Busca e apreensão

José Horta Manzano

Muito esquisita a “breaking news” desta manhã de quarta-feira. Numa operação de busca e apreensão levada a cabo logo cedinho pela Polícia Federal, o braço direito do então presidente Bolsonaro, um tenente-coronel do Exército, foi preso preventivamente (por tempo indefinido). Outros personagens foram também levados de camburão. A residência de Bolsonaro, num condomínio de luxo de Brasília, sofreu perquisição que terminou com seu telefone celular sendo apreendido.

Oficialmente, a operação foi lançada para desmascarar e botar atrás das grades uma quadrilha de falsificadores de documentos públicos. Mais de quinze pessoas são acusadas de envolvimento na produção de falsos atestados de vacinação contra a covid. Parte da quadrilha estaria homiziada no próprio Palácio do Planalto na época em que Seu Jair era o dono do pedaço.

Tudo isso me parece um tanto estranho. Com tantas acusações de crime grave pesando sobre os ombros do ex-presidente, a PF preferiu deflagrar essa operação para investigar um crime francamente menor. Fraude em documento público pode dar até 4 anos de cana, mas cumplicidade na morte de centenas de milhares de cidadãos no auge da pandemia pode resultar em pena bem mais pesada.

Por que isso agora? A oposição dirá que é perseguição contra o cândido ex-presidente, alma boa e pura incapaz de fazer mal a um pernilongo. É verdade que o capitão deixou atrás de si um rastro de inimigos, de gente a quem insultou gratuitamente e que hoje não o olham com simpatia. Mas deixou também um rastro de atos e gestos indecorosos e criminosos que ainda hão de persegui-lo por anos.


Num primeiro momento, me ocorrem algumas reflexões.

Quando a pandemia se alastrou e pegou feio, o que todos queriam era esticar o bracinho pra receber a vacina salvadora – incluindo extremistas zumbificados. Até um general palaciano foi acusado de se ter vacinado escondido. Portanto, não faz sentido uma quadrilha se formar dentro do Planalto para emitir certificados de vacinação falsos.

Certificados para quem? Quando Bolsonaro esteve em Nova York para discursar na ONU, fez questão de apregoar seu status de não vacinado. Todos se lembram daquela cena surreal em que o chefe do Estado brasileiro e seu entourage aparecem mordiscando um triângulo de pizza gordurosa, com as mãos, todos de pé numa calçada nova-iorquina. Tanto ele não tinha sido vacinado, que não pôde entrar no restaurante. E se orgulhou disso. Ele, portanto, não precisava de certificado falso.

Por que, então, a operação de hoje?

1) A primeira possibilidade seria investigar a fundo e demonstrar que, apesar de afirmar o contrário, Bolsonaro se vacinou, sim, contra a covid. Nesse caso, imagina-se que ele sairia desmoralizado desse episódio perante seus adeptos. Não me parece que provar que ele se vacinou fizesse algum efeito. Os que não apreciam o capitão, não estão nem aí para seu estatuto vacinal; já seus zumbificados adeptos, que vivem num universo paralelo, se agarrariam a um pretexto qualquer para não acreditar na história.

2) Outra possibilidade poderia ser jogar holofotes sobre a estada de Bolsonaro nos EUA do fim de dezembro 2022 até fim de março 2023. Na ida, entrou no país em avião oficial, na qualidade de chefe de Estado estrangeiro, personagem de quem não se costuma pedir documento. No entanto, dois dias depois, ao fim de seu mandato, deixou de ser chefe de Estado e passou à condição de turista. Tendo assim perdido as prerrogativas, transformou-se em simples mortal, como qualquer um de nós. Foi nesse momento que o capitão entrou para a clandestinidade. A lei americana exige que todo visitante estrangeiro esteja vacinado. Bolsonaro não estava e nada fez para regularizar a situação.

Será que a PF está sugerindo às autoridades americanas que convoquem o capitão para esclarecer o caso? Se ele desdenhar do processo americano, acabará sendo julgado à revelia e poderá pegar 10 anos de cadeia entrar na lista vermelha da Interpol, o que o condenará a não mais sair do Brasil e a passar os próximos anos por aqui à espera do camburão. Será esse o raciocínio da PF?

3) Uma terceira possibilidade tem a ver com o telefone do ex-presidente, que foi apreendido. E se o objetivo maior de toda essa operação fosse simplesmente arrancar o celular das mãos de Seu Jair e mandá-lo para análise? Ele deve conter informações crocantes e apimentadas, daquelas que não saem no jornal. Enquanto estão todos discutindo se Bolsonaro se vacinou ou deixou de se vacinar, a PF está escrutando as entranhas do telefone ex-presidencial.

E como é que fica isso tudo? Veremos. O tempo dirá.

Desequilíbrio

by Kleber Sales

José Horta Manzano

Os diplomatas são discretos por dever de ofício. Não são eles que farão comentários sobre a preleção que o capitão lhes deu ontem. Qualquer palavra que dissessem seria comprometedora. A mensagem que transmitirão aos respectivos governos é de que o presidente do Brasil, ao conspurcar a imagem do próprio país, cometeu um flagrante crime de responsabilidade.

De toda maneira, que venha dos embaixadores que estavam presentes ou dos plebeus, como nós outros, seres pensantes que não fomos convidados, o comentário será unânime: “Que papelão!”.

Mais uma vez, o presidente expõe o fundo de sua personalidade e deixa patente sua imbecilidade e seu desequilíbrio. É um ser atormentado. O infeliz não se dá conta da incoerência de seus ataques ao sistema de voto brasileiro. Se foi eleito para a Presidência por um sistema fraudado, é sinal de que a fraude o favoreceu. Por que razão não o favoreceria de novo?

Parece que até os círculos de devotos mais chegados estão começando a se cansar desse fluxo incessante de baboseiras. Se até eles estão irritados, imagine nós. O discurso de Bolsonaro é o discurso de um derrotado. A cada pronunciamento desse tipo, ele deve perder milhares de votos.

Em artigo de hoje, Eliane Cantanhêde equacionou com precisão: “A grande ameaça à democracia, à eleição e à imagem do País não é a urna eletrônica, é o presidente da República”.

Crime de responsabilidade

José Horta Manzano

Bolsonaro passou por cima do Itamaraty e mandou o chefe de cerimonial do Planalto convidar embaixadores estrangeiros lotados em Brasília para um encontro a realizar-se nesta segunda-feira. O convite não explicita o tema da reunião, mas todos já sabem do que se trata. O capitão já deixou vazar que tem intenção de “convencer” os diplomatas de que o sistema brasileiro de voto eletrônico é falho, disfuncional e aberto à fraude.

Em resumo, o objetivo é enxovalhar nosso avançado processo de voto, sistema que vem dando satisfação há um quarto de século. O presidente prefere não recordar o fato de ele vir sendo eleito e reeleito há décadas por esse mesmo sistema. Ousa acusar de fraudulenta a última eleição presidencial, vencida por ele. Os diplomatas hão de estar perplexos com o contorcionismo presidencial.

Agora vamos aos fatos. Eu, você e o menino da porteira, que não somos personalidades públicas, somos livres de ter e exprimir nossas opiniões. Já com o presidente, o caso é diferente. Ao receber em palácio diplomatas estrangeiros, ele deixa de ser o cidadão Jair Bolsonaro. Naquele momento, ele é o presidente da República do Brasil. Suas palavras têm um peso que as nossas não têm.

