Igualdade de gênero antes da hora

José Horta Manzano

Nos países da Europa central, a tradição manda dar ao filho unicamente o sobrenome paterno. Durante séculos, desde que nomes de família começaram a ser atribuídos, lá pelo século 13 ou 14, é o que se costuma fazer.

Mas os tempos mudam. A tendência do “politicamente correto” e da “igualdade de sexo” (ou de gênero) impõe certas modificações. Um a um, países em que a atribuição unicamente do nome paterno era a regra vão se adaptando aos novos tempos. Atualmente, Alemanha, França, Suíça e numerosos outros países já relativizaram o rígido sistema que vigorou por séculos.

Na maior parte desses países, já é permitida a escolha entre nomear o recém-nascido unicamente com o sobrenome do pai, unicamente com o da mãe, ou ainda dar-lhe os dois sobrenomes, na ordem desejada pelos pais. Em geral, em caso de pais casados, a decisão é tomada quando nasce o primeiro filho. Feita essa escolha, os filhos(as) seguintes terão de receber o(s) mesmo(s) nome(s), na mesma ordem. É o caso da lei alemã, por exemplo.

Na Itália, até outro dia, era inconcebível alguém levar o sobrenome da mãe – exceto no caso de o pai ser desconhecido. Isso começou a mudar. Faz alguns meses, a Corte Constitucional deu um parecer pouco habitual: mostrou-se favorável à adaptação da Itália aos novos tempos.

Considerou que o costume de dar automaticamente ao recém-nascido o sobrenome paterno, deixando o materno de lado, é “discriminatório e prejudicial à identidade” da criança. Acrescentou que os pais deveriam ser autorizados a escolher o sobrenome da criança. A Corte vê com bons olhos a atribuição, aos futuros cidadãos, de sobrenome formado pelo do pai acoplado ao da mãe, na ordem que o casal preferir. Naturalmente, os pais estão livres de decidir dar apenas um dos sobrenomes, o do pai ou o da mãe.

É interessante que o costume ibérico, que prevalece na Espanha e em Portugal (e que nós herdamos) é uma moda politicamente correta de vanguarda, estabelecida muito antes das imposições atuais. De fato, na Península Ibérica, faz séculos que pai e mãe são tratados com isonomia. (Pelo menos, no momento de dar nome aos filhos.)

A pequena diferença entre os dois países é que os espanhóis colocam o sobrenome paterno primeiro, enquanto os portugueses põem o nome do pai no fim.

Na Espanha, a tradição costuma ser rigorosamente seguida; praticamente todos os espanhóis têm o sobrenome do pai primeiro, e o da mãe em seguida. É por isso que, em sobrenomes dados segundo a norma espanhola, a abreviação do nome de um indivíduo nos parece curiosa. Por exemplo, temos Fidel Castro R., em que o R. corresponde a Ruz, sobrenome materno do pranteado ditador cubano.

Em Portugal, a tradição é respeitada até hoje. Praticamente todos os portugueses têm dois sobrenomes, sendo primeiro o da mãe, em seguida o do pai. Já no Brasil, um pouco por influência das correntes migratórias de um século atrás, um pouco por desconhecimento ou por indisciplina mesmo, a regra lusa nem sempre é seguida, dando lugar a certa cacofonia.

Há brasileiros que têm os dois sobrenomes, bonitinho, na ordem certa. Há os que têm só o do pai. Há ainda cidadãos que carregam três, quatro ou mais sobrenomes, como se fossem de linhagem nobre. Sabe-se até de irmãos, filhos do mesmo pai e da mesma mãe, que têm sobrenomes diferentes.

São coisas nossas.

Da Silva

José Horta Manzano

Você sabia?

Até fins do século 19, a Suíça era um pais de emigração. Populações pobres de regiões desfavorecidas partiam, com armas e bagagens, em busca de oportunidades numa terra que lhes abrisse os braços.

Os destinos do imigrante suíço foram variados. Muitos foram para os EUA. Houve quem preferisse se estabelecer nalgum país da Europa, até na Rússia. Colônias se formaram em países da América Latina, como no Brasil, no Uruguai e na Argentina.

O tempo passou e o sentido da transumância se inverteu. Já faz um século que, de emissor de migrantes, a Suíça passou a ser receptor – um importante receptor, diga-se. Atualmente, a população estrangeira com residência permanente no país atinge a marca de 25%, ou seja, de cada quatro habitantes, um tem cidadania estrangeira.

Níveis tão altos só se encontram em países do Golfo Pérsico (emirados), onde a população operária é numerosa e inteiramente estrangeira. Ou também em microestados, como Luxemburgo ou Mônaco. Nem o Brasil, que teve, um século atrás, seu período de desembarque contínuo de imigrantes, chegou a contar com um quarto de estrangeiros.

Metade dos estrangeiros vivendo na Suíça são originários de quatro países europeus. Na ordem: Itália, Alemanha, Portugal e França. Essa população estrangeira não é distribuída uniformemente pelo território nacional. Por afinidade linguística, imigrantes vindo de determinado país se concentram numa determinada região.

A imensa maioria dos 328 mil italianos está estabelecida no Cantão do Ticino (Lugano, Locarno), região de língua italiana. Os 311 mil alemães preferem a grande região de expressão alemã (Zurique, Berna, Basileia). Os 151 mil franceses, por seu lado, estão quase todos estabelecidos nos cantões francofalantes (Genebra, Lausanne, Neuchâtel). Já os 255 mil portugueses são menos exclusivistas, embora se note certa preferência pela região de fala francesa.

O Instituto Federal de Estatística (equivalente a nosso IBGE) acaba de publicar rica edição de estatísticas da população. Entre outros pontos interessantes, informam a distribuição dos estrangeiros por região linguística, por cantão e até por município. Constata-se que, na região de língua francesa, o sobrenome Da Silva é o mais difundido. Chega bem à frente de todos os nomes de família tradicionais.

E isso não é nada. Os primeiros lugares, do primeiro ao quinto, são todos ocupados por sobrenomes portugueses. Veja:

 1 Da Silva
 2 Ferreira
 3 Pereira
 4 Dos Santos
 5 Rodrigues

Pensa que é só isso? Pois não é. A lista continua. Vamos continuar até o 20° lugar:

 6 Favre
 7 Gomes
 8 Martin
 9 Fernandes
10 Lopes
11 Martins
12 Müller
13 Oliveira
14 Alves
15 Pinto
16 Marques
17 da Costa
18 Ribeiro
19 Silva
20 Gonçalves

Não é impressionante? Entre os 20 nomes mais comuns na Suíça de expressão francesa, 17 são de origem portuguesa, 1 é de origem alemã, e somente 2 são locais.

Mas não se assuste. Todos convivem em paz e harmonia, exatamente como costumava ser em nosso país até a virada do século. Quem sabe um dia volta, quando a tempestade passar.

Mesas berlinenses

José Horta Manzano

A desigualdade financeira está presente em todas as sociedades. O Brasil é um exemplo flagrante de abismo entre abastados e despossuídos. Mas a carestia não é exclusividade de países em desenvolvimento. Os países ditos “ricos” também contam com cidadãos na faixa de pobreza.

Um exemplo? A Alemanha, país onde a inflação atualmente bate em 8% ao ano, taxa nunca vista em mais de três décadas. Quando os preços sobem desse jeito, os primeiros a sentir o baque são justamente os que vivem com pouco dinheiro.

