A floresta e os netinhos

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 31 agosto 2019.

Quando o Congresso de Viena se reuniu, duzentos anos atrás, o mundo era bem diferente. No Extremo Oriente, China e Japão ainda viviam sua Idade Média. A Índia, pobre e desunida, estava prestes a sucumbir à mão de ferro do Império Britânico. Na África, fora raras exceções, os povos ainda não estavam organizados; Estados, na acepção atual, não haviam se formado. Nas Américas em pleno processo de emancipação, os países independentes eram frágeis demais para atuar na cena mundial. Restava a Europa.

Reinos e impérios europeus constituíam as potências da época. Foram eles que se reuniram em congresso para redistribuir as cartas que Napoleão havia embaralhado. Naquele tempo, um encontro desse tipo fazia sentido. As decisões tomadas no clube dos donos do mundo não eram passíveis de contestação. Entravam em vigor, ponto e basta. E olhe que não eram resoluções de pouca importância: com as fronteiras europeias sendo redesenhadas, cada pedaço de terra era cobiçado. Doze eram as potências reunidas. Tivesse ocorrido hoje, o Congresso de Viena ganharia o apelido familiar de G12.

Dois séculos – e muitas guerras – se passaram. Foi-se o tempo em que um fosso separava as regiões periféricas das potências dominantes. Acabou-se a era em que só um punhado de gigantes comandava. O mundo hoje é matizado. O dégradé começa da potência maior e vai deslizando, em declive suave e contínuo, até o mais deserdado dos países. Já não vigora a divisão rigorosa entre países ricos e países pobres. Há nações de «classe média» ascendente.

Reuniões do G7, como a organizada no passado fim de semana, têm ares anacrônicos e cheiram a naftalina. Desse tipo de encontro, raramente brotam soluções para os problemas da humanidade. Numa mostra explícita de hipocrisia, o clube exclui a China, hoje segunda potência do planeta – um disparate! A Rússia, dona de importante economia e terrível potencial bélico, tampouco faz parte do convescote. Foi posta de castigo, como se isso fosse benéfico para a convivência entre nações. Não há que se diga: essas reuniões de gente fina que arremedam o venerável Congresso de Viena já não impõem. Pálidas imitações do original, só servem para gastar dinheiro público.

Se Monsieur Macron incluiu as queimadas da Amazônia brasileira na pauta de discussões, não terá sido exatamente por ser ecologista de carteirinha. De olho em 2022, ele está mesmo é preparando a reeleição. Pra chegar lá, tem de passar aos eleitores imagem de líder forte, combativo e, acima de tudo, empenhado na defesa do planeta, como manda o figurino atual. A luta pela preservação dos recursos naturais é legítima e louvável, mas a súbita profissão de fé do líder francês cheira a oportunismo.

Semana passada, doutor Bolsonaro se encrespou com o colega francês. Foi quando Macron, ao se referir à selva equatorial sul-americana, chamou-a de «nossa Amazônia». Bolsonaro inferiu que a França está interessada «em ter um dia um espaço aqui, na região amazônica». Enfurecido e sem se aconselhar, soltou a insinuação. Quanta tolice, capitão!

A França já tem «um espaço aqui». Fosse menos precipitado, doutor Bolsonaro teria evitado essa gafe. A Guiana Francesa, nossa vizinha de parede, é território francês e tem 97% da superfície coberta pela floresta amazônica. Isso dá a Macron o direito de dizer o que disse. Um exame de conhecimentos gerais deveria ser exigido dos pré-candidatos ao Planalto. Só quem passasse poderia registrar candidatura. No dia em que um filtro desse tipo for instalado, passaremos menos vergonha. A marca deste peculiar começo de século é a subida ao trono de indivíduos de poucas luzes. Eles tocam desafinado, e quem troca os pés somos nós.

Enquanto isso, senhores, a mata está queimando. Árvores e bichos vão desaparecendo. Se alguém pode tomar atitude eficiente, não será o G7. Muito menos Monsieur Macron. A salvação da lavoura repousa nas mãos firmes de nosso presidente. Cabe a ele decidir se, um dia, diremos a nossos netos: «Sabe, Pedrinho, no meu tempo, esta floresta era bem mais extensa». Ou se seremos obrigados a confessar: «Sabe, Pedrinho, no meu tempo, aqui havia uma floresta».

Erros de português

Sérgio Rodrigues (*)

O perfil do presidente da República no Twitter inventa a grafia “fácelmente”, mais original que o plural “cidadões” do encarregado do Enem. Para não ficar atrás, seus filhos criam o plural de raiz em “raises” e o ponto mais baixo possível como “fundo do posso”.

Deixemos de lado o potencial poético de “fundo do posso”, com sua insinuação de um limite último e inapelável para toda forma de poder. Por critérios escolares muito valorizados pelas multidões conservadoras que apoiam os personagens acima, todos são erros feios de português.

“Ah, e o Lula? Errava pouco?” Chegaremos lá. Primeiro vamos combinar que “erro de português” não é um tema simples. Julgamos merecedoras de enfática correção e até de escárnio grafias baseadas na fala (“fugiro”) e construções da gramática popular que ignoram a culta concordância (“os preso fugiro”), mas toleramos palavras sem sentido algum numa petição judicial.

