O Vêneto e a Lava a Jato

José Horta Manzano

No nordeste da Itália, fica uma bela região que engloba o Vêneto e o Friuli. A cidade mais emblemática é Veneza. Essa parte da Itália se distingue por guardar, muito arraigado, o apego ao dialeto. Praticamente toda a população tem o dialeto local como língua materna. O italiano é aprendido como segunda língua. Muitas crianças, ainda hoje, chegam à escola sem a prática oral da língua nacional.

Outra característica regional são os sobrenomes. A maioria deles se fixou na forma dialetal, sem se italianizar. A imensa maioria dos sobrenomes italianos termina em vogal, ao passo que os vênetos muitas vezes terminam em consoante, principalmente em l ou n.

A região tem hoje economia dinâmica, mas nem sempre foi assim. Na virada do século XIX para o XX, as difíceis condições de vida levaram grande quantidade de cidadãos a emigrarem. Bom número deles aportou nos quatro estados do sul do Brasil.

Veneza

O destino quis que as investigações da Lava a Jato se centralizassem em Curitiba. É interessante notar que muitos dos envolvidos na operação ostentam sobrenome de origem vêneta. Quer ver?

Pra começar, os três nomes mais representativos da força-tarefa: Sérgio MORO, Deltan DALL’AGNOL e Roberson POZZOBON. Além deles, feliz coincidência, temos o próprio ministro relator da operação no STF, doutor Edson FACHIN.

Do outro lado da mesa, também há descendentes de vênetos. Figurão midiático, o principal advogado de Lula da Silva, doutor Cristiano ZANIN, também é membro da colônia.

Pra encerrar, temos um réu famoso que deu que falar: Henrique PIZZOLATO. Foi aquele que, de repente, se lembrou da terra de origem e procurou lá se homiziar. Não adiantou. A Itália, que não costuma acolher bandido, despachou-o de volta.

Pronto, dois pra lá, dois pra cá, que é pra ninguém ficar aguado.

As coisas estão mudando

José Horta Manzano

Em muitos filmes policiais dos últimos cinquenta anos, quando a perseguição apertava e obrigava o criminoso a fugir pra bem longe, o Brasil era opção natural. De cada dois foragidos, um escolhia estabelecer-se em nosso país. E a imagem correspondia à realidade. Só não vinham todos por falta de dinheiro para a passagem.

O clichê persistente pintava o Brasil como terra paradisíaca e acolhedora, de vida mansa, sol, praias, palmeiras, com gente sorridente e despreocupada que passava o tempo dançando pelas ruas. Fugitivo que se prezasse não escolheria outro destino. Quem é que havia de preferir a Sibéria?

Terminada a hecatombe da Segunda Guerra, criminosos nazistas se refugiaram clandestinamente em nosso país. Não saberemos nunca quantos terão vindo, que não há estatísticas. O carrasco Josef Mengele, um dos mais tristemente famosos, terminou seus dias numa praia do litoral paulista em 1979.

Ficou famoso o caso do assaltante inglês Ronnie Biggs, célebre por ter desvalijado um trem pagador em 1963 na Escócia. Homiziado no Rio de Janeiro, o homem valeu-se da lei vigente à época, que vedava extradição de quem tivesse filho brasileiro, como era seu caso. Viveu tranquilo até que, já idoso, decidiu voltar ao país natal para entregar-se às autoridades.

À semelhança do mafioso Tommaso Buscetta, que aqui se encafuou nos anos 70, diversos bandoleiros escolheram o Brasil. Além dos casos que se tornaram públicos, deve ter havido inúmeros outros que passaram em branco. Mais recentemente, como todos sabem, abrimos os braços para um certo Cesare Battisti, italiano condenado à prisão perpétua por envolvimento em quatro homicídios.

No entanto… as coisas estão mudando. A Operação Lava a Jato tem incentivado a atenuar a impunidade. Sua influência começa a se alastrar para setores da criminalidade não necessariamente ligados a malversações de dinheiro público.

Rapidamente, o Brasil começa a sair da rota de bandidos estrangeiros. Sinal de que os tempos mudaram é a revoada de bandidos genuinamente nacionais que buscam terras mais acolhedoras além-fronteiras.

