Poderia ter sido pior

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense de 31 dezembro 2022

Virada de ano é o momento de dar uma parada, olhar pra trás, olhar pra frente e buscar, na euforia efêmera do espocar dos fogos, ânimo pra seguir adiante.

Cada um tem a idade que tem, não há como evitar. Se fosse um carro, este escriba, que já rodou mundo, contaria muitos quilômetros no odômetro. Me lembro dos ensolarados anos 60 e 70, quando o futuro nos pertencia e um fusquinha era nosso objeto de desejo. Mas os anos passaram e o panorama mudou. As cidades brasileiras se estufaram e engoliram, em congestionamentos crônicos, nossos ingênuos objetos de desejo. Quanto ao futuro, já nem temos certeza de que nos pertença. Entre crise climática, pandemia e ameaça nuclear, nem sabemos se futuro haverá.

Constato, consternado, que nosso fluxo migratório se inverteu. Meio século atrás, o número dos que escolhiam o Brasil para se estabelecer e recomeçar a vida era muito superior ao de brasileiros que se iam. Na atualidade, cresce a cada ano o contigente de brasileiros desiludidos, que abandonam nosso país em busca de um futuro melhor em outras terras. O país do futuro já não atrai aquele mundaréu de gente e já não cativa nem seus próprios cidadãos. Dá dó assistir impotente a essa fuga de braços e de cérebros, gente que, no futuro, só voltará para as férias.

Hoje à meia-noite (se o mundo não acabar daqui até lá), teremos tirado o pé de 2022, um ano agourento. No nível mundial, a invasão da Ucrânia nos fez retroceder oito décadas a um período em que Herr Hitler, julgando que faltasse Lebensraum (espaço vital) a seus súditos, armou suas tropas e invadiu países soberanos. Era um tempo que, até outro dia, todos acreditávamos superado, morto e esconjurado. Putin nos ensinou que nenhuma verdade é eterna e que não convém baixar a guarda.

Essa ressurgência da guerra tem infligido horrores ao povo agredido. Até países que, embora distantes da cena bélica, dependem dos grãos ucranianos estão em estado de insegurança alimentar. Assim mesmo, os russos poderiam até ter invadido algum país da Otan, o que acenderia o braseiro de uma guerra mundial. Felizmente, não o fizeram. No fundo, poderia ter sido pior.

Nosso capitão, que vive hoje seu último dia de mandato, foi outro que aprontou. Não chegou a cogitar invadir o Paraguai nem recuperar o Uruguai, mas um dia ousou ameaçar os Estados Unidos (!), explicando a Biden que “Quando acabar a saliva, tem que ter pólvora”. Mas, para alívio de nossas angústias, ficou no blá-blá. Não despachou tropas em direção ao grande irmão do Norte. Veja você que, no fundo, poderia ter sido pior.

O negacionismo científico do presidente, que tinha se manifestado já no estouro da pandemia com a sonegação de vacina e oxigênio, continuou firme e adentrou 2022. Verbas foram negadas a tudo o que, de perto ou de longe, estivesse no campo da ciência. Universidades federais e bolsistas viram sua dotação fortemente diminuída ou até suprimida. Talvez o capitão tenha tido ganas de mandar fechar universidades em todo o território nacional e acabar de vez com esses “perigosos ninhos de comunistas”. Não o fez. Veja você que, no fundo, poderia ter sido pior.

O golpismo, característica inerente ao capitão, manteve-se empinado. A cada ocasião que lhe pareceu propícia, Bolsonaro avivou a chama. Jamais deixou cair a peteca. A ideia fixa que o atormenta desde os tempos da caserna não enfraqueceu. Queria porque queria dar um golpe de Estado. No caso dele, seria um “autogolpe”, variante tipicamente latino-americana já testada por numerosos governantes de nossa região. Talvez por não se sentir escorado pelas Forças Armadas, Bolsonaro não ousou ir às últimas consequências. Tivesse ido, estaríamos vivendo um caos que a imaginação mais fértil não consegue avaliar. Veja você que, no fundo, poderia ter sido pior.

De susto em susto, de tranco em tranco, de solavanco em solavanco, chegamos ao fim de um ano que não deixará saudades. Amanhã acordaremos aliviados por ver o fim de um ciclo atroz, mas também apreensivos por ver a volta de Luiz Inacio ao poder. Nós, os que escrevemos sobre política nacional, baixaremos enfim a arma. Mas Lula que se cuide: nossa metralhadora é rotatória. Que ele não bobeie, se não “vai ter pólvora”.

Feliz ano novo a todos.

Na antevéspera do gozo – 2

Brasília: Praça dos 3 Poderes em construção

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Há mais de cinco anos detectei pela primeira vez uma sinistra coincidência entre momentos de pré-júbilo nacional e a ocorrência de alguma tragédia ou reviravolta frustrante na vida institucional brasileira. Dei a esse fenômeno inusitado o nome de “antevéspera do gozo” e desde então comecei a me perguntar das razões para seu surgimento.

