Corrupção & cartel

José Horta Manzano

Saiu estes dias a notícia de que a empreiteira Odebrecht participou, com diversas congêneres, de um cartel visando a fraudar licitações públicas em São Paulo. Há quem ponha a formação de cartel no mesmo balaio que a corrupção. Engano. Cartel e corrupção não são a mesma coisa.

Corrupção, como até as estrelinhas de nossa bandeira já sabem, ocorre quando quem tem poder de decisão aceita receber um benefício em troca de dar decisão favorável a determinados interesses. O valor do benefício varia conforme a importância da negociata, podendo ir de uma carona num jatinho até um depósito de centenas de milhões em conta domiciliada em paraíso fiscal. Incorrem em corrupção tanto quem paga quanto quem recebe.

Formação de cartel joga noutro time. Trata-se de acordo entre fornecedores de um mesmo artigo, visando a manter preços interessantes para ambos. Muito mais comum do que se imagina, o cartel é quase impossível de ser desvendado. Alguns raros são de notoriedade pública. Um deles é a Opep, o clube dos produtores de petróleo. Reúnem-se, combinam preços, acertam volumes de produção, e pronto. O mundo todo fica sabendo e ninguém pode fazer nada.

Na vida de todos os dias, os acertos comerciais podem se dar entre duas padarias vizinhas. Podem também ser fixados entre empreiteiras que cobiçam contratos públicos. As padarias combinarão, por exemplo, o preço dos sanduíches. Uma delas venderá o de mortadela mais caro que o da concorrente. Em compensação, a outra cobrará mais caro pelo misto quente. Assim, no final das contas, os preços se equilibrarão e nenhuma sairá prejudicada. É menos desgastante que uma guerra de preços.

As empreiteiras farão a mesma coisa em patamar mais elevado. Suponhamos que quatro ou cinco empresas formem um cartel. Em sistema de rodízio, cada licitação será vencida por uma delas, uma de cada vez. Antes de apresentar a proposta, todas se reunirão e entrarão em acordo. A que deve vencer dirá qual é seu preço. As demais prepararão proposta com valor superior, de forma a garantir a vitória da empreiteira da vez.

Pode chamar de trapaça, fraude, desonestidade, mas não de corrupção. Não é a mesma coisa. Corrupção, dado que costuma envolver favores materiais, deixa rastro: movimentação bancária, malas de dinheiro, apartamentos tipo caixa-forte, conta em paraíso fiscal. Desmascarar um cartel é muito mais complicado, quase impossível. Pode-se desconfiar, mas sempre será difícil provar.

Redes de supermercado, operadoras de comunicações, bancos, companhias de cartão de crédito, empresas aéreas, empreiteiras são ramos em que entendimento prévio sobre preços são o pão nosso de cada dia. Só vejo duas maneiras de «explodir» o sistema, ambas de difícil realização.

Podem-se esconder minicâmeras e microfones na sede das empresas visadas. Esse sistema à soviética, além de ilegal, é antiquado e pouco eficaz, dado que não se sabe onde os entendimentos serão acertados. Alternativamente, podem-se também infiltrar espiões nas altas esferas das companhias suspeitas. Como o anterior, esse método é caro, pouco prático e de difícil implementação.

Não tem jeito, minha gente. Não só o Brasil, mas o mundo todo tem de se conformar com a cartelização. Até que algum sistema, hoje não inventado, venha a coibir uma prática que surgiu junto com o comércio.

Falta de inteligência

Eliane Cantanhêde (*)

Depois de Lula e Dilma acabarem com as câmeras de segurança no Planalto em 2009, o governo dela extinguiu em 2015 o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), órgão de inteligência que assessora o presidente da República nas diferentes áreas. Lula e Dilma temiam revelar quem circulava pelo poder? Tinham algo a esconder? E a extinção do GSI ‒ com o esvaziamento da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) ‒ foi puro desdém ou confusão entre inteligência e espionagem?

Dilma e Lula 4Conforme antecipou o Estadão, Michel Temer restaurou, logo ao assumir, o GSI e nomeou para o cargo o general da reserva Sérgio Etchegoyen, quadro de elite do Exército. Além de encontrar a Abin com um terço da equipe, o general descobriu que não tem como responder a pedidos judiciais ou legislativos sobre a movimentação de pessoas no Planalto. Sabe quem entrou pela portaria principal, mas não se o empreiteiro tal, o lobista tal ou quem quer que seja passou em qual gabinete, em que dia, por quanto tempo.

Qualquer órgão público, prédio de apartamentos, shopping ou loja tem câmeras de segurança, fundamentais para desvendar dezenas, talvez centenas de crimes, como o recente assassinato do embaixador da Grécia. Mas justamente o prédio mais importante do País não tem câmeras há oito anos. Um espanto!(…)

(*) Eliane Cantenhêde é jornalista. O texto é excerto de artigo publicado no Estadão de 17 jan° 2017.

A segunda língua

José Horta Manzano

Você sabia?

O serviço central americano de informação ‒ a conhecida CIA ‒ não se restringe a espionar e a colecionar informações militares sensíveis. Para chegar lá, precisa, naturalmente, coletar alentada massa de dados em diferentes setores de atividade.

Depois de extrair o que lhe interessa, deixa toda informação não sigilosa à disposição do distinto público. Mapas e estatísticas fazem a alegria de apreciadores.

Lingua 5Entre as resenhas, há uma relação das línguas faladas em cada país. Estão lá a língua oficial ‒ que não é necessariamente a mais falada ‒ e os idiomas secundários.

