Cinco anos de adiamento

“Frexit”, o Brexit da França
Objetivo do programa da candidata Marine Le Pen

 

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense de 30 abril 2022

Na Europa, desde a derrota do nazi-fascismo, ao final da Segunda Guerra, as ideias da extrema direita foram guardadas em geladeira. Não é que tenham sido erradicadas, longe disso, que a capacidade do ser humano de armazenar baixos instintos é infinita. É que, durante as décadas seguintes, toda alusão a essas ideias trazia lembranças dolorosas a uma população que havia presenciado a guerra e seu cortejo de morte e miséria. Por longos anos, nada que pudesse trazer à memória bombardeios e privações teve lugar à mesa.

O tempo passou e a geração que havia assistido ao desastre provocado por ideias extremistas foi pouco a pouco desaparecendo. No entanto, mesmo com o rareamento de testemunhas oculares, a ressurgência do extremismo de direita continuou tímida: um ameaço de surto aqui, outro acolá, nada mais. Nem a débâcle da União Soviética e o abandono da doutrina comunista foram capazes de sacudir o torpor da direita extrema.

Desde sempre, ideias de retraimento, de fechamento sobre si mesmo, de defesa de uma hipotética pureza étnica, de cerceamento à livre circulação, de hermetismo diante da imigração circularam em surdina. Mas permaneceram subjacentes, como bomba à espera de um detonador. Um dia, sem que ninguém tivesse antecipado, surgiu o estopim. Veio personificado no dirigente do país mais poderoso do planeta. Chamava-se Donald Trump.

Os que votaram por sua reeleição devem julgar que foi bom presidente. Já os 7 milhões de votos de diferença com que Joe Biden o superou amortecem essa percepção. Na política externa, o homem fez estragos. Pirotecnia, como a que pôs em prática com o dirigente da Coreia do Norte, nem sempre é o melhor caminho para resolver problemas internacionais.

O pior legado de Trump foi sem dúvida sua adesão explícita à doutrina do fechamento sobre si mesmo, escancarada pela tentativa de construção de um muro de contenção na fronteira por onde entram os indesejados. Sua desenvoltura desinibiu movimentos subterrâneos ao redor do mundo, que criaram coragem para se expor à luz do meio-dia.

Dirigentes de figurino abertamente reacionário – como o italiano Salvini, o húngaro Orbán, o esloveno Jansa e o próprio Bolsonaro – não teriam se sentido tão à vontade para subir ao palco se Trump não lhes houvesse antes carpido o terreno. A expressão é batida, mas continua verdadeira: Trump abriu a caixa de Pandora. Os males lá trancafiados despertaram de um torpor de sete décadas.

Comparado com o de outros países da Europa, o sistema político francês é sui generis. Por um lado, o presidente da República, eleito pelo sufrágio popular direto, detém poder muito grande, herdeiro que é de um rei guilhotinado há dois séculos. Por outro lado, o voto distrital puro aliado a um bipartidarismo de facto tendem a dar ao presidente maioria no Parlamento, tornando-o (quase) tão poderoso como os reis do passado.

A campanha eleitoral francesa foi acompanhada com lupa pela União Europeia. De fato, caso a vitória fosse favorável à extrema direita de Marine Le Pen, a Europa, como a conhecemos, deixaria de existir. Embora a candidata extremista tenha suavizado o discurso e arredondado os ângulos de seu programa, mantinha a firme intenção de retirar seu país da Otan e da Europa. Mais que isso, tencionava pôr fim à livre circulação das gentes, restabelecer os controles nas fronteiras, abandonar o euro, ressuscitar o finado franco francês. E, para coroar, aproximar a França da Rússia e firmar pacto militar com Putin.

Se a União Europeia resistiu ao Brexit, não resistiria à saída da França – membro fundador, o maior em superfície, o segundo em economia, o único detentor de armamento nuclear. Para Vladímir Putin, uma vitória de Madame Le Pen seria notícia estupenda. Seria prenúncio do enfraquecimento e talvez do desmonte da União Europeia, sonho acalentado por Moscou. Seria um revés para Otan, organização que é pedra no sapato de Putin. Por fim, seria um sinal verde para candidatos a autocrata ao redor do globo, um dos quais aliás ocupa atualmente o Palácio do Planalto.

Desta vez, passou. Mas foi por pouco. O mundo democrático ganhou cinco anos de adiamento, a duração do novo mandato de Macron. Em 2027 voltamos a conversar. Se, daqui até lá, um conflito nuclear não tiver extinguido a humanidade.

No cavalo certo

José Horta Manzano

Em 2019, as eleições presidenciais argentinas estavam sendo preparadas. Todos já sabiam que o presidente Mauricio Macri, candidato à própria sucessão, não tinha chance. Bolsonaro passou por cima das evidências. Foi até lá, trocou beijos e abraços com o dirigente argentino e ainda ousou criticar o adversário. Deu no que deu: o adversário ganhou – o que todos já sabiam que ia acontecer, menos o capitão. As relações Brasil x Argentina se complicaram.

Em 2020, foi a vez das presidenciais americanas. Os prognósticos se apresentavam apertados. Nem a vitória de Trump, nem a de Biden estava garantida. Bolsonaro passou por cima da reserva a que todo chefe de Estado inteligente se obriga nessas horas. Com palavras e atos, foi ostensivo ao sustentar Donald Trump. Encerrada a contagem dos votos, constatou-se que o presidente não havia sido reeleito. Inconformado, Bolsonaro negou a realidade quanto pôde, e foi um dos últimos dirigentes mundiais a reconhecer que tinha perdido a aposta. As relações Brasil x EUA se complicaram.

Em 2021, chegou a hora das eleições chilenas. As pesquisas hesitavam em apontar claramente o vencedor. Em situações assim, a prudência ensina que chefes de Estado estrangeiros devem evitar demonstrar claramente sua preferência por este ou por aquele. Nunca se sabe. Mas Bolsonaro não reza por essa cartilha. Pra piorar, não deve ter assessores qualificados. De novo, apostou no cavalo errado. Botou todas as fichas em cima de Señor Kast, candidato da extrema direita. Ganhou Señor Borić, um jovem esquerdista. As relações Brasil x Chile se complicaram.

Neste mês de abril de 2022, é a França que está em pleno processo eleitoral. O mandato do presidente Macron se encerra dentro de poucas semanas. Pela lógica, nosso capitão já teria se jogado nos braços de Marine Le Pen, candidata da direita extrema. Mas tem um porém.

Um dia, em nossa eleição de 2018, quando Bolsonaro já tinha passado para o segundo turno, Madame deu uma entrevista à televisão francesa. Entre um assunto e outro, o apresentador mencionou o nome de Bolsonaro, naquele momento candidato à Presidência do Brasil, e o classificou como “de extrema direita”. Em seguida, perguntou à política francesa o que ela achava do brasileiro. Madame declarou que “não é só porque alguém costuma dizer coisas desagradáveis que se deve logo colar-lhe uma etiqueta de extrema direita”. Ficou claro que ela repelia o capitão. É certamente baseado nessa declaração que ele se absteve de tomar partido na atual disputa francesa, que voltou a alçar Madame Le Pen ao segundo turno.