Num país em que a desigualdade social é um aleijão, a linguística tem denunciado a carga de discriminação socioeconômica – o que, no caso do Brasil, significa dizer também racial – embutida na caça agressiva a manifestações de português “errado”.

É por isso que, para o senso comum, sociolinguistas pregam o vale-tudo, como se o erro não existisse. Errado. Eles sabem que a língua de documentos, leis, literatura e outros discursos de prestígio é de importância vital, e universalizar seu ensino, tarefa de qualquer Estado democrático. Nesse âmbito, o erro não só existe como pode custar caro.

Seja como for, apontar o dedo para a língua dos outros foi deixando de ser diversão garantida, ainda bem. (Por outro lado, a escola continua a valorizar um ensino rico em decoreba e pobre de leitura, com provas cheias de pegadinhas tolas – mas esta é outra coluna.)

Um exemplo da mudança de ares: a imprensa rolou de rir com o “imexível” do então ministro Antonio Magri. Era 1990. Poucos anos depois, as bicudas de Lula na gramática culta teriam recepção bem diferente.

Sim, a depreciação continuava lá. As lulices eram comentadas privadamente ou por alusões. Ria-se delas, mas sua tematização pública aberta, restrita a opositores mais duros, tendia a ser considerada no mínimo de mau gosto.

Na minha opinião, era. Lula fez um grande mal à educação brasileira quando a declarou perfeitamente dispensável, autonomeando-se a maior prova desse fato, mas seus desvios do português padrão – que foram escasseando com o passar do tempo – nunca me pareceram um problema.

No entanto, hoje eu vejo um claro problema cultural, quem sabe até cívico, nos fartos sinais de falta de intimidade com a língua culta espalhados pelo presidente e seu séquito. Se algo de absoluto pode ser dito dos erros de português, é que seu peso é sempre relativo.

Quanto mais chance de estudar a pessoa tiver, quanto maior for seu poder, quanto mais ela pregar a obediência à tradição, quanto mais transformar professores em bodes expiatórios e cultivar em área tão crítica marquetices politiqueiras como a “Lava-Jato da educação” – tanto mais justo será medi-la pela régua com que mede o mundo.

Do contrário, a impressão que ficaria é que o analfabetismo funcional crônico, essa praga brasileira, está tão impregnado no sistema que agora tanto faz. Seria trágico: a língua não precisa de lei para ser um símbolo nacional muito mais importante do que todos os hinos da República.

(*) Sérgio Rodrigues é escritor e jornalista.

Sanção econômica

José Horta Manzano

Antigamente, a gente dizia bloqueio ou embargo. Hoje, a expressão é mais sexy: ‘sanções econômicas internacionais’. Trocado em miúdos, dá na mesma: é chantagem que não diz seu nome. Manda quem pode; quem não pode, obedece. Quando um país não se comporta como manda o figurino, está se arriscando a sofrer sanções econômicas, que durarão enquanto o malcomportado não se emendar.

O mundo se acostumou a ver esse tipo de arma ser sacada principalmente por razões políticas. É o caso de Cuba, que está sob embargo americano há quase sessenta anos. Coreia do Norte e Irã também estão na berlinda, só que por outra razão: a comunidade internacional não quer que eles continuem fabricando as armas nucleares que eles insistem em desenvolver.

A Rússia é outra que enfrenta sanções por se ter apoderado da Crimeia. O território anexado por Moscou é uma península populada por russos, que foi tradicionalmente russa por séculos. Aquela terra só se tornou ucraniana nos anos 1950, quando o líder soviético Kruchev – um ucraniano – a entregou de mão beijada à Ucrânia.

Todos esses países cometeram algum pecado que a sociedade não está disposta a aceitar. Sanção econômica é medida vistosa, de efeito psicológico garantido, mas de pouca eficácia na resolução dos problemas. Haja vista a gerontoditadura cubana que, apesar de mais de meio século de embargo, continua de pé. O mesmo se pode dizer do Irã dos aiatolás e da Coreia do Norte. Da Rússia, então, nem se fala. Sanção costuma doer no bolso, mas não é garantia de acabar com os males que pretende combater.

Noruega: criação de salmão

Um grande fabricante de calçados, dono de marcas como Timberland e outras, anunciou a suspensão de compra de couro brasileiro. A regra permanecerá em vigor até que haja razoável certeza de que o couro utilizado não está contribuindo para o agravamento do dano ambiental ao país. É notícia da pesada! O comunicado da empresa abalou ânimos em Brasília e chegou ao Planalto. A partir daí, não está claro o que aconteceu, o que se sabe é que o anúncio de suspensão foi… suspenso. Algo do tipo ‘desculpem a nossa falha’.

Sente-se que, por detrás, pressão forte há de ter sido exercida. Daí o recuo do fabricante de calçados. Mas deixe estar que o problema continua a se alastrar. Por sua vez, o maior produtor mundial de salmão, uma firma norueguesa, fez uma ameaça. Anunciou que cogita suspender compra de soja do Brasil. Sabendo que esse produto é amplamente utilizado nas ‘fazendas’ de criação de salmão, a suspensão de compra periga fazer estrago grande. Como no caso da Timberland, o reclamo da norueguesa liga-se ao desleixo do Brasil com a preservação da natureza.

