Pária

José Horta Manzano

Nosso peculiar chanceler declarou outro dia que se orgulha de ver o Brasil na posição de pária entre os países do planeta. Invejoso, Bolsonaro sentiu o golpe. “Como assim? Pária ele? Mais pária sou eu, pô!” – babou.

E não é que nosso presidente está mostrando ser realmente campeão imbatível entre os dirigentes marginalizados?

Bolsonaro está conseguindo a façanha de ser duplamente pária. Não somente está excluído do círculo dos governantes de países civilizados, mas está se tornando pária até entre dirigentes extremistas e negacionistas.

Trump, que era páreo duro para nosso pária nacional, já se foi. Pode até voltar um dia, mas, atualmente, é carta fora do baralho. Pelo mundo, sobraram poucos “colegas” de Bolsonaro. Um deles acaba de se render ao bom senso. E assinou a capitulação diante de câmeras e holofotes.

Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, ao ser vacinado.

Trata-se de Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria. Um ano atrás, quando apareceu a pandemia, ensaiou seguir os passos negacionistas de Trump e Bolsonaro. Hoje, com os hospitais lotados e o povo impaciente clamando por uma solução, mudou de ideia.

Com gente morrendo às pencas, tornou-se entusiasta da vacinação. Não só aprovou, como fez questão de ser vacinado em público. E não o fez com as vacinas homologadas pela Agência Europeia do Medicamento (equivalente a nossa Anvisa). Escolheu a vacina da Sinopharm, um laboratório chinês(!).

O gesto tem dois objetivos. Por um lado, tranquiliza a população da Hungria; por outro, faz gesto de independência e de desafio à Europa, que ainda não homologou essa vacina. Uma no cravo, outra na ferradura.

E assim vai a vida. Preocupado em afastar os rebentos da cadeia e em garantir uma reeleição que lhe permita postergar os inevitáveis processos que virão, Bolsonaro continua a mostrar desdém pelo povo que o elegeu. Mostra-se mais impiedoso que seus pares de outros países. No patamar em que está, faz companhia a Maduro (Venezuela) e Kim Jong-un (Coreia do Norte), dois dirigentes conhecidos pelos maus-tratos que infligem à população.

Advertimento

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 27 fevereiro 2021.

Certos indivíduos têm o dom de expor, com lucidez, os males de sua época a ponto de incomodar os poderosos. Foi o caso do barão de Montesquieu (1689-1755), pensador francês cuja obra O Espírito das Leis, tratado sociológico precursor da própria sociologia, incomodou tanto que, apenas publicado, foi despachado para o Index – o catálogo dos livros proibidos.

Numa época em que regimes absolutistas eram a regra ao redor do planeta, Montesquieu ousou expor sua visão dos princípios básicos do despotismo. Segundo ele, o regime republicano precisa da virtude, enquanto a monarquia requer a honra. Já o governo despótico exige o medo, dispensando a virtude, por desnecessária, e a honra, por ser perigosa.

Nos anos 1930, dois séculos depois dessa análise premonitória, metade das nações europeias estariam dominadas por regimes autoritários. Duas delas padeciam sob despotismo pesado: a Itália e a Alemanha. O fascismo italiano e o nazismo alemão, embora distintos entre si, compartiam pontos comuns a todo governo despótico. A beligerância permanente; a busca da desigualdade entre os cidadãos; a crença na inutilidade da paz; a procura de um Estado forte apoiado em ampla base popular conquistada por bem ou por mal; o repúdio ao sufrágio universal, atitude vendida como prevenção contra a fraude eleitoral; a exigência de obediência absoluta; a convicção de que compete ao Estado controlar e dominar a vida da população – eis alguns dos pontos comuns a ambas as doutrinas.

Dois anos de bolsonarismo já fazem despontar entre nós o espectro do mesmo mal que afligiu a Itália e a Alemanha nos tempos sombrios. A beligerância permanente vai-se firmando como marca do governo atual, desde o primeiro dia, caracterizada por conduta inabalavelmente hostil: parceiros estrangeiros são tratados como inimigos e adversários internos são curto-circuitados. A fixação de Bolsonaro com fraude eleitoral já veio à tona em diversas ocasiões, numa indicação de que eleições incomodam o presidente, que optaria por bani-las. Corte de quotas, redução de programas de assistência e, principalmente, o quase-regozijo com o apuro e o sofrimento de um povo imerso no drama da atual pandemia mostram que a população é vista, não como coletividade a proteger, mas como quantidade estatística em que a individualidade não conta.

Charles Chaplin em O Ditador, filme de 1940

A anuência presidencial à bizarrice de certas categorias de cidadãos receberem vacina antes dos demais, ainda quando o patrocinador seja empresa privada, é sinal inequívoco de crença nas virtudes da desigualdade entre cidadãos. Vale o adágio: aos amigos do rei, tudo; o resto é o resto. Para coroar, há um detalhe assaz inquietante. Em mais de uma ocasião, Bolsonaro deixou claro que, dependesse dele, o regime político brasileiro seria outro. É impossível ser mais explícito.