Algumas surpresas aparecem. Em Moçambique, que contamos como país lusófono, apenas 10% da população conhecem a língua de Camões. No pequeno Belize (antiga Honduras Britânica), o total percentual excede 100%, o que demonstra que parte da população fala duas ou mais línguas.

Lingua 3Todos sabem que a segunda língua mais falada nos EUA é o espanhol. Mais surpreendente é saber que, na Austrália, a segunda posição é ocupada pelo chinês.

Quanto ao Brasil, porcentagens não são especificadas. Menção é feita a alguns idiomas europeus, assim como a «grande número» de línguas indígenas.

Lingua 4O portal Movehub valeu-se desses dados e desenhou um mapa-múndi da segunda língua falada em cada país. O resultado é curioso. Sem ser imperdível, não deixa de ser interessante.

Curiosos devem clicar aqui. Em seguida, para ampliar os mapas, clique em cada um deles. Quanto aos mais apressados, basta clicar nas ilustrações para ampliar.

Tudo sobre todos

José Horta Manzano

Você sabia?

Big Brother 4Os caminhos da internet são insondáveis. Que não se ofenda algum distinto leitor perito nas artes informáticas. O que quero dizer é que o uso da eletrônica na comunicação e na estocagem de dados começou faz pouco tempo, portanto somos todos principiantes. Internet e mídia eletrônica estão no estágio em que estava a aviação no tempo de Santos Dumont.

Há muito por vir, coisas que nem a imaginação mais delirante pressente. Sem os modernos meios de comunicação, por exemplo, não teria havido petrolão nem Lava a Jato. Vai longe o tempo em que Jânio Quadros se comunicava com ministros por meio de bilhetinhos manuscritos.

Enquanto isso, vamos tateando. A cada dia, surpreendentes e assustadoras, novidades aparecem. A última delas surgiu semana passada. Trata-se de um site assaz misterioso: é registrado na Suécia, utiliza servidores franceses, tem sede social nas Ilhas Seychelles, vem escrito em português brasileiro – a espalhação necessária para fugir a todo rastreamento. Confirma que ninguém mais escapa do Big Brother.

Big Brother 3Qualquer visitante pode inserir o nome ou o número de CPF do cidadão que procura. Numa fração de segundo, será exibido sexo, data de nascimento, endereço, nome de parentes e de pessoas vivendo sob o mesmo teto. Até o nome de vizinhos aparece!

Todo trabalho merece remuneração. Ao visitar o site, o simples curioso não obtém grande coisa como informação. Depois de pagar em torno de um dólar, aí sim, terá direito a detalhes. Informação sobre empresas está também disponível.

Big Brother 1Testei – sem pagar – a eficácia do sistema. É rápido e impressionante. Sem pôr a mão no bolso, qualquer consulente recebe o CEP e um mapinha google da região onde vive o cidadão procurado. É, em geral, suficiente para saber se realmente bate com a pessoa que temos em mente. A partir daí, para ter acesso a todos os detalhes, só pagando.

Como todo sistema, esse também tem seus limites. Busquei pessoas falecidas há dez, vinte ou trinta anos: pois continuam aparecendo. De evidência, o programa consulta sites públicos, foros, diários oficiais, redes sociais, mas… negligencia verificar livros de cemitérios ou registros de óbitos. Ninguém é perfeito.

À atenção do leitor curioso, dou o endereço: tudosobretodos.se.

Vazamento seletivo

José Horta Manzano

Espião 4O que se passa na cabeça de cada um é mistério. Quem saberá dizer por que cargas d’água o australiano Julian Assange resolveu, um belo dia, criar um site para espalhar segredos de Estado? Curiosa ideia.

Meus cultos e distintos leitores sabem quem é o mencionado cavalheiro. Fundou um site especializado em divulgar informações sensíveis e chamou-o Wikileaks, numa (pretensiosa) alusão a Wikipedia acoplada à raiz inglesa leak (vazamento).

Vazamento 1Especializou-se em disseminar dados confidenciais do governo americano. Poderia ter escolhido outro país? Sem dúvida, mas, assim que recebeu de mão beijada informações sobre a diplomacia daquele país, optou pela facilidade. A limitação linguística de uma equipe monoglota também há de ter pesado na escolha.

Terá buscado a glória, aquela meia hora de fama que muitos almejam? Pode ser.

Terá agido por desafio pessoal, como aqueles que arriscam a vida escalando o Everest? Quem sabe.

Terá sido por interesse financeiro, como se esperasse recompensa por seus atos? Nada é impossível.

Terá sido para ficar na história como o homem que, sozinho, mexeu com as relações de poder entre as nações, como um Napoleão ressuscitado? Vai ver, é isso mesmo.

Napoleon 3Ninguém me fará acreditar que um peculiar sentido de justiça o tenha movido. Pelo contrário, acho que o indivíduo, parco de inteligência, carrega visão filosófica embotada.

Equador 1Apavorado com prováveis más consequências das estrepolias que praticou, refugiou-se na embaixada do Equador em Londres. Faz três anos que lá está, sem perspectiva de sair. Se puser o pé na rua, periga ser apanhado pela polícia britânica,  encarcerado e extraditado para os EUA.

Louco pra sair da embaixada, Mister Assange arquitetou um plano: deixar vazar informação susceptível de encolerizar determinado país e, em seguida, pedir asilo político às autoridades do Estado ofendido. Mas tem de ser país de peso, que possa forçar o Reino Unido a conceder-lhe salvo-conduto da embaixada até o aeroporto.

