Mês: dezembro 2018
Chefe de Estado
José Horta Manzano
A data de entrada em função do presidente da República variou ao longo dos anos. Até 1930, o eleito tomava posse do cargo num 15 de novembro. Terminado o interregno getulista, o dia mudou para 31 de janeiro. No período militar, passou a ser dia 15 de março. Os constituintes de 1988, talvez preocupados em eliminar tudo o que dizia respeito aos militares, decidiram fazer coincidir o ano presidencial com o ano civil: a posse passaria a ser em 1° de janeiro.
Trinta anos se passaram mas, assim mesmo, a data continua incômoda. Atrapalha muita gente. Cai em pleno período de festas. Estraga o feriado de todos os convocados a trabalhar em virtude da tomada de posse: policiais, seguranças, servidores e funcionários rasos, repórteres, jornalistas, gente do rádio e da tevê, militares, controladores de tráfego aéreo, pessoal médico e paramédico de prontidão. E muito mais gente.
Outro ponto chato é a influência negativa que a escolha infeliz faz recair sobre o prestígio internacional do empossado. Se a data é incômoda para nacionais, o é também para estrangeiros. Raríssimos são chefes de Estado ou de governo a se abalarem no meio da festa de passagem de ano. Tirando os dirigentes de países vizinhos, contam-se nos dedos de uma mão os visitantes graduados. Cerimônia assistida por apenas meia dúzia de gatos pingados vindos do estrangeiro soa como desapreço ao presidente estreante.
Os países que não podem deixar de marcar presença mandam representante de patente mais ou menos elevada. Da Itália, está anunciada a presença do ministro da Agricultura. Outros europeus mandarão representantes de nível equivalente. Fico imaginando que o pau deve comer feio entre assessores susceptíveis de serem designados para vir a Brasília. É possível que tirem no palitinho. Deixar a festa e a família falando sozinha pra viajar milhares de quilômetros a fim de assistir a uma cerimônia sem graça é o fim da picada.
Jornalistas distraídos, ao comentar a longa estada de Benjamin Netanyahu no país, dão-lhe o título de «chefe de Estado». Erram. Bibi Netanyahu, aliás bastante enrolado com a Justiça de seu país sob acusação de corrupção, não é chefe de Estado. Como primeiro-ministro, ele é o chefe do governo israelense. Desde julho de 2014, o chefe de Estado de Israel é Reuven Rivlin, o presidente da República.
Que se observe: tampouco Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, é chefe de Estado. Não passa de chefe do governo húngaro. Nas repúblicas latino-americanas, na falta de primeiro-ministro, o presidente da República encarna as duas funções: chefe de Estado e chefe de governo. Em regimes parlamentares, não funciona assim.
Está aí um efeito colateral pernicioso da fixação da tomada de posse em 1° de janeiro. Israel é um país simpático, sem dúvida, mas está longe de ter a importância de EUA, China, Rússia, Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Japão. Na falta de dirigentes graduados representando esses países de destaque, doutor Netanyahu, chefe de governo de Israel, virou a estrela do momento. Está vivendo seu momento de glória nos trópicos, antes de ser de novo engolfado pelo dia a dia de seu país. Quem não tem cão, caça com chefe de governo mesmo.
Solução
Há maneira simples de remediar a esse transtorno sem modificar a Constituição. Quem já não viu alguém fazer anos numa quarta-feira e organizar a festa no sábado seguinte? Pois é só aplicar o mesmo raciocínio para a entrada em funções do presidente.
A tomada de posse continua dia 1° de janeiro, nada muda. Será cerimônia simples, entre quatro paredes, sem desfile, sem parada, sem convidados estrangeiros. A festa será marcada para daí a dez ou quinze dias, num fim de semana. Aí, sim, convidados nacionais e estrangeiros poderão apreciar o desfile, o carro aberto, a subida da rampa, os salgadinhos e as bebidinhas. Sem excesso.
Promessa de marciano
Elio Gaspari (*)
Nas últimas semanas, Bolsonaro e seu ministro Sergio Moro repetiram formulações genéricas que fazem sentido para quem está solto, mas são promessa de marciano para quem está preso. Por exemplo: negar a progressão da pena para quem pertence a uma facção dentro de um presídio.