Se doutor Bolsonaro persistir em ofender, insultar e dar trombada em líderes mundiais e, ainda por cima, a se lixar para a preservação ambiental, é provável que, dentro de muito pouco tempo, o Brasil se torne um grande Irã, sancionado economicamente pelos compradores mais importantes. A perda pode ser duradoura: quando um cliente deixa de comprar nossos produtos e vai se abastecer em outra fonte, surge o risco de ele nunca mais voltar.

Se o distinto leitor tem o número de telefone de doutor Bolsonaro, seu dever patriótico é alertá-lo do perigo.

O Brasil à beira de sofrer sanções econômicas! Quem diria…

Qui se ressemble – 3

José Horta Manzano

Já tivemos pencas de ministros desonestos. Já tivemos profusão de ministros corruptos. Já houve até ministros que acabaram na cadeia. Ao final do ciclo lulopetista, achamos que já tínhamos visto tudo o que tinha pra ser visto em matéria de folclore ministerial. Assustados, nos damos ora conta de que não era bem assim. Há pior.

Quando doutor Bolsonaro anunciou que não lotearia seu ministério entre partidos e apoiadores, a imensa maioria dos brasileiros aplaudiu de pé. Agora, vai! – pensamos.

Todo o mundo acreditou no que disse o novíssimo presidente. Só que ninguém se preocupou em perguntar quem ocuparia as vagas. De onde viriam esse ministros que o presidente ia tirar do chapéu? Todos esperavam que, no lugar dos velhos políticos bichados, viria gente fina, instruída, competente e capaz. Em algum ponto, por desgraça, a receita desandou. O ministério inclui figuras maléficas.

O caso de dona Damares é mais folclórico do que perigoso. Mas dois colegas dela estão causando estrago. São o ministro da Educação e o do Meio Ambiente. Ambos são caso típico de pessoa errada no lugar errado.

Emmanuel Macron insultado via Twitter por um ministro brasileiro
Chamada do jornal Le Temps, Genebra

O ministro do Meio Ambiente age como ministro do Desflorestamento, uma contradição nociva ao país. Comporta-se como lobista dos inimigos da natureza. Um disparate.

De todos, o ministro da Educação é o mais sem educação. Insultou o presidente da França outro dia, com palavras pesadas. Fez isso gratuitamente, sem nem ter sido provocado. Agiu conforme a receita do integrante de clã fechado e agressivo: assim que o chefe abre as hostilidades, o resto da turma entra pela brecha, armas na mão. Doutor Bolsonaro endossou comentário injurioso sobre a aparência física da esposa de Monsieur Macron. Foi a conta. Numa reação de agressividade grupal, o resto da patota se sentiu livre pra xingar.

São ministros, minha gente! Estamos falando do presidente da República brasileira, senhores! Como é que pode? Será que já vimos tudo ou será que ainda vem por aí coisa pior? Isso ainda vai acabar mal. Valei-nos, São Benedito!

«Qui se ressemble s’assemble – os semelhantes se atraem».

No friends

José Horta Manzano

No original, a frase era Nations have no permanent friends or allies, they only have permanent interests – As nações não têm amigos ou aliados permanentes, têm somente interesses permanentes”. O autor é Henry John Temple (1784-1865), aristocrata e político britânico que passou à história como Lord Palmerston. A frase foi forjada numa época guerreira, em que as alianças entre nações eram de suprema importância. Por isso o termo ‘aliados’ aparece. Hoje, alianças não têm o mesmo peso.

Cem anos depois de Lord Palmerston, o general De Gaulle tomou emprestada a frase e desempoeirou: “La France n’a pas d’amis, elle n’a que des intérêts – A França não tem amigos, ela só tem interesses”. Desapareceram os aliados, mas ficou o que era importante. Aproveitando a deixa, podemos generalizar: “Países não têm amigos, só tem interesses”. Dito assim, o raciocínio serve para todos os países, Brasil incluído. Então, vamos lá: “O Brasil não têm amigos, só tem interesses”.

Algo me diz que doutor Bolsonaro não entendeu o recado. Faltou base cultural. Pior: por ter escolhido assessores que lhe são semelhantes, não conta com ninguém que lhe abra os olhos para o perigo que esse escandaloso namoro com os EUA representa. Entrega total é conceito válido pra um casal de humanos; subserviência entre nações não faz sentido.

Nosso presidente está jogando esforço fora. Ele ainda não verbalizou, mas fica a impressão de que seu sonho é transformar o Brasil num imenso Porto Rico, um Estado ‘associado’ aos EUA. Isso é puro delírio. Bolsonaro não está sendo fiel à Constituição que jurou cumprir. Está abrindo mão de importantes interesses do Estado brasileiro. Amizades passam, assim como Trump e Bolsonaro passarão. Interesses são permanentes.

A argúcia não é a qualidade maior de nosso presidente. Ele não se deu conta de que o ‘amigo’ Trump é homem duro, inflexível, ferrenho, espinhoso, implacável, de trato difícil. Não é o tipo de pessoa que se derrete com um sorriso e um tapinha nas costas. Ainda ontem, Trump tratou o dirigente-mor chinês, Xi Jinping, de “great leader – grande líder”. O chinês conduz seu país com mão de ferro. Trump respeita gente forte e despreza fracotes. Não é lambendo-lhe as botas que Bolsonaro se tornará simpático. Isso vale também para os bolsonarinhos.