Diplomatas costumam ser discretos, é o próprio da função. Difícil será obter deles algum comentário depois do encontro. Mas as paredes têm ouvidos. Nestes tempos de redes sociais hiperativas, não vamos tardar a saber o que foi dito.

Caso se confirme que o presidente chamou representantes de dezenas de países estrangeiros para difamar e desacreditar nosso sistema eleitoral, rebaixando o Brasil ao vergonhoso patamar de republiqueta de bananas, ele terá cometido flagrante crime de responsabilidade – um crime que o expõe a processo de impeachment.

É surpreendente que ninguém, no entourage presidencial, tenha alertado o chefe para esse risco. Talvez seja a demonstração de que essa gente não pensa com a própria cabeça e não consegue enxergar um palmo além do nariz.

Se o crime não for denunciado por nenhum parlamentar da oposição, será porque estão todos dormindo no ponto.

O padrão dos loucos varridos

by Kleber Sales

José Horta Manzano

Mesmo para os padrões que costumam ser usados para avaliar loucos varridos, Bolsonaro exagera na paranoia. Vamos aos antecedentes.

Em 1988, o capitão se candidatou pela primeira vez a um cargo eletivo. Naquele tempo, a urna eletrônica ainda era um sonho com ares de ficção científica. Foi eleito vereador do município do Rio de Janeiro.

Com dois anos de vereança, decidiu alçar voo mais ambicioso. Abandonou o mandato e candidatou-se a deputado federal. Saiu eleito. Deve ter gostado do novo emprego. Profissionalizou-se. De lá pra cá, cumpriu oito mandatos seguidos, sempre representando o Rio na Câmara Federal.

Desde a virada do século, as eleições vêm sendo realizadas com urna eletrônica. Que se saiba, Bolsonaro jamais reclamou nem lançou dúvida sobre a lisura dos pleitos. É sabido que os insatisfeitos costumam chiar; portanto o silêncio do capitão indica que ele estava feliz e satisfeito.

Um dia, decidiu tentar a Presidência da República. A história, todos conhecemos. Foi o candidato mais votado no 1° turno, mas não atingiu os 50% necessários para a vitória. Foi preciso organizar mais um turno. No segundo, os 55% de votos recebidos foram amplamente suficientes pra lhe dar direito a subir a rampa.

Pouco tempo depois da eleição, Bolsonaro botou em circulação um rebuliço estranho e fora de esquadro. Deu início a uma bizarra campanha de descrédito do sistema que o tinha levado ao Planalto.

Choramingou que a eleição tinha sido “fraudada”. Com toda probabilidade, a atitude do capitão é caso único no mundo. Um candidato enxergar fraude na eleição em que saiu vencedor é realmente de dar vertigem.

O mais curioso vem agora. Nas oito vezes em que se elegeu deputado, o capitão nunca se insurgiu contra a lisura do sistema. Já nas eleições presidenciais, denuncia fraude no primeiro turno, mas não no segundo. Como é que pode?

Se o sistema tivesse sido fraudado para impedi-lo de ganhar no primeiro turno, os autores da fraude, vendo que tinha funcionado tão bem, teriam insistido na falsificação. Ou seja, Bolsonaro também teria sido impedido de ganhar no segundo turno.

Esse mistério da desconfiança seletiva, o capitão nunca esclareceu. Nem esclarecerá, visto que o delírio, que decorre da triste patologia que o acomete, só existe na cabeça dele.

A Colômbia e o sonho de Bolsonaro

Cédula eleitoral colombiana

José Horta Manzano

Hoje se vota na Colômbia. Escolhe-se o presidente da República. Ao que parece, as autoridades do país são como nosso presidente gosta: rejeitam a modernidade. Não aceitam o que ela traz de bom, essas coisas que facilitam a vida de todos. Urnas eletrônicas entram nesse grande balaio de rejeições. Xô!

Na Colômbia, vota-se à moda antiga, voto em papel, facilmente auditável. Ao chegar à seção, o eleitor vai receber um “tarjetón”, que é o nome dado à cédula eleitoral. É uma folha de papel tamanho A4 dividida em nove campos, cada um contendo a foto de uma dobradinha de candidatos – à Presidência e à vice-Presidência.

Cada campo contém ainda o nome dos candidatos e o logo da coalizão que os apoia. O resultado é uma folha atraente, cheia de cores. As fotos até que ajudam eleitores de poucas letras que pudessem ter dificuldade em encontrar o preferido.

Ao chegar ao posto de votação, o eleitor recebe uma cédula. Vai para a cabine e faz uma marca na dobradinha de candidatos preferidos. Se preferir votar em branco, vai encontrar um campo pensado justamente para isso.

Pode ser qualquer marca, desde que seja visível. Recomenda-se, no entanto, que o eleitor faça um grande xis no quadrado desejado. Se quiser votar em branco, que faça o xis no último quadrado.

Toda cédula que apresentar marcas em mais de um campo, inclusive no de voto em branco, será considerada nula. Fico a imaginar que a quantidade de votos nulos deve ser grande.

Ah, se um eleitor se enganar na hora de fazer o xis, não tem problema: basta voltar à mesa e pedir nova cédula. Sai de graça.

Excluindo o fato de que não há urna eletrônica, o ato de votar até que se parece com o nosso. A diferença grande vem na hora da apuração.

Procurei saber como se desenvolve a contagem dos votos. É um esquema complexo. Cada seção eleitoral abre sua urna e conta os próprios votos. Em seguida, preenche uma ata com a totalização. Essa ata será transmitida a uma entidade centralizadora que, por sua vez, se encarregará da totalização geral.

Imagine os riscos de fraude existentes em cada etapa do processo. Basta um dos mesários cooptar os colegas oferecendo, por exemplo, recompensa em dinheiro. A partir daí, estando todos de acordo, tudo é permitido. Dois subterfúgios são simples de executar: 1) Substituição de cédulas verdadeiras por cédulas trazidas já preenchidas; 2) Anulação de votos destinados a um candidato não desejado – para anular, basta fazer uma marca em mais de um quadrado.

Tanto o Lula quanto o capitão conseguiram comprar o Centrão, que representa meio Congresso. Pra quem fez isso, comprar mesário é aquele tipo de coisa que se faz com um pé nas costas. Mais fácil ainda quando é feito com nosso dinheiro.

Vendo isso, dá pra entender por que razão nosso presidente reclama de nosso sistema eleitoral, dia sim, outro também. É que o esquema brasileiro é hermético, sem manipulação possível, não oferecendo nenhuma porta de entrada para gente mal-intencionada.

Um presidente normal veria nas eleições colombianas uma excelente oportunidade comercial para o Brasil. É a possibilidade de vender nosso know how e urnas made in Brazil ao país vizinho. Mas nosso presidente não é normal. Sua grande preocupação neste momento é que, segundo as pesquisas, um candidato esquerdista está bem colocado para disputar o segundo turno colombiano.

Já pensou se ele vencer a eleição? A Colômbia, nossa vizinha de parede, será dirigida por um esquerdista! Será que esquerdismo é contagioso? Será que pega? Será que pode ressuscitar o comunismo? Será que pode nos transformar em jacaré?