Cerca de 14 milhões de alemães recebem um salário ou um benefício que não chega para as necessidades básicas. Essas pessoas dependem de um complemento de renda providenciado pelo Estado. Dado que essa ajuda extra nem sempre é suficiente, o problema dos que têm renda muito baixa continua. A maioria dos integrantes dessa faixa são idosos e famílias uniparentais (mães solo).

Em Berlim, que tem 4 milhões de habitantes e é a capital do país, já faz anos que uma interessante solução foi encontrada. Cidadãos de boa vontade formaram uma associação sem fins lucrativos que opera de modo singular. Diariamente, correm os supermercados, padarias e outros comércios de alimentos da cidade e recolhem os invendidos. Há muitas mercadorias que, se não forem vendidas no dia, vão terminar no lixo.

Esses produtos passam por uma triagem e em seguida são levados a vários pontos de distribuição espalhados pela cidade. As pessoas necessitadas que frequentam esses depósitos têm o direito de escolher o que querem levar e encher um saco com cerca de 4 quilos de alimentos. Mas não sai de graça: a compra sai por um euro simbólico, quantia muito baixa. Essa cobrança é muito importante para evitar que os beneficiários tenham a sensação de estar recebendo uma esmola. Pagam um preço especial, mas põem a mão no bolso, tiram a carteira e pagam.

A associação é inteiramente composta por voluntários, geralmente aposentados ou pessoas de boa vontade que têm tempo disponível. Aos sábados e domingos, muito mais gente vem dar uma mão. Ninguém recebe salário. A associação, que se chama Berliner Tafeln (mesas berlinenses) já existe faz muitos anos e vive com doações de seus membros. Qualquer um pode se tornar membro; a contribuição mínima é de 2,75 euros por mês.

No Brasil, vivemos sempre na expectativa de que o poder público tome esse tipo de iniciativa. Não seria má ideia que cidadãos de boa vontade se reunissem e, à imagem das “mesas berlinenses”, criassem as mesas cariocas, ou paulistas, ou soteropolitanas, ou curitibanas, ou manauaras, ou fortalezenses. Os que vivem apertado agradeceriam.

Perigo por 100 anos

Bomba da Segunda Guerra não explodida encontrada em canteiro de obras

José Horta Manzano

Na quarta-feira 11 de maio, Herr Olaf Scholz, o chanceler alemão (sucessor de Angela Merkel) fez uma declaração um tanto desanimadora.

Começou lembrando que “Todos os que vivem na Alemanha sabem que as bombas que caíram durante a Segunda Guerra Mundial continuam a ser encontradas até hoje e que os alertas continuam”.

Na sequência, foi ao ponto principal e fez uma advertência: “Portanto, é bom a Ucrânia ir se preparando desde já para enfrentar durante 100 anos as consequências desta guerra”.

E completou: “Sabe-se que guerras dessa magnitude deixam consequências de longo prazo. Todas as bombas que estão sendo lançadas agora ficarão muito tempo no solo”.

Um bocado deprimente, a observação do chanceler é desalentadora mas pertinente. Em todos os países europeus que sofreram bombardeios na última guerra mundial, volta e meia se encontra uma bomba enterrada – às vezes profundamente. São artefatos que caíram de um avião, não explodiram, ficaram enterrados, mas, ao menor descuido, podem explodir.

França, Inglaterra, Bélgica, Itália, Holanda – além da própria Alemanha – são países que sofrem até hoje consequências de bombardeios intensos. A guerra terminou faz 77 anos, mas o risco continua elevado.

O grande perigo surge quando se faz uma escavação urbana – para erguer edifício, construir metrô, enterrar cabos elétricos, instalar tubulações. Se uma grande bomba é descoberta, equipes de desminagem são chamadas. As autoridades mandam evacuar os quarteirões adjacentes e os profissionais cuidam de desarmar o artefato.

Calcula-se que o subsolo de Berlim contenha cerca de 3000 artefatos não explodidos. Os berlinenses caminham sobre um barril de pólvora. Infelizmente, acidentes ocorrem. São relativamente raros, mas o risco está sempre presente.

Numa Alemanha cujo território ainda está recheado de bombas que não explodiram e permanecem enterradas, aconteceu um drama recentemente. Foi em dezembro passado, num canteiro de obras perto da estação ferroviária de Munique. As escavadeiras roçaram numa bomba de 250kg, que explodiu e deixou 4 feridos. Até o tráfego ferroviário teve de ser interrompido.

Muitas gerações futuras de ucranianos continuarão correndo o risco de viver sobre um solo minado. E não há nada que o cidadão comum possa fazer. O que está feito, está feito – as bombas e os mísseis não explodidos estão lá e lá vão continuar.

Daqui pr’a frente, a quantidade só pode aumentar. O futuro depende dos neurônios desequilibrados de uma pessoa só: Vladímir Putin.

Nunca ninguém imaginou que um homem sozinho pudesse tomar a humanidade inteira como refém.

Observação
Quando fala em “100 anos”, até que o chanceler alemão está sendo otimista. Se hoje, quase 80 anos depois do último bombardeio, Berlim ainda esconde 3 mil bombas no subsolo, a conta não fecha. Os netos dos bisnetos das crianças ucranianas de hoje ainda estarão pisando em bombas.

Despesas lá e cá

Carlos Brickmann (*)

As de cá
Afinal de contas, é preciso pagar despesas inadiáveis como as novíssimas universidades, que só terão custos mas não terão vaga para nenhum estudante. E para pagar coisas como a farra aérea de agosto passado, quando Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, requisitou avião da FAB para viajar de Brasília a São Paulo com Michelle Bolsonaro, para assistir a um evento do programa Pátria Voluntária, coordenado pela primeira-dama.

Decreto do Governo Federal determina que a comitiva que acompanha a autoridade no avião deverá ser ligada à agenda a ser cumprida. Mas, apesar do decreto, o avião – cujas despesas o caro leitor paga – transportou sete parentes da primeira-dama, mais a esposa do ministro do Turismo, Sarita Pessoa, de carona.

À noite, Damares e Michelle participaram da festa de aniversário do maquiador Agustín Fernandez. Na volta, Agustín Fernandez também pegou carona no voo, ao lado da filha mais velha, de três irmãos, de uma cunhada e de dois sobrinhos de Michelle, e de Sarita Pessoa.

As de lá
Num país evidentemente muito mais pobre que o Brasil, a Alemanha, a primeira-ministra, Angela Merkel, passou as férias na Croácia com o marido. Ela, por questão de segurança, viajou no avião oficial.

O marido foi em voo comercial. E explicou: se tivesse viajado no avião oficial, teria de pagar tarifa cheia de primeira classe, sem desconto. Preferiu economizar: voou em linha comercial, ida e volta, classe turística.

Aliás, em recente entrevista, Angela Merkel revelou que, em 16 anos de poder, continuou morando em seu apartamento, sem empregada. Deixa o governo sem precisar fazer mudança.

(*) Carlos Brickmann é jornalista, consultor de comunicação e colunista.

Vinho de enchente

José Horta Manzano

Você sabia?

As inundações que castigaram o noroeste da Alemanha no mês passado destruíram boa parte do vinhedo de Ahr, grande região produtora de vinho tinto. Não só as vinhas foram destruídas, mas a enchente, ao engolfar vilas e vilarejos, levou gente, casas e deixou porões debaixo d’água.