Falta pouco para sabermos quais minorias serão alvo da fúria de nossos trogloditas tupiniquins. Pretos e pardos? Judeus? Pobres? Mulheres? Estrangeiros? Velhos? Não héteros? Num país miscigenado, em que o fichamento repousa na autodeclaração, é difícil invocar razões étnicas. Judeus? Não estamos na Europa; o brasileiro comum nem faz ideia do significado desse termo. Os «inimigos da nação» ainda estão por ser designados mas, no passo em que vão as coisas, logo o serão. Baixinhos, gordos, enfermos, jesuítas, sindicalistas, maçons, ‘comunistas’, umbandistas, feministas, escritores, artistas, espíritas, pacifistas – nenhum grupo está a salvo. Alvos têm de ser encontrados, que isso faz parte do jogo. Afinal, as hostes milicianas têm de ser alimentadas. E feras alimentam-se de sangue.

Se um artigo deste teor tivesse sido publicado na Itália pré-fascista ou na Alemanha pré-nazista, teria sido visto como teoria delirante e, por inútil, teria sido ignorado. Continuariam todos agindo como os valsistas do Titanic, que se recusaram a ver o drama que se armava e preferiram rodopiar até não haver mais jeito. No Brasil deste começo de século, o processo está avançando, apoiado na cupidez dos que imaginam levar vantagem, na complacência dos ingênuos que se estimam favoritos do rei, no fanatismo crédulo dos que não se dão conta de que serão os primeiros descartados, na indiferença dos demais. Ainda dá tempo, mas o ponto de não-retorno está ali na esquina.

Lockdown

José Horta Manzano

Chamada do Correio Braziliense, 26 fev° 2021.

Lockdown 1
Pelo que se pode observar, a imprensa brasileira já dispensa aspas em torno do termo lockdown. Nem em itálico ele vem escrito. É claro sinal de que o recém-chegado foi adotado e já faz parte da família. É gente de casa. Pode ganhar tapinha nas costas e ser chamado por você.

Lockdown é expressão inglesa. Como primeira acepção, pertence à linguagem carcerária. Prisioneiros mal-comportados perigam ser condenados a passar um tempo de castigo, em cela solitária, trancados a chave. É exatamente a situação que traduzimos por confinamento.

Portanto, o lockdown inglês tem perfeita tradução em nossa língua. Mas o som estrangeiro tem um charme irresistível, que fazer? O primeiro usou, o resto copiou.

Lockdown 2
No entanto, para dar nome à proibição de circular durante a noite e a madrugada, a palavra mais adequada não é nem a importada lockdown, nem a nacional confinamento. Quando a ordem é para ficar trancado durante apenas algumas horas, a melhor expressão será: toque de recolher.

Na origem, o toque de recolher era reservado para uso militar. Só se estendia à população em caso de guerra, revolução ou estado de sítio. Mostrando que a pandemia é verdadeiro período de guerra, a expressão foi desempoeirada e trazida à luz do dia. Está em todas as bocas. Cada língua tem seu modo de definir o mesmo dispositivo. Eis alguns exemplos:

Francês: couvre-feu
Ao pé da letra = cobre-fogo. Faz alusão à prática medieval de apagar o braseiro e cobri-lo com cinzas logo antes de ir pr’a cama. Todos os lares faziam isso à mesma hora, chamada ‘hora de cobrir fogo’. A intenção era evitar incêndios.

Inglês: curfew
É a mesmíssima expressão francesa adaptada à fonética inglesa.

Italiano: coprifuoco
Ao pé da letra: cobre-fogo. A expressão segue o modelo francês.

Espanhol: toque de queda
Ao pé da letra: toque do fico (do verbo ficar), o que é bastante explícito.

Alemão: Ausgangssperre
Em alemão, a ordem é cristalina: proibição de saída.

Sueco: utegångsförbud
Como em alemão, a ordem não se discute: proibição de saída.

Russo: комендантский час
Na língua russa, usa-se a saborosa expressão ‘hora do comandante’. Não conheço a origem, mas as duas palavrinhas dão margem a muitas interpretações.

Garoto-propaganda da fábrica de mentiras

José Horta Manzano

Num momento em que a imprensa livre é intimidada, insultada e agredida pelo presidente, dia sim, outro também, é um alívio saber que ainda há gente disposta a botar a boca no trombone e expor ao mundo o que ocorre no Brasil.

Em todo o planeta, a voz mais forte na defesa da liberdade de imprensa falada e escrita é Repórteres sem Fronteiras, ONG fundada em 1985 e baseada em Paris. É uma sociedade sem fins lucrativos composta de 120 colaboradores, com filiais em uma dezena de países, entre os quais o Brasil.

Sua ação é menos espetaculosa que a da Greenpeace, porém mais eficaz a longo prazo. Ações teatrais podem garantir o espetáculo na hora, mas nem sempre geram efeito duradouro. Mais vale ir pianinho (como dizem os gaúchos), pois mingau se come pelas bordas (como dizem os mineiros).

