Vive la différence!

José Horta Manzano

Interligne vertical 12«O candidato Fulano de Tal apresentou-se diante das câmeras trajando blazer azul-marinho e calça cinza-chumbo. Uma gravata rajada com nuances de azul-celeste ton sur ton sobressaía sobre o fundo impecavelmente branco da camisa. Nos pés, um par de meias combinando com a gravata. Para completar o todo, sapatos de couro preto brilhante cuidadosamente engraxados. Um último detalhe: o candidato exibia novo corte de cabelo, que o fazia parecer mais jovem.»

Alguém imagina topar com uma descrição de candidato nos termos que acabo de esboçar? Impensável. Não só pelo perfume antediluviano das palavras, mas principalmente por se referirem ao candidato Fulano – um homem.

Elegancia 2Por mais que se editem leis de igualdade de direitos, sempre sobram, no inconsciente coletivo, marcas incrustadas difíceis de remover. O raio de alcance de regulamentos, decretos e leis não é suficientemente amplo para revirar mentalidades.

A Constituição determina que somos todos iguais. Em princípio, portanto, homens e mulheres deveriam receber tratamento idêntico. Fica muito bonito no papel, mas, na vida real, não é exatamente assim.

Que um cavalheiro ceda seu assento a uma dama ou que lhe dê preferência, ao passarem os dois por porta apertada, é aceito e até esperado. O inverso ― que uma senhora devote ao homem essas mesuras ― é menos comum.

A descrição do candidato, com que abri este artigo, seria hoje pra lá de surpreendente, é verdade. Mas… e se o candidato fosse uma senhora? Pois as palavras não chocariam ninguém. A sociedade está longe de se sentir espantada com descrição da aparência e da indumentária de candidata. É narrativa, aliás, bem-vinda.

Elegancia 1Vejam um exemplo perfeitamente aceitável:

Dona Dilma apareceu diante das câmeras com o habitual terninho. Parecia mais elegante que de costume. As mangas três quartos mais curtas conferiam sobriedade ao conjunto. A cor verde pastel disfarçava a carranca e completava o quadro, insinuando uma disposição mais aberta ao diálogo.

Ou ainda:

Em vez de exibir o costumeiro semblante sizudo, dona Marina manteve fixo o sorriso durante toda a entrevista. Há de ter-lhe custado dor nos músculos da face. Quanto à vestimenta, a candidata manteve o habitual comedimento. O coque impecável e um colar de bolas gordinhas, de cor azul, contrastando com a silhueta delgada. A austeridade do conjunto duas-peças de feitio simples, de cor entre azul-petróleo e cinza-titânio, era quebrada pelo único adereço jovial: largo e vistoso cinto amarelo marcava-lhe a cintura de vespa, marca persistente da infância necessitosa.

Interligne 18e

Pois é. A lei faz o que pode para equiparar cidadãos de ambos os sexos. Na vida real, no entanto, ainda resta um longo caminho.

Vive la différence!

Aviso aos navegantes

José Horta Manzano

Você sabia?

Este aviso é dirigido aos distintos leitores que residem na Suíça francesa, especialmente àqueles que se preparam para exercer a obrigação de votar domingo que vem.

As urnas eletrônicas NÃO ESTÃO mais instaladas no Consulado-Geral. Desta vez, maquinetas e mesários sorridentes aguardam a colônia em PALEXPO. É isso mesmo, leram bem: Palexpo.

Palexpo - Palácio das Exposições, Genebra

Palexpo – Palácio das Exposições, Genebra

Para quem não conhece, Palexpo é o Palácio de Exposições de Genebra, equivalente ao Anhembi paulistano. Fica grudado ao aeroporto. É de crer que o contingente de conterrâneos tem aumentado barbaridade.

O atendimento oferecido pela agência consular tem melhorado muito estes últimos anos, é verdade. Infelizmente, ainda não chegam a fazer milagres. Botaram a novidade no site, e pronto: quem não leu, mal se deu.

Se você sabe de alguém que vota em Genebra, faça a fineza de passar a informação. Quanto a mim, já avisei os que conheço. Ninguém sabia da novidade.

Fico só imaginando a multidão que – vindo de longe e sem saber da mudança de local – vai se aglomerar na porta do consulado domingo que vem. São coisas nossas.

Para mais amplas informações, visite o site do consulado. Clique aqui.

Interligne 18b

PS: Vote em quem quiser, mas evite eleger mais corruptos. Os que temos já são suficientes.

Presidenciáveis

José Horta Manzano

Eleitor 1Quem achar que é birra minha provavelmente terá razão. Assim mesmo, vou botar no papel, nem que seja pra esconjurar.