Henrique Pizzolato abriu o bloco. Esteve entre os primeiros a sentir que os ventos estavam mudando de quadrante. Apesar de ter orquestrado fuga rocambolesca, não deu sorte: além de experimentar o conforto dos cárceres italianos, acabou despachado para a Papuda.

Depois de anunciar que não acataria a decisão dos tribunais brasileiros ‒ numa clara indicação de que pretendia subtrair-se à punição no Brasil ‒, o Lula teve a desagradável surpresa de ver-se impedido de deixar o território. Retiraram-lhe o passaporte.

Um operador financeiro da Lava a Jato fugiu do país e chegou a requerer (e obter) a cidadania portuguesa. Pensava escapar assim à Justiça. Deu-se mal. Está sendo extraditado e devolvido à pátria.

O mais recente caso saiu ontem nos jornais. O passaporte daquele cidadão que atropelou uma vintena de pessoas no calçadão de Copacabana acaba de ser apreendido por suspeita de que o indivíduo tencionasse fugir do país.

A Lava a Jato ainda não terminou e seu balanço final ainda não foi analisado. O futuro certamente há de mostrar que ela deu início ao desmonte da imagem de permissividade que aureolava nosso país. É excelente notícia.

Ironias do destino

José Horta Manzano

A vida nem sempre é espetáculo cor-de-rosa. Volta e meia, ela dá um boléu e a gente leva um tombo. Mas há tombo e tombo. A gente pode se levantar ileso, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Mas pode também sentir o baque e ficar estatelado no chão sem poder se reerguer.

Costuma-se dizer que o brasileiro tem a memória curta, que esquece hoje o que aconteceu ontem, que um fato novo empurra o antigo para o fundo do poço. Assim mesmo, muitos hão de recordar-se que, no apagar das luzes do mandato, a poucos dias de deixar o Planalto, Lula da Silva exigiu ‒ e obteve ‒ passaporte diplomático. Não só para si, como para mulher, filhos e agregados.

Na época, a imprensa noticiou o ocorrido e uma grita se alevantou. Mas foi erupção breve. Em pouco tempo, ninguém mais voltou ao assunto. Aliás, nem se sabe ao certo se os passaportes obtidos fraudulentamente foram devolvidos. É permitido acreditar que não.

Diferentes modelos de passaporte emitidos pelo Estado brasileiro

Alguns dias antes do julgamento do dia 24 de janeiro de 2018, o Lula mandou avisar que estava de viagem marcada pra Etiópia. Independentemente do que fosse decidido em Porto Alegre, embarcaria na madrugada do dia 26. E não se falava mais nisso.

Nocauteado pela Justiça, o ingênuo houve por bem bancar o marrudinho. Em discurso para plateia amestrada, declarou com todas as letras que não estava disposto a acatar a determinação judicial. Ah, pra quê! Sacudiu a caixa de marimbondos. Um juiz de Brasília, sob cuja responsabilidade corre outro processo contra o falastrão, alarmou-se com a valentia. Com raciocínio lógico, entendeu que o não acatamento a uma decisão judicial podia se traduzir por fuga do país. Não esqueçamos o caso Pizzolato.

Incontinente, ordenou que se confiscasse o passaporte daquele que se propunha a desacatar a Justiça. Lula da Silva, de bom ou mau grado, foi obrigado a cumprir a imposição. Não o fizesse, perigava ser preso imediatamente. Não sei se o passaporte era o diplomático ‒ aquele vermelhinho. Seja como for, o demiurgo teve de passar pela humilhação de vê-lo confiscado e retido. De pouco terá valido a (falsa) imunidade que o documento lhe parecia garantir. A impostura teve vida curta.

Nota interessante
Lula da Silva pretendia cantar de galo numa cúpula realizada em Adis Abeba pela FAO ‒ Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. Observe-se que essa instituição é dirigida por doutor José Graziano da Silva, que foi ministro do Lula. Yes, um afilhado político.