Começou pela França, tradicional adversário dos ingleses. Semana passada, seu site soltou informação segundo a qual não somente o atual presidente francês foi espionado pela NSA, mas também seus dois antecessores, Sarkozy e Chirac. Quatro dias depois, Mister Assange pediu asilo à França. A resposta veio no mesmo dia. O Palácio do Eliseu, estimando que o requerente não se encontra em situação de perigo imediato, rejeitou o pedido.

Espião 3O segundo na lista foi o Brasil. Logo depois que dona Dilma voltou dos EUA, Wikileaks noticiou que não só ela, mas dezenas de figurões da República tinham sido espionados. Não funcionou. O escândalo engendrado pelo Lula, quando recusou extraditar o condenado Cesare Battisti, deixou marcas em Brasília. Rapidinho, dona Dilma mandou dizer que essa história de espionagem é página virada.

Ela não disse, mas ficou o aviso: que não se atreva esse indivíduo a pedir asilo. Nem vem, que não tem.

Sejam quais forem os motivos que levaram o personagem traquinas a fazer o que fez, o preço está saindo salgado. E o equilíbrio entre as nações continua inalterado. Uma frustração. Ah, se arrependimento matasse…

Uma vida vigiada

José Horta Manzano

Já disse e repito: estamos cada dia mais vigiados. Big Brother está aí, chegou pra ficar. Meus argutos leitores já se deram conta.

by Olga Subirós, arquiteta espanhola

by Olga Subirós, arquiteta espanhola

O espanhol El País publicou artigo sobre o assunto, de autoria da doutora Gemma Galdon Clavell, da Universidade de Barcelona. Ela assinala uma série de objetos e procedimentos de uso diário cujos dados podem escancarar a vida e a intimidade de cada um de nós.

A lista não é exaustiva.

Interligne vertical 16 3Kf1. Videovigilância. É muito prático poder assistir, de longe, ao que está acontecendo dentro de casa. O chato é que um grampo pode ser instalado por terceiros que poderão, assim, assistir às mesmas cenas.

2. Relógios de luz, termostatos e medidores de água, tão comuns e necessários, fornecem informação sobre hábitos do utilizador.

3. Televisores inteligentes e consoles de videogames dispõem de câmeras e microfones. O usuário pode estar sendo espionado.

4. Cartões de crédito são preciosa fonte de dados. Fornecem informações disputadíssimas sobre hábitos de compra.

5. Controles biométricos de entrada e saída armazenam informação sobre passantes.

6. Monitoramento remoto no trabalho pode, através de captura de tela, medir a produtividade do trabalhador.

7. Bases de dados pessoais contêm dados fiscais e de saúde dos clientes. Essa informação pode cair em mãos alheias.

8. Sensores de contagem de pessoas monitoram o fluxo de compradores e o tempo de permanência.

9. Cartões de fidelidade oferecem vantagens e descontos, mas também recompõem o perfil de cada comprador.

10. Ibeacons enviam ofertas para celulares próximos.

11. Wifi gratuito pode bisbilhotar o perfil Facebook de cada utilizador.

12. Cartões recarregáveis de transporte público guardam dados sobre os deslocamentos de cada passageiro.

13. Redes de automóveis e de bicicletas de aluguel registram trajetos dos clientes.

14. Placas de carros podem ser facilmente lidas por sistemas instalados na via pública.

15. Telefonia móvel permite geolocalizar.

16. Câmeras térmicas e sensores sonoros medem o fluxo de pedestres e níveis de ruído.

17. Mobiliário urbano detecta a presença de pedestres. Câmeras podem gravar, com nitidez, a imagem de quem passar.

18. Sistemas de estacionamento com cartão personalizado guardam dados sobre o utilizador.

Como se tudo isso não bastasse, quem nos garante que todas as nossas comunicações telefônicas não estão sendo armazenadas em gigantescas bases de dados? E nossas mensagens eletrônicas?

Big Brother 1É verdade que não há orelhas suficientes para escutar tudo. No entanto, em caso de necessidade, não deve ser difícil encontrar o que tiver de ser encontrado. Quem procura acha.

O que parecia, vinte ou trinta anos atrás, delirante ficção científica é hoje realidade. Estamos cercados – não dá pra escapar.

O mais puro bom senso

Fernão Lara Mesquita (*)

Interligne vertical 11bDepois da violação dos emails pessoais do presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama, por hackers russos;

depois da invasão e roubo de dados – a partir da Coreia do Norte – da database da Sony Pictures;

depois da invasão sucessiva dos sistemas de computadores do Pentágono, do Departamento de Estado e da Casa Branca, apesar de 6.200 especialistas do Silicon Valley estarem trabalhando para a National Security Agency (NSA), o Department of Homeland Security, a CIA, o FBI e o Pentágono exclusivamente para evitar tais violações;

a máquina de votar brasileira desponta no panorama universal como o único sistema informatizado cuja segurança jamais foi violada.

Urna 2Os eleitores brasileiros podem, portanto, dormir tranquilos. Podem seguir dispensando qualquer prova física do que realmente depositaram na urna para entregar os destinos do país, da segurança da pátria e das riquezas nacionais aos bem-intencionados grupos politicos que concorrem a cada quatro anos. Podem seguir confiando exclusivamente na supervisão desse processo por uma empresa de softwares venezuelana.

Faz todo sentido. É do mais puro bom senso

(*) Fernão Lara Mesquita é jornalista e editor do blogue Vespeiro.

Ninguém me ama

José Horta Manzano

by Carlos Alberto da Costa Amorim, desenhista carioca

by Carlos Alberto da Costa Amorim, desenhista carioca

Fala-se hoje menos no assunto, mas é fato que Mister Snowden continua usufruindo as delícias da fria estepe russa. Já faz um ano que está sob aquelas latitudes.