Quanto ao Lula, mostrou mais uma vez que, mesmo sendo fraquinho em geopolítica, de bobo não tem nada. No primeiro turno, apoiou Monsieur Mélenchon, velho militante da esquerda radical, que completa 71 anos este ano. Pois não é que o homem quase passou para o segundo turno? Com 22% dos votos, faltou um nadinha pra ultrapassar Madame Le Pen, que obteve 23,4%.

Ao apoiar Mélenchon, o Lula estava também retribuindo a visita que o político francês lhe fez quando mofava no cárcere úmido de Curitiba. O destino não quis que o companheiro francês passasse ao segundo turno. No discurso pronunciado assim que foram conhecidos os nomes dos finalistas, Mélenchon dirigiu-se a seus eleitores e, alto e bom som, deu-lhes a recomendação para o segundo turno: “Nenhum voto para a extrema-direita!”. Para deixar bem claro, pronunciou quatro vezes a mesma frase.

Mélenchon recomendou a seus eleitores que não votassem na extrema direita, mas não teve peito pra pedir voto para Macron. Deve ter achado que era demais. Assim sendo, deixou seus apoiadores livres para se absterem, votarem em branco, anularem o voto ou eventualmente votarem em Macron. Em resumo, fez o serviço pela metade.

O Lula, que está ciente de ter boas chances de vencer a eleição brasileira, foi mais realista. Já que o companheiro Mélenchon ficou pelo caminho, lançou uma série de tuítes conclamando a derrotar a extrema direita francesa. Foi ainda mais longe que o militante francês. Deu serviço completo. Acrescentou que votar em Emmanuel Macron é fundamental porque ele “encarna melhor os valores democráticos e humanistas”.

Lula está agindo com esperteza. Em primeiro lugar, está se valendo da antipatia que Bolsonaro espalhou pelo mundo, especialmente na França. Portanto, ao apoiar o provável vencedor das presidenciais, ganha pontos. Em segundo lugar, Lula sabe que tem boas chances de ser o próximo presidente do Brasil. Um Macron reeleito e que foi apoiado pelo demiurgo estará pronto a abrir os braços para um Lula eleito e que o apoiou.

Quando insultou Brigitte Macron e quando se indispôs com meio mundo, o empacado Bolsonaro não pensou no dia seguinte. O Lula já está pensando no futuro que terá início com sua (provável) volta ao Planalto.

Entre Bolsonaro e Lula, há muitos pontos convergentes e alguns divergentes. Ambos amparam a corrupção, adoram acertos e conchavos, dirigem o país de olho no retrovisor. Uma das poucas diferenças é que o Lula pensa.

As mágoas do Lula

by Gilmar Fraga (1968-), desenhista gaúcho

José Horta Manzano

Muita gente, inclusive este escriba, considera que Bolsonaro tem uma visão distorcida do que sejam relações humanas. Confunde afinidades pessoais com relação entre nações. Acredita que o relacionamento do Brasil com países estrangeiros está irremediavelmente vinculado às relações pessoais que ele possa ter com os governantes desses países.

Enquanto Donald Trump era presidente dos EUA, chamava-o de amigo, nunca escondeu seu fascínio pelo personagem e mostrou claramente acreditar que as relações entre Brasil e EUA dependiam dessa “ligação carnal” entre supostos amigos. Enquanto o “amigo” esteve na Casa Branca, fez diversas visitas ao país de Tio Sam, pouco importando o pretexto para a viagem. Desde que Trump se foi, nunca mais quis saber de conversa. É verdade que não foi convidado, mas tampouco consta que tenha convidado Biden para tomar um café com pão e leite condensado no Planalto.

Foi à Rússia e disse que Putin e ele professam os mesmos valores(!). Foi à Hungria e chamou Orbán de irmão(!). Tem agido como se as relações exteriores do Brasil só funcionassem com nações comandadas por “amigos”. Essa visão redutora das relações internacionais pode servir para alimentar sua bolha de fanáticos, mas é nociva ao país.

Em artigo deste sábado, a jornalista Bela Megale conta algumas tristezas do Lula, antigo presidente do Brasil. Diz que o homem está ressentido com o comportamento de Dias Toffoli. Entre outras reclamações, está desagradado com a proximidade de Toffoli com Bolsonaro, fato que incomoda o demiurgo de Garanhuns. O Lula reclama ainda dos entraves postos por Toffoli no dia em que, ainda encarcerado, solicitou ser liberado por algumas horas para acompanhar o enterro de um irmão.

É bom lembrar que o atual ministro do STF foi advogado do PT e advogado-geral da União (AGU) durante o governo do Lula. Se hoje ocupa uma poltrona no STF, é por ter sido nomeado justamente pelo antigo presidente.

As mágoas do Lula são inquietantes. Ele demonstra estar sintonizado com Bolsonaro na mesma visão de um mundo dividido entre “os meus compadres” e os outros. Formam um par perfeito. Ao indicar Toffoli para o STF, o Lula tinha a certeza de ter “comprado” um juiz para defendê-lo fiel e incondicionalmente para o resto da vida. Essa esperança é idêntica à que Bolsonaro deposita nos pupilos alçados por ele ao STF: o “terrivelmente evangélico” e o “terrivelmente dócil”.

Ao dividir personagens políticos e magistrados entre “amigos” e “inimigos”, Lula dá mostra de agir exatamente como o capitão. A bem da verdade, ressalte-se não há que se espantar; essa faceta do ex-presidente já era conhecida. Nas diversas ocasiões em que foi a Havana louvar os bondosos irmãos Castro e à África incensar ditadores corruptos, Lula já tinha deixado evidente sua maneira de enxergar o mundo.

Entre os dois adeptos do compadrio desbragado – o Lula e o capitão –, está cada dia mais difícil separar o joio do trigo. Só se vê joio. Trigo mesmo, que é bom, anda em falta.

A solidão de Bolsonaro

José Horta Manzano

Rodeado de áulicos e todo tipo de interesseiros que só sabem aplaudir, o capitão não se dá conta da realidade. Ele se esquece que, no duro mesmo, o que conta é o voto popular. Não adianta subornar militares nem comprar o Congresso pra formar uma coalizão de aparência sólida. Ao fim e ao cabo, quem manda são os eleitores. Se não derem apoio a Bolsonaro nas urnas, assistiremos ao fim da comédia.

Na medida que continuar se enfraquecendo nas pesquisas, o presidente vai assistir à debandada dos que só lá estão por interesse. Ninguém tem vontade de associar o próprio nome ao de um perdedor.

Não sei se o capitão está a par de que, no exterior, seus melhores amigos – mais espertos que ele – estão trilhando outras veredas. Enquanto ele continua a dar murro em ponta de faca com seu negacionismo vacinal, dois de seus raros apoios estrangeiros já viraram a casaca.

Nas vésperas do Natal, o governo de Israel anunciou que passaria a propor uma quarta dose de vacina aos maiores de 60 anos, assim como ao pessoal médico e paramédico, que são os mais expostos ao contágio.

Aliás (não sei se o distinto leitor tem a mesma impressão), me parece que a profusão de bandeiras israelenses que os bolsonaristas arvoravam nas manifestações andam meio sumidas, não? Talvez aquilo explique isto, ou seja, o não-negacionismo explícito do governo israelense entra em colisão com o negacionismo primitivo de nossos aprendizes de extrema-direita.