Nestas últimas semanas, doutor Bolsonaro conseguiu arrumar briga com a França, a Argentina, a Noruega, a Alemanha, a Dinamarca. Os interesses do Estado brasileiro estão sendo pisoteados pra ceder lugar à paranoia presidencial. Não pode. Isso ainda vai acabar mal.

O Brasil não têm amigos, só tem interesses. Que têm de ser respeitados pelo presidente!

Bolsonaro, o insulto e a Macedônia

José Horta Manzano

Se o distinto leitor não sabe muito sobre a Macedônia do Norte, não há por que ficar encabulado: quase ninguém sabe nada. O minúsculo país, com dois milhões de habitantes e superfície menor que a do estado de Alagoas, é produto da explosão da antiga Iugoslávia. Sem saída para o mar, está encravado entre Grécia, Bulgária, Sérvia e Kosovo. Como se dizia antigamente, fica pra lá do fim do mundo.

Em média, doutor Bolsonaro costuma protagonizar um escândalo por dia. A maioria é para uso interno e não atravessa fronteiras. Alguns, no entanto, são de alcance internacional. O deste fim de semana, produzido sábado passado, é tipo exportação. Repercutiu forte na mídia europeia. Chegou até à longínqua Macedônia – uma façanha!

Reporter – Jornal online da Macedônia
Tradução da manchete: “Macron tem inveja de eu ter mulher melhor que a dele”- Bolsonaro insulta Brigitte por causa da aparência física

Aos que ainda não sabem e quiserem conhecer os detalhes sórdidos da história, aconselho consultar a mídia ou as redes. Aqui ou também aqui, por exemplo. Resumo: doutor Bolsonaro endossou um comentário, postado numa rede social, que zombava da aparência física de Madame Brigitte Macron, mulher do presidente da França. Se o pecado já é repugnante em si, é surrealista que um chefe de Estado tenha ousado cometê-lo. E é desesperador que esse chefe de Estado seja o presidente de nosso país.

Na França é, compreensivelmente, o assunto do dia. No resto da Europa, idem. Ai, senhor, que vergonha! Já tirei, faz anos, a bandeirinha verde-amarela que estava grudada no porta-malas do carro. Não são as molecagens desse presidente ignorante e malcriado que me farão içar de novo o pavilhão.

Ofensas como essa não se esquecem facilmente. Guerras já estouraram por menos que isso. Um dia, os brasileiros, mesmo não sendo diretamente culpados, acabarão pagando a conta. A não ser que se redimam destituindo o presidente. Porquoi pas? – por que não? De todo modo, o próximo não poderá ser pior. Ou?

Arroba

Dad Squarisi (*)

José Sarney lançou a moda. “Brasileiras e brasileiros”, saudava ele. As mulheres acharam a novidade simpática. O SBT aproveitou a onda. Pôs no ar a novela com o mesmo bordão. A partir daí, distinguir o gênero deixou de ser gesto de simpatia. Virou obrigação. “Meus amigos e minhas amigas”, dizia FHC. “Senhoras deputadas e senhores deputados”, cumprimentam Suas Excelências.

De obrigação, passou a obsessão. “Convidamos os presentes e as presentes para o coquetel”, dizem os mestres de cerimônia. “Os estudantes e as estudantes devem usar uniforme”, avisa a escola. “Senhor Paulo Silva e senhora Maria Silva”, substituiu nos convites a consagrada fórmula “Senhor e senhora Paulo Silva”.

Inovações correm soltas. “Car@s amig@s” escrevem enlouquecidos que decretaram o fim do gênero na língua. “Pessoas e pessoos”, escreveu o Millôr. “Povo e pova”, conclamou o Verissimo. “Humanidade e mulheridade”, ironizou um gaiato. “Seres humano e mulherano”, completou outro. “Mulher sapiens”, lançou Dilma.

Vamos combinar? Nesta alegre Pindorama, distinguir o feminino e o masculino não é questão de correção gramatical. Brasileiros, por exemplo, engloba homens e mulheres. Meus filhos, filhas e filhos. Os funcionários, funcionárias e funcionários. Gramaticalmente recebe nota 10. Mas, segundo as feministas, torna a mulher invisível. Com o feminino explícito, marca-se a igualdade dos dois gêneros. É questão de poder. Quem pode… aparece. Mas o exagero cansa. Ou não?

(*) Dad Squarisi, formada pela UnB, é escritora. Tem especialização em Linguística e mestrado em Teoria da Literatura. Edita o Blog da Dad.

Triste fim

José Horta Manzano

Este fim de semana, aqui na Europa, os incêndios da floresta amazônica aparecem em toda a mídia: jornais impressos, veículos online, noticiário do rádio e jornais da tevê. Mesas-redondas são organizadas, com políticos, climatologistas, sociólogos, demógrafos, jornalistas. Cada um tem sua opinião sobre o problema. De onde vem? Por que ocorre? A extinção do fogo interessa a alguém? São perguntas que, muitas vezes, não têm resposta.

Das discussões a que assisti, nenhuma mencionou a matança de animais. Há tanto bicho por ali, que os estudos não chegam à quantidade exata. As contas dão sempre números redondos.

Filhote de bicho-preguiça

Numa pesquisazinha rápida, fiquei sabendo que a região abriga mais de 400 espécies de mamíferos. As espécies de répteis são outro tanto. Esse é o número de espécies, não de animais!