Analisando alguns acontecimentos históricos ligados a momentos de grande mobilização cívica interrompidos abruptamente – como a rejeição da emenda das Diretas Já depois de 21 anos de ditadura e após expressivas manifestações de rua da sociedade civil, a morte de Tancredo Neves antes de assumir o cargo presidencial e consolidar a transição para a volta do regime democrático, o acidente aéreo fatal que atingiu Eduardo Campos, a principal novidade da campanha ao lado de Marina Silva, a poucos meses da eleição presidencial de 2014, e até a morte do ministro do STF Teori Zavascki, o único que poderia enquadrar os desvios éticos de Sérgio Moro e conduzir a Operação Lava Jato com segurança jurídica e imparcialidade até o final -, cheguei à conclusão que temos, como cultura, um caráter evidentemente histérico.

Com isso quero dizer que estamos perpetuamente surfando na crista de uma onda de excitação coletiva que jamais encontra descarga completa e impede que seja zerada a tensão política acumulada. Quando sentimos que se aproxima o momento do gozo final, algo em nós inexplicavelmente se assusta, se tranca e recua. E, quando se bloqueia a energia libidinal, ela por assim dizer “apodrece” qual água estagnada e contamina outras áreas do psiquismo. A incapacidade de entrega amorosa plena termina gerando desprazer e frustração, o que, por sua vez, deriva para a formação de irracionalidades, perversões, neuroses, fanatismo, misticismo, etc. A potência orgástica se perde e se divide em uma série de gratificações secundárias.

Se confirmado, esse traço cultural histérico explicaria ainda outras duas tendências com as quais venho trabalhando para entender a brasilidade: o baixíssimo comprometimento da população com processos (de qualquer tipo, mas especialmente os de construção democrática) e a ânsia de obter resultados praticamente imediatos, ou expectativa de mudança mágica da realidade. Em segundo lugar, a bipolaridade estrutural que nos faz oscilar entre momentos de eufórica autoestima {como acontece quase sempre no futebol e no carnaval) e outros de depressão (síndrome do vira-lata) e autocondenação (principalmente em períodos pós-eleitorais, com a sistemática repetição da crença de que brasileiro não sabe votar).

Ainda não sei quais e quantos outros fatores estão em jogo, mas posso apostar que a recusa em juntar forças para o atingimento de um orgasmo-cidadão está ligada ao eterno confronto entre nossas raízes africanas e indígenas de valorização da coletividade e a herança conservadora e individualista de nossos colonizadores portugueses. Aparentemente, isso se deve às pesadas noções de culpa e pecado da tradição judaico-cristã herdada deles que interferem em nosso caráter original de afetividade despudorada, espontaneidade e liberalidade sexual.

Pois bem, parece que está prestes a acontecer de novo. Desde 30 de outubro, nem um dia se passa sem que ouçamos a profecia: “O ladrão não vai subir a rampa”. Como, desta vez, Deus parece ter optado por não chamar para seu reino nenhum dos candidatos finalistas nem a figura mais odiada do bolsonarismo, Alexandre de Morais, as deserdadas viúvas do Mito resolveram tomar nas próprias mãos a tarefa de desconstrução final do estado democrático de direito. Depois dos emocionantes manifestos em favor da democracia que reuniram mais de um milhão de assinaturas, o que deveria ser uma festa popular de regozijo com a vitória da esperança de reconquistarmos credibilidade internacional e de recuperar nosso já devastado meio ambiente foi brutalmente interrompida com bloqueio de estradas federais, manifestações abertamente golpistas na frente de quartéis, ações de caráter explicitamente terrorista e nazifascista e até aberrações de cunho religioso messiânico, como a de clamar por intervenção extraterrestre através de celulares.

Embora nada de mais terrível tenha acontecido até este momento, seja por obra e graça da incompetência e planejamento amadorístico das ações dos golpistas ensandecidos ou por pura conivência mal dissimulada das autoridades de plantão, temos de convir: nada impede que acordemos horrorizados no dia 1º de janeiro de 2023 ao assistirmos ao vivo e em cores a um atentado contra o novo presidente em plena Praça dos Três Poderes. Garanto que muita gente já perdeu o sono revivendo mentalmente as cenas dantescas de partes do cérebro de John Kennedy voando longe ou, mais recentemente, da morte em público do primeiro-ministro japonês Shinzo Abe.

A parte moralista do nosso Eu coletivo, que chafurda cada dia mais no fundamentalismo religioso mais rastaquera, entra novamente em campo para alertar: esse parceiro que nos está sendo reapresentado como salvação de nossas fraquejadas libidinais não é confiável, já abusou de nossa confiança anteriormente, não dá para nos entregarmos de mão beijada a ele sem contarmos com alguma forma de salvaguarda contra seus ideais liberalizantes nos costumes. E se ele achar que não somos moças de família por cedermos ao desejo? E se gostarmos da experiência e quisermos repeti-la, como ficará nossa imagem pública? Emancipação para quê? Não, melhor nos mantermos dentro das 4 linhas do patriarcado cristão heteronormativo!

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

Até breve!

by Bill Bell (1934-) artista norte-americano

Queridos leitores,

Estamos chegando ao fim de um ano difícil. A gente não vê a hora que este 2022 se acabe, se vá e não volte. E bola pr’a frente.