Estes últimos anos, surgiu a moda de atribuir o epíteto de «presidenciável» aos que pleiteiam o cargo de presidente da República. Não é termo adequado.

Em tese, presidenciáveis somos nós todos. Todo cidadão que preencher os requisitos exigidos pela Constituição é presidenciável. Para se habilitar, o cidadão precisa:

Interligne vertical 11― Ser brasileiro nato, ou seja, ter nascido com o direito à nacionalidade brasileira. Pouco importa o lugar de nascimento, desde que o neonato já tenha nascido brasileiro.

― Estar em pleno exercício dos direitos políticos

― Estar alistado como eleitor

― Ser filiado a um partido político

― Ser alfabetizado

― Ter acima de 35 anos de idade

Pronto. Como eu dizia, boa parte dos habitantes de Pindorama são presidenciáveis. O que falta à maioria é ser filiado a um partido. Com as dezenas de partidos que temos à mão, esse é problema de solução fácil.

O que é que distingue, então, os presidenciáveis (que todos somos) daqueles que hoje debatem na tevê e amanhã vão aparecer na telinha da maquineta de votar?

Ora, minha gente, é que eles se inscreveram como candidatos, e nós, não.

Interligne 18hResumo da ópera
Todos os candidatos são obrigatoriamente presidenciáveis, mas nem todos os presidenciáveis são candidatos. Melhor assim.

Frase do dia — 185

«Do Brasil, emergente titular das Américas, sétima economia do mundo, sócio-fundador do grupo Brics, o mundo talvez imaginasse um discurso à altura. Pena que tenha ouvido mais um programa do horário eleitoral, com tradução simultânea.»

Mac Margolis, colunista do Estadão, ao comentar o discurso de dona Dilma, pronunciado na abertura da 69a. Assembleia-Geral da ONU.

Mercosul imprescindível

José Horta Manzano

A editoria de arte da Folha de São Paulo produziu um diagrama sobre as importações que a Argentina tem feito, nos últimos dez anos, de produtos brasileiros e de produtos chineses.

Mercosul 3Salta aos olhos o declínio ― a degringolada! ― da importância dada pelos importadores argentinos ao produto brasileiro. No ritmo atual, bastarão poucos anos para que a China ultrapasse o Brasil como maior fornecedor do país hermano.

Cupula Mercosul

Fica mais uma vez escancarada a evidência. Uma nação não tem amigos, tem parceiros. A China tem sabido lidar com a Argentina, sem afagos, sem tapinha nas costas, sem subserviência.

Talvez fosse uma boa ideia o Itamaraty mandar estagiários a Pequim para aprender como funciona a diplomacia comercial laica, sem amarras ideológicas.

Uma outra ideia, talvez ainda mais coerente, seria convidar a China para ser membro do Mercosul. Aí, a coisa ia.

J’accuse…!

José Horta Manzano

Do ponto de vista ético, há situações que se situam no limite entre o lícito e o inadmissível. O médico, por exemplo. Prepara-se durante anos para curar doenças e salvar vidas. Um belo dia, diante de um paciente terminal atormentado por sofrimento insuportável, vê-se em postura delicada.

Acusação 2Os estudos e o tirocínio fizeram dele um salvador, um resgatador de vidas ameaçadas. No entanto, o caso de um paciente terminal sem esperança de cura é diferente. Caberá ao médico, à contracorrente do que dele normalmente se espera, contribuir para a extinção da vida? Daquela vida que ele, médico, se preparou para amparar e preservar?

É um dilema complexo que roça a medicina, a filosofia, o direito, a religião. Nossa sociedade ainda está longe de chegar a consenso. Seja qual for a decisão do legislador, certo é que desagradará ampla parcela da população.

Um outro caso me ocorre que, embora não envolva decisão de vida ou morte, situa-se também no limbo que separa o admissível do insuportável. É o conceito dito de «delação premiada», atualmente na crista da onda.

Acusação 3Todo agrupamento tem suas regras, escritas ou não. Toda família tem segredos ― que não devem ser revelados aos de fora. Toda sociedade comercial tem sua estratégia ― que não deve ser divulgada por nenhum membro, nem mesmo depois de ter deixado o emprego. Todo Estado tem uma parcela de confidencialidade ― que deve permanecer ad aeternum ao abrigo de olhares indiscretos. Todo aquele que, apartado do grupo, se puser a dar com a língua nos dentes estará traindo o juramento e renegando a ética.

Nosso ordenamento jurídico tem reconhecido, com frequência crescente, o instituto da «delação premiada», expressão infeliz. A própria palavra delatar carrega senso pejorativo. Quem delata é traidor. Joaquim Silvério dos Reis e Domingos Fernandes Calabar passaram à História Oficial do Brasil como traidores justamente por terem delatado ao adversário atividades de parceiros confiantes.