Há onças-pintadas, micos-leão-dourados e outros macacos, bichos-preguiça, tatus, antas, sapos. Fico imaginando o triste e doído fim dessas infelizes criaturas. São milhões, zilhões.

Já que essa carnificina comove tão pouca gente, deixo aqui minha lágrima.

Policial suíço

José Horta Manzano

Você sabia?

As práticas de outros países são à vezes tão diferentes das nossas que é difícil acreditar. Vou contar um pouco sobre a profissão de agente de polícia na Suíça.

Ressalvadas pequenas diferenças entre regiões, os requisitos básicos para se candidatar são:

• ter idade entre 20 e 35 anos

• ter nacionalidade suíça ou, para um estrangeiro, ter tempo de residência suficiente que permita requerer naturalização até o fim do curso preparatório

• além de falar perfeitamente a língua local, ter conhecimento de pelo menos uma língua estrangeira

• ter completado uma formação profissional de pelo menos 3 anos depois da escola média. Pouco importa a profissão.

• não ter antecedentes criminais

• ter feito o serviço militar

• não ter tatuagem nem piercing

• estar em perfeita saúde e em excelentes condições físicas

• ser titular de carteira de motorista

Se for aceito, o candidato poderá prestar o exame de admissão. Parece que não é moleza. Há até cursinhos preparatórios para as provas. Conseguindo vencer essa etapa, o postulante seguirá um curso de um ano em período integral. Durante esse ano, dado que não poderá trabalhar, receberá pequeno salário que lhe permitirá viver em condições modestas. Essa remuneração correspondente ao grau de aspirante.

As matérias do curso preparatório são:

    • Direito penal e Código de processo penal
    • Código de processo civil
    • Defesa pessoal
    • Policiamento de proximidade
    • Psicologia
    • Ética profissional e Direitos Humanos
    • Lutas marciais, corrida a pé, natação, esportes
    • Conhecimentos gerais

Terminado o curso, o aspirante ainda tem de ser aprovado no exame final. Se passar, aí sim, se tornará policial e terá direito às regalias do cargo. O salário inicial será em torno de 6 mil francos (= 25 mil reais). De 5 em 5 anos receberá aumento por tempo de serviço. A partir do vigésimo ano, chegará ao topo da carreira e atingirá salário de 9 mil francos (= 37 mil reais). O 13° salário não é obrigatório na Suíça. Algumas empresas o adotaram; outras, não. A Polícia, generosa, paga esse benefício a seus membros.

Na Suíça, nem sonhe em oferecer «um cafezinho» a um policial para se livrar de uma multa. Não vai funcionar e você certamente vai se estrepar.

No Brasil, para combater a praga da corrupção policial, não há outro meio: o salário tem de ser pra lá de atraente. O maior receio de todo policial tem de ser o de perder o emprego. E ele tem de estar ciente de que um cafezinho ou uma cervejinha podem render expulsão sumária da corporação. E instauração de processo, se for o caso.

Com políticos, é um pouco mais complicado.

As pizza

José Horta Manzano

«Vou botar um petista na PGR?» – foi a pergunta retórica feita por um desabusado bolsonarinho, aquele que é senador. O moço é um dos integrantes do quarteto que nos governa. Os maiorais da República, como todos sabem, são doutor Bolsonaro mais os três rebentos mais velhos.

Antes de qualquer outra consideração, é de sublinhar que o senador usou o verbo na primeira pessoa. «Eu vou botar», é assim que vai a frase. Ainda que pareça irreal, dá pra sentir que não se trata de bravata. O topo do governo está loteado entre os quatro elementos mais preeminentes do clã. A nomeação do novo procurador-geral da República é atribuição pessoal do zero-um.

A fala do bolsonarinho me fez lembrar Mrs. Theresa May, aquela que, ao assumir o posto de primeira-ministra do Reino Unido, disse alto e bom som: ‘Brexit means Brexit (=Brexit quer dizer Brexit). Se o senador disse ‘eu vou botar’, é porque quis dizer ‘eu vou botar’. Não é força de expressão.

Voltando às qualidades exigidas do novo titular da PGR, o pronunciamento do senador é sintomático de uma surpreendente mudança nas relações entre brasileiros. Essa guinada não começou agora, nem é obra do atual governo. Eu a situaria no ponto em que o mensalão começou a pegar fogo, por volta de 2014 ou 2015.

De lá pra cá, novo ingrediente foi adicionado ao balaio de contradições que alimentam nossos fantasmas. Além das oposições tradicionais – pobres x ricos, pretos x brancos, nortistas x sulistas – novo antagonismo veio apimentar o tabuleiro social do Brasil. O fato de ser (ou não ser) petista passou a pesar na balança. Mais do que devia.

As famílias de antigamente eram numerosas. Tive muitos tios, tias, primos próximos, primos distantes, outros parentes e agregados. Este era janista. Aquele, adhemarista. Havia os juscelinistas. Me lembro de um tio getulista roxo, como se dizia. E assim por diante, cada um tinha suas simpatias e suas ojerizas. Por que falo nisso? Pra contar que, naqueles tempos concordes, podiam todos sentar-se em volta da mesa de almoço de domingo e, em seguida, papear no terraço diante de uma xícara de café. Não havia o menor risco de preferência política terminar em discussão, briga ou contrariedade.

Hoje em dia, é mais problemático. Juntar, em volta da mesma mesa, petistas e não petistas é arriscado. Uma ousadia dessas podia até terminar como no Samba do Bexiga, de Adoniran Barbosa, com “uma baita duma briga” e as “pizza que avoava”.