Portanto, a amizade tipo unha e carne que parecia ter se cristalizado entre Brasília e Tel-Aviv virou fumaça. De fato, não dá pra conciliar o intenso programa vacinal israelense com a indignação de um Bolsonaro que chegou a dizer “Não entendo essa gana por vacina”. Ah, tem tanta coisa que ele não entende…

Outro amigo de infância que se distanciou do capitão foi Donald Trump. Esse, então, deu uma cambalhota. Faz uns dias, perto da virada do ano, no momento em que a onda de ômicron começava a se alastrar pelos EUA, o ex-presidente bilionário ressurgiu como defensor da vacinação, um inesperado arauto na luta contra a desinformação sanitária (!).

Algumas semanas atrás, num comício no Alabama – um dos estados com índice de vacinação mais baixo –, Trump foi claro: “Recomendo a vocês que se vacinem. Eu me vacinei. É bom. Vacinem-se!”. Algumas vaias se alevantaram, e o astuto orador mudou de assunto. Mas não desdisse o que havia dito.

Mais adiante, em 19 de dezembro, o antigo presidente reincidiu. Chegou a desestabilizar apoiadores e analistas ao defender a vacinação em diversas ocasiões, de modo aberto e inequívoco. Em Dallas (Texas), diante de uma multidão de simpatizantes, voltou a bater na mesma tecla. Aproveitou para se vangloriar de que as vacinas tinham sido desenvolvidas durante sua gestão. Asseverou que a vacinação vem salvando dezenas de milhões de vidas no mundo, e que é uma terapêutica fantástica. Levou vaias de novo.

Incansável, retomou o fio numa entrevista na tevê, dias mais tarde, quando dialogava com Candace Owens, apresentadora e porta-bandeira dos antivax. Bastou a moça insinuar que as vacinas não têm nenhum interesse, para Trump cortar-lhe a palavra, brusco: “É uma das grandes conquistas da humanidade. A vacina funciona.” E concluiu o raciocínio dizendo que “as pessoas não morrem [de covid] quando estão vacinadas”. Mais claro, impossível.

Os grandes apoios internacionais de Bolsonaro se dissolvem a olhos vistos. Minguando nessa velocidade, tanto interna quanto externamente, o que é que sobrará do capitão em outubro?

Partido Democrata x Partido Republicano

José Horta Manzano


“In our closely divided and highly polarized country, each party is likely to hold power at some point in coming years. But when the Republican Party does, it may change the rules to ensure that it remains in power, as Trump tried in 2020 and as Viktor Orban has done in Hungary.”

“Em nosso país extremamente dividido e polarizado, cada um dos partidos tem chance de assumir o poder nos próximos anos. Mas quando chegar a vez do Partido Republicano, ele pode mexer nas regras a fim de garantir sua permanência no poder, como Trump tentou em 2020 e Viktor Orbán conseguiu na Hungria.”

David Leonhardt, em artigo no The New York Times, 6 jan° 2022


No Brasil, a inacreditável pulverização partidária torna menos viável essa sombria possibilidade que pesa sobre os EUA.

Nosso sistema de coalizão por cooptação faz que a maioria parlamentar se desloque sistematicamente em direção ao centro do poder, pouco importando quem for o chefe do governo.

Entre nós, etiquetas partidárias importam menos que interesses pessoais e paroquiais. No Brasil, o voto ideológico não passa de figura de linguagem. Nunca vai além do palanque eleitoral.

De certo modo, é até bom que assim seja.

Boric e o avião presidencial

Acabo de falar com Gabriel Boric e dei-lhe os parabéns por seu grande triunfo. A partir de hoje é presidente eleito do Chile e merece nosso inteiro respeito e cooperação construtiva. O Chile, sempre em primeiro lugar.

 

José Horta Manzano

O segundo turno da eleição presidencial chilena, que se desenrolou domingo 19, foi um prenúncio do que, se a sorte nos abandonar de vez, poderá ser o segundo turno da brasileira: uma briga de foice entre esquerda radical e extrema direita, um coquetel de dar suor frio.

O radical de esquerda, que acabou eleito por franca margem (56% contra 44%), será o presidente mais jovem que o país já conheceu: tem 35 anos. Para presidente de uma república, francamente, é bem jovem. Fosse no Brasil, passaria raspando pelas regras constitucionais. Para exercer a presidência, uma das (poucas) exigências entre nós é exatamente a idade mínima de 35 aninhos.

O extremo-direitista, pelo que fiquei sabendo, é filho de imigrantes vindos da Alemanha. Seu pai foi oficial do exército alemão, veterano da Segunda Guerra. Era inscrito no Partido Nacional Socialista (=nazista). Isso não quer dizer muita coisa, visto que a adesão ao partido dominante era praticamente obrigatória naquele tempo; quem não se inscrevesse não conseguia promoção nenhuma, além de ficar malvisto pelos superiores. Mas há que ter sempre em mente que ninguém pode ser responsabilizado por eventuais erros ou ‘malfeitos’ cometidos por antepassados.

O novo presidente se chama Gabriel Boric Font. O sobrenome Boric (que, no original, se escreve Borić, com acento agudo no “c” e se pronuncia Boritch) é de origem croata. Font, o sobrenome materno, é catalão. Os antepassados paternos deixaram a terra natal 135 anos atrás, quando a região de nascimento fazia parte do Império Austro-Húngaro. Emigraram atraídos pela notícia da descoberta de ouro no sul do Chile.

Assim que a apuração dos votos deixou evidente que o vencedor era o candidato de extrema-esquerda Boric, o candidato derrotado, o extremo-direitista Kast, felicitou o vitorioso por telefone e ainda tuitou uma mensagem para deixar tudo bem claro. Com elegância, mostrou não ter sido contaminado pela atitude de negação da realidade à la Trump. Felizmente, nem todos os da extrema-direita têm aquele jeito escrachado. Até o momento em que escrevo, nosso capitão, alheio aos usos civilizados, não cumprimentou o vencedor. Vamos ver como vai se comportar em outubro que vem, quando entrar para o clube dos perdedores.

Algum tempo atrás, Señor Boric, o presidente recém-eleito, tinha feito uma viagem sentimental à Croácia para se encontrar com primos distantes. Na ocasião, tinha sido apresentado a uma certa Zdenka Borić, sua prima em terceiro grau. Em tom de brincadeira, o chileno, que já militava então na política, disse que, se um dia se tornasse presidente da República, mandaria um avião presidencial buscá-la para conhecer o Chile.

Publicado o resultado da eleição chilena, a mídia croata ficou assanhada com a notícia. Não é todo dia que um filho da nação se torna presidente de um país estrangeiro. Foram ao lugarejo de origem, procuraram pelo sobrenome e encontraram a prima que señor Borić havia visitado anos antes. Entrevistada pelo jornal Vecernij (A Tarde), a mulher contou a história. E logo partiu para a cobrança. Com ar sério, emendou que agora vai ficar à espera do avião presidencial. Vamos ver se chega.

Moral da história
Pense duas vezes antes de prometer mandar buscar alguém com o avião presidencial. Lembre-se que ganhar a eleição está ao alcance de qualquer um! Não precisa ser culto, nem inteligente, nem batalhador. Temos um exemplo vivo atualmente no Planalto.