Pandora Papers

José Horta Manzano

Este blogueiro nunca foi dono nem associado de nenhuma empresa fantasma, dessas situadas em paraísos fiscais, que levam o simpático e sugestivo nome de “companhias offshore”. O motivo não é político, nem legal, nem moral; é simplesmente de ordem financeira: nunca possuí quantidade de dinheiro suficiente para justificar essa manobra.

O que acabo de dizer não tem nada de original. Sem precisar consultar nenhum levantamento estatístico, eu diria que 99,9999999% da humanidade está no mesmo caso. Se não abrem esse tipo de empresa, é porque não têm dinheiro pra fazê-lo. Simples, não?

Por seu lado, um bocado de gente tem as burras(*) abarrotadas e está em condições de abrir uma offshorezinha, nem que seja uma pequenina pra começar. Desde que a origem dos haveres seja lícita e os preceitos legais tenham sido cumpridos – impostos em dia, declaração à receita federal em ordem e transferência ao exterior dentro dos conformes – não vejo onde está o problema.

Na China, que alguns ainda acreditam ser um “perigoso país comunista”, é permitido guardar dinheiro em moeda estrangeira; os cidadãos são também autorizados a manter conta no exterior. Se o perigoso comunista chinês pode, por que não poderíamos nós?

Nestes dias em que se tornou público o “escândalo” dos ditos Pandora Papers, o assunto está em todas as bocas. No regime capitalista em que vivemos, a posse de bens, em si, não é condenável. A corrupção e a fraude fiscal, sim. Nenhum cidadão será perseguido por ser mais abastado que outro, desde que não haja infringido a legislação.

Ao esmiuçar a lista de figurões que possuem uma companhia offshore, o jornal argentino Página 12 encontrou uma concentração de titulares originários das Américas. Só da América Latina, aparecem três presidentes em exercício, 11 ex-presidentes, ministros e altos funcionários entre os felizes proprietários dessas empresas de fachada.

A meu ver, são bem mais numerosos. Acredito que todos os ex-presidentes e seus ministros poderiam ser incluídos na lista. Assim como (praticamente todos os) parlamentares atuais e passados. Só que aí já estamos falando de outro departamento: o da fortuna obtida através de peculato & outros trambiques com nosso dinheiro. Estamos falando de roubo, crime que tem de ser tratado conforme as leis penais.

Se a lista contém uma penca de nomes latino-americanos, a razão é a desconfiança para com os rumos que a economia nacional pode tomar. Nossos países são instáveis, e qualquer mudança de governo pode causar uma catástrofe econômica como a que vemos atualmente no Brasil. Em outras partes do mundo, a economia é mais estável e previsível. Para o rico latino-americano, manter dinheiro fora do país aumenta a segurança do investimento.

Dois figurões nacionais integram os Pandora Papers: o ministro da Economia e o presidente do Banco Central. Juram ambos que a fortuna tinha sido obtida antes de assumirem o cargo e que estava declarada à Receita Federal. Se for verdade, o caso é menos grave, mas ainda assim não totalmente límpido. Resta a questão do conflito de interesses.

Dado que ambos têm o poder, deixando escapar um simples vazamento, por exemplo, de balançar a relação dólar x real, há sempre o risco de, em algum momento, terem agido (ou virem a agir) em causa própria. Pra evitar isso, tinham de ter extinto a(s) respectiva(s) offshore(s) ao assumir o cargo. Não o fizeram. Eis por que estão agora no olho do furacão.

Que o distinto leitor não se deixe impressionar. Há crimes de colarinho branco bem mais escabrosos na República. Nosso dinheiro é diariamente roubado, escamoteado, desviado, surrupiado, encurtado, até enfiado nalgum lugar inominável. Desaparece sob denominações inocentes do tipo “jabuti”, “emenda individual”, “verba de contingência”, “orçamento secreto”. O pessoal do andar de cima é muito criativo na hora de encontrar nomes que soam inocentes.

Sorria, você está sendo permanentemente roubado. E não reclame, se não vai ser pior.

(*) Burra, aqui, não é a fêmea do burro. É termo antigo, pouco utilizado atualmente, que indica uma caixa onde se guardavam preciosidades tais como ouro e pedras preciosas. Parece ter sido usado por analogia ao burro (animal), obrigado a transportar aquele peso no lombo.

Quadro de medalhas fraudado?

José Horta Manzano

O colunista Renato Terra dá título sugestivo a seu artigo de hoje na Folha de São Paulo: “Bolsonaro afirma ter provas de que Quadro de Medalhas foi fraudado”.

O humorista, que só queria fazer graça, não deve ter se dado conta de que, ao mesmo tempo que ele redigia a crônica, um dos três grandes quotidianos do país se esforçava pra tornar realidade a imaginária fraude.

Estas duas capturas de tela foram feitas no mesmo momento, quando o Brasil havia conquistado suas primeiras 3 medalhas. Veja só.

Jornal A

 

 

Jornal B

 

No quadro do jornal A, com 3 medalhas, o Brasil aparece na 15ª. posição entre as nações. Na imagem do jornal B, com as mesmas 3 medalhas, o país é degradado ao 23° lugar. Como é possível?

“É fraude!” – exclamaria o capitão, “estão fazendo isso de propósito pra eu perder a eleição!”. (Ele provavelmente diria “pra mim perder”, mas não vamos nos perder nessas minúcias.)

Fraude, não é. Sobram duas possibilidades: ignorância ou desleixo. Opto pelas duas, um pouco de cada.

O jornal B, que nos mostra em 23° lugar, fez a conta certa. Estar no 23° lugar significa que, independentemente de quantos empates houver entre os demais, somos precedidos por 22 países no quadro final.

O jornal A, que nos põe em 15ª. posição, bobeou. Confundiu-se com o fato de vários países estarem empatados.

As regras olímpicas determinam que, quando dois atletas terminam empatados, o que é muito raro, a medalha seguinte não seja atribuída. Aconteceu nos Jogos Olímpicos de Inverno de Sotchi (2014). Numa das provas de esqui feminino, duas competidoras fizeram o percurso num tempo rigorosamente idêntico: 1 minuto e 41,57 segundos. Foi o melhor tempo. No pódio, ambas receberam a medalha de ouro. A concorrente seguinte ficou com a medalha de bronze. Naquele ano, a medalha de prata não foi atribuída.

Por analogia, a regra olímpica se estende também à classificação dos países no quadro de medalhas.

Mesmo expediente

José Horta Manzano

A Teoria da Ferradura é atribuída ao filósofo francês Jean-Pierre Faye (1925-). Essa interessante análise do tabuleiro político sustenta a hipótese de que a extrema-direita e a extrema-esquerda não são as duas extremidades de um espectro político linear e contínuo, mas se aproximam e se assemelham. É como se formassem as duas extremidades de uma ferradura – daí o nome da teoria.

Por essa tese, extrema-direita e extrema-esquerda estão mais próximas uma da outra do que ambas estão do centro. A ideia é atraente e parece ser a razão pela qual líderes extremistas têm, com frequência, atitudes paradoxalmente semelhantes. Não será sem razão que a sabedoria popular costuma dizer que “os extremos se encontram”.

No tempo em que ainda era um obscuro candidato à Presidência desconhecido do eleitorado, Bolsonaro já denunciava o resultado das urnas. Durante a campanha, persistiu. E mesmo depois de eleito, numa impressionante demonstração de fixação mental, contestou os resultados da própria eleição que ele havia vencido! Estonteante.