Com a baixa das águas, os sobreviventes descobriram um espetáculo de desolação. Móveis, utensílios e objetos pessoais estão perdidos. Mas os porões conservavam boa reserva de garrafas de vinho intactas, ainda estocadas nas prateleiras onde sempre estiveram. Com um detalhe: estão todas sujas de lodo e de barro seco.

Chamados para examinar, laboratórios deram o veredicto: o barro não é tóxico. Portanto o conteúdo das garrafas não está contaminado. O conteúdo está perfeitamente consumível, já que a sujeira se limita à parte externa.

O primeiro impulso foi de limpar as garrafas. Mas alguém teve a ideia de guardá-las tal como estão e fazer uma venda especial em favor dos vinhateiros da região. É bom exemplo do ditado “fazer das tripas coração”. Os vinhos dessa “safra” levam todos o nome de Flutwein – vinho de enchente”(*).

Organizou-se uma espécie de “ação de crowdfunding”, em que cada comprador contribui para ajudar financeiramente os pequenos produtores a se levantarem do baque que os derrubou. Quem contribuir leva de brinde uma garrafa – ou mais de uma, conforme o valor da doação. O preço das garrafas varia de 10 a 500 euros, dependendo da qualidade e da raridade do conteúdo.

Quem se habilitar, que entre em contacto com a União dos Pequenos Vinhateiros da Região de Ahr. Dado que a catástrofe despertou forte sentimento de solidariedade no país inteiro, não garanto que ainda sobrem garrafas. De todo modo, o estoque era limitado.

(*) Flutwein é termo composto de Flut (enchente) + Wein (vinho). Reparem que Flut é cognato do inglês flood, de mesmo significado.

Trilha com sabor de chocolate

José Horta Manzano

Você sabia?

Os suíços sentem muito orgulho por seu país não ter sido invadido por tropas alemãs nem italianas na Segunda Guerra Mundial. É realmente surpreendente que a pequena Suíça não tenha sido engolida, com casca e tudo, pelos exércitos do Eixo. Afinal, excluindo um minúsculo trecho que a separa do Principado do Liechtenstein, a Suíça estava completamente cercada por nações em guerra. Tinha (ainda tem) fronteira com a Alemanha, a Itália, a França (ocupada pela Alemanha) e a Áustria (anexada à Alemanha). No país helvético, muita gente atribui essa não intervenção à força de dissuasão representada pelo poderio militar suíço.

Bunker disfarçado de chalé de madeira

Há quem sorria ao ouvir essa explicação. Seja como for, tanto Berlim quanto Roma sabiam que seria bastante complicado dominar e ocupar um território montanhoso como este. Sabiam também que os suíços estavam muito bem armados e equipados, além de serem conhecidos como combatentes aguerridos.

Toblerone de verdade

Hitler e Mussolini devem ter feito a conta duas vezes. Chegaram à conclusão de que não valia a pena perder tempo, dinheiro, esforço e vidas humanas para conquistar um território pouco industrializado e totalmente desprovido de riqueza mineral. De qualquer maneira, não saberemos nunca o que realmente passou pela cabeça dos dois ditadores.

Linha dos toblerones

Linha dos toblerones

Eu acrescentaria mais uma razão. Numa Europa conflagrada, interessava a todos respeitar a neutralidade de um pequeno território, situado bem no centro geográfico do conflito. Era um lugar seguro, de onde não se receava que viesse nenhuma ameaça. Mais que isso, era um lugar onde todos podiam guardar, na confiança, seus dinheiros, seus ouros, suas obras de arte e suas joias. Mais ainda: um lugar superconveniente para eventuais encontros secretos e confabulações discretas e confidenciais. Todas essas razões hão de ter contribuído para que o país fosse poupado.

Isso hoje faz parte da História. Como diz o outro, «Depois que aconteceu, qualquer um é profeta; difícil mesmo é adivinhar o futuro». Naqueles anos 1930, um bafo de guerra soprava no continente, embora ninguém soubesse de que lado nem com que força viria a tempestade. As autoridades suíças não podiam cruzar os braços e apenas torcer para que o país não fosse invadido. Todos tinham de estar prontos para repelir tropas inimigas.

Linha dos toblerones, hoje utilizada para caminhadas a pé

A inteligência militar planejou um complexo sistema de defesa. Naqueles tempos, a referência mais próxima era a Primeira Guerra (1914-1918), durante a qual os ataques se faziam por via terrestre, com tanques e blindados. Foi pensando nisso que bolaram o sistema defensivo suíço, basicamente terrestre àquela época. Incluía numerosos pontos, alguns dos quais são hoje conhecidos do grande público, enquanto outros ficarão secretos para sempre. Talvez seja melhor assim.

Todas as pontes do país estavam minadas. Ao menor sinal, as vias de comunicação seriam interrompidas, o que dificultaria tremendamente o avanço de tropas inimigas. A região de Genebra, fronteiriça com a França, trazia um problema espinhoso para os militares. Por ser constituída de terrenos planos e pela ausência de rios, foi considerada indefensável. Tomou-se a decisão tática de dar a cidade como perdida e implantar o sistema de defesa uns 30km mais para o interior do país.

Villa Rose Fortaleza disfarçada de casa de campo

Villa Rose
Fortaleza disfarçada de casa de campo

Construíram-se fortalezas com aparência de pacíficas casas de campo. Foram levantados bunkers com aspecto externo de inofensivos chalés de madeira. Instalaram-se discretos postos de observação em pontos mais elevados ― naqueles tempos não havia street view nem espionagem por satélite. Para completar, uma verdadeira obra de arte defensiva foi construída, uma versão helvética da muralha da China. Ficou conhecida popularmente como Ligne des toblerones, a linha dos toblerones.

O que era e por que lhe deram esse nome?
Era – e ainda é – uma linha de 10km de blocos de concreto que impossibilitam a passagem de tanques de guerra. São quase 3000 blocos monstruosos de 9 toneladas cada um. Têm forma peculiar de tetraedro que lembra um pedaço de chocolate Toblerone, daí o apelido.

Villa Rose Janela com cortina falsa

Detalhe da Villa Rose: janela com cortina falsa

Não se tem notícia de que nenhum tanque tenha jamais tentado superar o obstáculo. A guerra acabou faz muito tempo. A Suíça não foi invadida. Mas os toblerones continuam lá até hoje. Quem é que vai arrastar aqueles imensos blocos? E o que fazer com eles depois? Assim, foram deixados onde estavam e, aos poucos, acabaram se tornando atração turística. Uma trilha própria para caminhadas a pé serpenteia por quilômetros, dentro da floresta, ao longo da barreira de concreto. É conhecida hoje como o Sentier des Toblerones, a Trilha dos Toblerones.

Taí uma obra militar que soube envelhecer. Em escrupuloso respeito ao espírito atual, não foi atirada a um lixão mas acabou reciclada.

Publicado originalmente em 28 nov° 2013.

ADN (=DNA)

José Horta Manzano

Há um assunto que me deixa cismado. Vamos a ele. Talvez algum detalhe esteja me escapando e alguém possa me trazer alguma luz.

Parto da premissa que, em matéria de pandemia, a maioria dos países está no mesmo barco. Vacina, que anda escassa por toda parte, tornou-se objeto de desejo. Com exceção de um ou outro personagem empacado como Bolsonaro, todos já entenderam que a salvação passa pela imunização. O fator mais importante a reter o avanço da vacinação é justamente a escassez de vacinas. Portanto, o cenário básico é o mesmo para todos os países.