Vou deixá-los em paz por alguns dias. Vosso sossego só será quebrado pelo artigo que escrevo para o Correio Braziliense, e que publico no fim do mês. Depois disso, só volto no ano que vem.

Desejo a todos boas festas de Natal e fim de ano. E um 2023 mais risonho que todos os anos anteriores.

Obrigado a todos pela audiência, que me honra e alegra.

Tudo é fake

José Horta Manzano

Dê uma olhada na foto acima. Até que não está tão mal, não é? Mas alguma coisa atrapalha. Parece esquisita, um pouco fora de esquadro. Mostra um cenário bonitinho, de Natal idealizado. Dá pra entender a intenção de quem teve a ideia, só que o conjunto ficou pra lá de bizarro.

De fato, a porta de vidro e a armação metálica que aparecem por detrás do cenário estragam o efeito de casinha mágica. A neve que cai tem dois defeitos: 1. Não costuma nevar com céu azul; 2. O gramado (capim?) não recebeu nenhum floco e continua verdinho. O efeito fake incomoda.

Tem mais. Os quatro personagens vestidos de preto não combinam de jeito nenhum com casinha de cartão postal. A presença inquietante dessas quatro silhuetas abafa o som do Jingle Bell.

Agora vou contar uma coisa: essa imagem mostra só uma parte da foto original. Se você ainda não adivinhou, clique aqui pra ver a fotografia original por inteiro.

O rei

José Horta Manzano

Aqui na terrinha, nossa atenção está focalizada na PEC do estouro, na escolha do ministério de Lula, na soltura de um indivíduo condenado a mais de 430 anos de prisão – coisas de deixar de olho arregalado.

Enquanto isso, além-fronteiras, os olhos da imprensa nos observam sem dar importância aos escândalos habituais. Neste momento, não enxergam outra coisa que não seja o agravamento da enfermidade do rei Pelé.

O Brasil é particularmente ingrato com seus ídolos. Se o mundo nos reverencia como “pátria do futebol”, a contribuição de Edson Arantes do Nascimento é fundamental.

É verdade que Pelé atuou faz tempo. Suas últimas aparições no gramado datam de quase meio século. Aos ouvidos de quem tem menos de 40 anos, o nome do “rei” deve soar como soa para nós o nome de Arthur Friedenreich, grande craque cuja longa carreira começou no tempo em que o futebol era amador e se chamava foot-ball. O “Tigre”, como era conhecido, atuou de 1909 até 1935. Quando de seu último jogo, tinha 43 anos.

Assim mesmo, saibam que devemos muito a Pelé, herói de uma época em que jogador não estava preocupado com a oxigenação do cabelo nem com a mansão à beira-mar nem com o jatinho próprio estacionado no hangar mais próximo. Jogador apenas jogava. Mas como jogava!

Aqui está um apanhado de artigos, publicados na mídia europeia, que tratam do agravamento das condições de saúde do “rei”.

 

O receio pela saúde de Pelé aumenta

 

 

Pelé continua no hospital – o câncer se espalhou

 

 

O câncer de Pelé avança

 

 

Estado da legenda brasileira tem piora drástica

 

 

O câncer progrediu e pede atenção por disfunção renal e cardíaca

 

 

Câncer do craque brasileiro progrediu

 

 

A pequena rainha

Bicicleta 2

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José Horta Manzano

Você sabia?

O pouco caso que se faz da bicicleta no Brasil contrasta com o prestígio de que ela goza em outras partes do mundo. Na Europa em particular. Na França, por sinal, tem o apelido de «petite reine» ― a pequena rainha.

Os primeiros veículos de transporte pessoal apoiados sobre duas rodas já existiam desde princípios do século XIX. No entanto, não eram dotados de pedal, o que tornava seu uso problemático na subida.

Nos anos 1860, o estabelecimento parisiense Maison Michaux lançou a bicicleta com pedais, novidade absoluta para a época. A partir de então, o veículo se popularizou. Numa época sem automóveis, poder triplicar ou quadruplicar a velocidade de deslocamento era uma revolução!

A minha também é Peugeot!

A minha também é Peugeot!

A Europa do Norte conheceu, em poucos anos, uma revoada de “magrelinhas”. A novidade teve especial sucesso em regiões de planície ― é fácil entender por quê. Norte da França, Inglaterra, Bélgica, Holanda, norte da Alemanha, norte da Itália são bons exemplos.

Com a popularização, o novo veículo foi objeto de melhoramentos constantes. Foi-se tornando mais confiável, mais seguro, mais resistente, mais veloz. Quem fala em velocidade, pensa em competição. Foi exatamente o que aconteceu.

Na virada do século XIX para o século XX, surgiram grandes concursos nacionais de corrida por etapas. Cada país fez questão de ter o seu. O Tour de France (1903), o Giro d’Italia (1909), a Vuelta a España (1935), competições prestigiosas, têm sido disputadas sem interrupção até hoje. Só foram suspensas durante períodos de guerra.