Tudo bem, desde que se faça de conta que em alguns lugares é possível viver numa cela sem aderir à facção. Quem vai distinguir o preso primário que aderiu para proteger sua vida e a de sua família do bandido que chefia o grupo?
(*) Elio Gaspari é jornalista. O texto é parte de artigo publicado em 30 dez° 2018.
A dignidade do cargo
José Horta Manzano
O mandato de doutor Pezão, governador do Rio de Janeiro, expira no último dia deste ano. Acontece que o doutor está preso, acusado de participação em organização criminosa, corrupção ativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro ‒ crimes que rendem folha corrida de bom tamanho. Sem mandato, ele vai perder o direito a foro privilegiado. E, por supuesto, perde também o direito a ocupar cadeia privilegiada.(*)
Para evitar que o cliente seja transferido, a partir do dia primeiro de janeiro, para cela comum em prisão comum, seus defensores solicitaram ao STF o especial favor de deixá-lo onde está, num batalhão especial da Polícia Militar do RJ.
Solícito como de costume, o ministro Toffoli concedeu o afago. Entre outros argumentos para embasar a gentileza, ensinou: «a medida se justifica diante da dignidade do cargo ocupado».
Como é que é? Sua Excelência se enganou. Quem está preso não é o cargo, mas seu indigno ocupante. O cargo continua digno como sempre foi. Indigno foi doutor Pezão. A aura de dignidade que deveria cercar todo governador foi posta a perder pelo ocupante delinquente. Os crimes dos quais ele é acusado são tão graves que prisão comum, para ele, já está de bom tamanho.
(*) É revoltante constatar que, trinta anos depois da entrada em vigor da Constituição dita cidadã, ainda haja dois tipos de cadeia: um pra gente fina e outro para a ralé. É repulsivo constatar que a dignidade do cargo público, aviltada pelo ocupante indigno, assim mesmo continua a protegê-lo na cadeia.
Doutor Pezão está longe de ser o único a beneficiar-se desse olhar meigo que nossa sociedade reserva para marginais de colarinho branco. O beneficiário mais emblemático é Lula da Silva.
Essa chocante dualidade de tratamento prisional explica o descalabro de nosso sistema penitenciário. Os que fazem as leis não estão preocupados com a tragédia que se desenrola detrás dos muros da penitenciária comum, visto que, se presos, serão acolhidos em estabelecimento cinco estrelas. Mesmo que percam o mandato, poderão contar com a caneta amiga de Suas Excelências do STF. Os da ralé, portanto, que se lixem.
Outras máximas ― 46
Collegium
José Horta Manzano
Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 29 dezembro 2018.
A palavra colégio, relacionada ao latim collegium, é formada pela preposição cum (com) e pelo verbo leggere (colher). Vale dizer: colher junto. Na acepção original, os integrantes dum colégio se reúnem para colher juntos o que vieram plantar. O colégio eleitoral, por exemplo, colhe o sentimento de cada integrante e apresenta resultado unificado. Toda instituição colegiada é formada por membros com poderes iguais que, após deliberação, dão decisão única, unívoca e uniforme.
Excelente exemplo de colégio eficiente, em função há dois séculos, é a Presidência suíça. A chefia do Executivo não é confiada a um único indivíduo, mas a sete presidentes, todos com o mesmo poder. Reúnem-se a portas fechadas e dão despacho unificado. Jamais alguém saberá quais membros estiveram a favor ou contra cada decisão. Jamais será divulgado se o voto foi unânime ou disputado. Publica-se a decisão do colegiado. Ponto e basta.
Em dezembro de 1941, no dia seguinte ao do ataque desfechado pelo Japão contra a base militar do Havaí, o presidente Franklin D. Roosevelt pronunciou discurso no Congresso americano. Na fala, ele declarou que aquela seria «a date which will live in infamy» ‒ uma data marcada pela infâmia. A citação me passou pela cabeça outro dia, quando doutor Marco Aurélio, ministro do STF, de uma canetada, causou comoção nacional. Naquele dia, em ato solitário, ele mandou soltar os encarcerados que ainda não tivessem esgotado os recursos processuais ‒ um total estimado em 160 mil indivíduos. Um ucasse desajuizado!