Não há como negar que a delação trazida por desertor de um grupo criminoso ajuda a desmantelar a quadrilha. Visto assim, o delator se aproxima da figura do herói salutar e proveitoso à nação. Por outro lado, o delator será sempre o alcaguete, o dedo-duro, aquele traidor que quebrou, em benefício próprio, o elo de confiança que o unia ao bando.

AcusaçãoÉ, de novo, um dilema complicado. Trair os sócios é feio, mas se for em benefício da sociedade maior é desculpável. Como ensinar isso às crianças? Não tenho a resposta. Modificar o nome da coisa já seria um bom começo. Em vez de «delação premiada», expressão paradoxal em que os dois elementos se excluem, por que não dizer «delação interessada»?

Mais vale dar a cada boi o nome que merece.

Interligne 18b

Observação:
J’accuse…! ― Eu acuso…! ― é o título de artigo publicado em 1898 por Émile Zola, escritor francês. O autor, naquela carta aberta dirigida ao presidente da República Francesa, se posicionava num caso judiciário complicadíssimo que sacudia consciências. O caso envolvia um oficial do estado-maior do Exército, de origem judia, que tinha sido condenado por alta traição ao cabo de um processo ressentido por muitos como antissemita.

As vantagens que a idade traz

José Horta Manzano

Você sabia?

Há quem acredite que, para vencer uma eleição majoritária organizada em dois turnos, é necessário obter 51% dos votos. Meus esclarecidos leitores sabem que não é exatamente assim.

Na verdade, basta obter 50% dos votos mais um, computados apenas os votos válidos. E o que vêm a ser votos válidos? Ora, toma-se o total de votos exprimidos, eliminam-se os nulos e os neutros (em branco). Restam os votos válidos.

Crédito: BlogdoJardsonMadeira

Crédito: BlogdoJardsonMadeira

Mas essa história de 50% mais um ― será que é verdade mesmo? Quase, minha gente, quase. A afirmação é válida somente no caso de o total de votos válidos dar número par. Se o total for ímpar, o candidato que, teoricamente, obtiver «meio voto» a mais leva a taça.

Ajuizadamente, a Constituição Federal de 1988 determina que ganhará a parada o concorrente que reunir maioria absoluta dos votos válidos, ou seja, mais que a metade deles. Pronto, assim fica claro.

Precavido, o legislador chegou a imaginar uma situação que, conquanto pouco provável, é assim mesmo possível: um empate entre os dois finalistas. E aí, como é que fica? O Parágrafo 5° do Artigo 77 da Constituição tira a teima: o mais idoso se elege.

Sobra ainda a possibilidade estatística ― pouco provável, mas não absurda ― de os dois concorrentes terem nascido no mesmo dia e na mesma hora. Essa eventualidade não está prevista. Afinal, ninguém é de ferro. Na hora, a gente vê o que faz.

Leilão cubano

Cuba leiloa com EUA e Rússia porto erguido pelo Brasil

Leandro Mazzini (*)

Uma nova Guerra Fria, em novo contexto. É o que se depreende do episódio.

O governo do Brasil fez papel de bobo, no Caribe, com o ‘aliado’ governo cubano. Bancou, via BNDES, com R$ 240 milhões a fundo perdido, a construção do Porto de Mariel, de olho na reabertura comercial e no fim do embargo americano ao país de Fidel.

Putin e CastroMas quem vai faturar bonito são os Estados Unidos e a Rússia. Depois de os EUA fazerem oferta para operar a área, agora foi o presidente russo, Vladimir Putin, quem avisou a Raúl Castro que tem pretensões sobre a área. Para isso, Putin perdoou aos cubanos a dívida de US$ 35 bilhões. A revelação é do jornalista Marcelo Rech, de Brasília, editor do site InfoRel.

As negociações para o perdão da dívida duraram 20 anos. Putin ainda avisou aos Castros que vai investir US$ 2,6 bilhões em Cuba – principalmente direcionados a Mariel. Putin correu para Cuba um mês depois de os americanos fazerem a oferta de operação do porto. Recomeçou, assim, uma nova ‘guerra fria’ entre EUA e Rússia.

(*) Leandro Mazzini é jornalista, escritor, cientista político e editor do blogue Coluna Esplanada, alojado no UOL.

Desincompatível?

José Horta Manzano

Inventaram o pesado verbo desincompatibilizar, não foi? Pois a prática da língua ensina que, como na vida real, todos os descendentes e dependentes têm direitos. Entre eles, o de existir. Os derivados do monstrengo têm, portanto, direito à cidadania.