Nota picante
Até ontem, dia 25, o distinto público podia visitar o site internet da FAO e colher ali toda informação que desejasse. De lá pra cá, o Lula foi obrigado a devolver o passaporte e a cancelar a viagem. Hoje, 26, o site está fora do ar, inaccessível. Casou, mudou e não convidou. Será mera coincidência, naturalmente.

Nota latina
Nummus regnat ubique.
O dinheiro reina por toda parte.

A Cesare o que é de Cesare

José Horta Manzano

Notícias importantes atropelam e mandam pra escanteio as de menor peso. Grandes manchetes abafam fatos considerados de menor importância. No entanto, a régua que mede a importância de cada acontecimento varia de um lugar a outro.

Estes dias, enquanto o Brasil continua mergulhado em sua crise político-policial crônica, a França mostra grande preocupação com o problema catalão. De fato, as manobras secessionistas do vizinho podem abrir uma brecha na estabilidade do continente e acabar se alastrando, tal fogo morro acima.

Os alemães acompanham com interesse as tratativas, empreendidas pela mais que provável futura chanceler, para formar coalizão capaz de garantir o contrôle das câmaras e a governabilidade. Em tempo: governabilidade, por aquelas bandas, não é sinônimo de cooptação nem de corrupção. Costuma ser negociação lícita, em que acertos políticos não rimam com assalto aos cofres da nação.

Cesare Battisti
Crédito: Cláudio Lahos

Já a Itália anda alvoroçada com a possibilidade de revisão do asilo político concedido pelo Lula, em seu último dia de governo, a signor Cesare Battisti. Os italianos não esqueceram que esse senhor, julgado à revelia pela Justiça de seu país, foi considerado culpado por participar de quatro assassinatos e condenado à prisão perpétua. Passaram-se quarenta anos, mas as famílias das vítimas ainda guardam os estigmas dos homicídios. As autoridades italianas receberam a bizarra decisão do Lula como uma afronta. E não se conformaram até hoje.

Semana passada, o jornal O Globo deu notícia de pedido apresentado pela República Italiana ao Planalto no sentido de rever a incompreensível decisão de conceder ao fugitivo o estatuto de asilado político. Diz o jornal que, após uma primeira análise técnica, o governo brasileiro não vê empecilhos jurídicos na reabertura do dossiê.

Signor Battisti, que hoje se apresenta como escritor, está casado com uma brasileira, com quem tem uma filha. Aos 62 anos, vive em São José do Rio Preto (SP). Mesmo sem o respaldo dos antigos «companheiros», hoje fora do poder e dizimados pela prisão de alguns e pela ameaça de encarceramento de outros, o asilado se diz tranquilo. Acredite quem quiser.

Bem farão nossas autoridades competentes se, finalmente, se decidirem a fazer o óbvio: devolver o estrangeiro aos italianos. Repararão, assim, a afronta cometida contra a Itália na desvairada era lulopetista. Mostrarão que o Brasil deixou de ser valhacouto de criminosos. De quebra, retribuirão o gesto da Justiça italiana, que nos devolveu o criminoso Pizzolato ‒ que, não nos esqueçamos, era cidadão daquele país.

Temos quantidade suficiente de criminosos nacionais de sangue nas mãos ou de colarinho branco. Não nos fazem falta estrangeiros. Xô!

Lula aciona ONU

José Horta Manzano

Lula caricatura 2Assombrado com a ordem de prisão, cada dia mais nítida, o batalhão de advogados do Lula implora à ONU que faça alguma coisa para proteger o antigo mandatário.

Não por acaso, usei o verbo implorar. O Brasil, como país soberano, dispensa tutela de organismos estrangeiros ou supranacionais. Se nem o Mercosul tem poder de influenciar nossas instituições, menos ainda terá a Organização das Nações Unidas. O Lula há de estar em pânico, o que explica estar arriscando as últimas fichas na empreitada. Acaba de dar passo perigoso.

Há duas possibilidades: a ONU tanto pode aprovar como reprovar o funcionamento da Justiça brasileira. Caso considere o processo isento e honesto, Lula terá perdido definitivamente a batalha ‒ quiçá a guerra. Caso considere que o ex-presidente é vítima de jogo de cartas marcadas, como numa «república de bananas», nosso Judiciário se sentirá, com razão, afrontado, ofendido e desafiado.