Hoje, passada a exacerbação de sentimentos provocada pelo magistrado, não vale a pena lançar lenha à fogueira. É mais útil especular sobre a origem do mal e farejar o melhor caminho pra corrigir a distorção. Sim, porque distorção há. O STF é, por definição, tribunal colegiado. As normas da colegialidade ensinam que decisões serão sempre tomadas pelo conjunto dos membros, jamais por um só. Deliberações públicas e, pior ainda, transmitidas ao vivo são incompatíveis com a colegialidade. Propiciam a quebra de coesão e favorecem a eclosão da vaidade.
Ah, a vaidade!… É irmã gêmea do orgulho e mãe de muitos defeitos. Traço inerente ao ser humano, afeta-nos a todos, em maior ou menor grau. Na vida do mortal comum, ataques de vaidade explícita não fazem mais que azedar o entorno do vaidoso. Já quando o soberbo exerce função pública de destaque, é mais grave. Imodéstia descontrolada pode extravasar a banheira do poderoso e alagar o país inteiro. Isso ocorre a cada vez que um magistrado é acometido por xilique de prima-dona ferida.
Por que razão esses sentimentos se exacerbam no Judiciário, enquanto se mantêm sob controle nos outros Poderes? A resposta é clara: integrantes do Executivo e do Legislativo são eleitos por mandato limitado no tempo. Se se deixarem levar por paixões em desacordo com o comportamento que deles se espera, correm o risco de ser sancionados na próxima eleição. Se ministros do Tribunal Maior se permitem a impudência de atropelar jurisprudência e bom senso, é porque sabem que nada têm a temer. O caráter vitalício do cargo é perfeita blindagem contra retaliações. Inalvejáveis, Suas Excelências permanecem longe do alcance da turba, por mais enfurecida que esteja. Que se lhes manche a biografia, não parece ser a preocupação maior dos magistrados. Outros interesses, à evidência, passam adiante.
Que fazer pra refrear o ímpeto dos togados-mores e pra blindar o país contra sacolejos? O mal se extinguirá no momento em que o cargo de juiz supremo deixar de ser vitalício. Num próximo e bem-vindo reajuste do arcabouço institucional, essa questão deveria ser levantada. É de crer que o será. Como ocorre em outras repúblicas, mandato não vitalício (e renovável) deveria ser outorgado a ministros do STF. Será de quatro, cinco, seis anos ‒ melhor menos que mais.
A designação dos togados tampouco deveria ser atribuição solitária do presidente, ainda que sacramentada por sabatina parlamentar pro forma. Um colégio de grandes eleitores ‒ olhe o conceito aí de novo! ‒ deverá ser criado para o fim específico de escolher novos ministros. Será formado por parlamentares e por personalidades de reconhecida erudição. Vitaliciedade e decisões monocráticas caem bem em monarquias, regime que o golpe de 1889 aboliu.
Sem dizer água vai
José Horta Manzano
Você sabia?
A cidade do Rio de Janeiro já ia para seus 300 anos de idade. Londres e Paris não estavam longe de completar o segundo milênio. No entanto, nenhuma delas contava com sistema de canalização de águas usadas. E como faziam as gentes?
No Rio de Janeiro, a solução era simples. Os dejetos eram acumulados em casa, em barricas de madeira chamadas cubos. Chegada a hora de esvaziar o tonel, um escravo levava a mercadoria para despejá-la na praia mais próxima ou nalgum córrego. Esse labor se desempenhava de preferência à noite, talvez para evitar que o cheiro nauseante assustasse eventuais passantes.
Já londrinos, parisienses e mesmo cariocas pertencentes à casta dos sem-escravo tinham de se virar sozinhos. Lavavam-se na bacia e faziam suas necessidades no penico. De manhã, abriam a janela e simplesmente atiravam a imundície na rua. Como sinal de cortesia para com eventuais passantes, gritavam antes: «Água vai!»(*). Não esqueçamos que o Rio de Janeiro contava já com alguns sobrados, o que não facilitava a vida de quem se encontrasse no momento errado no lugar errado.