Para quem não se lembra, Edward Snowden era funcionário de baixo escalão de uma empresa terceirizada que prestava serviço à ANS – Agência Nacional de Segurança, central de espionagem americana. Havendo descoberto o óbvio, ou seja, que uma agência de espionagem espiona, decidiu botar a boca no trombone. Sentiu que cabia a ele salvar a humanidade de tal baixeza. Naturalmente, tomou primeiro o cuidado de se afastar dos EUA. Em seguida, convocou a mídia e contou o que sabia.

by Patricia Storms, desenhista canadense

by Patricia Storms, desenhista canadense

Ora, todo dirigente – político ou empresário – sabe que seus passos e atos podem estar sendo monitorados. Sabem todos que suas conversas podem estar sendo captadas por ouvidos indiscretos. A coisa vai e a coisa vem, essa sempre foi a regra do jogo. Mas uma coisa é saber, outra coisa é a mídia mundial publicar, em manchete, que fulano espionou sicrano. Aí a coisa fica feia. Tanto o acusado de espionar quanto a vítima entram em saia justa. Ambos perdem a face.

O que o desmiolado Snowden fez foi romper acordo tácito que mantém em equilíbrio as artes da espionagem: eu sei que você faz, mas não digo nada; eu faço a mesma coisa, mas não quero que você diga.

O resultado do imbróglio é que o moço acabou desterrado lá pelas bandas de Moscou. Transformou-se em fardo que ninguém quer carregar. Senhor Putin se sentiria feliz em livrar-se do moço, mas ninguém quer saber de acolhê-lo.

EspiãoNão é só no Brasil que procurados pela Interpol dão entrevista. Estes dias, Mister Snowden consentiu em ser questionado por jornalistas. Reiterou que gostaria de voltar à pátria, mas que só o fará se os EUA se comprometerem a amoldar o desenrolar do processo a determinadas exigências suas. Pode esperar sentado.

Aventou também a hipótese de obter asilo na Suíça. Cá entre nós: quem é que não gostaria? Só falta combinar com os suíços, detalhe do qual o postulante ainda não cuidou. Aliás, seu ato de candidatura começou mal. Logo de cara, descreveu Genebra, a segunda cidade do país, como “a capital da espionagem”. Que declaração infeliz! Realmente, esse rapaz tem o estranho dom de cuspir na sopa antes de engolir a primeira colherada.

Essa história nos deixa de herança alguns ensinamentos.

Interligne vertical 12Temos a confirmação do que já estávamos cansados de saber: todos espionam todos, cada um se valendo dos meios de que dispõe.

Toda publicidade dada a fatos de espionagem é nociva e indesejada. Não interessa a espiões nem a espionados, dado que os enfia a todos em saia justíssima.

Diga-se (ou faça-se) o que for, a prática da espionagem, velha como o mundo, continuará firme e forte. Nada nem ninguém será capaz de dar-lhe um basta.

Não saberemos nunca se Mister Snowden terá agido por convicção ou por destrambelhamento. Continuo a acreditar que o moço é descabeçado. Louco manso, como se diz. Incomodou um bocado de gente para chegar a um resultado final nulo.

A caixinha mágica

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 7 mar 2015

Caixa 1Minha avó, genuíno produto do século 19, nasceu antes do rádio, do avião e do automóvel. Mal e mal chegou a conhecer a televisão. Costumava contar uma história fantástica que tinha ouvido quando criança. Falava de um rei de conto de fadas que possuía uma caixinha mágica. Aproximando o ouvido do estojinho, o monarca podia escutar tudo o que acontecia no reino, inclusive as conversas de todos os súditos. Um prodígio.

Radio 4«Era o rádio!» – explicava-nos a velhinha, extasiada de ter assistido à transmutação da caixa mágica em objeto real. Até o último suspiro, a velha senhora acreditou firme que, com a radiodifusão, a humanidade tinha atingido o apogeu em matéria de comunicação e de encurtamento de distância.

Estava enganada, como hoje sabemos. Ainda havia muito pela frente. Vieram os satélites artificiais e, com eles, a banalização da telefonia intercontinental. Aviões a jato converteram expedições dificultosas em escapadinhas de fim de semana. Os complicados «cérebros eletrônicos» de antanho evoluíram: onde antes exigiam local vasto e exclusivo, cabem hoje no bolso de qualquer mortal. Calculadora de supermercado tem poder superior ao dos gigantescos ancestrais.

Carro 3Veja só como era. Uma explosão, atribuída a enorme meteoro, sacudiu a Sibéria em 1908. A rebentação destruiu a floresta num raio de 20 quilômetros e danificou aldeias a léguas dali. De trem, a notícia levou alguns dias para chegar aos ouvidos do tsar, na capital do império. Precisou mais algumas semanas para o mundo ficar sabendo. Para arrematar, a primeira expedição de inspeção científica ao local só foi organizada vinte anos mais tarde. Era essa a velocidade com que notícias se alastravam.

O mundo mudou. O andamento se acelerou. A assombrosa rapidez com que zilhões de gigabaites se disseminam a cada segundo tem facilitado a vida de muitos – mas conturbado a existência de outros. Quem pouco ou nada tem a esconder aprecia o ritmo frenético de redes sociais, uotisaps & congêneres. Já pra quem prefere a discrição… todo cuidado é pouco. O ambiente está ficando perigoso.

Qualquer cidadão dotado de bom senso concorda que o Brasil atravessa etapa periclitante. Se a vertiginosa circulação da informação não é causa única, tem contribuído para agravar.