Lula caricatura 2aNinguém gosta de se sentir afrontado, nem ofendido, muito menos desafiado. O orgulho nacional será atingido. Nossos magistrados se sentirão todos insultados. Esse sentimento periga voltar-se contra o acusado, surtindo efeito contrário ao que estava sendo buscado.

É verdade que o Lula não tem muitas opções. Como cônjuge de cidadã italiana, deve ter imaginado poder um dia, em caso de necessidade, refugiar-se na Itália. O caso Pizzolato freou seus ardores. A Itália provou que, quando lhe parece justo, não hesita em extraditar os próprios cidadãos.

Caso consiga escapar das garras do juiz Moro, como tem tentado, quem garante que nosso guia não cairá nas mãos de magistrado ainda mais rigoroso? Moro não é o único juiz competente e tenaz.

Lula caricatura 2Se escolher deixar o país e estabelecer-se em alguma ilha paradisíaca, estará abrindo o flanco para os EUA pedirem ‒ e obterem ‒ sua extradição. Transação internacional de dinheiro sujo ou limpo costuma transitar por aquele país. No escândalo que emaranha Lula, Petrobrás, Mensalão, Eletrobrás, BNDES & companhia, não será difícil encontrar fundamento jurídico para pedido de extradição. Bilhões de dólares roubados aqui transitaram por lá.

Sobra ainda a possibilidade de o Lula pedir asilo político a algum país. (Quem garante que a eventualidade já não tenha sido sondada?) Não vai ser fácil encontrar abrigo. Se ninguém quis acolher um simples Snowden, quem abrigará um Lula? A Bolívia ou a Venezuela talvez? Pode ser um caminho. Pelo menos, enquanto não caírem os respectivos governos.

Vão ainda duas ou três reflexões. A primeira, mais evidente, é quanto ao custo do batalhão de advogados. Quem paga? Estarão todos trabalhando por amor a um acusado desvalido?

Outra observação é quanto à escolha do escritório de Mister Robertson, jurista australiano especializado em direitos humanos, que conta com Salman Rushdie e Julian Assange entre seus clientes. Não é um fantástico cartão de visitas.

Lula caricatura 2aO escritor britânico Salman Rushdie sobrevive há quase 30 anos, sob rigorosa proteção policial, a uma ordem de assassinato expedida pelo bondoso (e já finado) aiatolá Khomeini. Quanto a Mister Assange, esconde-se há quatro anos num cubículo da embaixada do Equador em Londres. Visto o histórico da banca de advocacia de Mister Robertson, não fica claro o que podem fazer pelo Lula.

Penso ainda no foro competente para julgar nosso ex-presidente. Por enquanto, é acusado comum. Na inimaginável eventualidade de dona Dilma voltar à presidência, o Lula poderia até ser nomeado ministro, o que lhe daria direito a ser julgado pelo STF. Ainda assim, não é concebível que a maioria de nossos magistrados-mores se pronunciem pela total inocência do indiciado. Nenhum deles vai querer entrar para a História com reputação manchada.

Uma saideira: ninguém garante que as informações vazadas até agora representam a totalidade dos indícios e das provas. Debaixo desse angu ainda deve ter muita carne.

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Observação
Para quem acaba de chegar de Marte, aqui está a notícia no Estadão e na Folha de São Paulo.

Extradição de nacionais

José Horta Manzano

Embora não seja romance palpitante, nossa Constituição não deixa de ter capítulos interessantes. Tem também muita coisa chata, que ninguém se engane. A regulamentação da repartição das receitas tributárias ou as disposições gerais do Poder Judiciário, por exemplo, são para especialistas. Assim mesmo, para leigos, há coisa melhor.

by Constantin Ciosu (1938-), desenhista romeno

by Constantin Ciosu (1938-), desenhista romeno

O artigo 5°, que aparece logo no Primeiro Capítulo, está entre os mais extensos. Trata dos direitos e garantias fundamentais do cidadão e conta com nada menos de 77 alíneas. Entre elas, a de número 51 é taxativa: «nenhum brasileiro será extraditado». A exceção fica por conta dos naturalizados que tenham cometido crime antes da naturalização ou que sejam acusados de tráfico de drogas.