De olho nas próximas eleições, para as quais as sondagens não lhe são favoráveis, o capitão parece já estar preparando terreno para futuras reclamações. Não perde ocasião de denunciar a vulnerabilidade das urnas, segundo ele, à mercê do primeiro pirata que se dispuser a violá-las.

Em 27 de setembro de 1994, o Lula estava em sua segunda campanha presidencial. Já na reta final, as pesquisas eleitorais não lhe eram favoráveis e punham FHC à frente. Entrevistado pela CBN, Lula lançou seu ataque preventivo. Exatamente como o capitão faria 25 anos mais tarde, denunciou fraude futura. Desdenhou: “desviar dois ou três milhões de votos neste país é mais fácil que tirar pirulito de criança”. Em seguida, deu uma aula magna da arte de bem fraudar uma eleição. Utilizou uma tática que, anos depois, seria captada pelo capitão.

Analisamos aqui o comportamento de dois homens políticos situados nos extremos do espectro – um à direita, outro à esquerda. Apesar dessa distância, a reação dos dois, quando um fracasso eleitoral se aproxima, é idêntica. A explicação está no fato de todo líder extremista ser um autocrata no fundo da alma. Convencido de haver sido designado pelos deuses, ele não concebe perder uma eleição. Dado que é “imbatível” e “imorrível”, se perder, só pode ter sido por culpa alheia, nunca por falta de votos.

A crença no super-homem ungido pelo Altíssimo é comum aos extremos do espectro político. Na ponta da ferradura, esquerda e direita se encontram e mostram que não passam de duas faces de uma mesma moeda, embebidas de autoritarismo, de truculência, de arrogância. Tudo isso temperado com fortes doses de ignorância, ingrediente indispensável e amplamente utilizado na política nacional.

No sentido da corrente

José Horta Manzano

Estas últimas décadas, nossa civilização tende fortemente a eliminar a papelada e dar preferência ao imaterial. Pouco a pouco, sem que a gente se dê necessariamente conta, registros físicos vão cedendo lugar a arquivos invisíveis.

A assinatura eletrônica, que era vista como objeto exótico até pouco tempo atrás, está tomando o lugar da antiga «firma de próprio punho» e começa a ser admitida até em documentos cartoriais – um espanto! Não há que duvidar: caminhamos rapidamente para um universo de documentos desmaterializados.

No Brasil dos anos 1990, falava-se mais em hiperinflação do que em desmaterialização de documentos. Naquele regime de preços turbilhonantes, em que cada um corria pra comprar sua latinha de leite condensado pelo valor mais em conta, a adoção da urna eletrônica foi medida ousada. E grandiosa. Reduziu o tempo de apuração de duas ou três semanas a algumas horas. Só quem conheceu as eleições antigas consegue avaliar o avanço que isso representa.

É pensando na introdução da urna eletrônica que a gente se lembra, com saudade, de um tempo em que, apesar da ciranda infernal dos preços, o país andava pr’a frente. Hoje vivemos tempos de pororoca, época em que o rio reflui. Inertes e impotentes, assistimos à retornança do fluxo civilizatório; vivemos num mundo em que tudo parece andar p’ra trás.

Está em andamento no parlamento francês um projeto de introdução da urna eletrônica para as presidenciais de 2022. A intenção não é tanto agilizar a apuração, que já se desenrola com grande rapidez. Num país onde o voto é facultativo, a intenção é diminuir a abstenção. A ideia é usar a urna eletrônica para permitir voto antecipado. Em determinados municípios, uma urna estaria à disposição do eleitor já uma semana antes do dia do voto. O sistema se assemelha ao que foi adotado nos EUA nestas últimas eleições.

Este blogueiro é favorável ao voto frequente, descomplicado e facultativo – verdadeiro fortificante para a democracia. Dois anos entre cada eleição é muita coisa. Os eleitores tinham de ser convocados a se exprimir todos os anos. Voto antecipado também me parece excelente ideia, pois permite maior flexibilidade de horário ao votante.

Por mais que Bolsonaro esperneie, não voltaremos ao voto em cédula de papel. Se há risco de fraude com a urna eletrônica, o remédio não é voltar à cédula, mas reforçar os controles sobre o método atual. Há que lembrar que o sistema antigo também permitia fraudes pesadas, talvez mais ainda que hoje.

Peixe inteligente nada a favor da corrente. Todo movimento contra a corrente, além de ser cansativo, é improdutivo e está fadado ao fracasso. É, mas eu disse peixe… inteligente.

Presidente excepcional

José Horta Manzano

Temos, realmente, um presidente excepcional(*). Calma. Quando digo excepcional, não entendo necessariamente que o homem seja excelente, longe disso! Estou utilizando a palavra na sua acepção primeira: o que é fora dos padrões. De memória de gente, nunca um presidente do Brasil mandou tanta bola fora. Muitos dizem que ele é imprevisível. Não acho. Pelo contrário, o gajo é totalmente previsível.

Quando um repórter lhe faz uma pergunta sobre assunto que não lhe agrada, já se sabe: o repórter será insultado. Quando dirigentes mundiais estão trabalhando para proteger o povo contra uma epidemia, doutor Bolsonaro prefere se sair com um «Muito do que falam (sic) é fantasia, isso não é crise». Foi assim que ele deu as boas-vindas ao covid, cujo estrago em nossa terra já roça os 150 mil mortos.

Todos se lembram ainda de quando, em viagem aos EUA, ele soltou uma abobrinha retumbante. Afirmou ter provas de que as eleições que ele venceu foram fraudadas. Não é comum um candidato, após vencer por ampla margem, acusar o sistema de falcatrua. Trambique em favor de quem, capitão? Em matéria de paranoia, doutor Bolsonaro dá mostras de que seu caso não tem cura. Vê inimigo por toda parte, até no sistema que lhe deu a vitória. Vá entender!

Na Argélia, não faz muito tempo, um presidente senil, paralítico e visivelmente decrépito foi considerado inapto para o exercício do poder e, em seguida, afastado definitivamente. Não sou especialista em afastamento de presidentes; vai daí, não sei dizer se o presidente poderia ser declarado impedido, nem a quem caberia tomar essa decisão. Se for possível, está na hora de seguir esse caminho.

Nosso atual presidente é um engodo. Se fraude houve na última eleição, foi em favor dele… e em desfavor do povo brasileiro. Boa parte dos que o sufragaram, votaram enganados. Não sabiam de que estofo era feito o homem. Agora, todo o mundo sabe.

Bos sibi ipsi pulverem movet
O boi levanta poeira contra si mesmo

(*) Excepcional vem direto do latim. Só aparece na língua no século 16, chegado por via erudita. O verbo originário é excipere, onde cipere significa tomar/tirar e a partícula ex- tem o sentido de fora de. Portanto, o significado final é tirar para fora. Exceptus é o particípio passado. Em nossa língua, a família deu ainda exceto, exceção, excetuar.

Excepcional é o que foi tirado fora do conjunto, ou seja, o que está fora da norma fixada e geralmente aceita, acepção que cai como luva para doutor Bolsonaro.