Trecho da corrida Paris-Roubaix

Trecho da corrida Paris-Roubaix

Além dos incontornáveis concursos nacionais, que duram de uns poucos dias a três semanas, há inúmeras corridas regionais ou locais, com duração de algumas horas. Uma das mais antigas é a Paris-Roubaix, que se realiza a cada ano, sempre no mês de abril.

Como seu nome indica, o percurso original levava da capital a Roubaix, no extremo norte, fronteira com a Bélgica. Já faz quase 50 anos que, apesar do nome, a largada é dada em Compiègne, a uns 70km da capital. Essa corrida é conhecida como Inferno do Norte.

Campeão Paris-Roubaix 2013

O troféu da corrida Paris-Roubaix

A razão de qualificativo tão drástico é o fato de uma parte da corrida se efetuar em estrada de paralelepípedos (em geral úmidos, visto que a região é chuvosa). Sem ser ciclista, cada um pode imaginar o que esses 257 km representam de sacolejo, escorregão e pneu furado.

Ciclistas belgas constituem a vasta maioria dos campeões do passado. De cada duas edições, nos últimos 50 anos, uma foi vencida por um corredor belga.

Uma curiosidade dessa corrida é o troféu. O vencedor tem direito a… um paralelepípedo! Limpinho, lavado, escovado, montado sobre uma base, é verdade, mas sempre paralelepípedo será. O mais difícil é, depois de horas de suadeira, ainda encontrar força para fazer o tradicional gesto de levantar os 15-20kg do troféu e exibi-lo à multidão.

Até hoje, a História não registra nenhum vexame.

Publicado originalmente em 13 abril 2014.

A Copa que não é copa

Copa Jules Rimet

José Horta Manzano

Você sabia?

A primeira competição mundial de futebol foi sediada pelo Uruguai em 1930. O vencedor, que era justamente o dono da casa, recebeu da Fifa um troféu chamado “Vitória”. Anos mais tarde, estatueta será rebatizada “Copa Jules Rimet” em homenagem ao antigo presidente da Fifa que idealizou a competição.

A copa era obra do escultor francês Abel Lafleur. Media 35 cm de altura, pesava 3,8 kg e era feita de prata de lei folheada a ouro. Tinha um ar austero que combinava com a época de sua criação, os anos que antecederam a Segunda Guerra mundial.

O trato, estipulado por Jules Rimet, era que o vencedor de cada Campeonato Mundial guardasse a taça por quatro anos e em seguida a devolvesse à Fifa para que fosse entregue ao novo vencedor. O primeiro país que ganhasse o campeonato três vezes ficaria definitivamente com o troféu.

Em 1970, o Brasil venceu a competição pela terceira vez e tornou-se dono da taça definitivamente. Quatro anos antes, na Copa de 1966 organizada pela Inglaterra, o troféu tinha sido roubado durante uma exposição. Foi encontrado embrulhado com jornal, num jardim público, debaixo de uma moita. Enquanto isso, a Fifa já tinha providenciado uma cópia. Esse episódio criou grande confusão, de modo que ninguém até hoje sabe ao certo se a taça que o Brasil recebeu em 1970 era a original ou a cópia.

Com o Brasil tendo se tornado dono do troféu, a Fifa abriu concurso para criação de uma estatueta de substituição. O vencedor foi o artista italiano Silvio Gazzaniga. Sua obra é a que aparece a cada quatro anos e é entregue ao país vencedor – e beijada pelos jogadores. A peça principal é de ouro maciço 18 quilates, mede 36,5 cm e pesa 5 kg. A base, de 13 cm de altura, é ornada com duas placas de malaquita.

Copa Fifa

Esse novo troféu, que circula desde 1974, é propriedade da Fifa. Só aparece na cerimônia final do campeonato a fim de ser erguido e beijado. Logo após, quando se apagam as luzes, é recuperado e guardado em lugar seguro. O país vencedor recebe então uma cópia de aparência idêntica, mas feita de prata de lei folheada a ouro. Como diziam os antigos, “o seguro morreu de velho”.

Desde 1974, quando foi apresentado pela primeira vez, o troféu vem recebendo centenas de beijos. Pelo bem da saúde dos beijoqueiros, espera-se que a estatueta seja desinfetada antes de descansar no cofre à espera da próxima Copa do Mundo.

Agora é que vem a curiosidade. A Jules Rimet, criada em 1930 e entregue definitivamente ao Brasil em 1970, era uma verdadeira copa, ou seja, tinha a forma de um copo com borda octogonal que podia até ser enchido de vinho. Com ela, o campeonato fazia jus ao nome de Copa do Mundo (ou simplesmente Copa, para os íntimos).

Mas o troféu atual, que representa um globo terrestre erguido por duas figuras humanas, está longe de ser uma taça. Em princípio, não faz mais sentido chamar o campeonato de Copa, porque o prêmio final não é um copo nem uma copa. O evento podia ser chamado de “Globo do Mundo”, mas acho que o nome não ia pegar.

Velhos hábitos são renitentes. Até hoje somos muitos a chamar de Copa uma Copa que já faz meio século que não tem copa.