Aerolula x Aerobolso

José Horta Manzano

Acho que ninguém esqueceu de quando, no longínquo março de 2020, Bolsonaro foi visitar o amigo Trump, que o recebeu em seu resort particular de Mar-a-Lago.

Na volta, 22 integrantes da comitiva, que tinham viajado no Aerolula (que agora deveríamos chamar de Aerobolso ou talvez Aeronaro) receberam resultado positivo no teste anticovid. Vinte e dois!

Passou-se exatamente um ano e meio durante o qual Bolsonaro praticamente não viajou para o exterior. Por um lado, foi por causa da covid. Por outro, é porque ninguém quer ser visto ao lado do capitão. Dado que fogem dele como da peste, ninguém o convida.

Ele então aproveitou a ocasião da abertura dos trabalhos anuais da ONU para dar um pulinho a Nova York. Aproveitou pra vacinar a esposa e pra levar a turma pra espairecer, gastar nosso dinheiro em hotéis estrelados e fazer umas comprinhas com o cartão corporativo. A ONU de Nova York é o único lugar aonde ele pode ir sem ser convidado, ainda que o preço a pagar seja comer pizza na calçada.

Na volta, os infetados por covid já começaram a aparecer. O primeiro foi o próprio ministro da Saúde (da Saúde!), aquele que cometeu o delicado gesto de apontar o dedo maior em riste aos que demonstravam não gostar do chefe dele. Em seguida, começa a cair gente graúda. Saiu hoje a notícia que o presidente da Caixa é a 4a vítima. Se não apareceu mais gente contaminada, é porque muitos – provavelmente todos, com exceção de Bolsonaro – estão vacinados.

Esse avião presidencial está mais pra navio fantasma, embarcação mal-assombrada, carroça com urubu trepado. Será praga do presidente barbudinho que preferiu comprar essa aeronave, deixando pra trás a nacional Embraer?

Não sei, mas, se fosse eu, mandava benzer esse avião. Eu é que não punha os pés lá dentro, nem que me pagassem.

Indulto presidencial

José Horta Manzano

Ao apagar das luzes, sempre aparece algum engraçadinho pra fazer travessuras. Tem que desconfiar do último minuto; é justamente quando ninguém mais espera, que o demônio ataca.

O instituto da graça presidencial é resquício do Ancien Régime. De fato, no regime absolutista anterior à Revolução Francesa de 1789, quando a lei seguia apenas a vontade do rei, o monarca tinha o poder de condenar ou até graciar um cidadão. Reis já se foram faz tempo, mas muitos países conservaram o princípio da graça presidencial.

Os Estados Unidos, a França e o Brasil estão entre esses países. Na falta de dirigentes de sangue azul, é o presidente da República quem tem a prerrogativa de indultar e graciar – nossa Constituição fala em conceder indulto e comutar penas.

Na minha opinião, é instrumento poderoso demais para ser confiado a um só indivíduo, ainda que fosse o presidente. Tem de ser muito bem enquadrado pela lei, o que não me parece ser o caso dos EUA.

De fato, um dia antes de deixar a Casa Branca, Mr. Trump extinguiu a pena de 70 pessoas e comutou a sentença de 73 outros indivíduos. Todos são pessoas de suas relações.

Chamada G1, 20 jan° 2021

Não sei o que pensa o distinto leitor, mas esse dispositivo consitucional me parece uma excrescência, uma prática que combinava com a época de Luís XV, mas que hoje soa anacrônica.

Seja como for, o artigo do G1 contém uma imprecisão. O indulto é sempre coletivo. No Brasil, a concessão de indulto natalino é habitual; ele é concedido a toda uma categoria de sentenciados; por exemplo: os condenados a penas mais curtas do que 4 anos, não reincidentes, sem sangue nas mãos. Não se escolhem os beneficiários, vai a  categoria inteira, desde que responda aos requisitos.

Quando se perdoa a pena de um indivíduo isoladamente, não é indulto, mas graça. Deve-se dizer que o presidente graciou fulano de tal. Apesar de ter perdoado a pena de 70 pessoas, Trump não o fez coletivamente, mas individualmente. Eles não faziam parte de uma categoria precisa; o único ponto comum entre eles era serem todos amigos seus.

A meu ver, a graça presidencial seletiva não devia poder ser exercida pelo chefe do Executivo. Se a Justiça condenou, cabe à Justiça repensar, rever, reestudar, reconsiderar e, eventualmente, extinguir a pena. Essa possibilidade de o rei graciar seus amigos me parece destoar feio da democracia em que imaginamos viver.

Observação
O exemplo dado por Trump há de ter sido anotado com esperança e alegria pelo clã dos Bolsonaros. Se a Justiça condenar algum dos rebentos antes do término do mandato do pai, é mais que provável que o sentenciado seja graciado. Mais vale esperar que o doutor seja despachado de volta à insignificância de onde nunca deveria ter saído.

FIGHT

José Horta Manzano

Acabo de ler relato que revela que Donald Trump, para incitar sua milícia a marchar sobre o Capitólio de Washington, tuitou a palavra FIGHT (=luta). O artigo diz que o presidente escreveu em letras capitulares. Não é bem assim.

Em tipografia – atividade em via de extinção –, faz-se a diferença entre letras capitulares e letras maiúsculas.

Letras capitulares (ou letras capitais)
Fora de moda há séculos, a letra capitular, como seu nome indica, era a primeira letra de cada capítulo de um livro. Estava de moda na Idade Média, ao tempo em que livros eram copiados à mão, letra por letra, capítulo por capítulo.

A letra capitular, de tamanho bem maior que as demais, era bordada a bico de pena de ganso segundo o estilo de iluminura medieval, com arabescos, douraduras e tudo o mais que a fantasia do escriba criasse.

Letras maiúsculas (ou caixa alta)
Letra maiúscula é artigo bem mais prosaico. Para grafá-la, não precisa ser versado nas artes da iluminura – basta ter seguido com atenção as aulas de dona Dorinha, professora do primeiro ano. Todos conhecem a diferença entre letras maiúsculas e minúsculas – que os tipógrafos chamam de caixa alta e caixa baixa.

Resumindo, Trump não grafou sua LUTA(*) em letras capitulares. Como é que havia de fazer isso numa telinha de celular, com um dedo e sem pena de ganso? O que ele fez foi apenas escrever em letras maiúsculas.

(*) Ao falar de Trump e de Minha Luta, associei imediatamente a Mein Kampf (Meu Combate), livro escrito por Adolf Hitler em 1925, que continha a linha mestra de seu pensamento. Pensamento este que foi posto em prática anos mais tarde e que deu no que deu. Te esconjuro!

Incompreensível

José Horta Manzano

Por que é que Bolsonaro é contra a vacinação anticovid?

Ele mesmo tem repetido, desde que a pandemia se instalou no país, que o bom desempenho da economia é essencial para ele conquistar um segundo mandato. Com a doença se alastrando, é inevitável que medidas de contenção continuem em vigor: confinamento, distanciação social, teletrabalho, entre outras. São medidas que, somadas aos hospitais transbordantes, freiam o bom andamento econômico do país. E o presidente sabe disso.

Nesta altura do campeonato, a única providência radical para acabar com a epidemia é a imunização coletiva. Para chegar lá, o caminho mais direto é a vacinação rápida e generalizada. Não é possível que doutor Bolsonaro não entenda isso; o moço é empacado, mas (supõe-se que não chegue) a esse ponto.

