Presidenta

José Horta Manzano

Desde sempre, a humanidade tem sido constituída por distintos segmentos. O mais das vezes, é possível distinguir, à primeira vista, a que bloco cada cidadão pertence. Na Europa medieval, nobres, monges e plebeus se distinguiam facilmente pela vestimenta. Não havia como se enganar, bastava um olhar rápido.

No Brasil do século XIX, uma distinção visível ‒ sem ser a única ‒ entre escravo e homem livre estava nos pés: escravo não tinha direito de andar calçado. Passasse alguém de sapato, ficava a certeza: escravo não era.

by Alberto Correia de Alpino F°, desenhista capixaba

by Alberto Correia de Alpino F°, desenhista capixaba

Estes últimos cinco anos, repetidas manifestações de rua ajudaram a fazer a distinção entre os simpatizantes do governo central e os demais. É simples: enquanto os primeiros costumam se paramentar de vermelho, os outros vão de verde-amarelo. Mas nem todos os dias tem desfile. Como é que fica o resto do tempo?

A presidente, ora afastada, encarregou-se de acrescentar regra fundamental ao jogo: desde que assumiu o cargo, exigiu ser chamada de «presidenta». Gramaticalmente, não está errado. Mas, convenhamos, vai contra o espírito da língua. Cabeçuda, a interessada bateu pé. Queria porque queria. Foi a conta. Palacianos e áulicos se adaptaram rapidinho aos desejos de madame. O resto do país ignorou o capricho.

A partir daí, ficou fácil distinguir entre adeptos e adversários da ‘gerentona’. Admiradores, aliados e cúmplices sempre se referiam a ela como «presidenta». Os demais preferiram a forma tradicional «presidente». A Empresa Brasil de Comunicação, também conhecida como tevê do Lula ‒ aquela que as más línguas chamam de tevê traço ‒ aderiu à novidade desde o primeiro dia. Seguiu determinação imposta pelo andar de cima. O resto da mídia ignorou a novidade.

Assim, por cinco anos, deixou de ser necessário perguntar se alguém nutria simpatia pelo governo. Bastava prestar atenção: pronunciar «presidenta» valia carimbo na testa.

EBC 1Mas tudo tem fim. Rei morto, rei posto. Já faz alguns dias que a mui oficial “tevê do Lula” aboliu oficialmente a bizarra expressão. Por extensão, a Agência Brasil segue o mesmo passo. Custou, mas, por fim, toda a mídia nacional se pôs de acordo. A palavra “presidente” reintegrou-se na língua falada no Brasil.

No entanto, tudo tem seu lado menos sorridente: o termo deixou de ser sinal distintivo de adeptos da líder caída. Tem nada, não. Jã não eram muitos.

Ponte dos espiões

José Horta Manzano

Ponte 2Pense num filme de espionagem, daqueles que se passam na época da Guerra Fria. Numa manhã fria e brumosa, um espião americano, desmascarado em Moscou, ensaia os primeiros passos da travessia duma ponte sobre rio fronteiriço entre as duas Alemanhas. No mesmo momento, um espião soviético, capturado meses antes em Washington, faz o mesmo gesto em sentido contrário.

Avançam lentamente. Os caminhos se cruzam bem no meio da ponte. Sem se olhar nos olhos, cada qual continua reto até a margem oposta. «Pronto, elas por elas. Estamos quites» – suspiram aliviados os policiais e agentes que, armados até os dentes, tinham permanecido de cada lado da fronteira. Tudo correu bem. É o capítulo final de uma longa tratativa que se desenrolou nos bastidores, longe de toda publicidade.

Se o distinto leitor imagina que cenas como essa fazem parte de um passado poeirento e enterrado para sempre, convido-o a reconsiderar a questão. A imprensa italiana em peso afirma hoje que, sem a dramaticidade cinematográfica da travessia da ponte, nova troca de prisioneiros acaba de ocorrer.