No ano passado, quando as más intenções do clã presidencial brasileiro ficaram claras, a Repórteres sem Fronteiras (RSF para os íntimos) cunhou nova expressão: o Sistema Bolsonaro. A denominação engloba o presidente, seus filhos e todos os que integram a máquina de distorcer a verdade e de fabricar mentiras, instalada no Planalto. A expressão é um achado.

No exterior, já faz algum tempo que Bolsonaro está classificado no mesmo balaio que Lukachenko (Belarus) e Maduro (Venezuela), um clube de dirigentes autoritários, mais interessados em favorecer a si e à própria família do que em melhorar a vida dos governados.

Para denunciar os maus-tratos que o presidente tem infligido aos brasileiros, a RSF lançou nova campanha de informação. A intenção é chamar a atenção para as mentiras espalhadas pelo Sistema Bolsonaro. A imagem-símbolo é uma montagem em que o doutor aparece atrás de um cartaz com os dizeres «A verdade nua», além do número de mortos e de casos positivos da covid.

Ignorantes como são, não acredito que os integrantes do Sistema Bolsonaro tomem conhecimento da campanha. Mas o mundo vai ficar sabendo. E, às vezes, por via indireta, o bumerangue acaba voltando.

Para ver o texto da campanha, clique na língua correspondente:

Em português

Em francês

Em inglês

Em espanhol

Spam oficial

José Horta Manzano

Costumo receber entre 30 e 50 spams por dia. Nunca abri nenhum deles. Assim que aparece um novo, verifico (sem abrir) quem é o remetente; em seguida, incluo o endereço na lista de indesejáveis. A partir daí, todo email vindo desse remetente não aparecerá mais em minha caixa de recepção – vai direto para a lata de lixo.

Sem ser especialista no assunto, imagino que certas firmas ganham dinheiro vendendo listas de emails a empresas interessadas em espalhar mensagens não solicitadas. Não estou inscrito em nenhuma rede social. Como esse povo consegue incluir, nas listas, nome de gente que não aparece em rede social, não saberia dizer. Muito provavelmente, utilizam algum software que rastreia todos os blogues, copia endereços email e prepara as listas.

Nunca dei muita importância ao fato, visto que tenho a solução pra não ser importunado. Hoje chegou um spam enviado por remetente novo. Achei curioso o endereço mdh.gov.br, que faz pensar numa repartição do governo brasileiro. Fui verificar.

Pois imagine o distinto leitor que realmente é uma repartição. E não é de terceiro escalão. Trata-se do mui oficial Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Sim, precisamente o ministério da impagável dona Damares!

Damares Alves by Kleber Sales

Nem bem comecei a escrever este texto e – opa! – já pintou novo spam do mesmo ministério. Talvez seja uma prática corriqueira por parte de ministérios do atual governo, mas pra mim é novidade. Achei surpreendente que ministérios da Presidência se disponham a comprar listas pirateadas na internet. Tempos modernos.

Logo na home page do ministério, quase colada à foto de dona Damares, está a notícia principal. Narra que foram anuladas 25% das anistias concedidas a ex-cabos da FAB, o que representa economia de 86 milhões de reais por ano para os cofres públicos. Em seguida, um longo texto começa mencionando uma lei de 1964 e continua por páginas. Não estando interessado, não prestei atenção.

Mas lembrei da fortuna que doutor Bolsonaro gastou – dos mesmos cofres públicos – para subornar as excelências do Senado e da Câmara a fim de votarem como ele desejava. Segundo a imprensa, foram 3 bilhões (bi). Se essa extravagância (feita pra salvar da cadeia presidente & filhos) tiver de ser financiada com o dinheiro economizado na aposentadoria dos cabos, vai levar 35 anos pra ressarcimento total. Vão ter de anular muita anistia.

Naming rights

José Horta Manzano

A Companhia do Metrô de São Paulo tem intenção de propor um suculento espaço publicitário a patrocinadores comerciais. Em clara afronta aos princípios da Lei Cidade Limpa, pretende oferecer a partilha do nome de estações. Com isso, as estações ‘concedidas’ terão seu nome complementado com uma marca comercial.

Chamam a isso ‘naming rights’ – expressão que, devido ao nome inglês, parece ser prática internacional corrente. Não é. Este escriba já viajou muito e jamais viu coisa parecida. Imagine o escândalo de modificar o nome de uma estação como Picadilly (Londres) para Picadilly-MacDonald’s. Ou, em Paris, transformar Étoile em Étoile-Adidas.

Como justificativa para a bizarra iniciativa, o Metrô paulistano, blasé, explica que isso já se faz em Bombaim (Índia), em Dubai (Emirados Árabes Unidos), em Kuala Lumpur (Malásia) e em Nova York. Não acredito que uma esquisitice seja menos esquisita só por ter sido posta em prática na Índia ou na Mongólia do Norte.

Isso me faz lembrar aquele político que, apanhado com a mão na cumbuca, retruca: «Ué, mas se todos fazem!». Ora, o crime não é menos criminoso só porque muitos o praticam.