O raciocínio é simples e cristalino. Sem vacina, a doença vai continuar por meses e anos a perturbar todas as atividades – transportes, serviços, turismo, produção industrial, exportação. Em resumo, a economia vai continuar semiparalisada. Com vacinação generalizada e levada a toque de caixa, a recuperação poderá até ocorrer antes do fim de 2022. Um trunfo para o candidato à reeleição!

Por que é que Bolsonaro é contra a vacinação anticovid? Não é incongruente? Só vejo uma explicação, embora ela seja tão fora de esquadro que é difícil acreditar: se Sua Excelência age assim, será para contentar sua milícia de devotos.

De fato, entre os fanáticos, há quem acredite que a Terra é plana, há os que juram que o homem nunca pisou na Lua, há ainda os que estão certos de que o clã Bolsonaro é virtuoso e Trump venceu a eleição. Há, naturalmente, ruidosa parcela que tem medo que a vacina os transforme em jacarés. Por essa alucinante hipótese, doutor Bolsonaro estaria se mostrando hostil à vacinação unicamente para contentar seus seguidores e alimentar-lhes a ignorância.

Parece enorme demais pra ser verdade, não? Se minha hipótese for verdadeira, nosso doutor é ainda mais parado do que eu imaginava. Seu comportamento contenta os devotos, é verdade, mas leva ao desespero os demais, que formam a imensa maioria dos eleitores. As eleições estão logo ali na esquina, que não falta tanto assim pra 2022. Na hora de votar, todos se lembrarão do sufoco que passaram quando Bolsonaro bloqueava a vacinação no Brasil enquanto o mundo inteiro se imunizava. Brasileiro tem memória curta, mas nem tanto.

Falando em jacaré, vale lembrar o ditado que se usava antigamente e que cabe aqui como augúrio de ano novo para doutor presidente: «Deixe estar, jacaré, que a lagoa há de secar».

Trump, Bolsonaro e a reeleição

José Horta Manzano

A não-reeleição de Donald Trump, confirmada oficialmente ontem, há de estar acendendo luz vermelha no Planalto. De um vermelho vivíssimo.

Trump – todo-poderoso, carisma irresistível, voz de trovão, teatralidade convincente – é capaz do melhor e do pior. É daquele tipo de mascate capaz de vender gato por lebre e arrancar aplauso do comprador agradecido. Mas em meados deste ano ousou passar a mão num carregamento de respiradores que o ‘amigo’ Bolsonaro havia comprado na China e que transitavam pelos EUA.

Se esse homem – dono de todos esses atributos, dono da caneta mais poderosa do planeta, senhor da guerra e da paz, responsável pelo maior orçamento do globo – conseguiu a façanha de ser derrotado, como é que se pode enxergar o futuro do pequeno Bolsonaro? Antigamente, se dizia que estava preto. Na era do ‘politicamente correto’, convém dizer que está ruço.

O atual inquilino do Planalto não tem os atributos do ídolo, nem seu poder, sua força, sua riqueza. Não tem um corpo de assessores de alto nível. Não está apoiado num partido tradicional e organizado como Trump estava. Como então imaginar que, desprovido das armas necessárias, possa vencer a batalha da reeleição? (Posto que se segure na Presidência até lá, naturalmente.)

by Kleber Sales, ilustrador.

Bola de cristal, não tenho. Além do que, faltam dois anos para a eleição presidencial. Assim mesmo, sob reserva de acontecimento excepcional, a reeleição de nosso doutor parece causa perdida.

Sua personalidade pontuda, excludente e clivante não lhe valeu nenhum simpatizante além dos que tinha ao ser eleito. Pelo contrário, aqueles que votaram nele unicamente para se livrarem do PT devem estar dobrando a língua e se autoflagelando em penitência: nunca mais darão seu voto ao capitão.

Aos poucos, vai-se delineando um quadro semelhante ao de 2018. O eleitorado vai se fraturar em dois campos bem nítidos. No primeiro, estarão os bolsonaristas, que votarão no doutor porque gostam dele e estão felizes com seu desempenho. Do outro, estarão os demais, os eleitores dispostos a votar em quem quer que seja, desde que Bolsonaro seja derrotado.

Num primeiro turno, o voto antibolsonarista ainda pode se dispersar, mas no segundo, não tem perdão. São só dois candidatos. Não vejo como o doutor poderá ser reeleito, seja quem for o adversário. Ou será que Bolsonaro é mais talentoso que Trump?

Mais um sapo

José Horta Manzano

A pandemia pegou o planeta de surpresa – tanto dirigentes, como dirigidos. Até outro dia, epidemia dessas proporções só se via no cinema. Vira e mexe, aparecia um filme de catástrofe, daqueles em que o mundo era contaminado por alguma poeira chegada do espaço.

Falando nisso, nunca entendi por que razão visitantes alienígenas nos visitariam com intenção de extinguir a humanidade. Imagine só: como é que uma civilização adiantada, capaz de construir nave espacial sofisticada e cruzar zilhões de quilômetros, enviaria discos voadores à Terra com o objetivo de brincar de videogame, eliminando seus habitantes. Pode? Que coisa mais sem pé nem cabeça.

Acontece que a covid não é fruto da imaginação de nenhum cenarista criativo. A doença está aí, e seu alastramento está agindo como revelador do patamar civilizatório de cada povo e da engenhosidade de seus dirigentes.

O Reino Unido dobrou pela direita, começou a vacinar e deixou todos comendo poeira. O número de doses atualmente disponíveis no país é pequeno e não dá, nem de longe, para a população inteira. Mas o simples fato de terem começado a injetar a gotinha que salva abriu a válvula de segurança e deixou escapar toda a pressão acumulada. Agora, os britânicos sabem que há uma luz no fim do túnel; se não for hoje, será amanhã, mas todos terão direito à imunização. No final, é capaz de demorarem meses para proteger toda a população. Mas o que vai ficar na memória de todos é a rapidez com que agiram. E a agilidade.

Não devemos nos esquecer que a Inglaterra começou mal. Quando a pandemia se instalou, o país subiu logo ao primeiro lugar entre os mais afectados da Europa, posição pouco invejável. O primeiro-ministro, imprudente, ainda fez pouco caso da ameaça ao declarar que continuaria a «apertar mãos». Não deu outra: apanhou a covid, foi internado e terminou numa UTI. Escapou por sorte e aprendeu a lição. Seu país virou modelo de eficácia no combate à doença.

Do nosso lado do Atlântico, a coisa foi mais problemática. As três maiores economias das Américas (EUA, Brasil e México) tiveram o azar de contar com um negacionista na presidência. Trump, Bolsonaro e López Obrador desdenharam, andaram de costas, relutaram e resmungaram. Além de não ajudar no combate à epidemia, acabaram atrapalhando. O resultado é que os três países continuam a figurar no topo das estatísticas de contágio e morte.

Felizmente nossos países têm estrutura administrativa diferente da maioria dos Estados europeus. Nosso federalismo, que algumas vezes atrapalha, neste caso foi a salvação. Se dependêssemos apenas dos desvarios de nosso doutor presidente, ainda estaríamos navegando às cegas, sem estatística, sem informação sobre a real extensão da epidemia, todos correndo atrás de comprimidos de cloroquina.