Manda o figurino de nossa República que os titulares de cargos executivos (prefeito, governador e presidente) sejam acolitados por um substituto. O homem (ou a mulher) é inoperante. Está ali just in case, de prontidão.

Constituição 4Isso fazia sentido em 1889, quando um golpe militar despachou o imperador para a Europa e instaurou, à força, regime dito republicano. Cento e vinte e cinco anos atrás, viagem de mandatário durava, no mínimo, uma semana. Em alguns casos, meses. Comunicações eram precárias. O titular podia muito bem permanecer, dias e dias, fora do visor. Alguém tinha de assumir de facto suas funções.

Hoje já não funciona assim, que o mundo mudou. Até solitários navegadores que dão a volta ao globo em frágeis embarcações à vela costumam estar conectados ao resto da humanidade 24 horas por dia. Prefeitos, governadores e presidentes, então, nem se fala. Podem despachar de dentro de um avião exatamente como se estivessem em palácio.

O cargo de vice, assim, perdeu sua razão de ser. O artigo constitucional que institui essa figura continua a ser recopiado, de constituição em constituição, mais por inércia que por convicção. Talvez estejam esperando que seja antes abolido da Constituição do Grande Irmão.

Bom, deixei clara, mais uma vez, minha aversão pelo estranho cargo de vice ― aquela figura ociosa que fica no banco de reserva torcendo pra que algo de ruim aconteça com o titular. Agora passemos às atribulações do(s) vice-presidente(s) de nossa maltratada República.

Saiu nos jornais: o presidente do STF assumiu a presidência da República em caráter temporário. É um daqueles dois com sobrenome polonês ao qual parecem faltar algumas vogais. O referido senhor é o quarto suplente da presidência. Isso quer dizer que, para que chegue seu turno, é preciso que o presidente mais outros três substitutos estejam impossibilitados de exercer o cargo.

E como é que foi chegar até ele? Explicam os especialistas que, na ausência de dona Dilma ― ocupada em fazer campanha em Nova York ―, assume o vice. O vice, por sua vez, é candidato à própria sucessão. Para evitar contestação e impugnação, inventou uma viagem ao exterior e fugiu à responsabilidade.

Constituição 3Sobrou para o presidente da Câmara Federal. O homem está na mesma sinuca do primeiro substituto: é candidato a governador. Tem de se desincompatibilizar, senão, adeus eleição.

Sobrou para o presidente do Senado, que também tem problemas de compatibilização ― Senhor, que palavrão! Sua Excelência é pai de candidado. Não se desincompatibilizou, dançou.

O pesado encargo caiu no colo do ministro do Supremo. Seu nome aparecerá nos livros de História, assim como o de José Linhares, que se encontrou na mesma situação 70 anos atrás. Terá exercido a presidência do País.

Uma esquisitice me deu que pensar. O primeiro, o segundo e o terceiro suplentes foram impedidos de assumir a obrigação por problemas de… desincompatibilização. Poderiam ser suspeitados de utilizar o cargo para auferir sabe-se lá qual vantagem eleitoral. É isso, não?

E… a presidente, como é que fica? Ela, que é a principal interessada na própria reeleição, passa ao largo da desincompatibilização? Pode fazer campanha, aparecer na televisão, discursar na ONU, receber visitantes estrangeiros, subir em palanque, «fazer o diabo». Se ela pode, por que não os outros? Estão zombando de quem?

«Something is rotten in the state of Denmark» ― há algo de podre no Reino da Dinamarca.

Frase do dia — 184

«Ora, direis, olhar sapatos. Parece uma trivialidade, mas é uma aula de economia e de costumes. Dilma Rousseff calça a marca francesa Louis Vuitton, e Aécio Neves, a italiana Ferragamo. (…)

Marina Silva usa sapatos das marcas Beira Rio e Renner (100 reais pelo par).»

Elio Gaspari, em sua coluna no jornal O Globo, 24 set° 2014.

Greve suicida

José Horta Manzano

Outro dia, ia-lhes falar da greve da Air France. Comecei contando a história da origem da palavra, enveredei por outros caminhos, acabou o espaço e o problema da companhia aérea foi… pro espaço. Expressão, aliás, assaz adequada ao presente caso.

Volto ao assunto hoje. Já faz dez dias que os pilotos da companhia aérea nacional francesa estão de braços cruzados. Menos da metade deles está cumprindo tabela ― o resto não aparece nem pra bater ponto. Qual seria a razão dessa greve?

Avião 3Desde que o ultracodificado transporte aéreo se desregulou, nos anos 90, o mercado virou de ponta-cabeça. Foi um deus nos acuda. Companhias sólidas e tradicionais como a americana Pan Am, por exemplo, não aguentaram o tranco. Sumiu a Varig. A belga Sabena foi pro beleléu. Até a superséria Swissair teve de fechar as portas do hangar da noite pro dia.