Apito 1Já não se pode mais ter confiança em nada nem em ninguém. Câmeras, grandes e pequenas, estão por toda parte. Você pode estar sendo filmado e gravado pelo próprio cidadão com quem está confabulando – um microaparato pode-se dissimular no nó da gravata ou até no botão do colarinho.

Um magistrado toma emprestado por alguns minutos um carrão apreendido, só pra sentir o gostinho de sentar-se ao volante de um bólido, e pronto: já foi filmado, gravado e denunciado. Um apuro!

Camera 1Um figurão, no inocente intuito de conhecer a cotação do dólar, chama um doleiro amigo, e pronto: já caiu na boca do povo. Uma impropriedade!

Um obscuro funcionário dum banco de Genebra, ao levar no bolso um trivial pendrive carregado com dados financeiros de seleta clientela, incendiou a banca e mandou para o espaço o secular segredo bancário suíço. Uma iconoclastia!

Nossa presidente já disse mais de uma vez que nunca antes neste país se haviam investigado tantos crimes. Tem razão. Primeiro, porque nunca se tinha visto cachoeira de malfeitos tão caudalosa. Segundo, porque a linha que antes apartava os bastidores do picadeiro está cada dia menos nítida. Francamente, já não se pode mais nem delinquir em paz.

Computador 8O que tem salvo figurões, medalhões e magnatas – por enquanto! – é o fato de o cenário andar muito concorrido. Os envolvidos são pletora, e o palco está lotado. Tudo o que é demais cansa. Chegado ao ponto de exaustão, o cidadão, vencido pela apatia, vai-se tornando blasé, indiferente.

Mas deixe estar. Mais dia, menos dia, esse deprimente espetáculo do petrolão, em cartaz já faz um ano, há de chegar ao fim. Alguns comparsas serão irremediavelmente condenados, nem que seja para exemplo. Já os capangas-mores – alguém duvida? – escaparão. Impedimento da presidente? Nem pensar. Não interessa a ninguém, e a emenda pode sair pior que o soneto.

Big Brother 1O petrolão terá sido marco divisório entre o velho Brasil e o novo. Deverá desestimular a corrupção, assim como a Segunda Guerra baniu conflitos globais.

Nepotismo, compadrio e corporativismo sempre existirão, é inelutável. Mas, convenhamos, candidatos à delinquência em escala industrial serão muito cuidadosos da próxima vez. Onde antes não havia risco, hoje há. Big Brother veio pra ficar.

Missão de espionagem

Sebastião Nery (*)

Siqueira Campos, chefe da conspiração de 1930 em São Paulo, chamou Oscar Pedroso Horta, redator do Estado de São Paulo. Disse-lhe:

– Preciso renovar meus códigos de comunicação com Prestes, que está em Buenos Aires, levar uns mapas para ele organizar os planos do levante e trazer de lá um aparelho de rádio mais potente. Mas não esqueça: são mapas de guerra, privativos das Forças Armadas. Você vai cometer um crime de traição à Pátria. Topa?

Mapa 2Pedroso Horta topou. Pegou um avião da Nirba numa praia de Santos, dormiu em Porto Alegre, continuou para Montevidéu e voou para Buenos Aires, com aquele rolo enorme de mapas debaixo do braço. Foi para o hotel. De manhã, procuraria Prestes no endereço marcado.

De repente, batem à porta do quarto. Era um homenzinho muito magro, com botinas de elástico:

– Sou o comandante Luís Carlos Prestes. O senhor não é Oscar Pedroso Horta? Trouxe uma encomenda de São Paulo para mim?

– Não o conheço. Vim a negócios. Não trouxe nada para ninguém.

O homenzinho foi-se embora. Pedroso Horta trocou logo de hotel, pegou um táxi e foi ao endereço de Prestes. Bateu à porta. Alguém abriu. Era exatamente o homenzinho muito magro: Prestes.

(*) Excertos de artigo do jornalista Sebastião Nery.

Não me esqueçam!

José Horta Manzano

O senhor Julian Assange, nome meio esquecido ultimamente, está mofando há dois anos num cubículo da embaixada do Equador em Londres.

by Patricia Storms, desenhista canadense

by Patricia Storms, desenhista canadense

Sabe-se lá por que razão, o gajo decidiu um dia subir ao telhado e gritar ao mundo o que o mundo já sabia. Contou que agências americanas bisbilhotavam a vida e a obra de gente importante e de empresas relevantes. Por malícia ou por ignorância, nada disse sobre agências de outros países.

O primeiro caso de espionagem se deu quando um agrupamento de neandertais sofreu a primeira cisão, indo cada subgrupo morar em caverna própria. A partir do dia seguinte, cada grupo designou emissário para, discretamente, inteirar-se do que estava acontecendo na caverna rival.

E assim continua até hoje. Todos espionam todos. Marido e mulher, pais e filhos, chefes e subordinados, bandoleiros, seitas religiosas, partidos políticos. E, com maior razão, países. Democráticos, comunistas, fascistas, autoritários, liberais, republicanos, monárquicos ― todos os países se espionam entre si. Na medida dos interesses de cada um e, é claro, de suas possibilidades.

by Carlos Alberto da Costa Amorim, desenhista carioca

by Carlos Alberto da Costa Amorim, desenhista carioca

É altamente improvável que agências americanas sejam as únicas interessadas em abelhudar altas esferas brasileiras. Não precisa ser formado em contraespionagem para imaginar que russos, chineses, argentinos, britânicos, alemães, franceses também tentem colher informações sobre o que se passa em Tupiniquínia.