Os paulistanos que se preparem. Se a luminosa ideia for levada a cabo, a Estação Santana poderá virar Santana-Coca-Cola. Haverá ainda, quem sabe, Alto do Ipiranga-Alibaba, Tatuapé-Facebook ou Paulista-Consolação-Google. Vai ficar chique que só, reconheça.

Pra mim, isso soa como atentado ao patrimônio coletivo. Transporte urbano é serviço público. Antes de ser público, é serviço – fato que não parece ter ocorrido às mentes privilegiadas dos que tiveram essa ideia.

Já é bastante complicado apanhar metrô, com escadas que não têm fim, ajuntamento de gente transpirada e apressada, calor e barulho. Não é boa ideia aglutinar o nome das estações ao de marcas comerciais. Complica o panorama. Há outras maneiras de obter patrocínio comercial sem desfigurar o nome de bens públicos. Que os luminares ponham a cachola pra trabalhar e descubram.

Para ler o artigo publicado pelo Estadão, clique aqui.

Propostas afins

Eduardo Affonso (*)

Amigues,

Vocês já se divertiram à beça com a proposta estapafúrdia de se implantar uma linguagem neutra que, trocando um “O” por um “E”, acabaria com todes es problemes de machisme, misoginie, homofobie, transfobie etcétere.

Mas a ideia, em si, não é ruim. O que estraga é ser pouco abrangente e se limitar à questão de gênero. Há várias outras formas de opressão linguística – e a maior delas é… a opressão linguística.

Eu aproveitaria que todos os livros terão que ser reescritos e mandaria ver numa linguagem realmente inclusiva. Muita gente não entende, por exemplo, a diferença entre “mau” e “mal”. E deve se sentir muito mau contando a história do lobo mal para os filhos, sem saber quando está usando um adjetivo ou um advérbio.

Solução: uniformizamos a grafia, e daqui pra frente será “mao”. Tanto fará ser bom ou mao, andar bem ou mao acompanhado. Isso no singular, porque no plural continuará havendo males que vêm para o bem, e os bons acabarão pagando pelos maus.

De uma penada só, lá se vão 25% dos erros de português.

“Mas” e “mais” são outra desgraça que pode estar com os dias contados se adotarmos a grafia única “maes”.

O corretor ortográfico vai criar caso nos primeiros dias, maes nunca maes teremos dúvidas se é para usar a conjunção adversativa ou o advérbio de intensidade.

Outros 25% de erros eliminados.

“Menos” ou “menas”? Menes.

“Meio” ou “meia”? Meie, seja adjetivo, advérbio, numeral ou substantivo.

“Há” ou “a”? Ah!, seja artigo, verbo, preposição ou interjeição – e ah crase vai fazer companhia ao trema, ah fita para máquina de escrever e ao estado civil de “desquitada” no limbo das coisas que perderam ah razão de existir ah muito tempo.

Ah menes que você seja uma pessoa meie lenta, já terá percebido que ah inúmeras vantagens nessas alterações – ah maior delas sendo outros 25% de correções a menes ah fazer nas provas do Enem, nas matérias dos jornais, nos tuítes de ministros da Educação.

Finalmente, a pergunta que não quer calar: por que o português tem que ser tão complicado? Deve haver um porquê. Talvez porque um monte de filólogos mortos tenha decidido assim – mas por quê?

Não importa. Na reforma contra o preconceito linguístico tudo vai virar “pq”.

Pq? Pq sim. Não tem que ter pq.

E lá se vão os 25% de erros restantes.

Por isso, pensem duas vezes antes de criticar seus amigues progressistes e as fórmulas mirabolantes que eles inventaram para resolver os problemas do mundo com uma canetada. Eles podem ser çem noção mas não estão çem por cento errados. (O “ç” também é uma mão na roda, né não?)

(*) Eduardo Affonso é arquiteto, colunista do jornal O Globo e blogueiro.

As milhões

José Horta Manzano

Do latim, herdamos coisas boas, sem sombra de dúvida. Mas junto vieram uns espinhos. Os gêneros gramaticais, por exemplo. Pra que atribuir gênero às coisas? Só Júpiter sabe.  Por que uma porta é feminina enquanto um portal é masculino? São sutilezas que só fazem atrapalhar. Ah, que inveja do inglês, que conseguiu desatar esse nó há séculos. Mas os gêneros gramaticais fazem parte de nossa língua e somos obrigados a lidar com eles.

A desastrosa inação do governo federal gerou uma situação de angústia em que a vacinação ocupa o lugar central. Assisti ao Jornal Nacional, coisa que não fazia havia décadas. Por acaso, descobri que as edições antigas ficam disponíveis no YouTube. Na deste sábado, notícias relativas à vacinação preenchem metade do tempo; a outra metade é dedicada às trapalhadas do presidente e a notícias variadas. Imagino que, pouco mais pouco menos, sejam essas as proporções todos os dias.

Não só o jornal da tevê fala de vacina. O assunto está em todas as bocas e a mídia acompanha. Já vi várias vezes algum escriba se exprimir assim: “as 30 milhões de doses foram prometidas”; e também assim: “são dadas como certas 42 milhões de doses”.