Agora, que o governador de São Paulo anunciou que a vacina está quase pronta, é missão impossível doutor Bolsonaro tentar usar uma aparelhada Anvisa para retardar a homologação da vacina do Instituto Butantã. É mais um sapo que o presidente terá de engolir.

O seleto clube dos negacionistas

José Horta Manzano

No momento em que escrevo, nosso Itamaraty – momentaneamente entregue aos delírios persecutórios de um embaixador júnior – ainda não reconheceu a vitória de Joseph Biden nas eleições presidenciais americanas. O clube dos renitentes está cada dia mais seleto.

Agora que a China, meio acanhada, deu os parabéns ao vencedor, ficamos na companhia de: Eslovênia, Rússia, Hungria, México e Coreia do Norte. Não tenho notícias da Mongólia nem da Quirguízia mas, salvo erro ou omissão, todos os demais já levaram a maçã para a professora.

Cada retardatário arrasta o chinelo por um motivo diferente. Vamos ver um por um.

Eslovênia
Eles estão fazendo papelão por motivo fútil, que combina mais com concurso de Miss Universo do que com relações internacionais. Neste pequeno país de 2 milhões de habitantes e área equivalente à de Sergipe, não acontece grande coisa. Um dia, uma modelo internacional natural do país casou-se com um multimilionário americano. O sonho da moça de origem simples ecoou no país inteiro. Pouco tempo depois, o maridão se tornou presidente. Desde esse dia, o pequeno país anda em cima de uma nuvem. É compreensível hesitarem em reconhecer que o sonho acabou.

Rússia e Hungria
Razões diferentes levam os dois países a almejarem o enfraquecimento da União Europeia. Para a Rússia, uma Europa fraca é desejável, pois alavanca o projeto de poder de Moscou. Para a Hungria, cujo governo atual tende para a direita extrema, o raciocínio é ideológico: uma Europa fraca – se possível esquartejada – liberaria seus Estados membros; nesse caso, alguns poderiam até juntar-se à Hungria e reforçar o clube de dirigentes extremistas autoritários. Aos olhos de russos e húngaros, a permanência de Trump no trono de Washington é a melhor receita para despedaçar a Europa.

México
Este caso também é transparente. Depois das promessas de Trump de construir um muro na fronteira entre os dois países, o relacionamento azedou. É compreensível. Por um lado, é humilhante ver um vizinho dizer por aí que vai levantar muro no quintal dele para se proteger de você. Por outro, caso a passagem entre os dois países ficasse realmente vedada, o México teria de hospedar todos os migrantes oriundos da miséria centro-americana.

Coreia do Norte
Bom, essa é fácil de entender. Faz alguns meses, um planeta estupefato viu imagens inimagináveis: um alaranjado Trump a cumprimentar o rechonchudo herdeiro da dinastia que há 75 anos domina a Coreia do Norte. Encantado com as perspectivas que começavam a se abrir para seu país, Kim Jong-Un reluta em aceitar a partida de Trump.

E o Brasil, nesse clube, que pito toca?

Diferentemente da Eslovênia, não temos primeira-dama brasileiro-americana. Aliás, o Brasil costuma mostrar indiferença quanto ao destino de conterrâneos que vivam além-fronteiras. Sei de muita gente que, vivendo no estrangeiro, tem ou teve relativo sucesso nas letras, nas artes ou nas ciências; gente que, no entanto, é desconhecida no Brasil.

Diferentemente da Rússia e da Hungria, não temos interesse em desmontar a União Europeia. Os projetos de poder do Brasil costumam estender-se ao relacionamento com a vizinhança. Aliás, no atual governo, até com os vizinhos andamos emburrados.

Diferentemente do México, não temos ressentimento contra o grande irmão do norte. O desvario de Trump não chegou ao ponto de imaginar construir muro em nossas fronteiras.

Pode parecer curioso, mas nossa motivação para a ausência de parabéns a Biden tem afinidade com a Coreia do Norte.

Para a galeria, a explicação é ideológica: Mr. Trump representa a defesa dos tradicionais valores ocidentais e cristãos. Mas isso é fachada. No duro, a explicação é mais terra a terra.

Não temos (ainda) nenhuma dinastia despótica no poder, mas o clã aboletado momentaneamente no Planalto é candidato forte. Iludidos com a pseudoideologia de Trump, esperavam que o apoio incondicional e servil dado ao americano pudesse servir de rampa de lançamento para se tornarem donos do Brasil pelas próximas décadas.

Apostaram todas as fichas. Perderam. E ficaram sem ficha.

Inefável presidente

José Horta Manzano

Pessoas públicas – em especial as que ocupam cargos majoritários, como prefeito, governador e presidente – vivem sob os holofotes. É natural. Se quisessem passar a vida incógnitos e abrigados pela sombra discreta de uma mangueira, não se candidatariam.

Uma vez eleitos, conquistam privilégios e mordomias que não são accessíveis à plebe. Em compensação, sua existência perde a privacidade garantida aos demais mortais. Daí dizermos que são ‘pessoas públicas’. Antigamente bastava dizer homens públicos, mas a a linguagem politicamente correta de hoje quer que se mencionem todos os gêneros, sem deixar nenhum de fora; a palavra ‘pessoa’ cumpre a exigência.

Personagens públicos têm agenda pública, são vigiados da manhã à noite, seus deslocamentos são acompanhados. Até suas férias são esquadrinhadas. Ainda que andem na linha, serão analisados e criticados. Se saírem do bom caminho, então, serão alvo de uma torrente de críticas, que podem tomar o rumo perigoso da destituição do cargo.

Políticos mais espertos, que conseguem ser discretos, escapam desse olhar desconfiado e inquiridor. Já os outros, estabanados, se expõem demais da conta. Nesta última categoria, está nosso inefável(*) presidente da República.

Se fizesse um esforço pra conter a língua, seus defeitos, que são incompatíveis com o exercício do cargo, ficariam na sombra. Ao não se dar conta disso, o moço tropeça em perna de cadeira, procura casca de banana pra escorregar, se aventura de chinelão em solo ensaboado. Resultado: dia sim, outro também, tropica. E se esborracha que dá gosto.

Idade Média: vassalo prestando juramento a seu suzerano.

Com a perda de seu mentor americano, ficou ‘aborrecido’ – é o que disse a mídia. Tenho a impressão de que o buraco é bem mais profundo que um simples aborrecimento. Para doutor Bolsonaro, a queda de Donald Trump é a notícia mais pavorosa que podia ter ouvido. Ele há de estar se sentindo muito, mas muito, deprimido.

Basta uma rápida comparação para ver que, entre os dois, há numerosos pontos comuns. ‘Falem bem, falem mal, mas falem de mim’ – é o lema de ambos. Os dois não toleram ser contraditos; assessor que não lhes disser amém será demitido. Em matéria de política externa, nenhum deles tem a mais remota ideia do que seja o frágil equilíbrio entre as nações; vai daí, tratam o assunto a bofetadas. Têm ambos a desagradável tendência a só falar para seus devotos, alheios ao fato de terem de governar todo um país. Poderia enfileirar mais uma dúzia de convergências entre eles.