As ruas, já desde a antiguidade, costumavam ter uma valeta central ou lateral ― um afundamento do calçamento de pedra. A finalidade era justamente escoar, bem ou mal, as águas servidas. O espaço público era tratado como lixeira. Sob climas tropicais, em especial, ruas e praças haviam de exalar uma abominável fedentina.
A ideia de canalizar o esgoto doméstico foi um passo admirável. Começou, naturalmente, em Londres, centro urbano mais importante do planeta em meados do séc. XIX. De lá, espalhou-se pelo mundo. Ainda bem.
(*) A expressão sem dizer água vai (ou sem gritar água vai) permanece até hoje na língua. É usada quando alguém comete um ato bruscamente, sem pré-aviso. Corresponde exatamente à expressão francesa sans crier gare e à espanhola sin decir agua va.
Classe é pra quem tem
José Horta Manzano
Classe é pra quem tem, não adianta fazer de conta. Quem não tem, fica sem. O mundo nos tem brindado com alguns figurões políticos que brilham justamente pela falta de classe.
Mr. Donald Trump tem doutorado na matéria. Suas escorregadelas são diárias. A última surpreendeu até admiradores. Foi quando, no dia de Natal, perguntou a uma criança de sete anos se ainda acreditava em Papai Noel. Fez isso diante das câmeras que levavam a cena a todas as famílias do país. Baita pisão de bola.
Certa feita, quando era presidente da França, Jacques Chirac hospedou-se no Forte de Bregançon ‒ residência presidencial de verão. Uma bela manhã de sol, dirigiu-se à praia em companhia de dois assessores. Os acompanhantes iam convenientemente trajados de bermuda e chinelo ou sapatinho raso sem meia. Monsieur Chirac respeitou o código vestimentar com exceção de um detalhe: calçava meias pretas. A caminho da praia. De bermuda. Passaram-se anos, mas os franceses comentam até hoje.
Nos últimos anos de vida, quando já o chamavam «coma andante», Fidel Castro deixou-se fotografar algumas vezes no retiro secreto onde definhava aos poucos. A cada vez, seu agasalho portava, bem visível, o logo de conhecida marca alemã de roupas esportivas. Nas costas alquebradas do dono de uma ditadura comunista, essa adesão explícita à fé capitalista pegou mal.
Lula da Silva, quando inaugurou seu primeiro mandato, não tinha mais classe do que tem hoje. Antes de ser repreendido por seu entourage, apresentou-se mais de uma vez em público vestindo terno e gravata e levando, picado na lapela, un pin com a estrela vermelha do PT. Todos ficaram chocados de constatar que o recém-empossado não se considerava presidente de todos, mas chefe de um partido. Precisaram sacudi-lo pra ele acordar.
O atual presidente eleito e excelentíssima senhora também têm, visivelmente, um problema vestimentário. Semana passada, doutor Bolsonaro mandou ao ar um vídeo com uma espécie de prestação de contas. Inspirado ironicamente no falecido ditador cubano, apareceu vestindo um agasalho de conhecida marca americana de roupas de esporte. Pra quem se declara nacionalista e defensor dos interesses da pátria, ficou esquisito. Em se tratando de presidente eleito, ficou pior ainda.
Doutora Michelle Bolsonaro mostrou comportamento concordante com o do marido. Esta semana, passado o Natal, chegou de barco ao Iate Clube de Itacuruçá, no Rio. No desembarque, foi fotografada carregando seu lulu no colo e vestindo camiseta preta com os seguintes dizeres estampados: «Se começar nesse tom comigo, a gente vai ter problema». Como se lembram todos, a frase foi pronunciada pela juíza Hardt, quando do mais recente interrogatório de Lula da Silva. Ficou a pergunta: o que é que tem o interrogatório do Lula a ver com as férias de madame? Tivesse ela usado camiseta com o escudo do Corinthians ou do Flamengo, não teria sido mais brega.