Há que distinguir entre fala coloquial e artigo de jornal. Na fala de todos os dias, é permitido omitir um plural aqui e ali, tomar um atalho e esquecer o verbo, estropiar algum gênero gramatical. Ninguém vai olhar feio. Já na escrita séria, são caminhos a evitar. Um escorregão pode, às vezes, comprometer a seriedade de todo um artigo.

Por sua natureza substantiva, o numeral milhão é percebido como masculino. Ninguém dirá “uma milhão”, não é? Pois a regra que vale para “um milhão” vale para qualquer outra quantidade expressa em milhões. Ao fim e ao cabo, milhão será sempre percebido e tratado como se ao gênero masculino pertencesse.

Admito que soa esquisito escrever que os 30 milhões de doses foram prometidas”, mas assim são as coisas; se milhão pede o artigo no masculino, não há jeito de escapar. Reestruturar o trecho é uma solução. Para deixar a frase menos bizarra, o jeito é reescrevê-la. Pode-se reformular, por exemplo, assim: “as doses prometidas, que deverão ser da ordem de 30 milhões”. Pronto, o recado foi dado sem agressão à concordância.

Coragem, gente! Um pouco de criatividade não faz mal a ninguém.

Cara de pau

José Horta Manzano

O distinto leitor há de se lembrar daquele obscuro senador flagrado em outubro passado com cédulas de dinheiro encafuadas na cueca e enfiadas naquele lugar onde, em princípio, se costuma inserir supositório. Um senador da República (como é mesmo o nome dele?) devidamente eleito para representar seu estado!

Ressalte-se que, à época, foi revelada a suspeita de ser ele chefe de um bando criminoso, autor de ‘desvio’ (=roubo) de recursos públicos da Secretaria da Saúde de Roraima. Da Saúde! De Roraima!

Na época em que foi pilhado com o dinheiro no traseiro, foi subitamente acometido do decoro que lhe havia faltado ao preparar as notas para o transporte: pediu afastamento das funções de senador. A velhinha de Taubaté até acreditou que ele não voltasse mais. Qual o quê! Só tinha se escondido por algum tempo pra esperar baixar a poeira. O homem está de volta pra enriquecer o Senado da República com sua nobre presença.

Notas devidamente preparadas para transporte

No Brasil, o caradurismo está se tornando atitude corriqueira. Dá pra desconfiar que não é de hoje que isso acontece, visto que nossa língua tem um balaio de termos que, de perto ou de longe, se aproximam da expressão cara de pau. Vai aqui uma listinha (não exaustiva) com mais de 40 palavras. Pra facilitar a conferência, pus em ordem alfabética.

arrogante
atirado
atrevidaço
atrevido
audacioso
audaz
cafajeste
caradura
cara-lisa
cara-seca
cínico
debochado
desabrido
desabusado
desaforado
desavergonhado
desbriado (=sem brios)
descarado
desembaraçado
desfaçado (=dado à desfaçatez)
deslavado
despejado
despudorado
destravado
desvergonhado
devasso
escandaloso
folgado
imoral
impertinente
impudente (=sem pudor)
impudico (=sem pudor)
indecente
indecoroso
insolente
irreverente
ousado
petulante
procaz (importação direta do latim)
protervo (importação direta do latim)
safado
sem-vergonha
sórdido
sujo

As excelências e o quadrilhão

José Horta Manzano

Tantas são as barbaridades protagonizadas pelas excelências da República, que a vista do cidadão comum não consegue alcançar todas. De fato, algumas passam ao largo dos holofotes. E nem sempre são coisa pouca.

O escândalo provocado por um energúmeno – falo do deputado que insultou e ameaçou o STF – está servindo de cortina de fumaça para encobrir coisas muito feias.

Doutor Dias Toffoli, aquele mesmo que já foi doutor Toninho do PT e hoje se pavoneia togado no STF, interrompeu a sessão onde se decidia a sequência a ser dada ao processo contra o dito «Quadrilhão do MDB». Doutor Fachin, o relator, já havia dado seu voto favorável ao recebimento da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República.

Eis senão quando, doutor Toffoli ‘pediu destaque’, um eufemismo jurídico que significa interromper o voto sine die (=sem prazo). Agora, se ele decidir manter seu ‘destaque’ até o dia de São Nunca, pode fazê-lo em plena legalidade. Trata-se de flagrante anomalia de nosso sistema jurídico, por meio da qual um solitário indivíduo tem o poder de sustar e mandar para as calendas um processo crucial para a nação. Mas assim são as coisas.

O interessante vem agora. Os integrantes do tal ‘Quadrilhão do MDB’ que são acusados no processo são seis senadores ou ex-senadores: Renan Calheiros, Jader Barbalho, Edison Lobão, Romero Jucá e Valdir Raupp; José Sarney fazia parte do bando, mas já escapou do julgamento. Completa o quadrilhão um ex-presidente da Transpetro.