Há, no entanto, um ponto em que divergem: é o olhar que cada um dirige ao outro. Trump sempre guardou altivez no trato com Bolsonaro, mostrando pouco-caso pelo brasileiro e deixando claro quem é que manda no pedaço. Já nosso presidente visitou o colega americano quatro vezes, sendo que, na última delas, ficou hospedado ‘de favor’ na propriedade particular do anfitrião – um cúmulo de despudor. Trump nunca se dignou de vir ao Brasil.

Doutor Bolsonaro sempre se conformou em ocupar posição submissa, de admirador servil, de lambe-botas do americano. Todos se lembrarão do dia em que se fez fotografar quando assistia, orgulhoso, a uma aparição do ídolo na televisão.

É por isso que, muito mais que ‘aborrecido’, Bolsonaro há de estar deprimido, aterrorizado, catastrofado. Como diria o outro, sente-se perdido como cãozinho caído do caminhão de mudança. Deve estar pensando: ‘Se aconteceu com ele, pode acontecer comigo também’. Essa ameaça é de tirar o sono.

Bolsonaro não tem jeito, que fazer? Como dizia o Barão de Itararé, «de onde menos se espera, daí é que não sai nada».

(*) Inefável é aquilo que não pode ser descrito com palavras. O termo é perfeitamente adequado a nosso presidente. A descrição de seu comportamento e de suas falas não cabe em palavras. Embora extenso, o vocabulário da língua portuguesa é finito; a imbecilidade do doutor, infelizmente, é infinita.

O termo inefável pertence a vigoroso tronco com muitas ramificações. Provém do verbo latino fari, que significa falar, dizer, conversar. Além de inefável (que não pode ser descrito com palavras), a família tem outros membros em nossa língua: afável (pessoa de conversa cortês), fama / famoso / famigerado (coisa ou pessoa falada), infante/infantil (que ainda não fala), ênfase (conceito proferido com destaque), fábula (narração inventada), fonético (que é próprio da voz), difamar / infame (falar mal, mal falado). A lista não é exaustiva.

O fim

José Horta Manzano

A agilidade da informação, porporcionada pela internet, é responsável por profundas mudanças no comportamento dos indivíduos e na organização da sociedade.

É verdade que a Revolução Francesa já tinha mostrado o caminho. Só que não é fácil promover mudança quando se vive sob regime repressivo. Durante os séculos 19 e 20, praticamente todos os povos do planeta viviam sob regime autoritário – uns mais, outros menos. Nas Américas, com exceção dos EUA, golpes de Estado e ditaduras estavam na ordem do dia. Na Europa, o tom foi dado por dirigentes de mão de ferro, como Napoleão, Salazar, Stalin, Hitler, Mussolini, Franco, pra citar os mais importantes.

Atualmente, a impressionante penetração da informação, se não eliminou, pelo menos reduziu o risco de ruptura das instituições e de surgimento de salvadores da pátria.

A queda de Donald Trump, derrubado graças à resistência da grande imprensa e à circulação da informação pelas redes sociais, serve de alerta para todos os candidatos a ditador, sejam eles quais forem. Se caiu Trump – figura marcante que exalava autoconfiança e infundia segurança –, qualquer um pode cair.

Restolho

A derrota do exótico dirigente americano deve-se, sim, ao vigor das instituições de seu país; mas teria sido praticamente inviável se ainda estivéssemos meio século atrás, num tempo em que a informação circulava a passo de tartaruga.

É um alívio constatar que o surgimento desse tipo de personagem mal-intencionado está ficando cada dia mais difícil. Quanto mais adiantado for o país, menor será o risco. Trump já se foi, assim como o italiano Salvini já tinha ido. A Rússia e a China não têm jeito. São países que nunca conheceram a democracia; vai demorar.

Aqui no Brasil, sobrou um restolho(*). O risco de uma guinada autocrática desse estropício fica cada dia mais distante. Aos poucos ele vai se esbagaçar. Com o passar dos meses, vai revelando ser apenas um péssimo governante que faz malabarismos para escapar da cadeia. Já vimos esse filme e sabemos como acaba. The End.

Nota 1
(*)Restolho, palavra pouco utilizada atualmente, aparece há mil anos em textos portugueses. É termo ligado à agricultura, atividade que, a nossa civilização urbana, parece distante. Restolho é a palha seca que sobra no campo depois de terminada a ceifa. Vem de um hipotético latim vulgar *restuculum, através do espanhol restojo.

Foi usada aqui em sentido metafórico com o sentido de o resto, o que não tem serventia, o que não serve mais pra nada. É sinônimo de rebotalho.

Casa com telhado de colmo (restolho)

Nota 2
Não é verdade que restolho não sirva mais pra nada. Durante milênios, serviu para cobrir a casa dos camponeses. Ainda hoje, há muito cottage e muito chalé charmoso coberto com essa palha. Na função de telhado, o restolho se diz colmo.

Carolina do Norte e Niterói

José Horta Manzano

Para quem está acostumado com o esquema 1 eleitor = 1 voto, o sistema eleitoral americano parece surpreendente. Como é que é? Não é o mais votado que vence? Pois é, não é necessariamente o mais votado que vence. Em cinco ocasiões, ao longo da história americana, aconteceu de o vencedor ser o candidato que tinha ficado em segundo no voto popular. Da última vez, foi justamente em 2016, quando competiam Donald Trump e Hillary Clinton. Para nós, é desnorteante. É o famoso “ganha, mas não leva”.

Tudo tem um porquê. Nos tempos de antigamente, quando o sistema foi instituído, o mundo era outro. Não havia internet, nem tevê, nem rádio, nem fax, nem telex, nem telefone. Não havia nem mesmo estrada de ferro. Ainda que o território fosse menos vasto que o de agora, os EUA já eram um país enorme. Viagens eram demoradas e penosas, por estradas poeirentas ou nevadas, em veículo a tração animal.

Por essa razão, ficou combinado que, a cada 4 anos, na hora de escolher o presidente do Executivo, os eleitores de cada estado federado escolheriam, por voto popular, uma comitiva de grandes eleitores, cujo papel era representar os eleitores do estado. No dia marcado, cada unidade da federação enviaria seu grupo de grandes eleitores à capital do país. Cada grupo levava o resultado do voto de seu estado. Na época, a solução era excelente: evitava transportar papéis, borderôs, livros ou urnas.

O tempo passou, muita coisa mudou. Hoje há rádio, tevê, telefone, internet. Viaja-se de trem, de carro, de avião. As mulheres têm (já faz tempo) o direito de votar. No entanto, acomodados com um sistema secular, os americanos hesitam em alterá-lo. A cada vez que a apuração se espicha e ameaça terminar nos tribunais, volta-se ao assunto. Em seguida, as coisas se acalmam e o assunto morre. Até a próxima eleição.

by Adam Zyglis (1982-), desenhista americano

Outra particularidade da eleição americana, surpreendente para um país avançado, é a lentidão da apuração. Neste ano de pandemia, a razão da demora foi o fato de grande parte do eleitorado ter dado preferência ao voto enviado por correio em vez de se arriscar a apanhar um vírus qualquer num local apinhado.