Na região do mundo em que vivo, acompanho com atenção a atualidade de diversos países. Geográfica e culturalmente, os mais próximos são: Suíça, França, Itália, Alemanha, Áustria, Espanha, Portugal. Mas o resto não fica muito longe. Deste lado do mundo, nunca ouvi falar em nenhum escândalo de roubo de vacina, nem muito menos de enfermeiro(a) desonesto(a) que tivesse apenas fingido aplicar o imunizante ou que tivesse ludibriado o paciente injetando soro fisiológico.

No Brasil, país cuja atualidade sigo também com atenção, não se passa um dia sem que apareça alguma notícia desse tipo. Já nem se pode mais chamar de escândalo, tão modesta é a repercussão. Vem em nota de rodapé. A mais recente que li foi ontem, a triste história de um idoso que recebeu «injeção de vento». O fato foi notado pela neta que o acompanhava e que, felizmente, botou a boca no trombone. Como se vê, os golpistas não disfarçam mais o crime, nem mesmo diante de testemunhas.

Volto à parte do mundo em que vivo. Por aqui, simplesmente não passaria pela cabeça de ninguém fazer alguma coisa desse tipo. E olhe que a escassez de vacinas é a mesma do Brasil. Veja-se o seguinte exemplo. Enquanto, no Brasil, já estão vacinando pessoas da faixa de 60 e poucos anos, na Suíça só idosos com 75 anos ou mais têm direito à vacinação – além das conhecidas exceções: pessoal médico e pessoas com comorbidade pesada. Cidadãos de 74 anos para baixo estão quietinhos esperando a vez.

Agora vem a pergunta. Por que esses atos criminosos acontecem no Brasil e não aqui? Tenho algumas pistas.

A quase certeza da impunidade incentivaria esses atos.
Dado que, por aqui, algo desse tipo é inimaginável, ninguém está desconfiado. Portanto, ninguém está vigiando. Assim, em teoria, aqui também há uma quase certeza de impunidade. No entanto, esses crimes não ocorrem.

A desigualdade social explicaria a criminalidade.
Não vejo bem por que é que a desigualdade social levaria enfermeiros a expor compatriotas idosos a risco de morte. A explicação da desigualdade é meio capenga.

O negacionismo de Bolsonaro explica.
O quê? Isso quer dizer que os enfermeiros que agem assim estão pondo em prática a doutrina do presidente de ‘resguardar’ os velhinhos contra os perigos da vacina? Ora, conte outra.

Posso continuar aqui desfiando supostas razões a explicar essa distorção nacional. Sem chegar a conclusão nenhuma. A ausência de razão objetiva conduz a uma conclusão terrível: a tendência ao crime estaria inscrita no ADN (=DNA) do brasileiro. Será? É de dar arrepio.

Luzes são bem-vindas! Se o distinto leitor quiser tecer suas considerações sobre o tema, não hesite: o espaço de comentários (assinalado no final do artigo) está aí para isso.

Advertimento

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 27 fevereiro 2021.

Certos indivíduos têm o dom de expor, com lucidez, os males de sua época a ponto de incomodar os poderosos. Foi o caso do barão de Montesquieu (1689-1755), pensador francês cuja obra O Espírito das Leis, tratado sociológico precursor da própria sociologia, incomodou tanto que, apenas publicado, foi despachado para o Index – o catálogo dos livros proibidos.

Numa época em que regimes absolutistas eram a regra ao redor do planeta, Montesquieu ousou expor sua visão dos princípios básicos do despotismo. Segundo ele, o regime republicano precisa da virtude, enquanto a monarquia requer a honra. Já o governo despótico exige o medo, dispensando a virtude, por desnecessária, e a honra, por ser perigosa.

Nos anos 1930, dois séculos depois dessa análise premonitória, metade das nações europeias estariam dominadas por regimes autoritários. Duas delas padeciam sob despotismo pesado: a Itália e a Alemanha. O fascismo italiano e o nazismo alemão, embora distintos entre si, compartiam pontos comuns a todo governo despótico. A beligerância permanente; a busca da desigualdade entre os cidadãos; a crença na inutilidade da paz; a procura de um Estado forte apoiado em ampla base popular conquistada por bem ou por mal; o repúdio ao sufrágio universal, atitude vendida como prevenção contra a fraude eleitoral; a exigência de obediência absoluta; a convicção de que compete ao Estado controlar e dominar a vida da população – eis alguns dos pontos comuns a ambas as doutrinas.

Dois anos de bolsonarismo já fazem despontar entre nós o espectro do mesmo mal que afligiu a Itália e a Alemanha nos tempos sombrios. A beligerância permanente vai-se firmando como marca do governo atual, desde o primeiro dia, caracterizada por conduta inabalavelmente hostil: parceiros estrangeiros são tratados como inimigos e adversários internos são curto-circuitados. A fixação de Bolsonaro com fraude eleitoral já veio à tona em diversas ocasiões, numa indicação de que eleições incomodam o presidente, que optaria por bani-las. Corte de quotas, redução de programas de assistência e, principalmente, o quase-regozijo com o apuro e o sofrimento de um povo imerso no drama da atual pandemia mostram que a população é vista, não como coletividade a proteger, mas como quantidade estatística em que a individualidade não conta.

Charles Chaplin em O Ditador, filme de 1940

A anuência presidencial à bizarrice de certas categorias de cidadãos receberem vacina antes dos demais, ainda quando o patrocinador seja empresa privada, é sinal inequívoco de crença nas virtudes da desigualdade entre cidadãos. Vale o adágio: aos amigos do rei, tudo; o resto é o resto. Para coroar, há um detalhe assaz inquietante. Em mais de uma ocasião, Bolsonaro deixou claro que, dependesse dele, o regime político brasileiro seria outro. É impossível ser mais explícito.

Falta pouco para sabermos quais minorias serão alvo da fúria de nossos trogloditas tupiniquins. Pretos e pardos? Judeus? Pobres? Mulheres? Estrangeiros? Velhos? Não héteros? Num país miscigenado, em que o fichamento repousa na autodeclaração, é difícil invocar razões étnicas. Judeus? Não estamos na Europa; o brasileiro comum nem faz ideia do significado desse termo. Os «inimigos da nação» ainda estão por ser designados mas, no passo em que vão as coisas, logo o serão. Baixinhos, gordos, enfermos, jesuítas, sindicalistas, maçons, ‘comunistas’, umbandistas, feministas, escritores, artistas, espíritas, pacifistas – nenhum grupo está a salvo. Alvos têm de ser encontrados, que isso faz parte do jogo. Afinal, as hostes milicianas têm de ser alimentadas. E feras alimentam-se de sangue.

Se um artigo deste teor tivesse sido publicado na Itália pré-fascista ou na Alemanha pré-nazista, teria sido visto como teoria delirante e, por inútil, teria sido ignorado. Continuariam todos agindo como os valsistas do Titanic, que se recusaram a ver o drama que se armava e preferiram rodopiar até não haver mais jeito. No Brasil deste começo de século, o processo está avançando, apoiado na cupidez dos que imaginam levar vantagem, na complacência dos ingênuos que se estimam favoritos do rei, no fanatismo crédulo dos que não se dão conta de que serão os primeiros descartados, na indiferença dos demais. Ainda dá tempo, mas o ponto de não-retorno está ali na esquina.