Estes sete indivíduos são acusados de roubar, sob forma de propinas recebidas, nada menos que 864 milhões de reais. A ladroagem se estendeu por 8 anos de rapina contínua, de 2004 a 2012. Não precisa nem fazer cálculo muito requintado pra perceber que, em valores atualizados, dá por volta de 2 bilhões. Dois bi!

São nada mais que 7 quadrilheiros, o que representa perto de 300 milhões por cabeça. Ao fim e ao cabo, é dinheiro saído do bolso do distinto leitor. Enquanto isso, dezenas de milhões de conterrâneos continuam em estado de angústia alimentar, abandonados pelo poder público, sem saber sequer se vão ter o que comer hoje. Só pode imaginar isso quem já passou por essa situação, o que não é o caso de suas excelências. Nem se, por golpe de má sorte, acabarem presos um dia, enfrentarão esse problema: na cadeia, se come; de quentinha, mas se come.

Com o magote de 2 bilhões, os nobres representantes do populacho estão blindados: têm reservas suficientes para pagar os melhores advogados e subornar, se for o caso, muitas autoridades por aí. Atenção, doutor Toninho! Não estou aqui a afirmar que tenha acontecido; conjecturo, no abstrato, que até poderia ter ocorrido ou que possa vir a ocorrer.

Sabe quanta vacina poderia ser comprada com esse valor? Ou quanto oxigênio? Ou quanta cloroquina – fica ao gosto do freguês.

Observação
Segundo doutor Bolsonaro, a Operação Lava a Jato foi encerrada porque, desde que ele assumiu a Presidência, a corrupção desapareceu. Não precisava nem dizer, mas é bom que ele tenha dito. Brasileiros, durmam tranquilos!

O palavreado do deputado

José Horta Manzano

Parece que o nobre deputado que insultou os ministros do STF não é novato na matéria. De tão cabeluda, a notícia me deixou um tanto incrédulo. Será que não estão exagerando? – pensei. Não podia acreditar que um deputado tivesse tido a ousadia de soltar essa enxurrada de palavrões ao vivo e em cores, e ainda publicar nas redes. Pra conferir, fui dar uma espiada no vídeo.

Jesus, Maria, Josef! – como se exclamam os vienenses. Era pior do que eu imaginava. De onde está saindo essa gente? E quem é que vota num sujeito desse naipe? A resposta me parece simples: são eleitores que sentem afinidade com ele. Será que todos os parlamentares se exprimem assim?

Esse rapaz é exemplo flagrante de pessoa errada no lugar errado. Ele é membro do parlamento, palavra que deriva do latim medieval parabolare e carrega o sentido de conversar, discutir, argumentar. Nosso nobre deputado não foi feito para a função que exerce. Além do palavreado de várzea, seu discurso injurioso transpira intolerância. Não é homem aberto ao diálogo. Exige que sua vontade prevaleça sobre a dos demais.

Faz muito tempo que não vou ao Brasil. Da última vez em que passei por aí, ainda no século 20, não tive a impressão de que o povo se exprimisse com palavreado tão descomposto. Será que o brasileiro do século 21 proseia assim? A julgar pela assombrosa reunião ministerial de 22 de abril do ano passado, aquela que ficou famosa pelo inacreditável vídeo tornado público, o modo de expressão passa obrigatoriamente pela linguagem chula.

A mim, choca. Venho de um tempo em que éramos ensinados a fazer distinção entre diferentes contextos. Na frente de senhoras não se falava da mesma maneira que à mesa de um bar; com uma criança pequena não se usavam as mesmas palavras que se usariam com um adulto; ninguém se dirigia ao diretor da firma do mesmo modo como conversava com um colega. As situações eram compartimentadas. Parece que éramos mais flexíveis, habituados a amoldar nossa fala ao ambiente em que estivéssemos.

Fico com a impressão de que o brasileiro está perdendo essa agilidade mental. Eu gostaria de acreditar que o nobre deputado é caso isolado de um infeliz que não recebeu educação. Quando vejo, no entanto, que o mesmo comportamento se espalha desde o presidente da República até o mais obscuro assessor, tenho minhas dúvidas: acho que o caso dele não é tão isolado assim.

A rigidez não é boa arma pra alimentar o processo civilizatório. Indivíduos monoglotas, de pensamento único, de visão obtusa e, agora constato, de linguajar angustiantemente rasteiro compõem um povo monolítico, incapaz de entender o mundo e de se abrir a ele. É realmente uma pena.

No sentido da corrente

José Horta Manzano

Estas últimas décadas, nossa civilização tende fortemente a eliminar a papelada e dar preferência ao imaterial. Pouco a pouco, sem que a gente se dê necessariamente conta, registros físicos vão cedendo lugar a arquivos invisíveis.

A assinatura eletrônica, que era vista como objeto exótico até pouco tempo atrás, está tomando o lugar da antiga «firma de próprio punho» e começa a ser admitida até em documentos cartoriais – um espanto! Não há que duvidar: caminhamos rapidamente para um universo de documentos desmaterializados.