Há males que vêm pra bem. Nessa efervescência, quem saiu lucrando foi o viajante. A primeira reação das companhias que sobraram foi procurar atrair clientela com ofertas originais.

Lembro-me que a Iberia propunha um programa chamado Madrid amigo. A passagem de ida e volta Suíça-Brasil, vendida ao preço habitual, dava direito a passar uma noite em Madrid. Traslado do aeroporto ao centro, alojamento em hotel de categoria superior e jantar estavam incluídos na tarifa. Eu mesmo cheguei a aproveitar dessa promoção mais de uma vez.

Air FrancePoucos anos mais tarde, empreendedores arrojados ousaram criar companhias aéreas de baixo custo ― em português corrente: low cost companies. A ideia é singela. Corta-se toda gordura desnecessária. Não há serviço de bordo. Cobra-se tarifa extra para transportar bagagem. Voos saem ou chegam em horas antes impensáveis, como em plena madrugada.

As grandes empresas tradicionais têm sentido o baque. Por que, diabos, alguém pagaria 200, 300 ou 400 euros por uma viagem entre cidades europeias, quando a EasyJet ou a RyanAir lhe propõem o mesmo trajeto por 25, 30 ou 40 euros?

Nessa óptica, a Air France decidiu criar sua própria filial «low cost». Com outro nome, outro quadro de pessoal, outra sede. Na verdade, a companhia já existe em feitio incipiente, com poucos aparelhos. Chama-se Interavia. A intenção da companhia-mãe era deslocar a sede da filial para Lisboa, onde os salários são mais baixos e as condições, mais favoráveis.

Contrários a essa ideia, os pilotos da Air France se solidarizaram com os hipotéticos futuros funcionários da Interavia e entraram em greve. Exigem que a companhia-mãe desista da ideia. Ou, na pior das hipóteses, que mantenha a sede em Paris e que os pilotos da filial tenham o mesmo nível salarial que os da matriz. Faz dez dias que a queda de braço se prolonga.

A meu ver, a atitude dos pilotos da Air France cheira a suicídio coletivo. Estão a serrar o próprio galho em que estão sentados. Impedir que sua empresa desenvolva o projeto de filial de baixo custo nem é a medida mais nociva: há pior.

Aviao

A França e a Itália têm fama de serem palco de greves frequentes. São países em que, por um sim, por um não, decide-se entrar em greve e fazer passeata. Até polícia, médico, radialista, tabelião (sim, senhor!) faz sua grevezinha de vez em quando.

Esperto, o viajante ajuizado evita, sempre que possível, fazer escala em Paris ou na Itália. Pessoalmente, nas dezenas de viagens que fiz ao Brasil, passei uma vez só por Paris e nunca pela Itália. Justamente para evitar ser bloqueado por alguma greve repentina.

O principal aeroporto de Paris é importante ponto de conexão para viajantes em trânsito. A atitude imprevidente dos pilotos da Air France está reforçando a ideia de que mais vale evitar passar por lá ― nunca se sabe. É por isso que esse movimento me parece inconveniente. Pode voltar-se contra os interesses dos próprios grevistas.

Pena dissuasiva

José Horta Manzano

Madame Sylvie Andrieux, de 53 anos, deputada da Assembleia Francesa, andou cometendo uns «malfeitos». Durante alguns anos, de 2005 a 2009, desviou dinheiro público por intermédio de entidades de fachada.

Sylvie Andrieux, ex-deputada francesa

Sylvie Andrieux, ex-deputada francesa

Um dia, como costuma acontecer, afrouxou os cuidados e acabou sendo apanhada com a boca na botija. A Assembleia Nacional suspendeu sua imunidade parlamentar. A moça entrou como acusada num processo de «cumplicidade de tentativa de estelionato e de roubo de dinheiro público».

O processo, que teve lugar em 2013, julgou Madame Andrieux e outros 21 envolvidos na fraude. A parlamentar foi condenada a três anos de prisão, sendo um em regime fechado e dois em liberdade condicional.

Outra consequência do julgamento foi a expulsão da deputada. Seu partido a mandou cantar em outra freguesia. De gente assim, em terra civilizada, ninguém quer saber.

Desapontada, a deputada entrou com recurso. Hoje saiu o resultado do julgamento em segunda instância: a pena foi agravada. Permanece a condenação a um ano de prisão em regime fechado, mas o «sursis» (pena suspensa) passa de dois a três anos. Além disso, o castigo da moça foi incrementado com cinco anos de inelegibilidade e 100 mil euros de multa.

Persistentes, seus advogados fazem saber que pretendem recorrer à corte suprema do país.