Espanhol: Copa del Mundo
Francês:  Coupe du monde
Sueco:    Världscupen
Italiano: Coppa del Mondo
Inglês:   World Cup
Russo:    Кубок мира (Copa do Mundo)
Sérvio:   Светски куп (Copa do Mundo)
Turco:    Dünya Kupası (Copa do Mundo)

A mudança do capitão

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José Horta Manzano

A imprensa publicou este flagrante do carregamento dos pertences do capitão (clique na imagem para ampliar). Os jornais descrevem como “mudança” do presidente, mas eu acredito que seria mais apropriado falar em “despejo”, que é a palavra adequada para o caso de alguém ser impedido de ficar, e sair de má-vontade.

Noto alguns detalhes curiosos. O objeto que está para subir no caminhão deve ser bem pesado, visto que há seis carregadores atarantados em torno, com ar de conjecturarem sobre o melhor modo de operar.

Note que o objeto não está saindo da residência presidencial (Alvorada), mas do Palácio do Planalto, centro nevrálgico do Executivo, onde fica o escritório do presidente, o gabinete do ódio e onde despacham os generais palacianos.

Pelo jeitão, se objeto não for um desconhecido mumificado, há de ser uma estátua representando uma figura humana em tamanho real. Estátua? Saindo do escritório presidencial? Como assim? Será que o capitão estaria subtraindo parte do patrimônio nacional, como Lula já fez no passado?

Pode ser que seja uma estátua de propriedade de Bolsonaro, trazida por ele para enfeitar sua sala. Ué, mas até as emas de Brasília sabem que Bolsonaro odeia a arte! Coisa mais esquisita.

Ouriços tchecos em Kiev

Suponho que a Presidência conte com uma governanta ou com um funcionário encarregado de controlar tapetes, quadros, mobiliário e outras obras de arte. Se o objeto misterioso tiver sido “tomado emprestado por descuido”, a verdade deve aparecer da próxima vez que fizerem o inventário. Por enquanto, fica o mistério.

Outro detalhe interessante é a proteção antitanque de guerra, aquela fileira de “ouriços tchecos” que se estendem de borda a borda da rampa. Inventados pouco antes da Segunda Guerra, esses dispositivos de aço espesso e resistente são de grande eficácia em situação de batalha urbana. Impedem a passagem de todo veículo leve ou pesado e até de tanques de guerra.

Na rampa do Planalto, estão pintadinhos de branco, que é pra evitar chocar alguém. Quem terá mandado instalar? O presidente quase ex-presidente ou o ex-presidente quase presidente? Ao subir a rampa, dia 1° de janeiro, será que Lula & acompanhantes vão ter de saltar por cima desses obstáculos? Vai ser um espetáculo pra lá de gracioso, não percam!

Pra vocês verem quanto uma foto despretensiosa pode nos revelar. Basta observar.

Licence to kill

License to kill – Autorização para matar

José Horta Manzano

Arthur Lira, presidente da Câmara, corre pra fazer aprovar com rapidez uma PEC visando a transformar automaticamente ex-presidentes da República em senadores vitalícios.

A PEC propõe proibir ex-presidentes de voltar a concorrer a cargos eletivos, mas garantir que continuem para sempre cobertos pela imunidade presidencial.

Digam o que disserem, pra mim esse negócio é verdadeira autorização para delinquir. Daqui para a frente, todo presidente será intocável pelo resto da vida, ainda que tenha cometido crimes e barbaridades iguais aos de Bolsonaro ou até piores.

Se o projeto vingar, Bolsonaro estará tranquilo pelo resto de seus dias. E Lula pode trambicar de novo com sítio em Atibaia, triplex no Guarujá ou lingotes de ouro nas Bahamas, tudo com garantia de impunidade até seu último dia de vida.

É sério ou estão brincando? Afinal, que país é este?

Fronteira entre os pés e a cabeça

Hôtel Franco-Suisse
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José Horta Manzano

Você sabia?

Muitas das fronteiras entre o Brasil e os países vizinhos cruzam zonas escassamente povoadas, notadamente na região amazônica. Uma linha demarcatória tanto pode seguir cursos d’água – caso em que será dita «fronteira natural», como pode ser representada por divisor de águas ou por traçado artificial riscado num mapa. Neste caso, teremos uma «fronteira seca».

Fronteiras secas costumam ser assinaladas por balizas plantadas no solo. Antigamente, eram de pedra. Hoje em dia, é mais comum o concreto. A elas dá-se o nome de marcos divisórios ou geodésicos.

No Brasil, certos trechos de fronteira contam com balizas bastante espaçadas, uma aqui, outra quilômetros adiante. No fundo, tanto faz, que pouca gente passa de um lado para o outro. Na Europa, dada a densidade da população, fronteiras são demarcadas com bastante rigor.

Marco divisório suíço

O Tratado de Dappes, acertado em 1862 entre a França e a Suíça, delimita com precisão um trecho da fronteira entre os dois países na região dos Montes Jura. O acordo, concluído em dezembro daquele ano, ficou programado para entrar em vigor em fevereiro do ano seguinte.