Os símbolos de lá e os de cá

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 28 novembro 2020.

Berlim, 29 de agosto de 2020
Era uma passeata autorizada. Milhares de manifestantes desfilaram pela cidade para exigir a suspensão da obrigação de usar máscara de proteção contra a covid-19. A manifestação decorreu pacífica, mesmo porque, fora a reivindicação dos participantes, não havia choque de ideias. Não se tratava de embate entre facções; os que se dispunham a acatar a ordem de usar máscara ficaram em casa.

Lá pelas tantas, um grupo de 200 a 300 simpatizantes de extrema-direita, mais exaltados que os demais, conseguiu saltar as grades de proteção que rodeiam o Reichstag, a sede do Parlamento Nacional. Alguns chegaram até a subir os degraus da escadaria antes de serem dispersados por policiais munidos de bombas de gás lacrimogêneo.

Numerosos invasores, saudosistas, agitavam a bandeira do Império Alemão (1871 a 1918) assim como a do início do III° Reich (1933 a 1935). É atitude temerária num país em que cicatrizes de um passado trágico ainda não se fecharam de todo. Ninguém ousou erguer a bandeira nazista, aquela com a suástica, que isso é pecado mortal na Alemanha, passível de encrenca pesada com a Justiça. Após o malogro, os invasores revelaram ter tido intenção de ‘ocupar’ o Parlamento.

Brasília, 13 de junho de 2020
Fazia tempo que apoiadores de Jair Bolsonaro tinham montado acampamento na Esplanada dos Ministérios. Era uma forma peculiar de protestar contra determinadas instituições da República cujo funcionamento não era do gosto deles. O assentamento era selvagem. A lógica elementar ensina que é vedado a um particular assenhorear-se do espaço público, mormente instalando lá sua residência, ainda que temporária. O governo do Distrito Federal ordenou a remoção das tendas. Naquele dia, a ordem foi cumprida. Os apoiadores do presidente, simpatizantes de extrema-direita como os berlinenses, não apreciaram o despejo.

Lá pelas tantas, um grupo mais exaltado de recém-expulsos teve a bizarra ideia de munir-se de fogos de artifício e utilizá-los como mísseis terra-terra. Atiraram os artefatos em direção à sede do STF, como se de bombardeio se tratasse. Jornalistas presentes à ocorrência gravaram ameaças acompanhadas de um caudal de impropérios, todos endereçados a ministros do Supremo.

Conclusão
Ambos os episódios têm pontos em comum. Por exemplo, as duas manifestações começaram dentro de relativa calma para, no final, desandarem por obra e graça de grupos radicais. Por seu lado, seguindo um figurino de romantismo adolescente, alemães e brasileiros se rebelavam contra a ordem estabelecida, fosse ela encarnada por insituições do Estado, fosse pela obrigatoriedade de portar a detestada máscara anticovid. Mais um ponto comum: os manifestantes, tanto os de lá quanto os de cá, estavam cientes de não ter a menor chance de atingir o objetivo esboçado. Nem o Reichstag seria tomado, nem o STF, incendiado. Os atos eram claramente simbólicos.

Ao observador atento, porém, não há de escapar a discrepância maior entre os manifestantes de Berlim e os de Brasília: a simbologia contida na violência de cada episódio. Os exaltados de Berlim mimaram uma tomada de assalto do Parlamento alemão. Por trás de toda purpurina, estava o desejo de tomar a si as rédeas de uma instituição do Estado. Foi como se dissessem: «Arredem daí! Nós, o povo, vamos cuidar do Parlamento melhor do que vocês. Fora!». Nada, na movimentação dos manifestantes alemães, deixou transparecer desejo de eliminar o Parlamento; só de corrigi-lo e de pô-lo no ‘bom caminho’.

Já em Brasília, foi diferente. Nossos exaltados não mostraram intenção de ‘corrigir’ nem de redirecionar a atuação do STF para o ‘bom caminho’. A simbologia contida na simulação de ataque balístico era de destruição pura, de eliminação da Justiça republicana, como quem dissesse: «Não queremos uma Justiça independente. Essa instituição podre tem de ser eliminada. Exigimos que esse Poder seja entregue a nosso líder».

A conclusão que se pode tirar é tenebrosa: nossos exaltados tupiniquins são mais perigosos do que os herdeiros do III° Reich.

Tuíte – 17

José Horta Manzano
Chanceler Federal (Bundeskanzler) é o título que se dá na Alemanha ao chefe do governo.

Faz hoje exatamente 15 anos ininterruptos que a chanceler Frau Angela Merkel (1949-) ocupa o posto. É longevidade pra ninguém botar defeito.

O poder costuma desgastar, mas parece que os anos não têm afetado a popularidade de Merkel. Ao contrário, sua imagem melhora a cada dia. O exemplo maior está ocorrendo agora mesmo. Desde o começo da pandemia, sua popularidade subiu incríveis 21 pontos. Este mês, está em 74%, um nível de fazer inveja a qualquer dirigente. Seu modo de gerenciar a crise da covid é a razão principal da satisfação popular.

Infelizmente, em nosso país, a gestão da pandemia não tem trazido melhora na imagem do presidente. É pena porque, se ele perde, perdemos nós também.

Proibições

José Horta Manzano

Na Coreia do Norte, tudo é proibido ‒ até aquilo que é permitido.

Na Alemanha, tudo é proibido ‒ salvo o que é permitido.

Na Itália, tudo é permitido ‒ salvo o que é proibido.

No Brasil, tudo é permitido ‒ especialmente o que é proibido.

TV Brasil Internacional

José Horta Manzano

Certas coisas são difíceis de compreender. Acabo de ler um artigo no Estadão que fala do projeto de recriação da TV Brasil Internacional. A intenção é melhorar a imagem internacional do Brasil (leia-se: do governo brasileiro), embaçada pela maldosa mídia comunista internacional, que não pára de inventar ruindades e inverdades.

Privatização
O artigo informa que a EBC (conglomerado que abrange a TV Brasil) está na lista, preparada pelo governo Bolsonaro, de estatais a privatizar. Por minha parte, acho excelente a ideia de vender estatais ineficientes e deficitárias, só me pergunto quem é que vai querer comprar empresa ineficiente e deficitária.

Bom, estou me desviando do assunto. Não sei se a EBC faz parte das ineficientes, mas sei que ela é uma estatal que controla diversas mídias públicas. Mídias públicas não são financiadas por publicidade mas pelo dinheiro dos impostos.

Não entendo como é que essa empresa pôde entrar na lista das privatizáveis. Na hipótese de ser posta à venda, é bem capaz de surgir algum maluco disposto a comprar. Uma vez vendida, perderá o financiamento público (senão, não faria sentido vender). Não mais financiada com nosso dinheiro, terá de se sustentar com propaganda. Se já não tem muita plateia sem anúncios, fico a imaginar quem serão os futuros aficionados dispostos a assistir a programas entrecortados por reclames de sabão em pó ou de remédio contra dor de cabeça.

Sem aumentar custos
Os gênios que estão por detrás dessa ideia de internacionalização da TV Brasil pretendem executar o projeto ‘sem aumento de custos para a emissora pública’. Seria bom se fosse realista.

