Wilma Schiesari-Legris (*)
Percy é o nome do cocker spaniel da minha norinha Cate. Seu pelo é anelado e rebelde, da cor do mel, e contém o mesmo néctar que cora seus olhos. Inevitavelmente, o olhar do Percy é tão humano que, se ele não fosse cachorro pelo focinho e pela cauda, seria gente pelo olhar. Tem um olhar que pede amor, secretamente em silêncio, e sabe como proceder.
Cate conhece Percy com perfeição e vice-versa. Ela ensinou-lhe a fala dos homens e o afago dos deuses. Quando ela se senta, ele se prostra aos pés da dona e espera aquele gesto tantas vezes repetido que começa pelo olhar: levemente caídos, olhos nos olhos, os seus e os dela!
Depois dessa atenção direta e sem divergência, a mão humana e feminina passa entre as orelhas de Percy, rodeia-lhe a face, sobe outra vez para o alto da cabecinha e se prolonga no dorso do animal, que prefere então sentar-se.
Não se trata de repetição mecânica de afagos e carinhos, mas de uma linguagem altamente pontuada de frases de amor de ambos os lados, declarações tantas vezes repetidas no silêncio mútuo que se instala entre ambos, mesmo quando todos nós falamos e gesticulamos juntos em família.
Percy está atento a tudo o que ocorre em seu redor, mas principalmente concentrado nos passeios manuais que se realizam ao sabor do seu corpo canino. Silencioso e receptivo, leva consigo o lugar do amante que por vezes é do meu filho. Mas Percy chegou primeiro e meu filho Olivier conhece o seu lugar, mesmo na classificação amorosa e conivente que existe entre os três.
Cate e Olivier vivem em Londres e Percy vive em Guildford, terra onde Lewis Carroll escreveu Alice, lugar arranjado com arte e harmonia, a 50 minutos de Londres, onde a cidade ainda não deglutiu completamente a natureza. É um cão farmer no sentido nobre do termo: um gentle dog!
Para aquecer o corpo sempre em busca de calor, normalmente Percy senta-se perto da lareira acesa quando Cate não se encontra em casa. Quando ela retorna, são outros quinhentos! Ele se instalará onde ela o fizer, sentinela de sua dona, no país das maravilhas. Não se moverá a nenhum momento, sentindo o pelo a deslizar na carícia das mãos que o afagam. A respiração continuará normal entre ela e ele e Olivier os observará, sem sequer rosnar um pouquinho…
Muito asseado e cheiroso, Percy jamais escalará os sofás e os leitos e sequer dirigir-se-á para o interior dos quartos. Montará a guarda, se for preciso, diante da porta fechada da ama, defenderá sua dona de qualquer tentativa de ataque, esperará que ela se desperte antes de precisar partir, dividirá com ela o breakfast e, se for preciso, tomará com ela o chá das 5, molhando, com ajuda da patinha, o cake no nobre líquido!
E seu coraçãozinho de cão diminuirá de tamanho para aguentar a frequência acelerada que provavelmente estraçalharia seu peito quando Cate se levantar para partir com o Olivier. Uma lágrima triste de cachorro vai escorrer na sua carinha desnorteada e ele vai colar a orelha por cima para disfarçar a emoção.
Despedir-se-ão todos e ele ficará com a mãe de Cate, em busca de um espelho que possa atravessar. – Socorro! Estou atrasado! – e, discretamente, sem poder colocar o curto rabo entre as pernas, engolirá um Lexotan para poder dormir.
(*) Wilma Schiesari-Legris é escritora. Edita o blogue IeccMemorias.wordpress.com.
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