Um certo Monsieur Ponthus, proprietário de um terreno no povoado de La Cure, ficou sabendo que seu lote seria atravessado pela nova fronteira. Aproveitou-se do intervalo e, pelas caladas e às pressas, erigiu imóvel provisório bem em cima da linha. A intenção era de contrabandear chocolate, tabaco e bebidas alcoólicas.

Assim que o tratado entrou em vigor, a construção era fato consumado – e com porta dos dois lados da fronteira, faz favor. E assim foi ficando. Com o tempo, os sucessores do esperto cavalheiro ampliaram o imóvel e o transformaram em hotel-restaurante. O estabelecimento funciona até hoje.

Alguns quartos do hotel oferecem ao hóspede a curiosa possibilidade de dormir com a cabeça na Suíça e os pés na França. Ou vice-versa. Na escada que leva ao segundo andar, o 7° degrau marca a fronteira entre os dois países. Alguns asseguram que a linha verdadeira passa pelo 13° degrau. A controvérsia persiste.

O hotel e a fronteira

Durante a Segunda Guerra, com a França ocupada pelo exército alemão enquanto a Suíça permanecia neutra, a singularidade do local deu margem a uma movimentação sui generis. Além do contrabando habitual, inúmeros judeus perseguidos pelos nazistas conseguiram escapar entrando pelo lado francês e saindo do outro lado, já na Suíça, onde os alemães não podiam intervir. Dizem que outros fugitivos seguiram o mesmo caminho – paraquedistas ingleses entre eles. É verdade que não durou muito tempo. Militares alemães logo se deram conta do vazamento e condenaram portas e janelas do lado francês. Depois de tudo emparedado, ninguém mais passou.

Impávido, o Hôtel Franco-Suisse continua lá até hoje. Nestes tempos modernos, sem os controles de antigamente, a alfândega é relíquia de outras eras.

O imóvel representa um quebra-cabeça administrativo tanto para a França quanto para a Suíça. A situação é tão intrincada que Paris e Berna preferem empurrar com a barriga e deixar como está. Não vale a pena travar batalha judicial por tão pouco.

Publicado originalmente em 6 jul° 2015.

Arruaceiros de lá e de cá

José Horta Manzano

Aconteceu em maio de 2003. A Cúpula Anual do G8 estava para realizar-se na cidade francesa de Evian, estação de águas à beira do Lago Leman, localidade bastante turística. A reunião de líderes dos países mais importantes incluía a Rússia conduzida por um Putin que ainda não tinha mostrado seu lado B. Só depois da anexação da Crimeia é que a Rússia seria expulsa e o bloco passaria a chamar-se G7.

Durante os três dias da Cúpula, a cidadezinha de Evian estaria totalmente isolada do mundo, com entradas e saídas rigorosamente controladas por militares armados vindos da França inteira. Só habitantes e visitantes credenciados teriam o direito de entrar. Helicópteros e drones sobrevoariam a localidade. Afinal, eram figurões os que se reuniriam: Jacques Chirac, Vladimir Putin, Silvio Berlusconi, George W. Bush, Tony Blair & alia.

Grupos de jovens, que se autodefiniam como “anti G8”, preparavam manifestações pacíficas. A sabedoria popular, que não costuma falhar, afirma que “é conversando que a gente se entende”. É por isso que até hoje não consegui captar o objetivo daqueles manifestantes que viam com maus olhos o diálogo entre líderes. Será que preferiam que eles se estapeassem ou botassem tanques nas ruas?

Na impossibilidade de penetrar em Evian, onde se realizava a Cúpula, os jovens idealistas escolheram manifestar-se em Genebra (Suíça), cidade bem maior, situada a uns 50 km de distância, à beira do mesmo lago. Os manifestantes marcaram passeatas para os três dias de duração da cimeira. Eram marchas simbólicas com cartazes, megafone e palavras de ordem. Acreditavam que, quando aparecessem nas manchetes e no jornal da tevê, sua visão “anti G8” tocaria corações mundo afora.

Mas nenhuma felicidade é perfeita nem eterna. Grupos de arruaceiros, ao tomar conhecimento das passeatas, sentiram que era chegado o momento de armar um bom quebra-quebra em Genebra. Desordeiros vieram até do estrangeiro – havia alemães, franceses, austríacos, italianos – todos armados de tacos de beisebol e coquetéis Molotov. Um primor.

Vários comerciantes genebrinos, sabedores de que estava para chegar uma horda de agitadores violentos, protegeram a vitrina com tapumes de madeira. Mas nem todos tomaram essa providência. Genebra é uma cidade grandinha, impossível de ser trancada. O fato é que os baderneiros se instalaram na cidade.

Já na véspera da abertura da Cúpula, os profissionais do quebra-quebra entraram em ação. Aproveitaram do escuro da noite para agir. Encapuzados e mascarados, quebraram vitrines, incendiaram lojas, destruíram mobiliário urbano. Foi uma noite de caos. A polícia não pôde fazer muito. Os arruaceiros sempre escolhem agir em campo descoberto, de onde possam escapar rapidamente; nunca se arriscam a jogar bomba em beco sem saída.