Outra maneira de exprimir a ideia de fora da norma é anormal. Se preferir, pode aplicar esse termo quando se referir ao doutor. É forma ideológica e gramaticalmente correta.

O presidente e os sem-voto

José Horta Manzano

Quando se dispõe a atacar o Judiciário – uma atitude que adota com frequência –, doutor Bolsonaro costuma encher a boca para proclamar a própria legitimidade. Argumenta que recebeu 57,8 milhões de votos, enquanto os magistrados não receberam nenhum.

À primeira vista, o raciocínio parece cristalino. No entanto, quando se tenta seguir essa lógica até o fundo, a imagem se turva. Se o número de votos fosse determinante da legitimidade do homem político, um bocado de gente passaria à frente dos sem-voto.

Logo após Bolsonaro, viria – adivinhem quem? – Fernando Haddad, ora pois. Seus 47 milhões de votos lhe conferem legitimidade comparável à do presidente, muito acima do magma dos que não passaram pelas urnas. Está correto o que estou dizendo? De onde sai essa salada?

O distinto leitor há de ter se dado conta de que, esticado até o limite da ruptura, o raciocínio do presidente acaba por romper-se. É que, ainda que tenha recebido um caminhão de votos, ele não será nem mais nem menos legítimo do que o vereador de pequeno município, escolhido por poucas dezenas de eleitores. A legalidade do presidente tampouco será menor que a de um ministro do STF ou de um parlamentar. Todos eles, escolhidos segundo as normas da lei, estão no mesmo nível de legitimidade.

Portanto, será falácia o presidente pretender-se mais ‘legítimo’ do que parlamentares ou ministros do Judiciário. Desde que o caminho que os levou lá tenha seguido rigorosamente os preceitos legais, gozam todos de idêntica legitimidade.

Só pra chatear 1
Pela lógica de doutor Bolsonaro, que confunde os conceitos de legitimidade e de proporção de eleitores, tanto o Lula quanto a doutora eram mais ‘legítimos’ que ele. Vejamos o resultado de cada um (em proporção do total de votos válidos):

2018  Jair Bolsonaro  55,1%
ooooooooooooooooooooooooooo
2010  Dilma Rousseff  56,1%
2006  Lula da Silva   60,8%
2002  Lula da Silva   61,3%

Só pra chatear 2
Há questão de 3 meses, doutor Bolsonaro afirmou que as eleições de 2018 haviam sido fraudadas. Garantiu ainda que tinha provas disso. Ora, desde que o mundo é mundo, a fraude em votações serve pra garantir a eleição de um dos candidatos. Quem ganhou foi ele; portanto, conclui-se que, se fraude houve, foi a seu favor. Será por isso que, até hoje, não mostrou as provas de que dispõe. Se o fizer, a fraude ficará comprovada e sua eleição será impugnada.

A chave da informação

José Horta Manzano

Um grande ponto de interrogação percorre toda a mídia francesa nesta segunda-feira. Refere-se ao número de mortos informado oficialmente pela China quando da epidemia de Covid-19. O governo de Pequim anunciou que, em todo o imenso território nacional, morreram menos de 3.300 pessoas.

Quando se compara essa cifra aos mortos (até agora) computados na Europa, boa dose de desconfiança é permitida quanto à veracidade das estatísticas chinesas. Até o momento, mais de 6.500 espanhóis e mais de 10.000 italianos sucumbiram ao vírus. O bom senso indica que os números fornecidos pela China estão fortemente subavaliados. (Sinto falta de um hífen em subavaliados, mas parece que é assim que se tem de escrever.)

Relatos clandestinos provenientes de corajosos cidadãos chineses corroboram a dúvida. Terminada a primeira vaga da epidemia, cada habitante de Wuhan que perdeu um parente ficou autorizado a vir buscar a urna com as cinzas do falecido – o que estava proibido durante a longa quarentena. Assim que foi feito o anúncio, milhares e milhares de pessoas se aglomeraram diante do local de distribuição. Filas de até 5 horas se formaram.

Leve-se também em consideração que, durante a epidemia, o governo chinês mudou cinco vezes o método de contagem das vítimas. Alguns dizem que a versão final da contagem não considera os pacientes com doenças pré-existentes, artifício que deixa fora das estatísticas a absoluta maioria das vítimas. Os três mil e poucos mortos seriam os raros que, estando perfeitamente sãos, sucumbiram à covid-19. Em resumo, a malandragem teria sido contar somente os casos excepcionais.

Há também desconfiança de que o vírus está circulando desde o mês de setembro do ano passado. As autoridades teriam silenciado sobre isso para que as visitas ao país não passassem a ser evitadas por turistas e homens de negócio. Quando se deram conta do tamanho do estrago que a epidemia estava causando, já era tarde demais; a doença estava disseminada, e muitos estrangeiros já a haviam exportado.

Autoridades da Saúde Pública francesa estimam que o total de falecidos não deve ser inferior a 100.000. A mim, esse número ainda parece baixo demais. É o que dá viver sob regime autoritário. Os negócios passam à frente da sobrevivência da população. Esse conceito, aliás, é o que foi adotado por doutor Bolsonaro: «Terão mortes, paciência!» (sic).

Observação
O sempre bem informado jornalista Lauro Jardim relata:

“O governo resolveu centralizar todas as divulgações e anúncios sobre o coronavírus feitos pelas assessorias de imprensas de órgãos federais. Assim, a Secom terá que ser informada “antecipadamente (…) estratégia que será adotada para divulgação”. E só depois do ok da Secom a ação será anunciada.”

Se alguém imagina que isso possa servir pra maquiar as estatísticas brasileiras de mortalidade em decorrência da epidemia, pode até estar com a razão.

Paranoia ou método?

José Horta Manzano

«Minha campanha, eu acredito que, pelas provas que tenho em minhas mãos, que vou mostrar brevemente, eu tinha sido, eu fui eleito no primeiro turno, mas no meu entender teve fraude

«[Essa quantidade de óbitos] está muito grande para São Paulo. Tem que ver o que está acontecendo aí. Não pode ser um jogo de números para favorecer interesse político. Não estou acreditando nesse número

Ambas as frases, nem precisa dizer, foram pronunciadas por doutor Bolsonaro. A primeira, em Miami, num evento neopentecostal. A segunda, no Brasil, em entrevista a uma estação de televisão.

Em ambas, ele abre o jogo: deixa claro que, no seu entender, manipulação de resultados é matéria corriqueira, coisa que todo o mundo faz. Está brincando com assunto sério, Excelência! Nem sua proverbial mania de perseguição explica essa desconfiança.

A menos que…
A menos que, por detrás dessa conversa boba de matuto, haja método, armação, orquestração. É permitido imaginar que Sua Excelência esteja preparando o espírito do distinto público para uma dança de números, jogados no ventilador com o intuito de causar polêmica, confusão e descrença geral. Ele mesmo já deu a dica de como enxerga o problema quando insinuou não acreditar nos números paulistas porque pode ser um jogo de números para favorecer interesse político”.

Imaginemos um cenário
O Planalto sabe muito bem que, afrouxadas as medidas de confinamento, a doença vai se alastrar. Assim mesmo, decide apoiar o afrouxamento, com o fim de evitar catástrofe que lhe parece mais importante: a perda de renda dos trabalhadores informais. Diga-se, en passant, que o presidente já avisou que «terão mortes»(sic).