Aeronave que transportou Pizzolato de SP a Brasília 23 out° 2015

Aeronave que transportou Pizzolato de SP a Brasília
23 out° 2015

A verdadeira história da extradição do mensaleiro Pizzolato, que acaba de chegar a Brasília para uma temporada na Papuda, é menos charmosa e bem menos jurídica do que se possa imaginar. Nosso mensaleiro interpreta o papel de um dos prisioneiros que atravessam a ponte. E quem é o outro?

Segundo a imprensa italiana, que deve ter seus fundamentos para afirmá-lo, a outra moeda da negociação chama-se Pasquale Scotti. É antigo membro da camorra (máfia napolitana), condenado à prisão perpétua por mais de 20 homicídios. Gente fina, como se vê. O bom moço estava no Brasil havia mais de 30 anos. Sob identidade falsa, vivia no Recife.

Ponte 1Foi capturado pela Polícia Federal em maio. Informada pela Interpol, a Itália logo pediu extradição do cidadão. O que se segue não foi publicado, mas pode ser imaginado. Autoridades italianas e brasileiras concluíram acordo na base do «eu te mando este, você me devolve aquele».

De fato, o STF autorizou a extradição de signor Scotti no dia 20 de outubro. Dois dias depois, a Itália entregou signor Pizzolato a agentes da PF brasileira. Baita coincidência, né não? Parece que a imprensa italiana sabe do que está falando.

Os detalhes da troca de prisioneiros estão na Agência Brasil (em português) e no jornal turinês La Repubblica (em italiano).

Buscando a receita

José Horta Manzano

Há males que vêm pra bem é expressão conhecida e usada com frequência. Em contraposição, também há casos em que coisas boas acabam atrapalhando a vida e infernizando a existência.

Company logo 6No caso de males que, no final, se revelam úteis, há exemplos aos montes. Guerras, se trazem destruição, desgraça e morte, contribuem para o progresso. Os grandes conflitos do século XX são responsáveis pela invenção ou pelo desenvolvimento de técnicas de grande utilidade. Falo da radiologia, da traumatologia de reconstituição, do avião a jato, dos antibióticos e de numerosos outros «subprodutos».

Bens, quando chegam de repente e sem que o beneficiado tenha tido de fazer grande esforço, podem causar transtorno. É o caso daqueles que tiraram a sorte grande nalguma loteria, enricaram, e… acabaram se perdendo. Escritos bíblicos já contavam a história do filho pródigo, aquele que dissipou num piscar de olhos a fortuna recebida de mão beijada.

Company logo 2No Brasil, desde que a gente é criança, nos convencem de que o País é rico, que tem enorme riqueza mineral, a maior floresta do mundo, clima excelente, povo cordial, diversidade biológica fantástica, petróleo, litoral extenso, vizinhos amigos, paz social, habitantes talentosos, as mais lindas praias, terras ainda não desbravadas, subsolo riquíssimo, água à vontade, território livre de terremotos e tsunamis. Em três palavras: um paraíso terrestre.

Company logo 4Nosso País é um dos raros capazes de exibir certificado de nascimento. Falo da carta que Pero Vaz de Caminha escreveu a Dom Manuel dando notícia do achamento de novas terras. Quando o escrivão previu: «a terra é de tal maneira tão maravilhosa que em se plantando dar-se-á nela tudo», estava, sem se dar conta, vaticinando o futuro da nação.

O chato é que as gerações que se seguiram passaram por cima da condição (em se plantando) e se aferraram direto à conclusão (dar-se-á nela tudo). Faz 500 anos que a característica nacional é permanecer, mão estendida, à espera do fruto que a terra bendita nos vai fazer cair na palma da mão.

Company logo 3As benesses inerentes à terra brasileira atrapalham mais que ajudam, acreditem. Nações menos aquinhoadas nos dão a prova. Senão, vejamos.