O elefante

José Horta Manzano

Faz alguns dias, saiu notícia espantosa. Mais uma de Donald Trump. Num tuíte, o imprevisível presidente se mostrou interessado em comprar a Groenlândia e disse que a Dinamarca, dona da imensa e gelada ilha, deveria concordar em vendê-la aos EUA. A Groenlândia, habitada por 60 mil pessoas, pertence realmente ao reino da Dinamarca, embora goza de grande autonomia.

Parece piada de hospício. Passado o primeiro momento de estupor diante da ousadia de Trump, o mundo riu. A mídia europeia levou tudo na brincadeira. Por seu lado, a primeira-ministra dinamarquesa declarou que a ideia do presidente americano era absurda.

A primeira-ministra da Dinamarca, o presidente americano, a Groenlândia e a fábula do elefante.

Trump não gostou do que disse a chefe de governo. Embirrou. Em represália, anulou a visita que faria a Copenhague estes próximos dias. Na Dinamarca, ficaram todos constrangidos: «Com que então, ele não estava brincando? Estava falando sério mesmo?».

Politiken, importante jornal dinamarquês, traz na manchete o comentário de políticos do país. «Esta história faz o ditado do elefante na loja de porcelana perder todo sentido.»

É verdade. Donald Trump é capaz de quebrar mais louça que um elefante.

O Senado e a bandeira

José Horta Manzano

Você sabia?

O Decreto n° 4 saiu dia 19 de novembro de 1889. Era assinado por personalidades ligadas ao regime que acabava de ser imposto ao povo brasileiro pelo golpe militar de quatro dias antes: a República. Entre outras personalidades, Deodoro da Fonseca, Quintino Bocayuva e Ruy Barbosa assinavam o documento.

O decreto determinava que se adotasse a bandeira republicana – mera adaptação da tradicional bandeira imperial – e incluía uma estampa à guisa de regulamentação da forma do pavilhão. Vigorou sem grandes modificações durante mais de 80 anos.

Em 1° de setembro de 1971, foi sancionada a Lei n° 5700, em vigor até hoje. Bem mais abrangente que as anteriores, ela define os símbolos nacionais e regulamenta, nos conformes e nos pormenores, o aspecto, a forma e o uso de cada um deles. Entre os símbolos, naturalmente, está a bandeira verde-amarela.

Os principais elementos já instituídos pelo decreto de 1889 são mantidos e explicitados. Diferentemente da impressão que se possa ter, as estrelinhas brancas não são jogadas a esmo para enfeitar o azul da abóbada celeste. Cada uma tem seu lugar preciso.

As estrelas, uma para cada unidade federativa, são mostradas na posição que ocupavam no céu do Rio de Janeiro às 8h30 da manhã de 15 de novembro de 1889 – o momento do golpe militar que derrubaria o regime e despacharia o imperador para o exílio.

No entanto, há controvérsias no campo astronômico. Alegam os peritos que há erros grosseiros na disposição dos astros. Minhas qualificações nessa matéria não me permitem emitir apreciação. É bem possível que, para obter um resultado harmonioso, os desenhistas que se dedicaram a posicionar estrelas se tenham deixado levar por uma certa dose de, digamos assim, liberdade artística. Ou licença poética, se preferirem.

O fato é que tudo é milimetrado na bandeira. Desde a proporção entre largura e comprimento até os 5 diferentes tamanhos de estrelas, cada uma conforme sua grandeza aparente. A altura das letras do lema Ordem e Progresso é regulamentada. O tamanho e a posição do losango, naturalmente, também são objeto de prescrição rigorosa.

Bandeira do Brasil - proporções Crédito: Wikipedia

Bandeira do Brasil – prescrições e proporções
Crédito: Wikipedia

A lei de 1971 é rica em detalhes. Ninguém pode alegar desconhecimento. Ninguém? Como se sabe, em nosso País há os que são obrigados a seguir a lei e os que escapam a esse constrangimento. Curiosamente, os que fazem as leis são, com frequência, os primeiros a ignorá-las ou a burlá-las.

Senado Federal do Brasil Brasília

Tribuna do Senado Federal do Brasil
Brasília

A tribuna principal do Senado Federal, empoleirada sobre um estrado, impõe respeito. Em seu revestimento de cor azul-bandeira, ângulos retos são evitados, como numa tentativa de aplainar a aspereza de certas decisões que ali são tomadas. Freud deve poder explicar.

No centro do frontispício, num belíssimo material aveludado, está desenhada, ton sur ton, a bandeira nacional. A ideia é excelente, mas a execução é desastrosa: contraria a lei, justamente no coração da Casa onde instrumentos legais são fabricados. Um contrassenso.

Observe o esquema oficial que rege nossa bandeira e compare com a foto da tribuna do Senado. Não precisa ser técnico, nem astrônomo, nem desenhista para se dar conta imediatamente de que, no Senado, o losango está descentrado – o espaço que o separa da borda direita é bem maior que o do lado esquerdo. A faixa branca no centro do globo está colocada de forma absolutamente fantasiosa. A foto não permite examinar a posição das estrelas, nem mesmo saber se estão representadas. Às vezes é melhor nem saber. À vista do desleixo maior, eu ficaria muito surpreso que as estrelinhas estivessem salpicadas conforme o figurino legal.