Bom, eu disse tudo isso para reafirmar que, ao dar com a língua nos dentes, o senhor Assange não disse nada de extraordinário. Todos fizeram cara de espanto e ar de melindre, mas era ― ou deveria ter sido… ― só pra inglês ver.

Depois de dois anos sem botar o nariz fora do imóvel onde se encontra, é compreensível que Assange esteja à beira de um ataque de nervos. Como bom súdito da Coroa, ele sabe que as autoridades britânicas não costumam largar o osso. Uma vez que decidiram negar-lhe salvo-conduto e vigiar a saída da embaixada 24 horas por dia, irão até o fim.

Outro dia, o refugiado bateu um papo telefônico com um jornalista do Estadão. Percebendo que, no Brasil, alguns ainda se lembram dele, decidiu requentar o prato já servido dois anos atrás.

Para botar medo nas autoridades brasileiras ― e tentar, quem sabe, cavar uma oferta de asilo ―, ressaltou o fato de que «os EUA são capazes de cortar o Brasil do resto do mundo em qualquer momento que queiram». É grande o risco de sua advertência cair em ouvidos de mercador.

EspiãoEm primeiro lugar, porque é de conhecimento geral que o grosso das telecomunicações planetárias transita pelos Estados Unidos. Assim é e assim continuará a ser. Não faz sentido instalar centenas de cabos submarinos para ligar o Brasil diretamente a cada país.

Em segundo lugar, porque o refugiado agita espantalho na hora errada. Período eleitoral não é momento adequado para esse tipo de polêmica.

Em terceiro lugar, vem a razão mais importante. O Brasil não precisa de interferência dos EUA para desligar-se do mundo. Nosso governo federal, com a inestimável ajuda dos aspones que cuidam de nossa diplomacia, já está cuidando, faz anos, de apequenar nossa importância na cena planetária. Mais alguns anos, conseguirão.

Thank you anyway, Mr. Assange. Valeu!

À prova de vazamento

Ruy Castro (*)

Na semana passada, Merkel expulsou o chefe da CIA na embaixada americana em Berlim, por aliciar funcionários da inteligência alemã para se tornarem agentes duplos e venderem informações aos EUA. Depois de sofrer com as polícias secretas nazistas e comunistas por quase 60 anos, é natural que os alemães não gostem de ser espionados. E, afinal, não somos aliados dos EUA? ― pergunta Merkel. Por que espionar aliados?

Porque não há aliados no mundo digital. O homem de capa, chapéu e luvas, adentrando de madrugada um gabinete, vasculhando arquivos com a lanterna, subtraindo pastas de documentos datilografados ficou obsoleto. Hoje, sem sair de seu quarto, um escolar munido de um smartphone consegue furar bloqueio de qualquer instituição e surrupiar seus documentos em 0,1 segundo.

Talvez por isso, o chefe do Parlamento alemão ― o democrata-cristão Patrick Sensburg ― tenha anunciado em televisão que ele e seus colegas estão considerando voltar a usar máquina de escrever para redigir documentos mais sigilosos. O apresentador perguntou-lhe se ele estava brincando. E Sensburg, na lata: «Não, não estou. Os russos já estão fazendo isso desde o ano passado».

(*) Ruy Castro (1948-) é escritor e jornalista. O texto acima transcrito é excerto de artigo publicado pela Folha de São Paulo em 21 jul° 2014.

É pra lá ou pra cá?

José Horta Manzano

Pra cima ou pra baixo? Pra esquerda ou pra direita? Pra frente ou pra trás? O panorama político-econômico global é como uma quadrilha. Atenção! Estou falando daquelas de São João, não de malta de larápios.

Como toda dança de grupo, a quadrilha exige dos participantes boa coordenação. Nada de sair cada um pro seu lado pulando como lhe agrada. Se é hora de dar um passo à frente, todos têm de dá-lo ao mesmo tempo. Quando é hora do balancê, todos balançam igual. No tour, todos se põem a girar juntos.

Há gente graúda, em nosso País, que ainda não entendeu isso. Entre 23 e 24 de fevereiro, duas manchetes divergentes foram estampadas. Estão lá:

Interligne vertical 7«Brasil lança iniciativas para criar constrangimento aos EUA por espionagem na web»
Estadão, texto de Jamil Chade

«Brasil quer acelerar acordo do Mercosul com UE, diz Dilma a empresários»
Folha de São Paulo, artigo de Leandro Colón

Costumo dizer que não é possível ser e não ser ao mesmo tempo. Não se pode puxar a corda concomitantemente por uma ponta e pela outra, sob pena de ficar parado no mesmo lugar. E com risco de romper a corda ainda por cima.

Gemeos 1Dona Dilma, seus marqueteiros e seus ingênuos assessores costumam partilhar o planeta em «blocos», segundo sua conveniência. Enxergam um mundo dividido em agrupamentos estanques e acreditam que essa visão corresponda à realidade.

Enchem a boca para falar de um Brasil que «pertence»(sic) aos Brics, como se essa sigla ― inventada entre um hambúrguer e uma coca-cola por um «especialista» americano ― definisse a realidade.

O Planalto, manietado pelo primitivismo dos dirigentes do Mercosul, acredita numa forte oposição entre os EUA e a UE. Essa visão não corresponde à realidade. No fundo de cada europeu, os EUA continuam uma espécie de Terra Prometida.

Os habitantes do velho mundo enxergam a América do Norte como uma continuação da própria Europa. Tanto na visão dos europeus quanto na dos americanos, o mundo ocidental se restringe à Europa mais os Estados Unidos.