Os estados têm bastante autonomia para fixar as regras da apuração. Alguns deles só validam as cédulas que forem recebidas até o dia do voto nacional – o que me parece correto. Já outros reconhecem votos que cheguem mais tarde; a Carolina do Norte, um caso extremo, aceita votos que deem entrada até 12 de novembro (9 dias depois da eleição). Essa medida é uma maçada, na medida que trava a proclamação do resultado nacional.

Não acredito que o esquema de eleição indireta venha a ser modificado tão cedo. Mas ouso esperar que, com o objetivo de evitar a angústia deste 2020, as normas de aceitação de votos antecipados seja revista. Dependesse de mim, só os votos recebidos o mais tardar 3 dias antes do pleito seriam validados. Assim, a comissão de apuração já poderia começar a trabalhar antecipadamente, de modo que, no dia do voto final, o resultado final sairia rapidinho.

O que eu disse acima não passa de visão de espírito, pura opinião pessoal. Como diziam os gaiatos no Rio de antigamente: ‘não sou daqui, sou de Niterói’(*).

(*) São palavras de um samba de Ataúlfo Alves e Wilson Batista, lançado em 1941 por Aracy de Almeida. No youtube aqui.

Make America Great Again

José Horta Manzano

Tirando toda a antipatia que me inspira o fato de os Estados Unidos se terem apoderado do nome do continente onde nasci, o slogan da candidatura Trump me surpreende.

Make America Great Again (=Faça os EUA voltarem a ser grandes) era o grito de guerra soltado pelo candidato quatro anos atrás. Foi eleito, bem ou mal governou, fez o que devia (e também o que não devia), plantou simpatias, espalhou inimizades. Chega agora ao crepúsculo do mandato. Quer ser reeleito. E qual é o slogan da nova campanha?

Você sabe. É Make America Great Again. Não é curioso? Fica a impressão de que, em quatro anos no poder, não conseguiu o intento. Sua “America” continua small. A meu ver, é confissão de fracasso.

Tinha de ter tomado o cuidado de desempoeirar o brado e transformá-lo em algo do tipo Let’s keep America great – Vamos conservar a grandeza dos EUA”. Ou coisa parecida. Transmitiria a ideia de que um passo imenso já tinha sido dado e de que agora era só questão de não deixar a peteca cair. Até candidato a vereador de Brejo Alagado costuma ser mais criativo.

Se o slogan de Trump continua o mesmo, é sinal evidente de que o objetivo não foi alcançado. Vale então a pergunta: se ele não conseguiu no primeiro mandato, que garantia dá a seus eleitores de que conseguirá no segundo?

This guy, I love him

Vera Magalhães (*)

Não que Trump esteja ligando para o Brasil ou para a família Bolsonaro. Nunca o fez a sério.

Mas o contrário não é verdade: toda a estrutura da política externa brasileira foi erigida em razão dos interesses norte-americanos, que ditaram nossa escolha para a tecnologia 5G, o destino da base de Alcântara, a política de preços de etanol, alumínio e aço, a estratégia de ingresso em organismos multilaterais, nossa política no continente (tendo a Venezuela como ponto central), e até a relação com Israel e Palestina.

by Cristina Sampaio (1960-), desenhista portuguesa

Sem Trump, ficamos a ver navios e ainda mais expostos na questão ambiental, pois Biden certamente se unirá à Europa nas cobranças veementes e na ameaça de retaliação comercial caso continuemos queimando biomas como se não houvesse amanhã.

(*) É jornalista com atuação em numerosos veículos.

Trump, a bomba humana

Ruy Castro (*)

Milhões perderam o emprego por causa do coronavírus. Donald Trump não. A pandemia não obrigou a Casa Branca a fechar as portas. Em consequência, Trump continuou batendo o ponto, recebendo o salário e contando com as benesses de seu cargo, inclusive a de ter sua vida salva.

Não sejamos cínicos. Foi com euforia que o mundo recebeu a notícia de que ele caíra vítima da doença que já afetou 35 milhões de pessoas e cuja gravidade sempre negou. Nada de condolências ou preces hipócritas pela sua recuperação. Multidões torceram para que ele passasse pelos mesmos horrores que nossos parentes e amigos, como o de ser entubado, e, quem sabe, se juntasse ao mais de um milhão de pessoas que o vírus levou. Entre outros motivos, para que alguém menos irresponsável tomasse as rédeas nos EUA e interrompesse o nefasto exemplo que Trump dá a governantes beócios.

Daí o encanto com que acompanhamos a batelada de remédios que os médicos bombearam no seu organismo por uma miríade de orifícios. Trump foi recheado com coquetéis de anticorpos sintéticos, antivirais, melatonina, zinco, aspirinas e antiácidos, associados a quilos de drogas heavy metal como dexametasona, remdesivir e REGN-COV 2, enquanto eles o mantinham respirando com jatos de oxigênio capazes de inflar o dirigível Hindenburg. Só não lhe deram cloroquina porque queriam salvá-lo, não matá-lo.

Com tudo isso, não admira que ele tenha levado apenas três dias para ressuscitar, voltar ao trabalho e jogar fora a máscara. O problema agora é: quem vai proteger a Casa Branca da bomba humana que Trump se tornou, despejando perdigotos por onde passa e atingindo colegas, burocratas, seguranças, faxineiros e até os pobres correspondentes?

Trump declarou que se sente melhor hoje do que “há 20 anos”. Mentira. Há 20 anos ele estava apalpando mocinhas em público. Agora já não lhe serve de nada fazer isso.

(*) Ruy Castro (1948-) é escritor, biógrafo, jornalista e colunista. Seus artigos são publicados em numerosos veículos.

Tweet censurado

José Horta Manzano

Assim que foi anunciada a doença de Donald Trump, a empresa Twitter previu que alguns aproveitariam a ocasião para exprimir desejo de ver o presidente num caixão. Antes que acontecesse, foram logo avisando que bloqueariam a conta de quem tuitasse sua esperança de ver Trump morto pela covid.

Poucas horas mais tarde, ao se darem conta de que teriam de bloquear a conta de pelo menos metade dos usuários, explicaram que não era bem assim. Os tuítes macabros seriam apagados, mas a suspensão da conta só se faria “em alguns casos”.

Nos tempos de antigamente, isso não acontecia. Quando a comunicação ia por carta, telex ou fax, a gente escrevia o que bem entendia. Tirando algum caso (raro) de criminosa invasão de privacidade, ninguém lia as mensagens. A gente podia dizer o que quisesse sem receio de censura.

Ah, esse progresso! Como se vê, progredir é irmão gêmeo de regredir. Quando um aparece, o outro nunca está muito longe.

Tweet ‒ Nuclear
by Patrick Chappatte (1966-), desenhista suíço

Etimologia
Em latim, o verbo gradi significa andar, caminhar. Em português, temos alguns descendentes em linha direta: grau, degrau, graduar, gradual. Com adição de prefixos, formaram-se numerosos filhotes:

Progredir
Andar para a frente

Regredir
Andar para trás

Transgredir
Caminhar para além de um determinado ponto. Transpor determinada meta.

Agredir
Na origem, tinha o inocente significado de andar em direção a um ponto ou a alguém. Com o tempo, passou a significar atacar, investir.

Há outros cognatos: degradar, retrogradar, egresso, progresso, regresso, ingresso.

Interessante será notar que o Congresso, sempre pronto a dar um passinho à frente e outro pra trás, é membro legítimo da família.