados a malversações de dinheiro público.

Rapidamente, o Brasil começa a sair da rota de bandidos estrangeiros. Sinal de que os tempos mudaram é a revoada de bandidos genuinamente nacionais que buscam terras mais acolhedoras além-fronteiras.

Henrique Pizzolato abriu o bloco. Esteve entre os primeiros a sentir que os ventos estavam mudando de quadrante. Apesar de ter orquestrado fuga rocambolesca, não deu sorte: além de experimentar o conforto dos cárceres italianos, acabou despachado para a Papuda.

Depois de anunciar que não acataria a decisão dos tribunais brasileiros ‒ numa clara indicação de que pretendia subtrair-se à punição no Brasil ‒, o Lula teve a desagradável surpresa de ver-se impedido de deixar o território. Retiraram-lhe o passaporte.

Um operador financeiro da Lava a Jato fugiu do país e chegou a requerer (e obter) a cidadania portuguesa. Pensava escapar assim à Justiça. Deu-se mal. Está sendo extraditado e devolvido à pátria.

O mais recente caso saiu ontem nos jornais. O passaporte daquele cidadão que atropelou uma vintena de pessoas no calçadão de Copacabana acaba de ser apreendido por suspeita de que o indivíduo tencionasse fugir do país.

A Lava a Jato ainda não terminou e seu balanço final ainda não foi analisado. O futuro certamente há de mostrar que ela deu início ao desmonte da imagem de permissividade que aureolava nosso país. É excelente notícia.

Cadeia, doce cadeia

José Horta Manzano

Até alguns anos atrás, quando cadeia era apenas lugar de bandido pobre, havia duas possibilidades: o «elemento» ia preso ou ficava solto. Era simples e direto, sem meias-tintas. A não ser que tivesse cometido crime de sangue ‒ se possível diante de testemunhas ‒, gente fina passava ao largo do cárcere. E a vida seguia tranquila.

Desde que figurões começaram a ser condenados, os brasileiros passaram a se familiarizar com minuciosa graduação de penas, fenômeno antes pouco visível. Temos hoje uma cachoeira de circunstâncias atenuantes que modulam e relativizam a privação de liberdade.

Pretextos antes não imaginados contribuem hoje para suavizar o castigo. A idade, por exemplo, conta. A velhice do condenado é invocada como razão para evitar a prisão. Sustentados por batalhões de advogados bem pagos, pipocam recursos, apelações, embargos e outras chicanas jurídicas. Todos esses expedientes visam a espichar processos e a afastar o espectro do encarceramento.

Têm aparecido curiosas decisões judiciais. Bom exemplo é o da esposa de um ex-governador, condenada a uma estada atrás das grades, que acabou sendo solta quando sua pena foi transformada em prisão domiciliar. A justificativa era de que, tendo filho menor de idade, sua presença em casa era indispensável. Voltou para casa com a proibição expressa de utilizar internet.

Ora, como nossa legislação penal se aplica ao indivíduo e não se estende aos familiares, o filho naturalmente manteve a autorização de conectar-se à rede. Com ambos vivendo sob o mesmo teto, como é que ficou? Num rasgo de bom senso, a Justiça deu-se conta do absurdo da situação e devolveu a condenada à masmorra.

Outro caso peculiar envolve aquele terrorista italiano, condenado à prisão perpétua por crime de sangue, a quem nosso guia concedeu asilo «político». O homem foi apanhado em flagrante quando tentava fugir do país em direção à Bolívia carregando mais dinheiro do que o permitido. Encarcerado sob a acusação de evasão de divisas, foi logo solto e mandado para «prisão territorial». Que é isso? Significa que o indivíduo está livre para ir e vir desde que não ultrapasse os limites do município em que reside. E tem de se apresentar à polícia uma vez por mês. Uma vez por mês! Pode?

Há os que são condenados a não sair de casa. Há os que podem sair de dia mas não de noite. Há os que apenas usam a cadeia como hotel: passam o dia fora e voltam para jantar, deixar a roupa pra lavar e pernoitar. Há, finalmente, os condenados que continuam soltos durante anos à espera de julgamento de recursos interpostos.

Antes, o «elemento» mofava na prisão, louco para voltar para casa. Agora, grande parte deles já é mandado diretamente para casa. Francamente, já não se aplicam penas como antigamente.