Consultei o site da EBC. Ele é inteiramente escrito em língua pátria. Nem uma palavra de língua estrangeira – nem um suspiro de inglês macarrônico pra dar água na boca. Já escutei a Rádio MEC e a Rádio Nacional, braços do conglomerado. Só proseiam em versão tupiniquim não-legendada. Nunca assisti à TV Brasil; a não ser que eu esteja enganado, devem também transmitir em português, mais nada.

Agora conte-me, distinto leitor, como é possível “melhorar a imagem do Brasil no exterior” através de órgãos de mídia que não têm petrechos linguísticos pra se comunicar com esse “exterior”? Como é que se fará essa abertura para o mundo sem aumento de custos? Pretendem abrir contratação de pessoal voluntário? Onde está a mágica?

Confira como a mídia pública internacional se comunica

France 24, conglomerado de mídia pública francesa voltada para o exterior, transmite em francês e mais 3 línguas.

RT, conglomerado de mídia pública russa voltada para o exterior, transmite em russo e mais 5 línguas.

Xinhua, conglomerado de mídia pública chinesa voltada para o exterior, transmite em chinês e mais 8 línguas.

SWI, conglomerado de mídia pública suíça voltada para o exterior, transmite em alemão e mais 9 línguas.

SR, conglomerado de mídia pública sueca voltada para o exterior, transmite em sueco e mais 10 línguas.

NHK, conglomerado de mídia pública japonesa voltada para o exterior, transmite em japonês e mais 20 línguas.

DW, conglomerado de mídia pública alemã voltada para o exterior, transmite em alemão e mais 29 línguas.

BBC, conglomerado de mídia pública britânica voltada para o exterior, transmite em inglês e mais 33 línguas.

Nesse clube, nosso conglomerado monolíngue vai fazer papel de pé-descalço.

Ministros da Educação

José Horta Manzano

À moda de lá
Em fevereiro de 2013, doutora Annette Schavan, ministra da Educação da Alemanha e amiga chegada da chanceler Angela Merkel, foi acusada de plágio – sua tese de doutorado havia sido fortemente ‘inspirada’ de textos anteriores, com largos trechos idênticos.

Em países sérios, não se brinca com essas coisas. Quando é um cidadão comum que escorrega, a mentira já pega mal; quando a mutreta vem de um ministro de Estado, o mundo desaba. «Com o coração partido», segundo suas próprias palavras, Frau Merkel não hesitou: separou-se na hora da ministra trapaceira.

A espertona nem tentou dar desculpa. De cara no chão, foi chorar sua vergonha longe dos holofotes. Nunca mais se ouvir falar dela.

À moda daqui
Com o pranteado Weintraub fugido do país, o terreno estava aplainado para entrada triunfal do substituto. Afinal, ser melhor do que o anterior é barbada: qualquer um consegue.

Besteiras, todos cometemos. Só que, para os mortais comuns, que vivemos longe do palco, os deslizes podem passar a vida toda esquecidos. Para quem aceita cargo importante, a coisa é diferente: saem todos os jornalistas à cata de falhas do passado. Quem procura, acha. No caso do novo ministro da Justiça, não demorou muito.

Alguns dias atrás, o reitor da Universidade de Rosario (Argentina) veio a público em pessoa para uma ‘retificação’. Doctor Decotelli, nosso novo ministro, havia afirmado, no currículo inserido por ele mesmo na plataforma Lattes, ter obtido o título de doctor em Administração naquela universidade. Negativo – o reitor desautorizou o ministro mentiroso. Ai, que coisa feia!

Dois ou três dias depois, lá vem bomba de novo. Desta vez, o novo ministro é acusado de plágio na dissertação de mestrado que apresentou à FGV em 2008. Como a ministra alemã, doctor Decotelli também é suspeito de haver copiado passagens inteiras, palavra por palavra, de trabalhos anteriores.

Só que aqui não estamos na Alemanha. Brasília não é Berlim. Diferentemente de Frau Merkel, que despachou rapidinho sua ministra de volta a casa, doutor Bolsonaro continua quietinho no seu canto. Nem um pio. Quanto ao ministro, seguiu o padrão dos políticos brasileiros que enfrentam acusações. Longe de se dobrar às evidências, ousou contestar. Nega tudo.

Em lugar de agarrar o touro pelos chifres, mandou o ministério soltar nota. Saiu um daqueles contorcionismos do tipo ”caso” haja alguma ilicitude, terá sido mera distração, “que corrigiremos imediatamente”. O problema será contornado, 12 anos após a entrega da dissertação, com o acréscimo do crédito aos verdadeiros autores dos trechos plagiados. E pronto.

E ainda há quem se pergunte por que raios o Brasil não consegue sair do subdesenvolvimento…

O guia

José Horta Manzano

Neste 8 de maio, a Europa celebra o 75° aniversário da rendição da Alemanha, que marcou o fim da Segunda Guerra em terras europeias. Para ver o término definitivo do conflito, seria preciso esperar a capitulação(*) do Japão, que só ocorreria quatro meses mais tarde.

Estes dias, visto que a epidemia de covid-19 arrefece, rádios e tevês voltam a transmitir programação habitual. Entre outras emissões, mostram filmes, relatos e debates sobre as semanas que antecederam o fim da guerra.

Ainda que hoje seja difícil acreditar, o regime nazista fanatizou toda a população da Alemanha. O mais fanático de todos era o Führer (=Guia) Adolf Hitler. Convencido de ser Deus na Terra, estava certo de que, sem ele, o povo alemão não sobreviveria. Para manter-se no comando supremo, estava disposto a sacrificar o povo – como de fato fez. A destruição do país só foi suspensa quando não havia praticamente mais nada a destruir.

Apesar de sentir um calafrio, não pude me impedir de comparar a situação da Alemanha de 1945 com a do Brasil de 2020 – resguardadas as devidas proporções, naturalmente. São momentos em que o povo se encontra sob o jugo de um tirano de poucas letras, fanático, autoritário e surdo a todo chamamento da razão. Ambos os ‘guias’, tanto o alemão quanto o brasileiro, sacrificariam o próprio povo em defesa de seus interesses pessoais.

Para sorte nossa, a comparação pára por aqui. A Alemanha, descuidada, havia conferido todos os poderes a seu guia; quando se deu conta de que caminhavam para o desastre, era tarde demais. O Brasil, para nosso alívio, tem instituições que condividem o poder com o ‘guia’; em outras palavras : temos rédeas pra domar os ardores do potro chucro.

(*) Costuma-se usar as palavras capitulação e rendição como sinônimas. No duro, não são sinônimas perfeitas.

Capitulação é rendição condicional. O exército que perdeu entrega as armas amparado por um acerto feito previamente com o vencedor. Esses acordos costumam ter cláusulas – capítulos –, daí o verbo capitular. Foi o que aconteceu entre os EUA e o Japão em 1945.

Rendição incondicional é a expressão que se usa quando não há acordo. O perdedor simplesmente entrega as armas porque já não tem força suficiente para impor condições. Foi o que aconteceu em 1945 entre a Alemanha e as potências vencedoras.

Trilha dos toblerones

José Horta Manzano

Você sabia?

Os suíços sentem muito orgulho por seu país não ter sido invadido por tropas alemãs nem italianas na Segunda Guerra Mundial. É realmente surpreendente que a pequena Suíça ― cercada por Alemanha, Itália, Áustria (anexada pela Alemanha) e França (ocupada por tropas de Berlim) ― não tenha sido engolida, com casca e tudo, pelos exércitos do Eixo. A maioria do povo atribui essa não intervenção à força de dissuasão representada pelo poderio militar suíço.