Pra evitar que esse ‘terão mortes’ resulte em número assustador, prepara-se para maquiar estatísticas e mascarar a realidade. Afinal, cada hospital tem seus números, mas só o governo federal é dono da planilha que coleta todos os dados. Com um pouco de arte, não é difícil ‘achatar’ essa curva. Os números paulistas são os que fazem a curva empinar, daí o descrédito que o presidente lança, desde já, sobre eles.

O achatamento artificial somado à não notificação de casos em que a morte tiver ocorrido em casa, longe de amparo e assistência, vão dar o resultado sonhado pelo doutor. Ficará demonstrado que ele tinha razão ao liberar geral.

Engenhoso, não?

O Senado e a bandeira

José Horta Manzano

Você sabia?

O Decreto n° 4 saiu dia 19 de novembro de 1889. Era assinado por personalidades ligadas ao regime que acabava de ser imposto ao povo brasileiro pelo golpe militar de quatro dias antes: a República. Entre outras personalidades, Deodoro da Fonseca, Quintino Bocayuva e Ruy Barbosa assinavam o documento.

O decreto determinava que se adotasse a bandeira republicana – mera adaptação da tradicional bandeira imperial – e incluía uma estampa à guisa de regulamentação da forma do pavilhão. Vigorou sem grandes modificações durante mais de 80 anos.

Em 1° de setembro de 1971, foi sancionada a Lei n° 5700, em vigor até hoje. Bem mais abrangente que as anteriores, ela define os símbolos nacionais e regulamenta, nos conformes e nos pormenores, o aspecto, a forma e o uso de cada um deles. Entre os símbolos, naturalmente, está a bandeira verde-amarela.

Os principais elementos já instituídos pelo decreto de 1889 são mantidos e explicitados. Diferentemente da impressão que se possa ter, as estrelinhas brancas não são jogadas a esmo para enfeitar o azul da abóbada celeste. Cada uma tem seu lugar preciso.

As estrelas, uma para cada unidade federativa, são mostradas na posição que ocupavam no céu do Rio de Janeiro às 8h30 da manhã de 15 de novembro de 1889 – o momento do golpe militar que derrubaria o regime e despacharia o imperador para o exílio.

No entanto, há controvérsias no campo astronômico. Alegam os peritos que há erros grosseiros na disposição dos astros. Minhas qualificações nessa matéria não me permitem emitir apreciação. É bem possível que, para obter um resultado harmonioso, os desenhistas que se dedicaram a posicionar estrelas se tenham deixado levar por uma certa dose de, digamos assim, liberdade artística. Ou licença poética, se preferirem.

O fato é que tudo é milimetrado na bandeira. Desde a proporção entre largura e comprimento até os 5 diferentes tamanhos de estrelas, cada uma conforme sua grandeza aparente. A altura das letras do lema Ordem e Progresso é regulamentada. O tamanho e a posição do losango, naturalmente, também são objeto de prescrição rigorosa.

Bandeira do Brasil - proporções Crédito: Wikipedia

Bandeira do Brasil – prescrições e proporções
Crédito: Wikipedia

A lei de 1971 é rica em detalhes. Ninguém pode alegar desconhecimento. Ninguém? Como se sabe, em nosso País há os que são obrigados a seguir a lei e os que escapam a esse constrangimento. Curiosamente, os que fazem as leis são, com frequência, os primeiros a ignorá-las ou a burlá-las.

Senado Federal do Brasil Brasília

Tribuna do Senado Federal do Brasil
Brasília

A tribuna principal do Senado Federal, empoleirada sobre um estrado, impõe respeito. Em seu revestimento de cor azul-bandeira, ângulos retos são evitados, como numa tentativa de aplainar a aspereza de certas decisões que ali são tomadas. Freud deve poder explicar.

No centro do frontispício, num belíssimo material aveludado, está desenhada, ton sur ton, a bandeira nacional. A ideia é excelente, mas a execução é desastrosa: contraria a lei, justamente no coração da Casa onde instrumentos legais são fabricados. Um contrassenso.

Observe o esquema oficial que rege nossa bandeira e compare com a foto da tribuna do Senado. Não precisa ser técnico, nem astrônomo, nem desenhista para se dar conta imediatamente de que, no Senado, o losango está descentrado – o espaço que o separa da borda direita é bem maior que o do lado esquerdo. A faixa branca no centro do globo está colocada de forma absolutamente fantasiosa. A foto não permite examinar a posição das estrelas, nem mesmo saber se estão representadas. Às vezes é melhor nem saber. À vista do desleixo maior, eu ficaria muito surpreso que as estrelinhas estivessem salpicadas conforme o figurino legal.

Tenho dificuldade em admitir que num Senado – onde senhores engravatados se tratam por Vossa Excelência, declamam discursos inflamados e costuram leis para regular a República – ninguém se tenha dado conta até hoje de que o símbolo maior afronta a lei.

O distinto leitor pode argumentar que, naquela Casa, há coisas piores. É verdade. Em matéria de afrontas, isso é café-pequeno. Mas um «malfeito» não justifica outro. Pega muito mal aquela bandeira torta num recinto que já foi excelso e que um dia pode até voltar a ser. Ou não.

Publicado originalmente em julho 2013.

Tracambistas

José Horta Manzano

Na Suíça, país onde a mão de obra tem custo elevadíssimo, faz tempo que se tende a mecanizar o trabalho humano. A “moça do café” nunca existiu. Quem quiser adoçar a boca, enfia uma moedinha na máquina que fica no corredor, aperta o botão correspondende, e pronto. A profissão de cobrador de ônibus também é desconhecida. No tempo em que se comprava passagem dentro do veículo, quem vendia era o próprio motorista.

Já faz muitos anos, porém, que não se pode mais comprar bilhete dentro de ônibus. Para não viajar de “pendura”, arriscado a ser flagrado e levar multa, há duas opções. Para quem usa transporte coletivo frequente e regularmente, é conveniente comprar assinatura mensal ou anual – paga-se de uma vez e não se pensa mais nisso. Outra possibilidade, preferida pelos que viajam menos, é a compra a varejo. Cada vez mais gente compra pelo smartphone, mas boa parte dos bilhetes ainda é comprada nas máquinas instaladas em cada ponto de ônibus.

Antigamente, eram máquinas simples. Pelo menos, assim me pareciam. Hoje em dia são complicadíssimas, cheias de botões, com guia vocal, luzinhas aqui e ali. Mas o princípio é sempre o mesmo: toca-se aqui e ali pra indicar o trajeto e, em seguida, enfia-se a moeda na fenda. A máquina emite o bilhete e devolve o troco. Até aí, estamos todos de acordo. O complicador vem agora.

A moeda suíça de maior valor é a de 5 francos (= 19 reais). Acontece que a moeda russa de 1 rublo tem diâmetro e peso idênticos. A diferença é que não vale quase nada: 6 centavos de real. As máquinas de vender bilhete – um tanto antigas, é verdade – não conseguem distinguir entre as duas. Pronto, está aberta a porta pra tracambistas. (Tracambistas são fraudadores, só que a palavra me parece bem mais expressiva, especialmente neste caso.)