Faz tempo que bom-tom e presidência não rimam.
Um pouco d’arte ― 120
As vigílias
José Horta Manzano
Champanhe na geladeira, peru no forno, castanhas e avelãs sobre a mesa, rabanada preparada, é o réveillon que chegou. Época de confraternização, de alegria e de bons propósitos para o novo ano.
Réveillon – mas de onde é que vem essa palavra tão repetida e tão exótica? Pois é francesa. É da família do verbo latino vigilo, que significa estar desperto.
Em nossa língua, a parentela é extensa: vigia, vigiar, vigilante, velar, vigília (véspera de certas festas religiosas). Vela e velório fazem parte do clã. Todas essas palavras carregam o sentido de cuidar, de não estar dormindo.
No Brasil, associamos o réveillon unicamente à noite de fim de ano. Já os franceses dão sentido mais amplo. Em princípio, qualquer noite em que se vai para a cama mais tarde poderia ser chamada de réveillon. O uso, no entanto, é dar esse atributo a duas noites especiais. A primeira é a noite de Natal, réveillon de Noël – a vigília de Natal. A segunta é a noite da passagem de ano, dita réveillon de la Saint-Sylvestre.
Bom réveillon a todos e boas-entradas, como se dizia antigamente. Que 2019 seja alegre, sorridente e traga muita saúde!
Quadrinhos ‒ 263
Lunfardo ‒ bis
Texto publicado originalmente em 19 dez° 2012
José Horta Manzano
Você sabia?
Lunfardo é a gíria que nasceu e cresceu em Buenos Aires, na malavita portenha, no submundo dos fora da lei. Com o passar das décadas, um número cada vez maior de expressões foi caindo, digamos assim, no ‘domínio público’. Palavras e expressões antes reservadas a bandidos são hoje utilizadas no dia a dia por pessoas comuns.
Surpreendentemente, muitos desses termos de argot argentino passaram ao português brasileiro. Não se sabe direito se atravessaram a fronteira ou se terão vindo de contrabando embutidos na letra de velhos tangos. Talvez um pouco de cada. O fato é que usamos, sem saber, gíria importada. Para os ultranacionalistas, pode até parecer um escândalo. No fundo, é simplesmente um aporte a mais, uma contribuição para a riqueza de nossa fala.
Aqui está uma pequena coletânea de expressões lunfardas que aparecem na gíria brasileira.
Lunfardo Brasileiro
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Machete Macete (ajuda-memória)
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Piráo Pirado
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Mamado Mamado (bêbado)
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Campana Campana (ajudante de ladrão que vigia)
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Mancar Se mancar (compreender)
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Cana Cana (prisão)
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Matina Matina (manhã cedo)
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Mortadela Presunto (cadáver)
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Patota Patota (bando)
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Punga Punguista (batedor de carteira)
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Vivo Vivo (astuto)
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Bacanazo Bacana (refinado)
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Bancar Bancar (pagar)
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Dar bola Dar bola (prestar atenção)
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Bronca Bronca (raiva)
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Chupado Chupado (bêbado)
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Burro Burro (ignorante) (1)
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Tira Tira (investigador de polícia)
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Labia Lábia
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Mina Mina (moça)
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Llenar Encher (aborrecer)
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Lleno Cheio (mal-humorado)
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Cabrero Cabreiro (furioso)
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Mangos Reais (dinheiro)
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Caradura Caradura
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Catinga Catinga (mau cheiro corporal)
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Manyado Manjado (conhecido)
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Chumbo Chumbo (bala de revólver) (2)
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Pechar Peitar
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Coco Coco (cabeça)
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Gozar Gozar (zombar) (3)
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Grupo Grupo (mentira, história inventada)
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Gurí Guri (criança) (4)
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(1) Normalmente, burro é usado para qualificar indivíduo cabeçudo
(2) Chumbo (o elemento) é palavra portuguesa. Em espanhol, diz-se plomo. Poderia bem tratar-se de palavra exportada do português para o lunfardo.