Assim como o atual governo brasileiro divide o povo tupiniquim entre «nós» e «eles», europeus e americanos enxergam um mundo bipolar. Europeus e americanos são o «nós». O resto é o «eles».

Gemeos 2A estratégia de «criar constrangimento» para os EUA e, ao mesmo tempo, acelerar acordos comerciais com a UE é esquizofrênica. Seria como afagar um irmão enquanto se pisa o pé do outro.

O vínculo entre Europa e Estados Unidos ― não necessariamente formalizado por tratados ― é visceral, entranhado, tipo unha e carne. Não se pode procurar aproximação com um deles enquanto se tenta «constranger» o outro.

Todo o mundo sabe que não convém semear zizânia entre dois amigos. Os marqueteiros do Planalto, infelizmente, não aprenderam a lição. Se o Itamaraty ― que já foi ajuizado e competente ― não estivesse sendo tão humilhado pelo atual governo, talvez até se animasse em dar um conselho. No estado atual de coisas, mais vale calar. Pra não levar bordoada.

Deixe estar, que um dia acaba. Ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil. A escolha é nossa.

Sinal de importância

José Horta Manzano

Ai, ai, ai, dona Dilma deve estar morrendo de inveja. Segundo o site alemão de notícias Focus online, Angela Merkel teve seu telefone celular grampeado pelos serviços secretos de pelo menos 5 países. A informação foi repercutida por numerosos sites informativos, entre os quais Market Watch, braço de The Wall Street Journal.

Cinco países! Isso é que é prestígio(*). Pelas informações que o site publicou em 24 de novembro, os EUA, a Rússia, a China, o Reino Unido e até a enigmática Coreia do Norte andaram bisbilhotando as conversas da Bundeskanzlerin, a chefe do governo alemão.

Frau Angela Merkel

Frau Angela Merkel

Nossa presidente deve estar-se sentindo desconsiderada. Um único e solitário país apareceu no radar da contraespionagem tupiniquim. E, assim mesmo, porque um certo senhor Snowden andou delatando. Se assim não fosse, nosso radar estaria mostrando céu sereno.

Se o esperneio, o dinheiro e o esforço que nosso governo costuma despender para forjar uma imagem de Brasil-potência fossem utilizados de maneira mais judiciosa, nosso país estaria no bom caminho para escapar de sua condição de nação periférica.

Infelizmente, nossos mandachuvas ainda não entenderam que a construção de uma casa tem de começar pelos alicerces, não pelo telhado. Saco vazio não para em pé. Investir em infraestrutura e instrução pública é o único caminho. Fora daí, não há salvação, gostem ou não gostem.

(*) Compreendo mal o porquê de a imprensa, ao fazer esses anúncios, conjugar o verbo no passado. «Foi espionado», «espionaram» e que tais. Como assim? Acabou? Espionagem internacional é página virada? Como diz o outro: «me engana, que eu gosto».

Eu espio, tu espias, ele espia

José Horta Manzano

De certas coisas, mais vale não falar. Não se pode dizer tudo o que se pensa. Não se pode fazer tudo o que se quer. Não se pode ficar sabendo de tudo o que se passa. O mundo é assim, sempre foi, e assim há de continuar. Cada macaco no seu galho.

Todos os suíços sabem que suas montanhas lembram queijo Emmenthal. São todas cheias de furos, de túneis, de cavernas, de depósitos de munição, de bunkers, de sofisticados sistemas de ventilação, de importante estoque de víveres, de geradores de energia, de postos de comando dotados de sofisticada eletrônica. Parece que até baterias antiaéreas, tanques de guerra e aviões estão armazenados em galerias escavadas. Esses refúgios, que existem há séculos, estão previstos para abrigar, em caso de guerra, o governo e as personalidades que conduzem o país.

Antena Crédito: Riccardo Umato

Antena
Crédito: Riccardo Umato

Devem servir também como reserva de alimentos para a população em caso de bloqueio do país. Todos sabem da existência dessas instalações, mas muito poucos estão a par dos detalhes. Uma meia dúzia de oficiais de alta patente, ninguém mais. Não faria sentido anunciar aos quatro ventos a localização, o conteúdo e a função de cada esconderijo. Não ajudaria ninguém e, pior, daria preciosas informações a eventuais adversários.

Por definição, o que é secreto não deveria ser comunicado ao distinto público, muito menos publicado em jornal. É o caso das atividades ligadas aos serviços de inteligência. Nesse campo, toda discrição é pouca. Se assim não for, não faz sentido. Um serviço secreto aberto à curiosidade pública não tem razão de ser.

Essa CPI da espionagem, a meu ver, não deveria nem ser cogitada, que é vespeiro peçonhento. Furiosa da vida quando se soube espionada, dona Dilma reagiu como criança mimada: melindrou-se e acabou dando mais uma prova de sua inexperiência. Armou um fuzuê, desperdiçou a deferência especial de ser a primeira a discursar na abertura anual dos trabalhos da ONU, esperneou, procurou juntar aliados, perturbou relações bilaterais entre o Brasil e os Estados Unidos. Tudo isso para um resultado nulo.

Estes últimos dias, chegou a vez de nossa despreparada presidente engolir sapinhos. O anúncio de que nossos serviços de inteligência também espionam invalida todo o esperneio destas últimas semanas. Ou dona Dilma sabia de tudo ― nesse caso, tem simplesmente mentido e feito jogo de cena. Ou dona Dilma não sabia de nada ― nesse caso atesta sua inaptidão para exercer as funções que lhe foram confiadas.

