José Horta Manzano
Sigismeno fazia tempo que não aparecia. Veio hoje com aquele ar deslumbrado de quem acaba de inventar a roda.
– Olá! Não acredito em coincidências. Nessa história de dinheiro escondido na Suíça, tem coisa fora do lugar.
– Bons dias, Sigismeno! Tem razão você. Dá realmente vontade de trucidar esse pessoal que andou enfiando a mão em nosso bolso pra enriquecer.
– Não estou falando da paisagem geral. Estou-me referindo ao caso especial do senhor Cunha, aquele que preside a Câmara.
– Especial por que, Sigismeno? Pelo que diz a mídia, andou se servindo do nosso dinheiro igualzinho a dezenas de outros. Ou não?

Chamada do Estadão, 1° out° 2015
– Assim foi, mas parece que escolheu o banco errado pra encafuar seus milhões.
– Banco errado? Mas foi na Suíça, Sigismeno! Parece que o pessoal de lá entende do ramo. Errado por quê?
– Raciocine comigo. Por tradição, banco suíço é discreto. Faz parte do jogo. A cada vez que o MP do Brasil precisou obter dados de outros larápios foi um custo. Qualquer retalhozinho de informação só sai com saca-rolhas. Informação costuma vir a conta-gotas. Já no caso desse senhor Cunha, foi diferente.
– Diferente como, Sigismeno?

Chamada da Folha, 1° out° 2015
– Pois você não viu? Diz aqui no jornal que o Cunha foi denunciado pelo próprio banco. Coisa do outro mundo, amigo! Terá sido a primeira vez que banco suíço denuncia cliente sem ser compelido pela justiça.
– Tem razão, Sigismeno, parece fora de esquadro. E qual é sua teoria, você que sempre encontra explicação pra tudo?
– Antes de dar minha conclusão, quero voltar a um acontecimento ocorrido faz pouco mais de um mês. Certamente você se lembra daquele caso da conta suíça do Romário.
– Aquela que a Veja denunciou?
– Essa mesmo. A revista obteve, sabe-se lá como, extrato bancário do senador, com papel timbrado, número de conta, montante, tudo nos conformes. Era perfeito demais pra ser verdadeiro, mas a revista caiu no logro e publicou.
– Mas, Sigismeno, além do fato de serem cariocas, o que tem o Romário a ver com o Cunha?
– Olhe, meu amigo, é cristalino como água de mina. Por um lado, o pessoal lá do andar de cima tem bronca da revista Veja, não tem?
– Todo o mundo sabe disso.
– Por outro, eles têm interesse em tirar o senhor Cunha do caminho, não têm?
– Ô, se têm. Afinal, a chave do processo de destituição da presidente está nas mãos do homem.
– Pois é, embora seja raro no andar de cima, alguma cabeça pensante pensou, veja você. E arquitetaram um jeito malandro de dar uma cutucada feia na Veja e no Cunha.
– Nos dois?

Chamada d’O Globo, 1° out° 2015
– Nos dois, amigo. Valeram-se do fato de Cunha ter milhões de dólares escondidos no BSI, um banco suíço. Já Romário não tem conta nesse banco.
– Agora está ficando difícil seguir seu raciocínio, Sigismeno. Qual é o ponto comum entre esse três personagens, o Romário, a Veja e o Cunha?
– Não seja impaciente. Continuo. O Romário, a meu ver, foi inocente útil na história. Seu nome foi usado. Podiam ter usado qualquer figura pública. Escolheram o senador.
– Usado? Para quê?
– Para quê? Ora, é evidente: pra atingir a revista Veja, deixá-la numa saia justa e levar a cabo a vingança. Forjaram um extrato bancário do ex-jogador e deram um jeito de fazê-lo chegar à revista como se verdadeiro fosse. Imaginando que era legítimo, os editores, felizes com o ‘achado’, publicaram imediatamente. Daí deu aquela confusão toda: o Romário viajou até Genebra, a revista se retratou e pediu desculpa, um forrobodó dos diabos. Foi um vexame. Os que urdiram o plano devem ter gargalhado.
– Então você acha mesmo que os dois foram ludibriados, Sigismeno? O Romário e a Veja?

Chamada da Folha, 1° out° 2015
– Acho. A Veja era o alvo, enquanto o senador foi o inocente útil.
– E onde é que o Cunha entra nessa história?
– O senhor Cunha não foi ludibriado. Foi traído. Traído pelo banco suíço onde tinha enfurnado seus milhõezinhos. Jamais se tinha visto banco suíço denunciando cliente. Foi a primeira vez. Um despautério!
– Que coisa mais extraordinária, Sigismeno. E por que, diabos, esse banco teria agido assim?
– Olhe, agora estamos pisando no terreno das suposições. Dou-lhe uma dica que pode ser a chave do mistério: o tradicional banco suíço BSI, nascido 150 anos atrás, foi comprado no ano passado por um banco brasileiro.
– Hã?
– Sim, senhor. Faz um ano que o conceituado BSI pertence ao Banco BTG Pactual, cujo dono é um bilionário brasileiro. Agora, não me pergunte se há relação entre a ‘brasilidade’ do banco suíço e o Planalto. Não saberia responder. Mas ficam no ar as perguntas. Como é possível um falso extrato do Romário ter sido impresso em papel timbrado do banco, direitinho como manda o figurino? Como é possível que, pela primeira vez na história, banco suíço denuncie um correntista, assim, gratuita e espontaneamente?
– Ih, Sigismeno, acho bom você parar por aqui. Por minha parte, já entendi, mas, se alguém nos ouvir, ainda vamos ter problemas. Só vou dizer-lhe uma coisa: se um dia eu tirar a sorte grande na loteria, vou pensar duas vezes antes de botar meu dinheirinho naquele banco.
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