Tenho dificuldade em admitir que num Senado – onde senhores engravatados se tratam por Vossa Excelência, declamam discursos inflamados e costuram leis para regular a República – ninguém se tenha dado conta até hoje de que o símbolo maior afronta a lei.

O distinto leitor pode argumentar que, naquela Casa, há coisas piores. É verdade. Em matéria de afrontas, isso é café-pequeno. Mas um «malfeito» não justifica outro. Pega muito mal aquela bandeira torta num recinto que já foi excelso e que um dia pode até voltar a ser. Ou não.

Publicado originalmente em julho 2013.

Avaliando o avaliador

Ruy Castro (*)

Até outro dia, sapateiros eram sapateiros, mecânicos eram mecânicos, cientistas eram cientistas. Um mecânico não ia além da sola, um cientista não trocava rebimbocas e um sapateiro não dividia o átomo. Um advogado não se passava por médico, um químico não dava uma de padre e um jogador de futebol não escrevia “Hamlet”. E nenhum deles precisava aprender o ofício de um engenheiro eletrônico. Hoje, todo mundo precisa ser engenheiro eletrônico.

Dei-me conta disso quando ouvi falar que o Telegram de Sergio Moro e Deltan Dallagnol tinha sido invadido e pessoas estavam lendo suas mensagens. Logo imaginei um espião embuçado abrindo os telegramas entre os dois, talvez aproximando-os do vapor para derreter a cola, copiando seus conteúdos e os lambendo para colar de novo. E até me espantei de alguém ainda se comunicar por telegramas. Para minha surpresa, fui informado de que o Telegram era um “serviço de mensagens instantâneas criptografadas fim a fim no modo client-to-client ou client-to-server, baseadas na nuvem”.

Eu disse “Ah, bom!” e, vexado por minha ignorância, perguntei como acontecera. Responderam-me que uma invasão dessas se dá quando o usuário é induzido a fazer um reset de senhas e recebe um arquivo Office ou um app comprometido.

Assustado, quis saber como evitar isto e me disseram que, ao baixar um app, é preciso ativar o aplicativo dentro desta página da web após avaliar a descrição do aplicativo associado à nota de avaliação e considerar a quantidade de downloads efetivos e os comentários dados por estes usuários. Simples.

Ou seja, o cidadão comum está sendo obrigado a achar soluções para problemas que não criou, é isso? Estou fora. Nos últimos cem anos, tenho ganhado a vida lendo, fazendo perguntas e escrevendo. Se, em breve, isso não bastar, vou para a lavoura, feliz da vida.

(*) Ruy Castro (1948-) é escritor, biógrafo, jornalista e colunista. Seus artigos são publicados em numerosos veículos.

Os descendentes de Jacó

José Horta Manzano

Você sabia?

A tradição hebraica, atestada pela Gênese ― um dos livros que compõem o Antigo Testamento ― ensina que, muitos anos antes de nossa era, viveu Yakov. Neto de Abraão, filho de Isaac e de Rebeca, é patriarca bíblico.

Acreditam alguns que seu nome derive de uma palavra significando calcanhar, dado que Yakov teria nascido agarrado ao calcanhar de Esaú, seu irmão gêmeo. Afirmam outros que o termo poderia ter o sentido de suplantar, numa alusão ao prato de lentilhas que Yakov deu ao irmão para conquistar os direitos que correspondem à condição de primogênito.

Embora a gente não se dê conta à primeira vista, está aí um dos nomes mais comuns no planeta. Sua propagação foi impressionante. Teve início com a conquista dos territórios do Oriente Médio pelos romanos. Os invasores, sabe-se lá por que razão, apreciaram o nome e logo trataram de latinizá-lo. O original Yakov assumiu a forma Jacobus. Mais raramente, aparecem também alguns Jacomus.

Passaram-se alguns séculos. A expansão do cristianismo por toda a Europa, aliada ao fato de numerosos Jacobus terem sido santificados, fez que o nome se alastrasse pelo continente. O passar do tempo se encarregou de adaptá-lo ao vernáculo de cada região.

Em algumas línguas, o antigo Yakov mantém-se ainda bem próximo da forma original. Em outras, contudo, sofreu importantes transformações gráficas e fonéticas que o tornaram quase irreconhecível.

Assim, encontramos hoje, em praticamente todas as línguas europeias, filhotes de Jacó. Dou-lhes abaixo uma lista. Ela está longe de ser exaustiva. Apreciem a diversidade de descendentes do Jacó bíblico.