No Brasil dos anos 1990, falava-se mais em hiperinflação do que em desmaterialização de documentos. Naquele regime de preços turbilhonantes, em que cada um corria pra comprar sua latinha de leite condensado pelo valor mais em conta, a adoção da urna eletrônica foi medida ousada. E grandiosa. Reduziu o tempo de apuração de duas ou três semanas a algumas horas. Só quem conheceu as eleições antigas consegue avaliar o avanço que isso representa.

É pensando na introdução da urna eletrônica que a gente se lembra, com saudade, de um tempo em que, apesar da ciranda infernal dos preços, o país andava pr’a frente. Hoje vivemos tempos de pororoca, época em que o rio reflui. Inertes e impotentes, assistimos à retornança do fluxo civilizatório; vivemos num mundo em que tudo parece andar p’ra trás.

Está em andamento no parlamento francês um projeto de introdução da urna eletrônica para as presidenciais de 2022. A intenção não é tanto agilizar a apuração, que já se desenrola com grande rapidez. Num país onde o voto é facultativo, a intenção é diminuir a abstenção. A ideia é usar a urna eletrônica para permitir voto antecipado. Em determinados municípios, uma urna estaria à disposição do eleitor já uma semana antes do dia do voto. O sistema se assemelha ao que foi adotado nos EUA nestas últimas eleições.

Este blogueiro é favorável ao voto frequente, descomplicado e facultativo – verdadeiro fortificante para a democracia. Dois anos entre cada eleição é muita coisa. Os eleitores tinham de ser convocados a se exprimir todos os anos. Voto antecipado também me parece excelente ideia, pois permite maior flexibilidade de horário ao votante.

Por mais que Bolsonaro esperneie, não voltaremos ao voto em cédula de papel. Se há risco de fraude com a urna eletrônica, o remédio não é voltar à cédula, mas reforçar os controles sobre o método atual. Há que lembrar que o sistema antigo também permitia fraudes pesadas, talvez mais ainda que hoje.

Peixe inteligente nada a favor da corrente. Todo movimento contra a corrente, além de ser cansativo, é improdutivo e está fadado ao fracasso. É, mas eu disse peixe… inteligente.

A floresta e a vacina

José Horta Manzano

A destruição patrocinada por Bolsonaro vai além da floresta amazônica. Os lampejos de delírio que se podem ler em seus olhos atingem outros tesouros da nação.

A floresta até que nem deu trabalho pra plantar. Em 1541, quando o espanhol Francisco de Orellana subiu o Rio Amazonas inteiro, atravessou a América do Sul e chegou ao Pacífico, a floresta já estava lá, prontinha.

Já outras conquistas brasileiras custaram tempo, dinheiro e trabalho. A vacinação em massa, por exemplo, entra nessa categoria.  Desde os tempos de Oswaldo Cruz, foi um século de trabalho duro, mas o esforço de gerações de autoridades conscienciosas acabou elevando o Brasil ao invejável patamar de referência mundial, de modelo planetário.

Até outro dia, era difícil encontrar outro país que fizesse tão bem quanto nós. Sólidas campanhas cobriam todo o território nacional e conseguiram erradicar a varíola, a poliomielite e uma coleção de doenças infantis que por séculos tinham castigado populações.

Mas isso foi antes da chegada do destruidor-mor. Com a arrogância que só a ignorância lhe permite, nosso presidente decidiu dar um basta a essa excelência. Sua campanha antivacina tem sido a antítese do que se espera de um governante que regule bem da cabeça.

Não preciso descrever aqui as barbaridades que Bolsonaro tem cometido em sua sede de eliminar as conquistas do país – o distinto leitor está cansado de saber. Ele deve estar feliz em ver o estrago que fez mas, para gente civilizada, o resultado é muito triste.

Ao olhar para a floresta amazônica, o presidente só enxerga árvores que precisam ser extirpadas pra dar lugar a uma savana semiárida; sabe-se lá por que absconsa razão, ele aprecia a caatinga. Ao olhar para a expertise brasileira no campo vacinal, não sei o que ele enxerga. Mas não deve ser nada bom, tanto que seu ímpeto é destruir. Será o medo da agulha? A raiva de ter sido criança num tempo em que não havia vacinação em massa? Só Deus sabe.

Journal de Montréal, Canadá

A notícia da destruição vai longe. No canadense Journal de Montréal, leio hoje um artigo. O título já diz tudo: «Au Brésil, un mois de vaccination poussive contre le coronavirus – No Brasil, um mês de vacinação ofegante contra o coronavírus».

Na sequência, informa que em nosso país, que era até aqui um modelo para a vacinação em massa, não mais que 2% dos habitantes receberam uma dose contra a covid. Nesse ritmo, fazendo as contas, serão necessários 42 meses (3 anos e meio) para cobrir toda a população. Preparem-se os que estiverem em grupo não prioritário. Com sorte, lá pelo início de 2024 vai chegar sua vez – se der tudo certo naturalmente. E pode agradecer a doutor Bolsonaro.