Bunker disfarçado de chalé de madeira

Há quem sorria ao ouvir essa explicação. Seja como for, tanto Berlim quanto Roma sabiam que seria bastante complicado dominar e ocupar um território montanhoso como este. Sabiam também que os suíços estavam muito bem armados e equipados, além de serem conhecidos como combatentes aguerridos.

Toblerone de verdade

Hitler e Mussolini devem ter feito a conta duas vezes. Chegaram à conclusão de que não valia a pena perder tempo, dinheiro, esforço e vidas humanas para conquistar um território pouco industrializado e totalmente desprovido de riqueza mineral. De qualquer maneira, não saberemos nunca o que realmente passou pela cabeça dos dois ditadores.

Linha dos toblerones

Linha dos toblerones

Eu acrescentaria mais uma razão. Numa Europa conflagrada, interessava a todos respeitar a neutralidade de um pequeno território, situado bem no centro geográfico do conflito. Era um lugar seguro, de onde não se imaginava poder vir nenhuma ameaça. Mais que isso, era um lugar onde todos podiam guardar, na confiança, seus dinheiros, suas obras de arte, seus objetos de valor. Mais ainda: um lugar onde se podiam organizar eventuais encontros secretos e manter conversações discretas e confidenciais. Todas essas razões hão de ter contribuído para que o país fosse poupado.

Isso hoje faz parte da História. Como diz o outro, «depois do fato consumado, é fácil ser profeta». Difícil mesmo é adivinhar o que está por ocorrer. No final dos anos 30, um bafo de guerra soprava no continente, mas ninguém sabia de que lado nem com que força chegaria a tempestade. As autoridades suíças não podiam cruzar os braços e apenas torcer para que o país não fosse invadido. Todos tinham de estar prontos para repelir tropas inimigas.

Linha dos toblerones

Linha dos toblerones – hoje utilizada como trilha para caminhada a pé

A inteligência militar planejou um sistema de defesa. A referência mais próxima era a Primeira Guerra, durante a qual os ataques se faziam por via terrestre, com tanques e blindados. Foi pensando nisso que bolaram o sistema defensivo suíço, basicamente terrestre àquela época. Incluía numerosos pontos, alguns dos quais são hoje conhecidos do grande público, enquanto outros ficarão secretos para sempre. Talvez seja melhor assim.

Todas as pontes do país estavam minadas. Ao menor sinal, as vias de comunicação seriam interrompidas, o que dificultaria tremendamente o avanço de tropas inimigas. A região de Genebra, fronteiriça com a França, trazia um problema espinhoso para os militares. Por ser constituída de terrenos planos e pela ausência de rios, foi considerada indefensável. Tomou-se a decisão tática de dar a cidade como perdida e implantar o sistema de defesa uns 30km mais para o interior do país.

Villa Rose Fortaleza disfarçada de casa de campo

Villa Rose
Fortaleza disfarçada de casa de campo

Construíram-se fortalezas com aparência de casas de campo. Foram levantados bunkers com aspecto externo de inofensivos chalés de madeira. Instalaram-se discretos postos de observação em pontos mais elevados ― naqueles tempos não havia street view nem espionagem por satélite. Para completar, uma verdadeira obra de arte defensiva foi construída, uma versão helvética da muralha da China. Ficou conhecida popularmente como Ligne des toblerones, a linha dos toblerones.

O que era e por que lhe deram esse nome?
Era ― e ainda é ― uma linha de 10km de blocos de concreto para barrar a passagem de tanques de guerra. São quase 3000 monstros de 9 toneladas cada um. Têm forma peculiar de tetraedro que lembra um pedaço de chocolate Toblerone, daí o apelido.

Não se tem notícia de que nenhum tanque tenha jamais tentado superar o obstáculo. Mas os toblerones continuam lá até hoje. Viraram atração turística. Trilhas próprias para caminhadas a pé serpenteiam por quilômetros, dentro da floresta, ao longo da barreira de concreto. É hoje o Sentier des Toblerones, a Trilha dos Toblerones.

Villa Rose Janela com cortina falsa

Detalhe da Villa Rose
Janela com cortina falsa

Taí uma obra militar que soube envelhecer. Em escrupuloso respeito ao espírito atual, não foi atirada a um lixão mas acabou reciclada. Incluí algumas imagens dos bunkers disfarçados de chalé e dos toblerones.

Publicado originalmente em 28 nov° 2013.

 

Ignorantões – 2

José Horta Manzano

Nos entornos da Presidência, o festival de ignorância explícita bate um recorde atrás do outro. A última pérola, no momento em que escrevo, foi fabricada ontem por doutor Bolsonaro. Ele anda ofendido pela recusa da Alemanha de continuar botando dinheiro bom num projeto ruim. Trata-se dos milhões de dólares que nos vinham de lá – a fundo perdido! –, para combater o desmatamento na Amazônia. Fartos de assistir às manobras de nosso presidente em favor do desflorestamento, os alemães fecharam a torneira.

Movido pela ousadia que só a profunda ignorância lhe permite, doutor Bolsonaro deitou o verbo em conversa com jornalistas. Mandou recado direto à chanceler alemã Angela Merkel. Despeitado e desrespeitoso, disse que ela deve «pegar a grana» bloqueada e utilizá-la para reflorestar a Alemanha.

Se se informasse primeiro, doutor Bolsonaro evitaria passar ridículo. As florestas alemãs cobrem um terço da superfície do país. São exatos 32%. A marca é espantosa para um país pequeno (357 mil km2, equivalente ao Mato Grosso do Sul) e superpovoado (83 milhões de habitantes). Florestas e bosques não estão concentrados numa só região, como no Brasil, mas espalhados por todo o território. Quem atravessa a Alemanha por Autobahn (= via expressa), fica surpreso de viajar centenas de quilômetros e só ver bosques. A gente chega a se perguntar onde é que eles escondem as cidades. É um país muito verde. E a superfície florestal tem pequeno aumento a cada ano, ao passo que a nossa…

Doutor Bolsonaro está enveredando por um caminho sem volta. No exterior, mais e mais observadores passam a classificar nosso presidente como bufão. Segundo o Houaiss, bufão é “quem faz rir por falar ou comportar-se de modo cômico, ridículo, inoportuno ou indelicado, ou aquele a quem falta seriedade nas relações humanas”. Como o distinto leitor pode constatar, a definição é crua, mas é o retrato cuspido e escarrado do homem. Ele corresponde a todos os detalhes da descrição.

Pior que isso, doutor Bolsonaro vai acabar sendo persona non grata em numerosos países importantes. As portas dos países cujo dinheiro nos interessa – seja porque são grandes importadores de mercadoria brasileira, seja porque investem em nosso país – estarão fechadas para ele. Do jeito que vai, suas viagens internacionais estarão restritas a países governados por populistas. Que não são muitos.

UE: fim da hora de verão

José Horta Manzano

Na Europa, custou, mas… acabou. Aquela chateação de mudar de hora duas vezes por ano está vivendo o último supiro. O Parlamento Europeu se exprimiu hoje pela supressão da mudança de hora automática, duas vezes por ano, em vigor havia mais três décadas.

