José Horta Manzano
O século 19 marcou o apogeu da colonização da África pelas potências europeias. No final do século, o continente estava fatiado e repartido entre poucos países colonizadores. França e Inglaterra detinham a parte do leão. Os ingleses controlavam boa parte da costa Leste, enquanto os franceses mandavam no Oeste – aquela protuberância rombuda da África, que se projeta no Oceano Atlântico.
As potências europeias saíram enfraquecidas da Segunda Guerra mundial. O nacionalismo africano encontrou terreno fértil para se afirmar. Nos anos 1950-1960, não houve como segurar o movimento: uma a uma, foram pipocando novas nações recém-independentizadas.
A República Centro-Africana alcançou a independência em 1960. Trata-se de um território sem saída para o mar, pouco populoso mas de bom tamanho (maior que a França e maior que o estado de Minas Gerais).
Nas primeiras décadas após a onda de independência, a França conservou forte influência sobre as antigas colônias. Hoje em dia, a presença francesa é menos marcante mas, naquele tempo, Paris era o fazedor de reis. Para ser bem sucedido, todo golpe de Estado tinha de ter o apoio do antigo colonizador.
Em 1965, por meio de um golpe e com apoio francês, Jean-Bédel Bokassa foi alçado à liderança da África Central. Enquanto o governo do novo ditador seguia conforme aos interesses de Paris, tudo foi bem. Em 1976, deslumbrado com o poder, Bokassa inventou que queria transformar o país em império, e que ele seria o imperador. Assim foi feito. Houve festa de coroação, com trono, manto, cetro, coroa, diamantes e pedras preciosas. Um remake da sagração de Napoleão.
Tornado imperador, Bokassa impôs uma política autoritária e excessivamente repressiva. Sua política tomou nova direção, que contrariava os interesses franceses. Três anos depois da proclamação do império, Bokassa foi destituído por um golpe de Estado fomentado e financiado pela França. Isso aconteceu em setembro de 1979.
Um mês depois, em outubro de 1979, o Canard Enchaîné, popular semanário francês de sátira política, revelou que Valéry Giscard d’Estaing, presidente da França, tinha sido presenteado pelo imperador Bokassa com 30 quilates de diamantes. Considerando que o preço médio do diamante lapidado é de 12.000 euros por quilate, isso dá um total de 360 mil euros (R$ 1,8 mi). O escândalo se alastrou mais rápido que fake news.
Giscard d’Estaing estava em plena campanha de reeleição à Presidência. A notícia não podia cair em momento pior. A oposição fez a festa e ajudou a pisar na ferida. Abafa daqui, abafa dali, a história nunca foi elucidada preto no branco. Fica ao gosto do freguês. Por minha parte, acredito que o propagador da notícia tenha sido o próprio imperador africano destituído. Foi vingança pelo golpe de Estado que o arrancou do trono, fomentado pelo governo francês. O caso entrou para a história como Les diamants de Bokassa (Os diamantes de Bokassa).
Giscard d’Estaing acabou perdendo a reeleição. O desastre de imagem causado pelos diamantes do imperador há de ter contribuído para a derrota.
Estourou semana passada, no Brasil, o caso dos diamantes de Bolsonaro. Assim que fiquei sabendo, lembrei imediatamente dos “diamants de Bokassa”. Se a história das pedras das Arábias tivesse vindo à tona antes, Bolsonaro poderia até ter perdido a eleição. Mas… que bobagem estou dizendo! Ele já foi derrotado!
A saga dos diamantes ainda vai dar pano pra manga. Ninguém dá um presente de 3 milhões de euros sem ter um bom motivo pra isso. Reis, xeiques e emires são podres de ricos, mas nem por isso saem distribuindo milhões assim, sem mais nem menos. Alguns pontos ainda estão nebulosos.
Por que razão esse mimo milionário foi dado a Bolsonaro? Qual foi a contrapartida?
Outra curiosidade é o fato de ter sido necessário designar o sub do sub para viajar à Arábia, tomar posse da encomenda e embarcar num avião de volta carregando essa fortuna numa mochila(!). Por que é que Bolsonaro não trouxe na bagagem presidencial? Por que é que o presente não veio por mala diplomática árabe, para ser entregue ao capitão em Brasília?
Quem sabe um dia teremos as respostas. Ou será que o escândalo vai continuar enevoado para todo o sempre?