Estes dias, dona Dilma está viajando pela Europa do Norte: a Suécia primeiro, a Finlândia depois. São nações com escassas riquezas minerais, clima rude, pouca diversidade biológica, agricultura quase impossível, nem uma gota de petróleo, praias frias e infrequentáveis, vizinhos nem sempre cordiais – a Finlândia é colada à Rússia, da qual, aliás, já foi província.

Company logo 1No entanto… são países ricos. Em 2013, a Suécia registrou 58 mil dólares de PIB por habitante, enquanto a Finlândia chegou a 49 mil dólares. Para efeito de comparação, o Brasil não passou de 11 mil dólares. E como é possível que territórios pouco habitados e abandonados pela natureza possam enriquecer dessa maneira?

Company logo 5Dona Dilma há de ter escrito um lembrete na caderneta pra não esquecer de perguntar isso a eles. Aos figurões suecos, ela vai indagar como é possível um país de natureza pobre, com menos de 10 milhões de habitantes, ter 220 empresas(!) implantadas em solo brasileiro, que dão emprego a 50 mil conterrâneos. Na pequena Finlândia, ela perguntará como fez um país de pouco mais de 5 milhões de almas, onde mal e mal se cultiva um pé de repolho, para estabelecer 50 empresas(!) em solo tupiniquim.

Quem sabe ela não trará a receita pra nos tirar do buraco? Há que ser otimista, camaradas!

Comprimento e largura

Carlos Brickmann (*)

Biblioteca 2História sem fim
Os casos vão longe. Numa reportagem de Turismo, fala-se num hotel-biblioteca para hóspedes que apreciam leitura. Esses hóspedes – e leitores – são submetidos logo na entrada da matéria a uma legenda, “Amantes de livros nunca vai para a cama sozinhos”. Sozinha, no singular, abandonada, só mesmo a concordância.

Mas continua: informa que no hotel há um ‘lounge’ chamado “Refúgio do Escritor”, que “à noite serve drinques com nomes ligados à literatura”.

Notável: o ‘lounge’ , que em português significa algo como sala de estar, é tão inteligente e prestativo que até serve drinques. Que maravilha!

E o leitor que aprecia livros, que gosta de leitura, que é que achará desse texto?

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Vício de origem
Lembra daquele documento que vazou da Secom, Secretaria de Comunicação do Governo Federal, e derrubou o ministro Thomas Traumann? No documento, defendia-se a interferência partidária no noticiário da Agência Brasil. Pois é. Em 3 de abril, às 11h46, matéria publicada pela Agência Brasil sob o título “Primeiro-ministro de Israel diz que Irã tem como único objetivo a bomba atômica”, era assinada pela Agência Lula.

Errinho bobo, nada além disso. O correto seria “Agência Lusa”. Mas imagine-se o que andava pela cabeça do redator para cometer esse errinho bobo.

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Estudante 2Estudar é preciso
O grande Percival de Souza, já na época um dos maiores repórteres policiais do país, chegou à conclusão de que não poderia aperfeiçoar suas matérias sem aperfeiçoar-se em Direito. Entrou na faculdade e se formou. Em suas matérias, o juiz não “pede”, determina. Mandado é mandado, e mandato é mandato. A polícia prende, mas cumprindo ordens do juiz, que é quem expede o mandado. Incomum: ainda outro dia, um jornal de tevê de uma grande rede informava que a Polícia Federal estava “expedindo mandados de prisão”. Nesse turbilhão de operações, o que sai de informação incorreta é uma festa.

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Retalhos
● De um grande portal noticioso, ligado a grande grupo jornalístico:
“40% das policiais mulheres do país já sofreram assédio”
Se a frase fala das policiais, não fica claro que são mulheres?

Avião 7● De um importante portal noticioso, sobre chegada ao Brasil de novo modelo de jato de passageiros:
“O aparelho tem 64 metros de largura por 67 de comprimento”.
Ou seja, é praticamente quadrado. O primeiro avião do mundo com formato de caixote. (1)

● De importante coluna informativa de um grande jornal impresso:
“A ‘operação padrão’ dos agentes fiscais de rendas do Estado de São Paulo (…) provocou queda de 14% no número de autos de infração e de multas no primeiro trimestre. Foram 3.367 autuações por dívidas com impostos, ante 2.891 no mesmo período do ano passado”.
Este colunista é do tempo em que 3.367 era número maior que 2.891.