E assim continuaram pelas noites seguintes. Hotéis foram atacados e restaurantes McDonald’s, depredados. Os agressores são desocupados sem ideologia: vêm de longe e destroem pelo simples prazer de destruir. Assim que a reunião do G8 terminou, desapareceram. E nunca mais se ouviu falar deles.

Outro dia, em Brasília, quando nosso presidente eleito foi diplomado, arruaceiros tupiniquins decidiram agir. Aproveitando que um punhado de apóstolos do bolsonarismo ainda acampa nas ruas choramingando por um milagre, vestiram-se de amarelo e promoveram uma noite de horror.

Me fizeram lembrar de Genebra 2003 – com eficácia menor, porém. Agiram em campo aberto: posto de gasolina, viaduto, esplanada diante de instituições. São lugares de onde se pode escapar rápido, caso a situação aperte.

A população vê, nesses agressores, bolsonaristas enfurecidos. Já os bolsonaristas acreditam que os autores do quebra-quebra sejam petistas infiltrados.

É difícil dizer com certeza, mas não é impossível que tenham sido agitadores compulsivos, que não precisam necessariamente ser remunerados. Destroem pelo prazer de destruir – o que não os impede de ter preferências políticas. Quais são? Só Deus sabe.

De Paris

José Horta Manzano

Num passado distante, o latim foi responsável pelo fornecimento da maior parte de nossos vocábulos. Já na atualidade, os empréstimos vêm principalmente da língua inglesa. Entre o latim e o inglês, houve um período, entre os séculos 17 e 19, em que o grande provedor de palavras novas era o francês.

Numa época em que a hora de glória de Espanha e Portugal já havia passado, e a ascensão da Inglaterra ainda não se havia firmado, o “centro do mundo” ocidental era Paris. De lá vinham descobertas científicas, novas teorias políticas, invenções práticas – e, com isso, muitos vocábulos novos.

Essas palavras costumavam dar nome a objetos novos, ou àqueles que ainda não tinham nome definido. Foram adotados por inúmeras línguas da Europa e do resto do mundo. Eis alguns exemplos.

Em sueco
Calçada é trottoar (=trottoir) e evento é evenemang (évènement)

Em italiano
Mamadeira é biberon (=biberon)  e sobremesa é dessert (=dessert)

Em inglês
Terça-feira de carnaval é mardi gras (=terça-feira gorda) e beco sem saída é cul-de-sac

Em turco
Cadeira de praia é şezlong (=chaise longue) e enxaqueca é migren (=migraine)

Em alemão
Escritório é Büro (=bureau) e beringela é Aubergine (=aubergine)

Em espanhol
Estreia de um artista é debut (=début) e o papel que ele representa é rol (=rôle)

Em dinamarquês
Motorista é chauffør (chauffeur) e guarda-chuva é paraply (=parapluie)

Em russo
Concreto armado é Бетон (=béton) e estribilho é Куплет (=couplet)

Em nossa língua temos uma grande coleção de importações daquela época. São palavras científicas, vocábulos técnicos e termos de todos os dias, que utilizamos sem nos dar conta.

Penhoar (peignoir)
Gravata (cravate)
Caçarola (casserole)
Virabrequim (vilebrequin)
Capô (capot)
Paletó (paletot)
Embreagem (embrayage)
Sabonete (savonnette)

E milhares de outras.

O quarteto final

José Horta Manzano

Nestes últimos dias de Copa, as ruas de Doha estão se esvaziando. À medida que seleções vão ficando à beira da estrada, os torcedores desapontados vão deixando o país, sem ânimo de assistir aos últimos jogos. Para o torcedor entusiasmado, quando seu time nacional se vai, o campeonato perde a graça.

É verdade, nós também demos adeus ao verde-amarelo. Mas a Terra não parou de girar. O espetáculo prossegue com embates entre os quatro sobreviventes, dentre os quais sairá o campeão do mundo. Que fazer agora? Torcer pra que todos percam? Não faz sentido.

Por minha parte, sigo o raciocínio seguinte. As quatro seleções remanescentes são uma fotografia representativa da distribuição geográfica do futebol atual: sobraram duas equipes europeias, uma sul-americana e uma africana.

A opulenta Liga Europeia, com 53 países membros, tem direito a duas vagas entre os quatro finalistas. O continente americano também merece mandar um representante: desta vez, foi a Argentina. A presença da seleção marroquina simboliza a periferia do futebol mundial, excluída a Europa e a América do Sul; é uma periferia em plena ascensão.

Acho que não vale a pena dar de ombros e desligar a televisão justo agora que se pode apreciar o espetáculo de modo desapaixonado. Por minha parte, torço para a Argentina, último representante de nossa região. Se ganhar, ganhou; se não, tanto faz. Vamos aproveitar, que ainda temos quatro jogos até domingo.

Amazônia à venda

José Horta Manzano


“Aqueles indivíduos bem-intencionados que […] se preocupam com o clima do planeta deveriam dedicar-se a influenciar seus próprios governos no sentido da mudança de padrões insustentáveis de produção e consumo e da utilização de energias renováveis. Nessa área, o Brasil tem muito a oferecer em conhecimento e tecnologia.