Interligne 18bObservação financeira:
O montante desviado foi de 740 mil euros. Dividido por 21 participantes, dá um montante teórico de menos de 34 mil por cabeça. Se, no Brasil, pegasse a moda de mandar para a cadeia parlamentar que desvia 100 mil reais, seria o caso de pensar em mandar cercar o Congresso.

Hôtel de Ville

José Horta Manzano

Você sabia?

Uma distinta e cara leitora me pergunta a razão pela qual os franceses dão o nome de «Hôtel de Ville» à sede do Executivo municipal. Resolvi responder-lhe num post, assim, todos aproveitam. A explicação é interessante.

Com a popularização gerada pelo turismo, de cem anos para cá, o termo francês «hôtel» ganhou mundo com o sentido de lugar que dá cama e comida a gente de passagem. Substituiu palavras tradicionais como paragem, albergaria, pousada, estalagem, locanda, hostal.

A língua que mais resiste ao termo é o italiano. Na península, a antiga forma «albergo» continua firme e forte. Na fachada, escrevem “hotel”, que é palavra internacional. Na hora de falar, no entanto, todos se referem a «albergo». E ninguém abre mão.

Hotel des FinancesHá uma curiosidade, no entanto. Em francês, pasme!, a acepção primeira de «hôtel» é «demeure vaste et somptueuse» ― solar vasto e suntuoso. Usada nesse sentido, a palavra «hôtel» será mais bem traduzida em nossa língua por «palácio» ou, melhor ainda, pelo desueto e charmoso «palacete».

É justamente esse o sentido presente na expressão «Hôtel de Ville»: Palácio da Cidade. Que, aliás, anda de mãos dadas como nosso «Palácio da Justiça».

Os dois soberbos Palacetes Prates, em São Paulo (ambos já substituídos por insossas torres de vidro) Foto de Theodor Preising (1883-1962), fotógrafo alemão

Os dois soberbos Palacetes Prates, em São Paulo
(ambos já substituídos por insossas torres de vidro)
Foto de Theodor Preising (1883-1962), fotógrafo alemão

Ao edifício-sede do fisco também se costuma dar o nome de hotel. Temos, aqui em Genebra, o «Hôtel des Finances», correspondente genebrino da Receita Federal. Parece que, de vez em quando, algum desavisado turista estrangeiro se achega à recepção pra perguntar se tem quarto livre.

A chave da cadeia

Ruy Castro (*)

Desvendaram ― de novo ― o mistério de Jack, o Estripador. Não é a primeira, nem a segunda vez. De trinta em trinta anos, alguém se apresenta como tendo descoberto a identidade do assassino. Jack, como se sabe, foi o homem que, na Londres de 1888, matou cinco prostitutas, mutilou seus corpos, retirou-lhes ovários, útero e outros órgãos. E a Scotland Yard nunca o apanhou.

O suspeito da vez é Aaron Kosminski, imigrante polonês, então com 23 anos, e seu acusador, Russell Edwards, escritor e detetive diletante. Ele diz ter examinado o DNA das manchas de sangue e esperma contidas num xale encontrado junto a Catherine Endowes, a quarta vítima de Jack, e tê-lo confrontado com o patrimônio genético de descendentes diretos de Catherine e de Kosminski. O resultado está no livro Naming Jack the Ripper (Identificando Jack, o Estripador, que não demora a sair por aqui). Já é um best-seller ― como todos sobre Jack nestes 126 anos.

London oldPessoalmente, meu suspeito favorito ainda é o príncipe Albert Victor, neto da rainha Vitória. Pelo menos, Albert tinha um motivo: matar a prostituta que dizia estar grávida dele e eviscerá-la para arrancar o feto. Como o príncipe não sabia direito quem era, o jeito era ir matando até encontrar. Quando aconteceu, ele parou de matar. Um médico da rainha acompanharia Albert em cada crime. Mas, como nos outros casos, nada ficou provado.

Na Inglaterra, há mais de cem livros em catálogo sobre Jack: Jack de A a Z, enciclopédia de Jack, as cartas de Jack, o diário de Jack, guia turístico de Jack, Jack para crianças. Só falta um livro de receitas. E não será o de Edwards que esgotará o assunto.

No Brasil é diferente. Nos casos de corrupção, por exemplo, sabe-se quem foi o ladrão, seu DNA, o nome dos cúmplices, o caminho do dinheiro e quem se beneficiou. Só não se sabe onde fica a chave da cadeia.

(*) Ruy Castro (1948-) é escritor, biógrafo, jornalista e colunista da Folha de São Paulo.