 

Rir 5Frases
● Da internauta Ludmila Rodrigues:
Acredito que a preguiça pode ser uma coisa boa. Se não fosse ela, eu estaria lá na cozinha quebrando a dieta.

● Do jornalista Sandro Vaia, sobre a rala manifestação da CUT em São Paulo no dia 7 de abril:
Hoje na Paulista, um transeunte distraído perguntou: o que é isso, jogo da Lusa?

● Do jornalista Luiz Weis, citando texto do ensaísta Charles Simic publicado em 1993 na revista americana The New Republic:
A atitude da mídia diante da complexidade dos assuntos é a mesma da Inglaterra vitoriana diante da sexualidade: uma coisa da qual as pessoas precisam ser protegidas.

● Do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, sobre as dificuldades do governo para aprovar o ajuste fiscal:
Responsabilidade fiscal é igual a sapato branco. Só é bonito no pé dos outros

Tres patetas 1● Do jornalista Palmério Dória:
Pepe Vargas está credenciado a compor um quadro como o quarto dos Três Patetas.

● Do jornalista Cláudio Humberto
O projeto nem foi aprovado, mas Dilma fez questão de ser a primeira a aderir à nova proposta de terceirização. Terceirizou a economia para o ministro Joaquim Levy e a política para o vice, Michel Temer.

(*) Carlos Brickmann é jornalista, consultor de comunicação. Publica a Coluna Carlos Brickmann em numerosos jornais. O texto aqui reproduzido é fragmento da coluna.

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(1) Nota deste blogueiro
O jornalista citado por Brickmann atirou no que viu e acertou no que não viu. A distância que vai da ponta da asa de um avião à ponta da asa oposta não se diz «largura», mas envergadura. O mesmo vale para pássaros, que, por sinal, também têm asas.

A função da imprensa

José Horta Manzano

Sintonizei a CBN para acompanhar o café da manhã deste sábado. Depois de ouvir as notícias da Europa, costumo me inteirar das novidades brasileiras. Com esses aparelhos de rádio atuais, conectados à internet, tudo ficou bem mais fácil.

Jornal mural ― anos 70

Jornal mural ― anos 70

Quando já é manhã por aqui, no Brasil são as que antigamente se chamavam «altas horas», não sei se os jovens ainda entendem. É quando o ponteiro das horas aponta lá pra cima. Os franceses costumam dizer «les petites heures » ― as pequenas horas ―, o que dá no mesmo. É hora boa pra ouvir notícia. Não se fala em tráfego, perdão!, em «trânsito».

Distraído, ouço de repente uma voz de mulher braba afirmar, em tom peremptório, que «investigar não é função da imprensa». Depois de um instante de estupefação, me dou conta de que é a presidente da República quem profere essa enormidade. E ela continua o discurso afirmando que cabe à imprensa apenas relatar o que já foi investigado por quem de direito.

Incomodada pela divulgação de um ‘malfeito’ atrás do outro, é compreensível que uma enfurecida Dilma Rousseff, incapaz (por enquanto) de calar a imprensa, lance suas flechas contra ela. Tem ela sorte de presidir um país cujo povo, calejado por tantos escândalos, já não dá mais atenção a miudezas.

Tivesse ela dito esse tipo de monstruosidade em terra civilizada, receberia de volta saraivada pesada vinda de uma nação indignada. Nossa presidente venturosa preside um povo ingênuo, amestrado a engolir mentiras com facilidade.