Bible
Inglês:
Jacob, Jakob, Jake, Jack, Jackie, Jock, Cobb, Cobby, Jeb, James, Jim, Jay, Jimmie, Jamie

Alemão:
Jakob, Jakobus, Jeckel, Jockel, Jocki, Jakel, Kobi, Köbes

Francês:
Jacques, Jacob, Jacquot

Espanhol:
Jacobo, Jaime, Diago, Diego, Iago, Santiago
(Santiago é contração do nome do santo. Sant’Iago = Santiago)

Catalão:
Jaume

Sueco, dinamarquês e norueguês:
Jakob, Jacob

Italiano:
Giacobbe, Giacobbo, Giacomo

Húngaro:
Jakab, Jákób, Jákó, Jakus

Occitano:
Jacme, Jaume

Polonês:
Jakub, Kuba, Kubuś

Armênio:
Hagop

Russo:
Яков (= Yakov)

Grego:
Ιάκοβος (= Iákovos)

Estoniano:
Jaagup, Jaak

Tcheco:
Jakub, Jakoubek, Kuba, Kubík, Kubas, Kubis

Letão:
Jekabs

Finlandês:
Jaakob

Árabe:
Yakub

Galego:
Xacobe, Xaime, Iago

Lituano:
Jokubas

Georgiano:
Iakobi

Turco:
Yakup

Ucraniano:
Яків (= Yakiv)

Albanês:
Japku, Jakup, Jakub

Napolitano:
Giacumino, Jacuviello, Jacuvo, Cuviello

Milanês:
Giàcum, Giàcumin

Piemontês:
Giàcom, Giàco, Giacolino

Curdo:
Ya’qub, Aqo

Bretão:
Jagu, Jagut, Jak, Jakez, Jakou, Iagu, Jalm

E NÓS?
Se o distinto leitor acredita que, em nossa terra, há pouca gente com esse nome, está enganado. Temos Jacó e Iago, que, é verdade, são pouco usados. Em compensação, estes últimos anos, apareceram muitos Diogos, Diegos e Tiagos. Aqui vai a explicação.

Aportuguesado, o Jacobus romano transformou-se em Jacó ou Iago, nomes muito comuns na Idade Média. O Jacomus romano deu Jaime.

Entre santos e beatos, a Igreja conta com mais de 30 Jacós. O mais importante deles é contemporâneo de Jesus. Em sua honra, uma catedral foi erigida na Espanha, numa cidade que leva o nome de Santiago (de Compostela). Hoje, como na Idade Média, muita gente vem de longe em peregrinação à catedral de lá. Santiago é a contração de Santo + Iago (= São Jacó).

Pra resumir, nossa língua guarda lembrança variada do Iakov bíblico. Temos: Jacó, Jaime, Diogo, Diego, Iago, Santiago e Tiago.

Conheço dois irmãos, um chamado Tiago e o outro, Diego. Ambos fazem parte da grande família dos tataranetos de Jacó. Carregam variantes do mesmo nome.

Publicado originalmente em 16 mar 2013.

República ou republiqueta?

José Horta Manzano

De 24 a 30 de setembro, terão lugar os trabalhos da Assembleia Geral da ONU, encontro que marca o início dos trabalhos do período 2019-2020. Como manda uma regra não escrita – mas respeitada todos os anos –, o Brasil tem a honra e o privilégio de ser o primeiro na lista de oradores.

Visto que todo país pode se inscrever, a lista de discursantes é longa, com dezenas e dezenas de chefes de Estado, chefes de governo, chefes de delegação. Doutor Bolsonaro vai ser o primeirão. Vai encontrar uma plateia cujos ouvidos ainda guardam o frescor de quem saiu da cama pouco tempo antes. É uma oportunidade e tanto.

Ser o primeiro orador é oportunidade única. Imperdível, como diria o outro. Ele vai falar antes de Trump, antes de Macron, antes de Putin, antes de Xi Jinping. Como é fácil imaginar, o primeiro discurso é ouvido com mais atenção do que o décimo sétimo ou o trigésimo terceiro.

O momento é solene. Neste anos recentes, o discurso do presidente do Brasil tem saído pasteurizado, sem grande relevo, sem força. Ninguém se lembra do que disse Michel Temer, nem do teor das palavras da doutora. Quanto ao Lula, então, sua fala ficou prisioneira da espessa bruma do passado.

Que dirá doutor Bolsonaro? Esperamos todos que ele já chegue com discurso pronto, escrito no papel, com letra bem grande. É a melhor maneira de prevenir que nos envergonhe proferindo torrente de bobagens. Imaginem o que seria se ele soltasse uma daquelas falas proibidas pra menores, daquelas que terminam invariavelmente com um ‘talquei’?

Dizem que ele anda preocupado com a sabatina que o bolsonarinho deve enfrentar no Senado antes de assumir a embaixada de Washington. Receia que o filho leve bomba no exame. (Essa era a expressão que se usava, nos tempos de antigamente, pra dizer que alguém foi reprovado.) Não quer que os dirigentes presentes à assembleia o enxerguem como incapaz de obter maioria no Senado. Considera que seria uma vergonha.

No meu entender, doutor Bolsonaro está equivocado. Nas democracias, descompasso entre o Executivo e o Legislativo é coisa corriqueira. Essas rusgas só são dramáticas em regimes autoritários. Se o parlamento chinês, por exemplo, desautorizasse Xi Jinping, seria o fim do mundo. No nosso tipo de regime, não tem grande importância. O próprio Trump encontra resistência, a toda hora, na Casa de Representantes.

Muito mais grave que desentendimento entre poderes é a própria nomeação do filho. Toda a imprensa mundial terá dado a notícia. O presidente do Brasil subirá ao púlpito no papel caricato daquele personagem de republiqueta de banana que distribui, entre parentes, cargos importantes e bem remunerados.

Não adianta. Se, no momento do discurso, a nomeação do filho já tiver sido confirmada pelo Senado, doutor Bolsonaro não será enxergado como presidente de uma República decente, mas como chefe de clã. Será visto com bigode e chapelão tipo sombrero. Ainda que apareça com a cara habitual.