José Horta Manzano
Como todo agrupamento de gente que bota os miolos pra tabalhar, também o Parlamento Europeu é percorrido por correntes de pensamento diversas e muitas vezes divergentes. Os 751 componentes vão desde os que sentem saudades de Mussolini até os que gostariam de ressuscitar Stalin. Entre esses extremos, todos os matizes da política estão presentes.
Faz anos que o Brasil ‒ atado ao Mercosul ‒ tenta conseguir regime de parceria preferencial com o bloco europeu. A lentidão da negociação deve-se a corpo mole de ambos os lados. Do lado nosso, é aquela bagunça que se conhece: querelas entre Brasil e Argentina, suspensão do Paraguai, entrada perturbadora da Venezuela, ideologização do grupo.
Do lado europeu, o interesse pela negociação é escasso. As exportações brasileiras para a Europa constituem-se basicamente de produtos agrícolas. A Europa, embora nem todos se deem conta, é grande e tradicional produtor agrícola. Até frutos tropicais vêm sendo produzidos nas redondezas. Com sucesso.
Temos hoje bananas das Canárias (Espanha) e da Martinica (França). Abacates são israelenses ou espanhóis. Laranjas e outros cítricos vêm da Itália e da Andaluzia. Come-se arroz italiano, tailandês ou americano. Vagem, hortaliças e feijão são cultivados na Lombardia. A Holanda, apesar da alta densidade populacional, encontra espaço para ser o maior fornecedor de tomates e pimentões do continente. Não sobra muito para o Brasil exportar além da gabiroba e outros produtos de minguada demanda. Estou exagerando, mas não muito.
Chegou ontem intrigante notícia. Um grupo representando pouco menos de 5% dos deputados do Parlamento Europeu apresentou moção exigindo que as negociações entre a UE e o Mercosul sejam suspensas. Os peticionários, figurinhas carimbadas da assembleia, argumentam que o afastamento de Dilma Rousseff seja sinal de um golpe urdido por parlamentares corruptos.
A meu ver, a petição tem motivação complexa. Há numerosos ingredientes nesse molho. Por trás da moção, há parlamentares alinhados com a extrema esquerda ‒ gente que, apesar de já ter deixado pra trás a juventude, conservou os ideais incendiários dos anos 70. Há também apoio conivente dos grandes produtores agrícolas europeus ‒ com a França na linha de frente ‒ que não veem no Brasil uma solução, mas um sério concorrente.
Há ainda os maria vai com as outras, aqueles que enxergam os acontecimentos brasileiros como quem observasse um golpe de Estado na Birmânia. Tanto faz como tanto fez. Afinal, para um parlamentar da Estônia ou da Eslováquia, pouco interessa o que estiver acontecendo em Brasília, desde que o tomate continue a lhe ser servido na salada. Situa-se nesse grupo a esmagadora maioria dos parlamentares. Não têm visão exata do que ocorre na política brasileira.
É precisamente aí que entra a necessidade de o Brasil acionar lobby ativo junto ao Parlamento Europeu. A ação do chanceler Serra é um começo promissor. Esclarecer, explicar, insistir, convencer ‒ eis a chave que poderá abrir o mercado. A suspensão forçada do Paraguai para permitir a entrada fraudulenta da Venezuela no Mercosul, quatro anos atrás, não comoveu a UE. Mais que isso, diante do evidente atropelo dos fundamentos da democracia venezuelana, não se ouve um pio dos europeus. Como é possível que uma mudança de governo clara e dentro das regras, como a que ocorre no Brasil atual, possa ser contestada?
A movimentação proativa do atual governo brasileiro está na direção certa e deve ser intensificada. Se a decisão for deixada unicamente nas mãos da UE, a parceria privilegiada com o Brasil periga não se concretizar tão cedo. Será que estaríamos dispostos a contribuir para exterminar o futuro?