Jornal mural ― anos 70

Jornal mural ― anos 70

Relatar fatos é função de agências noticiosas. As grandes do mundo se chamam Reuters, France Presse, Associated Press, Ansa. Até o Brasil tem uma, chamada, com propriedade, Agência Brasil. Imprensa é outra coisa. Se sua função fosse unicamente relatar fatos, um jornal seria suficiente. Mas o mundo não funciona exatamente como dona Dilma gostaria.

Não se saberá jamais se a frase infeliz da presidente foi realmente de sua lavra ou se lhe terá sido soprada por alguma eminência parda. É até capaz de a enormidade ter sido bolada por suas eminências. Elas andam tão assustadas com a perspectiva real de derrota daqui a 15 dias que acionaram a metralhadora giratória. Fazem fogueira com qualquer madeira.

Pois a função da imprensa é justamente analisar, opinar, investigar, supor, debater. Para relatar fatos, bastavam os da dzi bao, jornais murais que o regime afixava na Praça da Paz Celeste, em Pequim, nos tempos de Mao Tzê Tung.

Jornal

Jornal

A fala de dona Dilma está em contradição flagrante com a boa acolhida que seu governo tem dado a Mister Greenwald. Falo daquele jornalista americano, residente no Rio de Janeiro, que deu eco planetário a informações sigilosas surrupiadas de agências de segurança americanas. Ele não se limitou a relatar fatos, mas foi parte ativa na investigação que acabou por descobri-los.

Não se pode aprovar Chico e repudiar Francisco, como está fazendo nossa presidente mandona. Isso dito, ela não precisa se desesperar. A pouca importância que, desde sempre, o poder público tem dado ao desenvolvimento cultural dos brasileiros faz que a estupefação se extinga com o último gole do café da manhã.

Eu espio, tu espias, ele espia

José Horta Manzano

De certas coisas, mais vale não falar. Não se pode dizer tudo o que se pensa. Não se pode fazer tudo o que se quer. Não se pode ficar sabendo de tudo o que se passa. O mundo é assim, sempre foi, e assim há de continuar. Cada macaco no seu galho.

Todos os suíços sabem que suas montanhas lembram queijo Emmenthal. São todas cheias de furos, de túneis, de cavernas, de depósitos de munição, de bunkers, de sofisticados sistemas de ventilação, de importante estoque de víveres, de geradores de energia, de postos de comando dotados de sofisticada eletrônica. Parece que até baterias antiaéreas, tanques de guerra e aviões estão armazenados em galerias escavadas. Esses refúgios, que existem há séculos, estão previstos para abrigar, em caso de guerra, o governo e as personalidades que conduzem o país.

Antena Crédito: Riccardo Umato

Antena
Crédito: Riccardo Umato

Devem servir também como reserva de alimentos para a população em caso de bloqueio do país. Todos sabem da existência dessas instalações, mas muito poucos estão a par dos detalhes. Uma meia dúzia de oficiais de alta patente, ninguém mais. Não faria sentido anunciar aos quatro ventos a localização, o conteúdo e a função de cada esconderijo. Não ajudaria ninguém e, pior, daria preciosas informações a eventuais adversários.

Por definição, o que é secreto não deveria ser comunicado ao distinto público, muito menos publicado em jornal. É o caso das atividades ligadas aos serviços de inteligência. Nesse campo, toda discrição é pouca. Se assim não for, não faz sentido. Um serviço secreto aberto à curiosidade pública não tem razão de ser.

Essa CPI da espionagem, a meu ver, não deveria nem ser cogitada, que é vespeiro peçonhento. Furiosa da vida quando se soube espionada, dona Dilma reagiu como criança mimada: melindrou-se e acabou dando mais uma prova de sua inexperiência. Armou um fuzuê, desperdiçou a deferência especial de ser a primeira a discursar na abertura anual dos trabalhos da ONU, esperneou, procurou juntar aliados, perturbou relações bilaterais entre o Brasil e os Estados Unidos. Tudo isso para um resultado nulo.