Certas disposições, que podiam fazer sentido um século atrás, vêm sendo atropeladas pelo galope da globalização. Relações entre países têm rapidamente abandonado antigos ritos e cerimoniais que já não cabem no mundo de hoje.

Fica a desagradável impressão de que nossa atual Constituição já nasceu envelhecida. É verdade que teve o azar de ser promulgada em plena Guerra Fria, pouco antes de a União Soviética desmoronar. Tivesse sido concebida um ano mais tarde, a orientação geral teria sido diferente. Mas assim são as coisas.

No meu entender, a proibição absoluta de extraditar brasileiro é discutível. Tinha de ser permitida sob certas condições. Que se protejam conterrâneos de serem julgados em países onde regras democráticas não passam de ficção é compreensível. Ninguém imaginaria despachar acusado, seja ele quem for, para a Coreia do Norte, para Cuba ou para o Afeganistão.

Cela de prisão suíça

Cela de prisão suíça

No entanto, não enxergo escândalo em extraditar, para fins de julgamento ou de cumprimento de pena, brasileiros que tenham cometido crime em país onde a Justiça for universalmente reconhecida como sensata e equânime ‒ ainda que mais rigorosa que a nossa.

O México, país hermano não tão diferente do nosso, aprovou, mês passado, a extradição para os EUA de um líder do narcotráfico. O indivíduo era procurado por introdução e distribuição de cocaína em território americano. Mais que isso, pesava sobre ele acusação de homicídio. Para citar outro exemplo, não faz muito tempo que a Itália nos devolveu signor Pizzolato, cidadão italiano, para cumprir pena no Brasil, onde havia delinquido.

Acho que cada um deve responder por seus crimes no país onde os tiver cometido. Não vejo nisso nenhuma desonra nem renúncia à soberania nacional.

Ponte dos espiões

José Horta Manzano

Ponte 2Pense num filme de espionagem, daqueles que se passam na época da Guerra Fria. Numa manhã fria e brumosa, um espião americano, desmascarado em Moscou, ensaia os primeiros passos da travessia duma ponte sobre rio fronteiriço entre as duas Alemanhas. No mesmo momento, um espião soviético, capturado meses antes em Washington, faz o mesmo gesto em sentido contrário.

Avançam lentamente. Os caminhos se cruzam bem no meio da ponte. Sem se olhar nos olhos, cada qual continua reto até a margem oposta. «Pronto, elas por elas. Estamos quites» – suspiram aliviados os policiais e agentes que, armados até os dentes, tinham permanecido de cada lado da fronteira. Tudo correu bem. É o capítulo final de uma longa tratativa que se desenrolou nos bastidores, longe de toda publicidade.

Se o distinto leitor imagina que cenas como essa fazem parte de um passado poeirento e enterrado para sempre, convido-o a reconsiderar a questão. A imprensa italiana em peso afirma hoje que, sem a dramaticidade cinematográfica da travessia da ponte, nova troca de prisioneiros acaba de ocorrer.

Aeronave que transportou Pizzolato de SP a Brasília 23 out° 2015

Aeronave que transportou Pizzolato de SP a Brasília
23 out° 2015

A verdadeira história da extradição do mensaleiro Pizzolato, que acaba de chegar a Brasília para uma temporada na Papuda, é menos charmosa e bem menos jurídica do que se possa imaginar. Nosso mensaleiro interpreta o papel de um dos prisioneiros que atravessam a ponte. E quem é o outro?

Segundo a imprensa italiana, que deve ter seus fundamentos para afirmá-lo, a outra moeda da negociação chama-se Pasquale Scotti. É antigo membro da camorra (máfia napolitana), condenado à prisão perpétua por mais de 20 homicídios. Gente fina, como se vê. O bom moço estava no Brasil havia mais de 30 anos. Sob identidade falsa, vivia no Recife.