Frase do dia — 183

«Com todo o respeito que tenho por Antônio Houaiss, sua iniciativa para padronizar a escrita dos países lusófonos foi um desastre. Passados 24 anos da assinatura do acordo, as ortografias adotadas no Brasil e em Portugal continuam diferentes e nós, do lado de cá do Atlântico, passamos pelo levemente traumático, relativamente custoso e absolutamente inútil processo de reaprender a escrever.»

Hélio Schwartsman, filósofo, colunista da Folha de São Paulo, 20 set° 2014.

O soneto e a emenda

José Horta Manzano

Não fui o único a mostrar indignação quando nossa ínclita presidente, dias atrás, proclamou que «investigar não é função da imprensa». Analistas e outros brasileiros pensantes se alevantaram contra a enormidade.

Dona Dilma há de ter sentido o baque. Mas palavra dita, como flecha lançada, não se consegue recolher. Falou, tá falado ― diz o povo esperto. Restou a ela afirmar que burros somos nós, que não entendemos nada. «A imprensa pode investigar, claro! O que não pode é julgar» ― emendou madame, corrigindo a si mesma.

Disse isso sem se dar conta de que toda opinião traz necessariamente embutido um juízo de valor. Pode não ser judiciário ― nem teria cabimento ― mas sempre julgamento será. A mãe que se queixa com a vizinha sobre o mau comportamento do filho está emitindo juízo sobre a conduta do rebento. O jornalista, quando descobre um «malfeito» e anuncia que o mal está feito, está igualmente julgando.

Tonto 1Assim mesmo, foi um alívio saber que a inteligência continua no andar de cima. Fica mais uma vez provado que somos governados por gente esclarecida. Melhor assim. Durmam tranquilos, cidadãos, que estamos em boas mãos!

Tsk, tsk, brincadeira, gente! Esse pessoal que estendeu teia em Brasília e domou os escaninhos da administração federal não tem jeito. São primitivos. Enxergam o brasileiro como povo bronco e imaginam que tenhamos todos a mente embotada.

Costumam dizer o que lhes passa pelos débeis neurônios, na certeza de que, de qualquer maneira, quase ninguém vai entender. E os poucos que entenderem vão se calar porque têm interesse em que as coisas continuem como estão. Verdade ou não?

Não precisa responder. O silêncio é, às vezes, estridente.

A greve

José Horta Manzano

A palavra que utilizamos para indicar uma parada de trabalho ― organizada voluntária e coletivamente na esperança de alcançar melhora salarial ou vantagem laboral ― vem do francês. Tem longa história.

Na época em que rei detinha poder absoluto, decisões dependiam, naturalmente, de sua excelsa vontade. Na Paris do século XII, a burguesia pleiteava um espaço público adequado para cerimônias e festas. O rei Luís VII aquiesceu, mas impôs uma condição: exigia que, em troca, os burgueses lhe pagassem a soma de 70 libras, montante considerável para a época. Concluído o trato, um terreno às margens do Rio Sena ficou reservado para cerimônias e festejos. O rei deu garantia de que nunca se construiria ali.

Place de Grève em 1746 Nicolas-Jean-Baptiste Raguenet (1715-1793)

Place de Grève em 1746
by Nicolas-Jean-Baptiste Raguenet (1715-1793)

A proximidade do rio era bem prática. Tirando ocasiões especiais, o espaço era utilizado como atracadouro para barcaças que traziam carvão e outras mercadorias para abastecer a cidade. O solo era coberto de cascalho, um tipo de seixo que os franceses chamam de grève. Daí o nome de Place de Grève ― a Praça do Cascalho.

O enorme espaço retangular existe até hoje. Séculos depois da promessa do rei, a majestosa sede da prefeitura foi construída à beira da praça. Desde então, ela passou a ser conhecida como Place de l’Hôtel de Ville ― Praça da Prefeitura. O nome chegou até nossos dias.

Nem só de festas viveu a Place de Grève. Execuções públicas foram praticadas lá, desde fogueiras medievais reservadas para bruxas e hereges até as primeiras cabeças guilhotinadas pelos revolucionários de 1792.

A Revolução Industrial deu nascimento às primeiras manufaturas e, em consequência, aos primeiros operários. O grande espaço que a praça oferecia era raridade na Paris de princípios do século XIX ― uma teia irregular de ruelas estreitas e malcheirosas. Assim, em pouco tempo, tornou-se ponto de encontro de homens à procura de trabalho. Donos de manufatura à cata de mão de obra passavam por lá para engajar pessoal.

Place de l'Hôtel de Ville nos dias atuais

Place de l’Hôtel de Ville
nos dias atuais

Com o passar dos anos, os operários foram-se dando conta de que, unidos, podiam pressionar por melhores salários ou por melhores condições de trabalho. A maneira mais evidente de mostrar descontentamento era deixar de comparecer ao emprego. A Place de Grève encontrou vocação nova: tornou-se ponto de agrupamento dos que se recusavam a trabalhar.