A instauração dessa medida foi tomada na esteira da crise do petróleo. Cálculos indicavam que o avanço dos relógios de abril a novembro geraria boa economia de eletricidade. Desde os primeiros anos, no entanto, a medida foi muito contestada. Agricultores alegam que as vacas não querem saber que horas são ‒ têm de ser ordenhadas a horas fixas. Habitantes de países nórdicos argumentam que, hora a mais, hora a menos, para eles, tanto faz. Naquelas latitudes, durante o verão, o dia já é interminável. A hora de verão é inócua.

Nos últimos tempos, com o advento de fontes de energia renováveis e também com a mudança nos hábitos de consumo, as economias geradas pela instituição da hora de verão perderam importância. Já faz anos que se fala em acabar com as mudanças e guardar uma hora fixa o ano inteiro.

Agora é oficial. Neste 26 de março, uma maioria de eurodeputados votou a favor do fim da mudança de hora. Foram 410 votos a favor, 192 contra e 51 abstenções. O veredicto é indiscutível. Cabe agora ao Conselho da União Europeia negociar para chegar à formulação final das regras.

Cada país pode escolher entre manter a hora de inverno o ano todo (como costumava ser até 30 anos atrás) ou conservar a hora de verão para sempre. Em 2019, 2020 e 2021, a hora de verão ainda entrará em vigor em todos os países. A partir daí, os que tiverem optado por manter a hora de inverno como hora oficial atrasarão os relógios pela última vez no fim de outubro de 2021. Os que tiverem preferido seguir com a hora de verão simplesmente não atrasarão mais os relógios.

Domingo 31 de março, entra em vigor a hora de verão. Será a antepenúltima vez. Nos próximos meses, conheceremos a decisão que cada país membro tiver tomado ‒ se conserva a hora de inverno ou a de verão. Tudo vai depender da opção dos países mais importantes. A Alemanha, a França e a Itália devem mostrar o caminho. Os demais acompanharão. Diferença de hora não é bom para os negócios.

Pulo no escuro

José Horta Manzano

Em maio de 1940, quando as tropas da Alemanha nazista desencadearam a ofensiva a Oeste, atacaram ao mesmo tempo a Bélgica, o Luxemburgo, a Holanda e a França. Em três tempos, botaram pra correr o exército francês, considerado até então um dos mais bem treinados e mais bem equipados do planeta. Em menos de um mês, com os adversários de joelhos, os alemães ocuparam os territórios vencidos e marcharam sobre Paris.

No sufoco, os franceses lembraram de Philippe Pétain, general que já havia salvado o país vinte e poucos anos antes, na guerra de 1914-1918. O velho foi chamado de volta à ativa, depositário da confiança da nação. Ele havia de dar jeito na situação. Entregaram-lhe as rédeas do poder e carta branca pra decidir.

Dia 17 de junho, o rádio transmitiu o discurso do general. A decepção foi amarga. É que as palavras do velho militar não foram exatamente as que o país esperava. Com a voz trêmula justificada por seus 84 anos, ele ordenou que o combate cessasse, que se recolhessem as armas, que cada um voltasse pra casa e que todos aceitassem a ocupação do território pelo exército inimigo. Com um sorriso, se possível.

Não se sabe como teria sido se o poder tivesse sido entregue a outro titular. Não é possível saber como teria sido o que não foi. Assim mesmo, fica a dúvida. Se o combate tivesse prosseguido, será que a França teria amargado quatro anos de ocupação militar?

Estive pensando no caso da Venezuela atual. O país vai mal, muito mal. De repente, surge esse señor Guaidó, jovem e bem-apessoado, com silhueta que lembra vagamente Barack Obama. Tirando o entourage de señor Maduro, não soube de nenhuma restrição que se faça ao desafiante. E olhe que já foi reconhecido como presidente legítimo por 50 governos, incluindo Brasil, EUA, França, Alemanha, Reino Unido, Itália. No entanto, pouco ou nada se sabe de señor Guaidó. Não se sabe quais são suas ideias. Não se conhece sua capacidade de articulação. Não se sabe se tem firmeza de mando. Guaidó ao volante é um pulo no escuro.

Suponhamos que, amanhã ou depois, señor Maduro se sinta abandonado pelos generais, embarque num avião para Uagadugu e desapareça. Como é que fica? É aí que o novo dirigente será testado. Mas não se governa sozinho uma nação do tamanho da Venezuela. Terá de formar governo, pensar na reconstrução do país, mandar escrever nova Constituição ‒ uma série de tarefas espinhosas. Estará capacitado? Terá a envergadura necessária? Para o bem do povo hermano, espero que sim. Tomara que a escolha que fizeram os venezuelanos não os decepcione como a escolha de Pétain desapontou os franceses de 1940.

Bomba em Paris!

José Horta Manzano

Faz tempo que a cidade de Paris não é bombardeada. A última vez que bombas caíram do céu foi no ano de 1944, três quartos de século atrás. Desde que o último avião bombardeiro se afastou, a cidade sossegou e o solo está bom pra caminhar. Certo?

Não é tão certo assim. As guerras que sacudiram a Europa no século 20 deixaram marcas que se fazem sentir até nossos dias. Entre outras regiões castigadas, o norte da França, a Bélgica, a Holanda, o sul da Inglaterra e a totalidade do território alemão foram alvo de bombardeio pesado e frequente tanto na Primeira quanto na Segunda Guerra.

Estimativas indicam que, na guerra de 1914-1918, um bilhão(!) de obuses (granadas explosivas atiradas por boca de canhão) riscaram o céu da Europa. Sem contar bombas lançadas por avião que, naquela época, não eram muitas. Já durante a guerra de 1939-1945, a quantidade de projéteis foi superior.

Dependendo da fonte, sabe-se que entre 1% e 30% das bombas não explodiram. Artefatos mais leves, que ficaram à flor da terra, foram facilmente encontrados e desativados nos primeiros anos do pós-guerra. Já as bombas pesadas que não explodiram afundaram metros abaixo da superfície e sumiram de vista. Boa parte delas está lá até hoje, bem abaixo dos pés do caminhante distraído. Volta e meia, quando se cava um pouco mais fundo, dá-se de cara com uma delas.

A cidade de Paris nunca recebeu bombardeio pesado, o que faz que seja relativamente raro encontrar bomba não detonada no solo do município. Assim mesmo, às vezes, acontece. Foi o caso em meados de fevereiro deste ano. Ao escavar para implantar os alicerces de nova construção, os operários encontraram uma bomba americana, provavelmente jogada por avião britânico em abril de 1944, quando da batalha pela liberação da cidade.

Num domingo, os habitantes de 600 lares ‒ cerca de 1800 pessoas ‒ foram evacuados para permitir a entrada em ação de especialistas desminadores. Em seguida, segue-se o protocolo padrão previsto para casos similares. O artefato é transportado com o maior cuidado e assentado no fundo dum poço de 4 metros de profundidade. Uma coluna de areia vem tapar o buraco e sacos de areia são dispostos em volta. A bomba é então detonada com segurança, longe de região habitada.

Bomba em Paris impressiona, mas não é frequente. Por seu lado, o território alemão está com o subsolo coalhado de artefatos perigosamente explosivos. A persistir o ritmo em que bombas, minas e outros artefatos não detonados são encontrados em território europeu, estima-se que o terreno só estará totalmente livre de perigo daqui a 700 anos. Se nenhuma guerra sobrevier daqui até lá, naturalmente.