(3) Os espanhóis usam gozar com o sentido de passar um bom momento. Para dizer zombar, preferem mofarse
(4) Alguns etimólogos atribuem a essa palavra origem tupi, o que explicaria que se encontre no castelhano platino e também no português do Brasil
Desconvite seletivo
José Horta Manzano
Fazer política externa na base do xilique é a receita certa para o fracasso. Poucos dirigentes conseguem distinguir onde termina o governo e onde começa o Estado. E vice-versa. A maioria tende a confundir e enfiar as duas concepções no mesmo saco. Erram. Governos passam, o Estado fica.
Entre as atribuições do governo, a política externa é a que se encontra mais ligada ao Estado brasileiro. Saúde, Instrução Pública, Economia e demais funções ‒ embora devam submeter-se aos interesses maiores do Estado ‒ costumam assumir os contornos do governo de turno. A escola tornou-se mais politizada no governo do Lula. A Economia se abriu durante a gestão Collor. A Saúde teve até intervenção cubana no governo da doutora.
A política exterior e as Forças Armadas devem, mais do que as outras funções do topo da República, servir a interesses de longo prazo. Não são campo em que se deva mexer a cada instante. Estratégias diplomáticas e militares são de longo alcance.
Como ensina o manual de bons procedimentos, os dirigentes de todos os países com os quais o Brasil mantém relações diplomáticas são convidados para a tomada de posse do novo presidente. Por descuido da Constituinte de 1988, o mandato começa num 1° de janeiro, data incômoda que obriga muitos chefes de Estado ou de governo a mandar representante. Que fazer?
Doutor Ernesto Araújo avisou que estava cancelando o convite feito aos presidentes da Venezuela e de Cuba. Estavam desconvidados. A quem se surpreendeu com a descortesia, logo explicou que a intenção do novo presidente era, logo no início do governo, romper relações diplomáticas com esses países. Está justificado.
Ontem entrou mais um país para a lista dos indesejados. Foi a Nicarágua. A alegação é de que está sob a férula de regime ditatorial. Só que não foi anunciado rompimento de relações com esse país, o que nos põe diante de uma incongruência. O Brasil convida todos os países com os quais mantém relações diplomáticas. Uma vez que se anunciou que as relações serão rompidas com Cuba e com a Venezuela, o desconvite faz sentido. Dado que não há perspectiva de rompimento com a Nicarágua, fica esquisito.
O pretexto de que se trata de ditadura não tem consistência. Na prática, a maior parte dos países africanos tem regime ditatorial. Todos os países árabes também entram nessa lista. Se o critério para desconvite for a falta de democracia, restam muitos por desconvidar.
Vê-se que os interesses do Estado brasileiro passaram ao largo nessa decisão do futuro ministro Araújo. Esses desconvites seletivos não respondem a critério consistente, mas a antipatia pessoal. Juntando essa presepada ao anúncio, feito pelo futuro presidente, de mudança de endereço de nossa embaixada em Israel, temos rematado contraexemplo de diplomacia. É exatamente o contrário do que deveria ser. Começamos mal.
Meio milhão
José Horta Manzano
Nalgum ponto da noite passada, nosso contador de visitantes marcou um número bonito: 500.000. Meio milhão de page views(*), minha gente! Pra um blogue modesto, despretensioso, não ligado a figurão das artes ou da política e, ainda por cima, sem fins lucrativos, é pra deixar o ego satisfeito.
Agradeço ao distinto leitor, tanto àquele que faz visitinha diária, quanto àquele que vem de passagem, que nem visita de médico. Eu me sinto feliz de poder acolher a todos e espero que tenham encontrado o que vieram buscar. E que continuem a vir, que me dá muito gosto.
Aqui vão alguns números do blogue:
- 6 anos no ar
- 3.650 artigos publicados
- 500.000+ page views
- 1,9 artigos lidos por visitante
- 2.500 comentários
- Visitantes de 181 países ou territórios
- 210 seguidores inscritos
Aproveito para desejar a todos os distintos leitores um alegre período natalino e um ano-novo novo, com saúde e realizações.
(*) Page view é como convém chamar, em internetês, cada artigo lido.