Ponte 1Foi capturado pela Polícia Federal em maio. Informada pela Interpol, a Itália logo pediu extradição do cidadão. O que se segue não foi publicado, mas pode ser imaginado. Autoridades italianas e brasileiras concluíram acordo na base do «eu te mando este, você me devolve aquele».

De fato, o STF autorizou a extradição de signor Scotti no dia 20 de outubro. Dois dias depois, a Itália entregou signor Pizzolato a agentes da PF brasileira. Baita coincidência, né não? Parece que a imprensa italiana sabe do que está falando.

Os detalhes da troca de prisioneiros estão na Agência Brasil (em português) e no jornal turinês La Repubblica (em italiano).

Diretor de marketing do bando

José Horta Manzano

Lapsus calămi

Lapsus calămi é locução latina usada para designar erro que escapa, por inadvertência, a quem escreve. Há quem considere esse tipo de tropeço um revelador do que o escriba tinha realmente em mente.

Pra explicar a escorregadela aqui abaixo, nem é preciso chamar Freud.

Trecho de reportagem do Estadão, 6 out° 2015

Trecho de reportagem do Estadão, 6 out° 2015

Falam de nós – 13

0-Falam de nósJosé Horta Manzano

Tempos difíceis
Romandie, portal suíço de informação, repercute entrevista que Christine Lagarde, diretora-geral do FMI, concedeu a O Globo. O artigo é encabeçado por frase de impacto: «Le Brésil traverse des temps difficiles» – o Brasil passa por tempos difíceis.

Lula no interrogatório
Tahiti-Infos, portal de informação da Polinésia Francesa, traz a informação de que o STF deu seu aval para que Lula seja interrogado sobre eventual envolvimento no escândalo da Petrobrás. Vamos, afinal, saber se ele sabia. Quem sabe.

A festa acabou
Libération, diário francês de orientação socialista, faz análise da sinuca em que Dilma Rousseff se meteu. «Elle détourne ses yeux fardés, embarrassée, presque honteuse» – ela desvia os olhos maquiados, constrangida, quase envergonhada. A expressão «escroquerie électorale» – estelionato eleitoral – é utilizada para explicar dramas pessoais de gente que se deixou iludir. A análise, bastante aprofundada, leva o título «Au Brésil, la fête est terminée» – no Brasil, a festa acabou.

Senegales 1Compatriota herói
Dakar Actu, portal de atualidades de Dacar (Senegal) conta a façanha de Moussa Sène, senelagês que vive no Rio Grande do Sul. O moço, enfermeiro de formação, socorreu uma senhora que havia desfalecido num vagão de trem na região metropolitana de Porto Alegre. Para completar a reportagem, informam que, na sequência de seu gesto espontâneo e firme, o rapaz recebeu, pela primeira vez, proposta de trabalho como enfermeiro.

Espelho meu
O portal Premium Beauty News publica em francês e em inglês. É fonte de informação da indústria mundial de cosméticos. Dá surpreendente previsão: dentro de quatro anos, o Brasil terá atingido a primeira posição no mercado mundial de cosméticos para homens. Crise? Inflação? Violência? Pouco importa, nada disso conta. Esse nicho de mercado espera crescer 7,1% por ano daqui até 2019.

E se for à falência?
La Stampa, tradicional diário de Turim (Itália), ousa fazer a pergunta: «Cosa capita al fondo se il Brasile fallisce?» – que aconteceria ao fundo se o Brasil fosse à falência? Mostra a preocupação daqueles que participam de fundos de investimento que incluem ações, obrigações e valores brasileiros.

Edificio ItaliaItália em chamas
O site da RAI, rede pública de rádio e televisão italiana, dá, em poucas linhas, notícia do incêndio que destruiu parcialmente o restaurante panorâmico Terraço Itália, no último andar do Edifício Itália, em São Paulo.