Preparei uma lista atualizada com 88 países e a situação da vacinação anticovid em cada um deles. O Brasil, antigo modelo de eficiência nesse campo, só aparece no fim da fila, num obscuro 58° lugar. É interessante notar que os EUA e o Reino Unido, países cujos respectivos dirigentes (Donald Trump e Boris Johnson) desdenharam da pandemia no começo, se redimiram. Deram uma guinada de bom senso e hoje se encontram lá em cima, entre os que mais vacinam. O Brasil, infelizmente, continua patinando, sem vacina e sem esperança. Também, com um presidente desses, o que é que você esperava?

Paetê

José Horta Manzano

Você sabia?

A Suíça carece de matérias-primas. O país não dispõe de petróleo, nem de carvão, nem de ouro, nem de ferro, nem de minerais preciosos. Não tem saída para o mar. As terras cultiváveis são escassas. Sem outra saída, os habitantes sempre tiveram de usar a cabeça – e as mãos – para sobreviver.

A indústria têxtil, que começou a se desenvolver na Idade Média, deu fama ao país. Durante muito tempo, produtos têxteis (sedas, bordados, fitas, rendas e tecidos) foram o primeiro produto de exportação. Até os anos 1920, os têxteis ainda apareciam à frente dos relógios na lista de produtos exportados.

Nos tempos de antigamente, a produção era essencialmente manual, o que pressupõe uma certa lentidão e pequenas quantidades produzidas. Com a Revolução Industrial, a fabricação deixou de ser obra de artesãos e foi se reagrupando em manufaturas organizadas. No século 19, a Suíça viveu a época de ouro de sua indústria têxtil. A máquina de bordar, inventada nos anos 1820 e aperfeiçoada nas décadas seguintes, deu impulso às artes do bordado suíço e fez sua fama.

Antes da automatização, tecidos bordados com lantejoulas, por exemplo, se destinavam a quem tinha muitíssimo dinheiro. A confecção era lenta, visto que cada pecinha de metal era costurada à mão. Essa mão de obra elevava o preço final às alturas; só quem podia encomendar eram rainhas, princesas & assemelhados. As máquinas de costurar e bordar baixaram os custos de produção e puseram tecidos bordados ao alcance da maioria.

O termo lantejoula é corruptela de lentejoula, palavra que vem do espanhol lentejuela (=lentezinha). Já na língua francesa, aquela pecinha de aspecto brilhante e metálico com um furo no meio, destinada a ser costurada ao tecido, chama-se paillette (palhazinha, da família de palha).

Um tecido recoberto de paillettes se diz pailleté, termo que se pronuncia paietê. O distinto leitor já deve ter reconhecido a origem de nossa palavra paetê. Trata-se de aproximação fonética, uma tentativa de reprodução do som original. Paetê combina com estes dias de Carnaval frustrado. E faz par com strass, que aparece no post de 12 fev° 2021.

Já são dois

José Horta Manzano

Quando dois argutos analistas políticos cogitam e olham na mesma direção e no mesmo momento, convém prestar atenção. Estou falando de Carlos Brickmann e Eliane Cantanhêde. Neste domingo, cada um deles publicou um artigo apontando uma hipotética candidatura apta a encarar Bolsonaro nas eleições de 2022 – se ele se aguentar no trono até lá, naturalmente. Aqui vai um trecho de cada artigo.

Palpite

Carlos Brickmann

Preste atenção na empresária Luiza Trajano, do Magazine Luiza: caso o plano que vem articulando para vacinar toda a população do país antes do fim do ano dê certo, ela pode ser a novidade eleitoral. Terá feito aquilo que ninguém conseguiu fazer, sua reputação é excelente, já mostrou que é muito competente e capaz de fazer o que é preciso. Mas, exatamente por isso, espere pelos obstáculos que vão colocar-lhe no caminho. Não podemos nos iludir: salvar vidas, ajudar a vencer a pandemia, melhorar a situação da população, nada importa para os lá de cima. Importa é não ter adversário.

E Luiza Trajano?

Eliane Cantanhêde

Doria, Huck, Moro e Luiz Henrique Mandetta são torpedeados antes de alçar voo, mas, como não há vácuo em política, quem pode preencher esse vácuo é uma mulher, empresária, colecionadora de êxitos, com o pé no chão e defensora de boas causas, como cotas, vacinas, menos ideologia e mais resultados. Sim, Luiza Trajano, sem partido e sem traquejo político, mas instada a botar o bloco na rua e, num carnaval tão atípico, animar e atrair um grande aliado de Bolsonaro: o eleitor desiludido, ou desesperado, que só vê o buraco aumentando.

Comentário deste blogueiro
Estes últimos vinte anos, presidentes desastrosos têm reprimido o avanço do país, deixando-nos cada vez mais firmemente ancorados num Terceiro Mundo irrevogável. Pra consertar, os brasileiros bem-intencionados estão apelando pra qualquer um, desde que jure:

  • que a Terra não é plana,
  • que não pretende armar a população,
  • que não prestigiará ditador africano,
  • que não concederá passaporte diplomático aos parentes,
  • que não acreditará no E.T. de Varginha,
  • e, principalmente, que, sim, acredita na vacina e pretende imunizar toda a população.

Se dona Luíza preencher todos os requisitos, vamos de Madame Trajano!