A boa-nova já se espalhou pelos lados da Rússia, Moldávia e cercanias. Os funcionários que esvaziam a máquina não passam um dia sem encontrar moedas de rublo. A astúcia consiste em comprar um bilhete de 2,40 francos e dar em pagamento moeda de 1 rublo. Entendendo que recebeu 5 francos, a máquina vai devolver 2,60 francos. Não é nenhuma fortuna mas, se o indivíduo repetir a operação vinte vezes por dia, vai amealhar cerca de 200 reais. No mole. É só tomar cuidado pra não dar demais na vista.

A prefeitura de Lausanne manda avisar que, visto que os usuários preferem, cada vez mais, comprar pelo celular, as máquinas atuais não serão substituídas. Vão ser gastas até a lona. Aviso aos amadores.

Espírito de comunidade

José Horta Manzano

O cidadão honesto, que se conforma com levar a vida dentro dos limites, sem ceder à tentação de infringir as normas, sente-se pra lá de desconfortável quando constata que outros trapaceiam e transgridem esses limites. É ainda pior quando o resultado da fraude alheia dói no bolso do honesto cidadão. É insuportável.

Uma das características dos povos mais civilizados é a coesão social e o forte sentido de pertencimento a uma comunidade. Quem quer que atente contra o bem comum será alvo da repulsa da sociedade. Todos concordam com Margaret Thatcher: «Não há dinheiro público, mas dinheiro do contribuinte». Fraude contra o erário é ressentida como ataque pessoal.

Um exemplo atual é dado pela detenção de doutor Carlos Ghosn, empresário líbano-franco-brasileiro, manda-chuva do grupo Renault-Nissan-Mitsubishi. Acusado de ter fraudado o fisco do Japão, está há mais de dez dias atrás das grades, à espera de tornar-se oficialmente réu. A evasão fiscal é ressentida como crime contra o conjunto da população. Todos se sentem assaltados pelo doutor. Imperdoável.

Outro exemplo foi dado ontem pelo povo suíço. O eleitorado foi chamado a votar sobre vários assuntos. Entre eles, estava uma proposta de modificação da lei sobre a seguridade social ‒ em modo especial, o seguro-desemprego e o seguro-invalidez.

Por mais honestos que sejam os cidadãos, sempre há os que querem ser mais espertos e que acabam prejudicando os demais. Há gente que recebe salário do seguro-invalidez sem estar realmente inválido. Este blogueiro conheceu, anos atrás, uma senhora que, pelos 50 anos de idade, conseguiu polpuda aposentadoria por invalidez. Acontece que ela, de inválida, não tinha nada. Além de não sofrer de doença alguma, era capaz de sapatear como Fred Astaire e se estremecer como Michael Jackson. Há um bocado de gente nessas condições.

O resultado do voto suíço não dá margem a discussão: 65% dos cidadãos aprovam o reforço da vigilância dos assegurados suspeitos de fraude. A partir de agora, a vigilância por meio de detetives especializados poderá ser determinada. Como em filme de espionagem, dá pra imaginar proliferação de espias montados em galho de árvore, disfarçados de passarinho e munidos de binóculo a observar supostos paralíticos correndo feito criança ou desempregados que não se levantam do sofá pra procurar emprego.

Tirando o lado cômico, o que se depreende é a preocupação da sociedade em defender o bem comum. No Brasil, até poucos anos atrás, estávamos a anos-luz dessa realidade. A Operação Lava a Jato foi importante para fazer despertar no povo brasileiro a consciência de que roubo de dinheiro «público» é assalto ao bolso de cada um. Há que ser otimistas: aos pouquinhos estamos melhorando.

Dá um desânimo

José Horta Manzano

Doutora Marina Silva penitenciou-se por ter recomendado a seu eleitorado votar em Aécio Neves no segundo turno das últimas eleições presidenciais. Convenhamos, é o mínimo que poderia fazer. Disse ainda que, fosse hoje, «com certeza não o apoiaria». Ainda bem.

Declarou ainda que a eleição de 2014 foi fraudada pelo uso de fundos oriundos do esquema de corrupção instalado na Petrobrás. A doutora levou quatro anos pra descobrir o que já estamos carecas de saber. É que Madame, tal qual um cometa, só reaparece em datas fixas. A cada quatro anos, ressuscita, profere platitudes e depois se eclipsa até a eleição seguinte.

Deixando de lado os truísmos da eterna candidata, é forçoso constatar que a eleição de 2014 foi realmente fraudada. Marina Silva foi massacrada pela propaganda enganosa e desleal espetada pelos marqueteiros Santana & esposa. Doutor Aécio era uma fraude personificada ‒ embora a maioria dos eleitores ignorasse. E doutora Dilma era tão ruim que não aguentou o tranco e acabou defenestrada com apoio de parlamentares da própria base.

Lula da Silva está na cadeia, condenado. Por mais que seus defensores esperneiem, por mais que o marketing tosco do Partido dos Trabalhadores organize acampamentos e queima de pneus, por mais que ministros do STF tentem livrá-lo, os crimes foram desmascarados e o ex-presidente foi por isso condenado. Ainda que escape ao cárcere, sua biografia está, para todo o sempre, marcada com o carimbo da infâmia.

Aécio, Serra, Alckmin estão enrolados com a Justiça. Um em maior grau, outro em menor, mas nenhum escapa. No PT, não sobrou um, meu irmão. Nos partidos tradicionais ‒ se é que se os pode chamar assim ‒, tampouco sobraram candidatos viáveis.

Nossa escolha será entre o câncer e a aids. Poderemos eleger um magistrado colérico, destemperado, abespinhadiço e imprevisível de quem não se conhecem as ideias. Poderemos ainda dar o voto a um deputado profissional que, apesar do permanente sorriso, traz na canastra um punhado de ideias arrevezadas, chucras, no limite da decência. E vamos parando por aí, que o resto é o resto.

Que falta faz um candidado honesto, equilibrado e bem-intencionado. Dá um desânimo, não dá?

Voto em cédula de papel

José Horta Manzano

A discussão é antiga, mas a solução ainda não apareceu. Portanto, vale a pena continuar malhando o ferro. Falo do voto eletrônico, uma especificidade brasileira, rejeitada por unanimidade pelo resto do mundo.

É verdade que houve tempo em que a abolição do voto em cédula de papel trouxe orgulho a muita gente. É que, antes do aparecimento da maquineta de votar, a apuração era muito demorada. Nos anos 50, o resultado não chegava antes de uma semana ‒ se tudo corresse bem. O suspense era irritante. É por ter apressado a contagem dos votos que a geringonça virou coqueluche e se tornou motivo de orgulho nacional.

É curioso que, antes de investir bilhões no sistema eletrônico, ninguém tenha pensado em verificar como se faz no estrangeiro pra contar votos. Alemanha, Itália, Suíça e muitos outros países têm cédulas complexas, em que o eleitor tem diversas opções: escolher somente o partido; escolher partido + nomear candidatos; cancelar nomes e/ou acrescentar outros; escolher candidatos do partido A mas também dar voto ao partido B. Apesar da complexidade das cédulas e da ausência de maquinetas de votar, o resultado sai em poucas horas. Onde está o milagre?

Pois o «milagre» vem da optimização da apuração. Em vez de recolher milhares de urnas e transportá-las ao centro de apuração, cada secção faz a própria contagem. Os mesários começam assim que se encerra a votação. Em seguida, vai rápido. O resultado de cada urna é enviado à autoridade eleitoral, que faz o cômputo final. Durante a apuração manual, é facultada a presença de fiscais dos diversos partidos, uma garantia contra fraude.