Estes últimos dias, chegou a vez de nossa despreparada presidente engolir sapinhos. O anúncio de que nossos serviços de inteligência também espionam invalida todo o esperneio destas últimas semanas. Ou dona Dilma sabia de tudo ― nesse caso, tem simplesmente mentido e feito jogo de cena. Ou dona Dilma não sabia de nada ― nesse caso atesta sua inaptidão para exercer as funções que lhe foram confiadas.

Jornais ― e até a própria chapa-branquíssima Agência Brasil ― informaram estes dias que países estrangeiros dispõem de centenas de antenas de comunicação instaladas em território brasileiro. Quatro países estão mencionados: EUA, França, Chile e… Romênia. Só esta última conta com 20 antenas próprias plantadas legalmente em território brasileiro! Datam da época soviética?

Eu confesso que não sabia disso. Mas tenho uma desculpa: não sou presidente da República. O ocupante do cargo maior dispõe de assessores, informantes, secretários, assistentes, ministros, comissários, enfim, gente paga para mostrar-lhe o caminho das pedras. Ou a equipe de dona Dilma é constituída de incapazes, ou a presidente não lhes dá ouvidos. Tenho tendência a dar mais crédito à primeira hipótese.

Antena

Antena

Falou-se de antenas instaladas por quatro países. E os outros? Rússia, Reino Unido, China, Alemanha, Japão, Venezuela, Argentina como fazem para se informar? Escutam A Voz do Brasil ou o Jornal Nacional?

Faltou ainda mais um capítulo. O Brasil também há de ter antenas plantadas em território alheio, pois não? Quantas são? Onde estão? Para que servem?

Se os responsáveis não acharam útil informar nem a presidência da República ― que parece cair das nuvens com a descoberta ―, não é a nós, meros mortais, que grandes revelações serão feitas.

E está muito bem assim. Serviços secretos não têm vocação para trabalhar abertamente, muito menos para conceder entrevistas coletivas. Deixemos que cumpram sua missão tranquilamente.

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Informações repercutidas por:
Agência Brasil
Estadão
Blog Link, alojado no Estadão

Cara de pau

José Horta Manzano

Segundo informações da Agência Brasil, repercutidas pelo DCI e pelo Estadão, a Câmara Federal outorgou ao Lula a Medalha da Suprema Distinção, concedida a quem presta relevantes serviços públicos à sociedade brasileira (sic). O Correio Braziliense apimenta a notícia ao nos dar conta da agressão cometida por um segurança contra um repórter. Um efeito colateral certamente indesejável, mas real.Interligne 23

A motivação dessa homenagem que suas excelências prestaram ao preclaro mandachuva me faz lembrar o relato que ouvi, tempos atrás, de um conhecido. Ele vivia, não fazia muito tempo, com uma companheira chinesa. Ela já tinha chegado à Europa na idade adulta. Embora fosse inteligente e de boa educação, as minúcias do dia a dia ocidental não lhe eram totalmente familiares.

Meu amigo, profissional liberal, explicou um belo dia à namorada que tencionava dar um aumento de mérito a algumas de suas assistentes para o ano seguinte. A chinesa olhou sem entender e perguntou o significado da expressão. Ele explicou que era um aumento de salário que patrões costumam conceder a funcionários que se tenham mostrado esforçados.

Espanto visível no rosto da chinesa. «É mesmo? Que coisa estranha!». E continuou: «No meu país, todo empregado tem obrigação de se esforçar. Não é matéria sobre a qual se discuta. Falar em aumento de mérito, na China, não faz sentido. Quem não fizer por merecer perde o emprego».Interligne 23

O senhor Lula da Silva foi presidente do País durante 8 anos. De alguém que ocupou o cargo maior da República, espera-se que tenha prestado bons serviços públicos à sociedade ― faz parte de suas atribuições. Portanto, a outorga da medalha não faz sentido. Ou se concede essa distinção a todos os que tiverem ocupado o posto, ou não se concede a nenhum.