A praça acabou emprestando seu nome à novidade. A língua francesa adotou o termo grève para designar paralisação de trabalhadores. Cada língua encontrou sua própria solução para descrever o fenômeno novo. Das 30 línguas mais faladas, somente duas adotaram o termo francês: o turco e o português.

Eis por que, enquanto outros dizem huelga, sciopero, Streik, stávka, nós permanecemos fiéis ao original.

A função da imprensa

José Horta Manzano

Sintonizei a CBN para acompanhar o café da manhã deste sábado. Depois de ouvir as notícias da Europa, costumo me inteirar das novidades brasileiras. Com esses aparelhos de rádio atuais, conectados à internet, tudo ficou bem mais fácil.

Jornal mural ― anos 70

Jornal mural ― anos 70

Quando já é manhã por aqui, no Brasil são as que antigamente se chamavam «altas horas», não sei se os jovens ainda entendem. É quando o ponteiro das horas aponta lá pra cima. Os franceses costumam dizer «les petites heures » ― as pequenas horas ―, o que dá no mesmo. É hora boa pra ouvir notícia. Não se fala em tráfego, perdão!, em «trânsito».

Distraído, ouço de repente uma voz de mulher braba afirmar, em tom peremptório, que «investigar não é função da imprensa». Depois de um instante de estupefação, me dou conta de que é a presidente da República quem profere essa enormidade. E ela continua o discurso afirmando que cabe à imprensa apenas relatar o que já foi investigado por quem de direito.

Incomodada pela divulgação de um ‘malfeito’ atrás do outro, é compreensível que uma enfurecida Dilma Rousseff, incapaz (por enquanto) de calar a imprensa, lance suas flechas contra ela. Tem ela sorte de presidir um país cujo povo, calejado por tantos escândalos, já não dá mais atenção a miudezas.

Tivesse ela dito esse tipo de monstruosidade em terra civilizada, receberia de volta saraivada pesada vinda de uma nação indignada. Nossa presidente venturosa preside um povo ingênuo, amestrado a engolir mentiras com facilidade.

Jornal mural ― anos 70

Jornal mural ― anos 70

Relatar fatos é função de agências noticiosas. As grandes do mundo se chamam Reuters, France Presse, Associated Press, Ansa. Até o Brasil tem uma, chamada, com propriedade, Agência Brasil. Imprensa é outra coisa. Se sua função fosse unicamente relatar fatos, um jornal seria suficiente. Mas o mundo não funciona exatamente como dona Dilma gostaria.

Não se saberá jamais se a frase infeliz da presidente foi realmente de sua lavra ou se lhe terá sido soprada por alguma eminência parda. É até capaz de a enormidade ter sido bolada por suas eminências. Elas andam tão assustadas com a perspectiva real de derrota daqui a 15 dias que acionaram a metralhadora giratória. Fazem fogueira com qualquer madeira.

Pois a função da imprensa é justamente analisar, opinar, investigar, supor, debater. Para relatar fatos, bastavam os da dzi bao, jornais murais que o regime afixava na Praça da Paz Celeste, em Pequim, nos tempos de Mao Tzê Tung.

Jornal

Jornal

A fala de dona Dilma está em contradição flagrante com a boa acolhida que seu governo tem dado a Mister Greenwald. Falo daquele jornalista americano, residente no Rio de Janeiro, que deu eco planetário a informações sigilosas surrupiadas de agências de segurança americanas. Ele não se limitou a relatar fatos, mas foi parte ativa na investigação que acabou por descobri-los.

Não se pode aprovar Chico e repudiar Francisco, como está fazendo nossa presidente mandona. Isso dito, ela não precisa se desesperar. A pouca importância que, desde sempre, o poder público tem dado ao desenvolvimento cultural dos brasileiros faz que a estupefação se extinga com o último gole do café da manhã.

Frase do dia — 182

«Como resistir no país onde o que foi contratado e acertado entre dois homens — por escrito ou no ‘fio do bigode’ — é letra que já nasce morta? Como resistir quando o colega do lado, ao ceder à sedução de um advogado corrupto, aciona o patrão com base numa coleção de mentiras e lhe arranca, sem medo de errar, mais do que ganhou trabalhando anos a fio?

Lula tem razão: somos todos corruptos no Brasil que Getúlio nos legou. Daí a corrupção ‘não colar’ como fator decisivo de eleições: é contra a lei ser honesto no Brasil.»

Fernão Lara Mesquita, jornalista, em artigo publicado pelo Estadão, 19 set° 2014.