Jornais ― e até a própria chapa-branquíssima Agência Brasil ― informaram estes dias que países estrangeiros dispõem de centenas de antenas de comunicação instaladas em território brasileiro. Quatro países estão mencionados: EUA, França, Chile e… Romênia. Só esta última conta com 20 antenas próprias plantadas legalmente em território brasileiro! Datam da época soviética?

Eu confesso que não sabia disso. Mas tenho uma desculpa: não sou presidente da República. O ocupante do cargo maior dispõe de assessores, informantes, secretários, assistentes, ministros, comissários, enfim, gente paga para mostrar-lhe o caminho das pedras. Ou a equipe de dona Dilma é constituída de incapazes, ou a presidente não lhes dá ouvidos. Tenho tendência a dar mais crédito à primeira hipótese.

Antena

Antena

Falou-se de antenas instaladas por quatro países. E os outros? Rússia, Reino Unido, China, Alemanha, Japão, Venezuela, Argentina como fazem para se informar? Escutam A Voz do Brasil ou o Jornal Nacional?

Faltou ainda mais um capítulo. O Brasil também há de ter antenas plantadas em território alheio, pois não? Quantas são? Onde estão? Para que servem?

Se os responsáveis não acharam útil informar nem a presidência da República ― que parece cair das nuvens com a descoberta ―, não é a nós, meros mortais, que grandes revelações serão feitas.

E está muito bem assim. Serviços secretos não têm vocação para trabalhar abertamente, muito menos para conceder entrevistas coletivas. Deixemos que cumpram sua missão tranquilamente.

Interligne 18g

Informações repercutidas por:
Agência Brasil
Estadão
Blog Link, alojado no Estadão

Rapidinha 1

José Horta Manzano

O governo brasileiro é autossuficiente! Enquanto os americanos precisam da ajuda de um funcionário terceirizado, nossas autoridades desvelam sozinhas documentos classificados como secretos ― e até ultrassecretos!

Vinte dias atrás, o Estadão publicou foto de uma parte dos arquivos federais a que teve acesso. Repare que não são do tempo de Matusalém: alguns têm apenas 25 anos, ou seja, podem implicar pessoas que ainda estão vivas e na ativa.

Não nos faz falta nenhum Snowden. Como se costuma dizer: “não precisa me ajudar ― sei errar sozinho”.

Business as usual

José Horta Manzano

Interligne vertical 12«The disclosure that France is a target for US electronic espionage is about as much of a revelation as the news that restaurants in Paris are better than those in Washington.»

«A notícia que a França é alvo da espionagem eletrônica americana é tão surpreendente quanto o fato de haver melhores restaurantes em Paris do que em Washington.»

David Blair, antigo editor do caderno de Diplomacia do diário The Telegraph (Londres). Em 21 out° 2013.

Uma coisa ainda não está clara para mim. Por que será que as revelações do senhor Snowden, antigo empregado de uma empresa que presta serviços à agência americana de inteligência, vêm sendo liberadas em doses homeopáticas? Quem estará retendo o fluxo e liberando um bocadinho de cada vez?

Segredo

Segredo

Há uma razão para tudo. A nenhum governo interessa prolongar esse assunto, nem aos espiões, nem aos espionados. Nenhum grande empresário tampouco estará interessado em fazer suspense antes de deixar o mundo saber que seus negócios foram espionados. Pega mal pra todos. Então, quem será?

Não imagino que, em seu retiro russo, o funcionário indiscreto disponha de uma conexão de alta velocidade à internet que lhe permita continuar a destilar livremente seus guardados, sem supervisão da feroz censura local. Além do que, a condição que lhe foi imposta pelos russos para concessão de asilo temporário foi justamente a de não causar mais danos ao governo americano. Não interessa a Moscou acirrar tensões com Washington. Tirando espionandos e espionados, sobram os jornalistas. É uma boa pista.

Talvez algum leitor também se lembre do fenomenal atleta ucraniano Serguêi Bubka. Foi aquele que, entre 1983 e 1997, bateu 35 vezes o recorde mundial de salto com vara. A explicação veio mais tarde. Quando um atleta batia uma marca mundial, recebia um prêmio em dinheiro. Já desde o começo de carreira, Bubka sabia que podia superar os 6 metros de altura. No entanto, não o fez. Pelo menos, não logo de cara, de uma tacada só. Foi aos pouquinhos, centímetro por centímetro. Daí ter conseguido, a cada novo campeonato, bater o recorde que ele mesmo havia cravado meses antes. E a cada vez, naturalmente, embolsou o prêmio especial pela nova façanha.

Fico aqui a conjecturar se jornalistas não estariam agindo da mesma maneira. É possível que, em matéria de espionagem entre Estados, disponham de importante massa de informações e as estejam destilando gota a gota. Não é ilegal e, ainda por cima, faz vender jornal. Que queremos mais?

Segredo?

Segredo?

Mas há o reverso da medalha. Tudo o que é demais cansa, já diziam os antigos. Passado o primeiro momento de estupor ― sincero ou teatral, pouco importa ―, os ânimos vão-se acalmando. Da indignação, passa-se à derrisão. Alguns jornalistas já atingiram essa fase.

David Blair, jornalista do inglês The Telegraph, citado no cabeçalho deste artigo, é um deles. Seu texto apareceu no jornal londrino e foi reproduzido pelo francês Courrier International.

O caderno de Opinião do Los Angeles Times, por seu lado, publicou artigo de Paul Whitefield, que vai pelo mesmo caminho. O escrito foi retomado na França.

De irônico, o tom está-se tornando sarcástico. A polêmica vai logo se extinguir. Não interessa a muita gente espichá-la.