Homenagem ao Lula vista por Alberto Alpino, cartunista capixaba

Homenagem ao Lula
vista por Alberto Alpino, cartunista capixaba

Quando o presidente não presta, a lei permite aos cidadãos apeá-lo do cargo e mandá-lo de volta pra casa. Esse direito, naturalmente, terá de ser exercido através dos parlamentares, os representantes do povo. A destituição (ou impedimento) de um presidente é mais conhecida no Brasil por seu nome em tupiniquim genuíno: impeachment. Se, ao final do mandato, o presidente não tiver sido destituído, é sinal de que prestou bons serviços. É natural, foi eleito justamente para isso.

Em seu discurso aos parlamentares, Luiz Inácio ousou uma daquelas suas afirmações vazias que causam impacto no auditório: preconizou uma reforma política para o País. Ou ele está zombando da memória de todos nós ou algum tipo precoce de demência já anda consumindo os neurônios que lhe restam. O Lula foi presidente omnipotente durante oito longos anos durante os quais o Senado, a Câmara e a camarilha vinham comer na sua mão. Excetuando-se tempos ditatoriais (Estado Novo e ditadura militar), foi certamente o presidente que maior poder deteve. Se não promoveu uma reforma política enquanto estava no pedestal foi porque não quis. Soa muito hipócrita vir a público ― justamente agora que os ventos estão mudando de quadrante ― conclamar outros a fazerem aquilo que ele mesmo, por oportunismo ou pusilanimidade, não fez.

Não parou por aí o autoincensamento do medalhão. Recordou manifestações da década de 70, como se delas tivesse participado. Não é o que a História registrou. Seu nome não começa a surgir senão no entardecer da ditadura, quase nos anos 80. E não como locomotiva de alguma ideia política, mas como líder sindical e agitador de massas. Se um partido se formou em volta dele foi porque ideólogos e alguns oportunistas se aglomeraram em roda do homem que lhes pareceu representar um bom canal de vulgarização de suas elucubrações para as camadas populares. Sem a matéria prima e o apoio daqueles intelectuais de primeira hora, nosso messias ainda estaria discursando em porta de fábrica.

Para coroar, o figurão enfatizou a Assembleia Constituinte, da qual foi deputado de apagada atuação. A menção à Constituição de 1988 tem o intuito evidente de fazer que as novas gerações imaginem que ele tomou parte ativa em sua elaboração. Curiosamente, ele «esqueceu» de dizer que seu partido reprovou a Lei Maior e votou contra ela. Que não venha agora tentar colher louros que não plantou.

Stop novelas, please!

José Horta Manzano

Tevê: não me identifico

Tevê: não me identifico

Percorrendo as manchetes dos jornais brasileiros online deste sábado, levei um susto. O Correio Braziliense informa que mais de 2/3 dos brasileiros não se identificam com a programação de tevê. Ué, como é possível? Dizem que nove em cada dez telespectadores seguem fanática e religiosamente as novelas. Parece até que um antigo presidente da República não costumava perder nenhum capítulo. A coisa me pareceu fora de esquadro.

O Correio dava como fonte a Agência Brasil. Fui conferir. De fato, o despacho original tinha sido transcrito ipsis litteris, com todas as vírgulas, os esses e os erres. A agência cita a Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, como autora da pesquisa. Dado que essa fundação não faz parte dos institutos de sondagem de opinião pública tradicionais ― Ibope, Ipsos, Datafolha ― continuei a puxar o fio da meada.

Cheguei ao site da fundação. Curiosamente, não aparece ali menção à pesquisa cujo resultado a própria instituição acaba de publicar e difundir.

Não precisa ser doutor em psicologia para entender que, dependendo das perguntas e de como forem formuladas, pode-se induzir o entrevistado a dizer aquilo que queremos ouvir.

Tevê: não aguento mais!

Tevê: não aguento mais!

Tem mais. Para que se possa avaliar a seriedade de uma sondagem, é necessário saber qual foi o universo abrangido pela pesquisa, quais foram as perguntas, quantos indivíduos foram entrevistados e como foram escolhidos. Nada disso aparece neste 17 de agosto no site da fundação. Repito que os resultados da consulta foram publicados ontem, dia 16.