É simples, rápido e barato. Se adotássemos esse sistema, não seria necessário investir na compra de meio milhão de urnas eletrônicas ‒ uma economia bem-vinda. Não sei qual é o preço de uma maquineta dessas mas, se custar, digamos, 500 reais, a economia já será de 250 milhões. Só nesse item! O acoplamento de uma impressora às máquinas existentes, ideia em discussão atualmente, só complica e encarece o sistema sem melhorar a segurança.

Há outras vantagens. A contagem acompanhada e vigiada por fiscais é fator inibidor de fraudes. Mais que isso: em caso de contestação, os votos podem ser facilmente recontados.

Quando se sabe que piratas informáticos conseguem se introduzir em servidores da CIA, da Nasa e de governos ao redor do planeta, é permitido concluir que conseguem acessar o que quiserem. O voto manual faz barreira contra piratagem externa e, naturalmente, contra picaretagem interna.

Nenhum sistema é infalível, mas o voto em cédula de papel é, sem dúvida alguma, mais seguro que o eletrônico.

Assunto requentado

José Horta Manzano

Dizem que vale a pena requentar certos pratos: o gosto fica ainda melhor. Já as más línguas murmuram que isso não passa de desculpa de cozinheira atrapalhada. Enfim, quem não se conformar, que vista o avental, arregace as mangas e ponha as mãos na massa.

O voto eletrônico, apresentado anos atrás como conquista nacional digna de suscitar orgulho em todos os brasileiros, não pára de voltar às manchetes. É assunto requentado com frequência. É verdade que, quando se generalizou, a urna eletrônica (que lembra vagamente uma calculadora) nos pareceu um progresso extraordinário. Nosso país se tornou o primeiro no mundo(!) onde todos os votantes tinham acesso à engenhoca. Brasiiiiil!

Passados alguns anos, a poeira baixou e as suspeitas cresceram. Testado em outras terras, o sistema acabou descartado por se revelar opaco e de difícil controle. A possibilidade de fraude em grande escala existe. E, caso ocorra, será trambique praticamente impossível de ser comprovado. O crime perfeito. Muitos se perguntam ‒ eu, inclusive ‒ por que estranha razão o Brasil continua a ser o único a utilizar esse método.

Em vista das incertezas, as democracias mais ricas e mais civilizadas aferram-se ao velho e bom sistema de voto escrito. É tão mais simples e próximo do eleitor. Antes de entrar na cabine, o votante apanha a(s) cédula(s) oficial(is). Em seguida, escreve o número de seu candidato a cada cargo. Ao sair, enfia o voto na urna transparente. Se quiser, vale levar cola de casa.

Terminada a votação, os mesários de cada secção eleitoral são encarregados de apurar as próprias urnas, num escrutínio feito em público e diante de fiscais dos diferentes partidos. Em poucos minutos, a urna terá sido apurada. Anotam-se os resultados numa planilha que será despachada ao TSE. E pronto. Caso haja contestação, as cédulas poderão ser recontadas a qualquer tempo. O sistema é transparente.

Em vez disso, torramos o dinheiro do contribuinte na compra de 600 mil urnas (seiscentas mil!). Em consequência da desconfiança de muitos, um arremedo de voto escrito foi alinhavado. Cinco porcento das urnas contarão com um puxadinho, uma impressora que reproduz, em princípio, o voto emitido pelo cidadão. Pode acrescentar o custo da impressora ao da urna, que quem paga é a viúva.

Ora, diabos, não seria mais simples que o próprio cidadão depositasse na urna o voto em papel? O que é que justifica essa intermediação obrigatória da engenhoca que lembra uma calculadora? Sei não. Vejo duas explicações. A primeira é a recusa das autoridades que instituíram o voto eletrônico de admitir que se enganaram. A segunda… é bem mais tenebrosa. Melhor nem pensar nisso.

Corrupção & cartel

José Horta Manzano

Saiu estes dias a notícia de que a empreiteira Odebrecht participou, com diversas congêneres, de um cartel visando a fraudar licitações públicas em São Paulo. Há quem ponha a formação de cartel no mesmo balaio que a corrupção. Engano. Cartel e corrupção não são a mesma coisa.

Corrupção, como até as estrelinhas de nossa bandeira já sabem, ocorre quando quem tem poder de decisão aceita receber um benefício em troca de dar decisão favorável a determinados interesses. O valor do benefício varia conforme a importância da negociata, podendo ir de uma carona num jatinho até um depósito de centenas de milhões em conta domiciliada em paraíso fiscal. Incorrem em corrupção tanto quem paga quanto quem recebe.

Formação de cartel joga noutro time. Trata-se de acordo entre fornecedores de um mesmo artigo, visando a manter preços interessantes para ambos. Muito mais comum do que se imagina, o cartel é quase impossível de ser desvendado. Alguns raros são de notoriedade pública. Um deles é a Opep, o clube dos produtores de petróleo. Reúnem-se, combinam preços, acertam volumes de produção, e pronto. O mundo todo fica sabendo e ninguém pode fazer nada.

Na vida de todos os dias, os acertos comerciais podem se dar entre duas padarias vizinhas. Podem também ser fixados entre empreiteiras que cobiçam contratos públicos. As padarias combinarão, por exemplo, o preço dos sanduíches. Uma delas venderá o de mortadela mais caro que o da concorrente. Em compensação, a outra cobrará mais caro pelo misto quente. Assim, no final das contas, os preços se equilibrarão e nenhuma sairá prejudicada. É menos desgastante que uma guerra de preços.

As empreiteiras farão a mesma coisa em patamar mais elevado. Suponhamos que quatro ou cinco empresas formem um cartel. Em sistema de rodízio, cada licitação será vencida por uma delas, uma de cada vez. Antes de apresentar a proposta, todas se reunirão e entrarão em acordo. A que deve vencer dirá qual é seu preço. As demais prepararão proposta com valor superior, de forma a garantir a vitória da empreiteira da vez.

Pode chamar de trapaça, fraude, desonestidade, mas não de corrupção. Não é a mesma coisa. Corrupção, dado que costuma envolver favores materiais, deixa rastro: movimentação bancária, malas de dinheiro, apartamentos tipo caixa-forte, conta em paraíso fiscal. Desmascarar um cartel é muito mais complicado, quase impossível. Pode-se desconfiar, mas sempre será difícil provar.

Redes de supermercado, operadoras de comunicações, bancos, companhias de cartão de crédito, empresas aéreas, empreiteiras são ramos em que entendimento prévio sobre preços são o pão nosso de cada dia. Só vejo duas maneiras de «explodir» o sistema, ambas de difícil realização.

Podem-se esconder minicâmeras e microfones na sede das empresas visadas. Esse sistema à soviética, além de ilegal, é antiquado e pouco eficaz, dado que não se sabe onde os entendimentos serão acertados. Alternativamente, podem-se também infiltrar espiões nas altas esferas das companhias suspeitas. Como o anterior, esse método é caro, pouco prático e de difícil implementação.

Não tem jeito, minha gente. Não só o Brasil, mas o mundo todo tem de se conformar com a cartelização. Até que algum sistema, hoje não inventado, venha a coibir uma prática que surgiu junto com o comércio.