Máximas do Barão ― 35
Os automóveis
José Horta Manzano
Você sabia?
Nos primeiros anos dos século XX, a língua francesa vivia um período de prestígio mundial. Embora já não exercesse predominância absoluta como nos anos 1700, sua influência ainda era notável. No Brasil, a moda, os remédios, os alimentos enlatados, os livros e as revistas vinham de Paris.
Aprisionado a seu desterro tropical, o brasileiro endinheirado só tinha olhos para o que chegasse da França. Tudo o que de lá viesse era bem-vindo. Chique mesmo era mandar vir uma preceptora francesa para guiar os pequerruchos ‒ privilégio só concedido a muito poucos.
Por aqueles anos, os primeiros automóveis começaram a rodar sobre os sacolejantes paralelepípedos das ruas brasileiras e pelos caminhos do interior, picadas poeirentas que só costumavam ver passar carros de boi. Dá pra imaginar o espanto das gentes que, à beira da estrada, observavam bólidos malucos, que desafiavam as leis do bom senso ao disparar a 25 ou 30 quilômetros por hora!

O ‘vehiculo automovel’ descrito no Almanaque Richards de 1909
Repare que a palavra automóvel é usada indistintamente como substantivo e adjetivo
A maior parte das peças que compõem o automóvel tem nome francês. Embreagem, capô, freio, marcha, banco, carburador, virabrequim, manivela, escapamento, volante, vela, radiador, alternador, pistão, biela, bobina, distribuidor, bateria, condensador ‒ cada uma dessas palavras é o aportuguesamento ou a tradução literal do original francês.
A palavra automóvel, naturalmente, também vem de Paris. A curiosidade é que, no início, era um adjetivo. A expressão original é «veículo automóvel», que designa o veículo que se move por si mesmo, como uma geladeira autodescongelante ou um profissional autodidata. Nos primeiros anos, a palavra importada foi utilizada como adjetivo. Na França, ainda hoje, um carro pode ser chamado indiferentemente de automobile ou de véhicule automobile.
No Brasil, essa flutuação vigorou durante uns poucos anos. Rapidamente, na certa por ser expressão muito comprida, o antigo vehiculo automovel saiu de cena e abriu passo para o substantivo automóvel. Bênção e praga dos tempos modernos.
Quotistas expulsos
José Horta Manzano
Racismo é uma coisa, ódio racial é outra. Racismo é sentimento difuso, difícil de definir. Pode assumir formas diferentes: vai da indiferença à discriminação insolente. Ódio racial é racismo elevado ao grau supremo. Quando as circunstâncias o permitem, o ódio explode em violência.
Racismo é inerente a todas as sociedades. Basta coabitarem dois grupos diferentes, e pronto: estarão presentes as condições para o surgimento de mútua antipatia. É da natureza humana o reflexo de rejeitar o dessemelhante.
A receita pra aumentar as tensões entre diferentes grupos é simples. Basta privar uns de privilégios que serão concedidos a outros. É fermento infalível. Os EUA são exemplo do dano que tais decisões da autoridade pública podem causar. Naquele país, anos de explícita segregação racial fomentaram o ódio, que explodiu em distúrbios violentos. Tumultos começaram nos anos 1960 e continuam até o presente, numa espiral infernal e, aparentemente, sem fim.
No Brasil pós-abolição, a segregação entre grupos raciais não foi explícita. Não se chegou nem perto do ódio explosivo. Não se tem notícia de enfrentamentos violentos como os que se viram nos EUA, em Ruanda, no Biafra, no Sudão. Faz alguns anos, no entanto, uma política oficial veio jogar um grão de areia na engrenagem. É a política de quotas, dita ‘racialista’. A meu ver, é medida equivocada, um passo na direção errada, um sopro na brasa dormida. Conceder privilégio a um grupo ‒ seja pelo motivo que for ‒ e não o conceder aos demais é receita certeira pra atiçar antipatia. Não é bom caminho.