Tudo muito estranho. Esses números, lançados assim ao vento, vão na contramão do bom-senso. É descabido afirmar que, numa terra onde a esmagadora maioria não perde um capítulo de novela, 2/3 dos telespectadores «não se identificam» com a programação. Desconfiado, quis saber um pouco mais sobre a Fundação Perseu Abramo.

No site, não consegui encontrar os estatutos ― talvez não lhes interesse expô-los, assim, ao primeiro bisbilhoteiro. Mas o histórico se encarrega de nos esclarecer. Está lá, com todas as letras:

Interligne vertical 7«A natureza da Fundação, como instituição de direito privado, instituída pelo Partido dos Trabalhadores mas com autonomia jurídica e administrativa, com sede em São Paulo, mas de âmbito nacional, “tendo como fins a pesquisa, a elaboração doutrinária e a contribuição para a educação política dos filiados do Partido dos Trabalhadores e do povo trabalhador brasileiro”.»

Pronto, agora ficou claro e explicado. A «pesquisa», apresentada como verdade lapidar, emana de uma fundação cuja finalidade explícita é a educação doutrinária dos filiados de um partido politico. Se realmente pesquisa houve, fico eu a imaginar quem terão sido os entrevistados e como terão sido formuladas as perguntas. Digo bem: se pesquisa foi levada a cabo.

Quando o resultado de uma consulta diverge a tal ponto da realidade perceptível, fica difícil acreditar. Até a velhinha de Taubaté, se viva fosse, ficaria desconfiada.

Por detrás dessa ― digamos francamente ― desajeitada jogada de marketing, está uma das ideias fixas dos que nos conduzem há pouco mais de dez anos: cercear a liberdade de expressão e fazer que a mídia difunda unicamente o que a eles interessa. Além de irritante, essa insistência padece de dois defeitos maiores: é ilógica e perigosa.

Televisor com imagem adequada

Tevê:  imagem adequada

Ilógica? Pois, sim. Ressalte-se que tanto Collor quanto Sarney (aquele brasileiro que não pode ser tratado como pessoa comum, lembram?) são, ao mesmo tempo, sustentáculos do atual governo e concessionários de um império midiático.

A família Collor de Mello é proprietária da TV Gazeta de Alagoas, afiliada à Rede Globo. É dona também de jornal, de estações de rádio, de sites internet e… de um instituto de pesquisa. A família Sarney possui a TV Mirante do Maranhão, afiliada à Rede Globo. Um jornal e outras emissoras completam o império.

Perigosa? Pois, sim. Os atuais mandachuvas federais certamente imaginam eternizar-se no poder. Controlando a mídia, o círculo estará fechado. O poder segura a mídia e a mídia segura o poder. Uma espécie de bolivarianismo tupiniquim. Mas… e se um milagre de São Benedito fizer que a atual maioria seja mandada para o vestiário? Os novos ocupantes das altas esferas terão à sua disposição uma mídia servil. O feitiço pode virar contra o feiticeiro.

Se eu tivesse de dar um conselho à fundação que se transmutou em instituto de pesquisa de opinião, lembraria a eles que é melhor não brincar com fogo. Criança que brinca com fogo faz pipi na cama. E pode até se queimar.

Interligne 18h

De última hora
Acaba de me ocorrer uma interrogação. Quantos, dos supostos entrevistados, conheciam o significado de «identificar-se» com algo ou com alguém? Não são muitos os brasileiros familiarizados com essa palavra. Na maior parte dos casos, desde que pesquisa tenha realmente havido, o entrevistador deve ter sido obrigado a traduzir a frase para um vernáculo mais elementar. Quais terão sido os termos empregados? Seria interessante ficar sabendo. Em resumo: quais terão sido as verdadeiras perguntas? Um doce a quem descobrir.