Da Amazônia nós estamos cuidando […]. A Amazônia é um patrimônio do povo brasileiro, e não está à venda.”


Não precisa nem dizer que é o autor dessa fala: é evidente que só pode ter saído da boca do capitão. Certo?

Errado! O trecho citado é parte de artigo que a Folha publicou em 2006. Os autores são Celso Amorim, Marina Silva e Sergio Machado Rezende.

É curioso constatar mais uma vez que os extremos se tocam. O tom muda, mas o nó é o mesmo. Bolsonaro já chegou a ameaçar potências estrangeiras ao afirmar que, se ousassem pôr um pé na Amazônia, “a pólvora” iria falar. Amorim e Marina Silva arredondaram o discurso ao proclamar que “a Amazônia não está à venda”, mas a paranoia é a mesma.

Tanto o capitão quanto os petistas não conseguem entender que a preocupação do mundo é com o descaso cúmplice do governo brasileiro diante da acelerada destruição da maior reserva de biodiversidade do planeta. E com as consequências que isso trará para a regulação do clima mundial.

Vamos dar um desconto. O artigo do inefável Amorim e da pasionaria Marina foi escrito 16 anos atrás. Vamos torcer pra que tenham clareado as ideias, já que são ambos cotados para participar do governo Lula. Não custa ter esperança.

Confissão só na hora da morte

Numa cidadezinha de Minas, Padre Elesbão estava esgotado de tanto ouvir pecados, ou, como dizia, besteiras. Decidiu moralizar o confessionário. Afixou um papelão na porta da Igreja, dizendo:

O Vigário só confessará:

2ª feira – As casadas que namoram

3ª feira – As viúvas desonestas

4ª feira – As donzelas levianas

5ª feira – As adúlteras

6ª feira – As falsas virgens

Sábado – As “mulheres da vida”

Domingo – As velhas mexeriqueiras

O confessionário ficou vazio. Padre Elesbão só assim pode levar vida folgada. Gabava-se:

– Freguesia boa é a minha… mulher lá só se confessa na hora da morte!

Contada por Leonardo Mota em seu livro Sertão Alegre, citado por Torquato Gaudêncio

Sarrafo alto

José Horta Manzano

Desde que venceu duas Copas seguidas (1958 e 1962), o Brasil se impregnou de um estranho sentimento: o de que é o dono da taça. Em outros termos, os proprietários legítimos e vitalícios do troféu somos nós – qualquer eventual vencedor do campeonato será considerado usurpador.

Nestes últimos 60 anos, a cada edição do Campeonato do Mundo, insistimos em fixar como objetivo trazer a taça pra casa, numa espécie de tudo ou nada. É opção arriscada. É como o atleta de salto com vara que coloca o sarrafo alto demais. O risco de não conseguir chegar lá é elevado. Nessa toada, vamos de desilusão em desilusão, uma a cada quatro anos.

Acredito que deveríamos ser mais cautelosos na hora de colocar o sarrafo. Outros países fixam objetivos mais modestos: chegar às quartas ou à semifinal; eventualmente, de chegar à final. O risco de causar um trauma nacional é menor.

Neste sábado de ressaca, a mídia nacional está coalhada de críticas, tanto à equipe quanto (principalmente) ao técnico. É fácil criticar refestelado num sofá em frente à tevê. Tite devia ter feito isto, esqueceu de fazer aquilo, seria melhor se tivesse feito outra coisa. Bobagem. Profecias do passado são fáceis de fazer.

Até a ordem em que os jogadores bateram os pênaltis é criticada! Como se a conquista da taça tivesse sido frustrada só porque fulano bateu antes de sicrano. É um delírio.

Por que a Seleção perdeu? Ora, porque não fez gol, veja você. O escrete jogou cinco partidas. Tirando o passeio diante da fraca Coreia, sobram quatro jogos sérios. Quantos gols foram marcados nesses quatro jogos? Quatro gols. Dá uma média de um por partida. Me parece fraquinho para quem tem ambição de voltar a ser campeão do mundo.

Mas não tem importância. Os “meninos” da Seleção não precisam do prêmio, visto que já estão esbanjando dólares (e arrogância) ao comer bife de ouro enquanto muitos de seus fãs passam fome.

Quanto ao Brasil, já ganhou o prêmio maior: conseguiu livrar-se do tenebroso capitão. Bolsonaro desocupando o Planalto vale mais que ganhar a Copa.

Descontrole emocional

José Horta Manzano

De criança, era comum a gente ouvir dizer que “homem não chora”. É possível que mães e avós dissessem isso só para fazer o menino parar de encher a paciência.

A sabedoria popular ensina que “os extremos se tocam”. Bolsonaro e Lula são opostos em muitos aspectos mas têm pontos em comum. Um deles é o hábito (compulsão?) de chorar em público.

Volta e meia, um deles deixa lágrimas escorrerem, às claras, de preferência diante de uma plateia, sob a luz dos holofotes. Não têm ar de se envergonharem, antes, parecem orgulhosos da façanha.

Alguém já imaginou um líder de verdade chorando em público? Biden? Putin? Macron? Xi Jinping? Boris Johnson?

São coisas nossas.