Estes dias, a Universidade Estadual Paulista prepara a expulsão de algumas dezenas de estudantes que, admitidos pelo sistema de quotas, não preenchiam as condições. Em claro: não eram pretos nem pardos, portanto não pertenciam ao grupo racial ao qual o privilégio era destinado. Uma Comissão Central de Averiguação(sic) foi criada especialmente para analisar esses casos. Levam em consideração a pigmentação da pele e dos olhos, o tipo de cabelo, a forma do nariz, a espessura dos lábios.
Dá arrepio na espinha. A gente se sente na Europa dos anos 1940, nos países ocupados pelos exércitos de Hitler. Naqueles tempos tenebrosos, judeus eram obrigados a levar uma Estrela de Davi bem visível, costurada à roupa à altura do peito. Quando havia dúvida sobre a judeidade de um cidadão, ele era submetido à análise de uma Comissão de Averiguação, constituída nos mesmos moldes e com a mesma finalidade dessa da Unesp.
Estamos a dois passos de conflitos raciais. A continuar assim, perigam explodir a qualquer momento. No Brasil, o melhor caminho será abandonar essa tresloucada ideia de separar indivíduos por raça. Que se melhore o ensino fundamental e médio para todos os alunos ‒ pretos, brancos ou azuis. E que cada um siga sua estrada conforme os próprios méritos. Se quiser cursar faculdade, que curse. Se não quiser, há mil ofícios à espera do candidato. Mas que não tenha de carregar, pelo resto da vida, o estigma de ter tido de recorrer ao privilégio das quotas pra entrar na escola.
Quadrinhos ‒ 262
Voto eletrônico ‒ 2
José Horta Manzano
A democracia semi-direta suíça se assenta sobre dois pilares: a representação popular e a consulta direta ao eleitor. O grande número de cidadãos impede, por razões práticas, que cada suíço seja individualmente consultado a cada decisão legislativa ou administrativa a ser tomada. Para contornar essa pedra, existe um parlamento, como nos demais países. Os eleitores elegem representantes que, agindo em seu nome, farão leis e tomarão decisões.
Além desse sistema afunilado, em que um só parlamentar carrega a voz de milhares de concidadãos, o país dispõe ainda de um azeitado sistema em que o eleitor participa diretamente, passando por cima de representantes. A cada três meses, em média, todos são convocados a votar. Há vários objetos em jogo. O votante poderá dar opinião sobre leis já votadas, projetos de lei, medidas administrativas, mudanças constitucionais ‒ tanto no âmbito federal, quanto cantonal ou municipal.
Nos tempos de antigamente, no dia designado, todos se dirigiam ao local eleitoral e depositavam o boletim na urna. Já faz tempo, há uma segunda opção: o voto por correio. Um mês antes de cada voto, os eleitores recebem em casa as informações e o material necessário. Votam e devolvem pelo correio, o que não deixa de ser prático. Mas os tempos têm mudado. A chegada da internet oferece mais uma opção: o voto eletrônico.
Muitos estão ainda reticentes à novidade. O temor está ligado à insegurança do sistema. Histórias de hackers, piratas russos e invasores chineses assustam muita gente. Por enquanto, somente 3 dos 26 cantões adotaram o novo método. As autoridades garantem que se trata de sistema confiável e inviolável. Já o eleitor fica meio assim, desconfiado, com receio de que seu voto não chegue a bom porto.
É questão de tempo. Mais alguns anos, e os temores estarão dissipados. Já no Brasil, a questão não é tão simples. Tecnicamente, o voto eletrônico podia ser instaurado. Quem consegue a proeza de organizar a urna eletrônica em todo o território nacional deve estar em condições de garantir que cada eleitor possa votar a partir do próprio telefone ou computador, em toda segurança. Só que o problema é mais complexo.
Os brasileiros se espalham num leque muito aberto de classes sociais, com abissais disparidades de nível de instrução entre elas. Essa realidade é um freio ao exercício do voto longe do olho vigilante de mesários. O voto em casa seria porta aberta para o voto vendido. Bastaria que o vendedor entregasse ao comprador o material eleitoral e a senha. O perigo é demasiado grande. Na Suíça, o voto eletrônico tende a se alastrar. No Brasil, vai demorar um bocadinho mais.