Direito de defesa
A Gazzetta di Modena, editada na cidade onde está encarcerado aquele signor Pizzolato do mensalão, levanta a hipótese de um imbróglio jurídico. Lembra que o fugitivo ítalo-brasileiro, que está a dias de ser extraditado para comprir pena na Papuda, ainda deve contas à justiça italiana. De fato, ao entrar no país com papéis falsos, o cidadão incorreu em crime de falsidade ideológica. O julgamento está previsto para 14 de dezembro. Se o acusado for extraditado antes, terá de ser julgado à revelia sem poder defender-se pessoalmente, o que contraria o ordenamento jurídico italiano. Que fazer?

Favorito do verão
La Nación, diário argentino, dá conta da alegria dos turistas argentinos que planejam passar as próximas férias de verão no Brasil. Com as seguidas desvalorizações que atigiram a moeda brasileira, o custo de vida ficou mais em conta para quem chega com dinheiro estrangeiro. Nossos hermanos estão «con saudade de aguas tibias y caipiriña». É o jornal que o diz.

Estrada 1Quem não tem trem vai de carro
O portal Cinco Días, braço de conglomerado espanhol que inclui o diário El País, confessa que, enquanto o Brasil se esfria, a multinacional Abertis não deixa suas máquinas esfriarem. A empresa, conhecida como Arteris no Brasil, é concessionária de importantes trechos rodoviários. Pretende investir 1,9 bilhão de euros em nosso País nos próximos cinco anos. Já que não temos mais estradas de ferro, que, pelo menos, as estradas de rodagem sejam bem tratadas.

Cidadãos conscientes
O portal sueco Nyteknik dá conta de um debate que agita a sociedade daquele país. Os aviões Gripen encomendados pela FAB não são produto integral da indústria sueca. Boa parte de seus componentes são importados. Armas e sensores, por exemplo, são fabricados em Israel e na África do Sul. No pacote de compra assinado entre Suécia e Brasil, o Estado sueco se compromete a financiar os aviões. Em miúdos, a Suécia compra os componentes, fabrica as aeronaves, e o Brasil paga em suaves prestações a perder de vista. Os «skattebetalare» – literalmente ‘pagadores de impostos’, ou seja, os contribuintes do fisco sueco se perguntam se cabe realmente a eles adiantar fundos para o Brasil comprar armas israelenses.

Especial Finados
A edição alemã da Latina Press informa ser o Brasil o primeiro país da América Latina a ter seus cemitérios varridos pelo Google Street View. Aqueles que têm horror a visitar cemitério no dia de Finados podem agora fazê-lo virtualmente.

Encontro de marinheiros
O portal Harburg Aktuell, de Hamburgo (Alemanha) informa que a cidade recebeu visita de cortesia de tripulantes do navio-escola NE Brasil, da marinha nacional. A embaixada do Brasil em Berlim valeu-se da ocasião para organizar, a bordo da nave, recepção a representantes da Marinha alemã.

Lula caido 2O balão e a ira
O sério The Wall Street Journal conta, tim-tim por tim-tim, as façanhas do boneco que representa o Lula com camisa de presidiário. Explica tudinho, inclusive o significado do 171 inscrito sobre o peito do personagem. O título do artigo é «In Brazil, Balloon of Former President da Silva Provokes Ire» – no Brasil, boneco inflável do antigo presidente da Silva suscita ira.

Dose dupla

José Horta Manzano

Tem certas notícias que, embora capazes de indignar qualquer cidadão em tempos normais, passam despercebidas na cachoeira de escândalos atuais. Parecem fatos menores. Não são.

Meus atentos leitores devem-se lembrar de signor Pizzolato, aquele membro da gangue do Mensalão que, na iminência de ser despachado à Papuda, muniu-se de documento de familiar morto e, sob identidade usurpada, escapou para a Itália.

Prisioneiro 2O sentimento de invulnerabilidade que a dupla cidadania lhe propiciava, no entanto, murchou. Não demorou muito, foi preso pela polícia daquele país. Faz anos que signor Pizzolato trava batalha contra sua extradição para o Brasil. Enquanto isso, continua preso. Se se tivesse entregado à Polícia Federal brasileira, já estaria livre da silva, constrangido apenas por uma imperceptível tornozeleira.

Apesar disso, continua lutando contra a extradição, Por algum motivo será. Não sou especialista em briga de bandidos nem em código de honra de marginais. Assim mesmo, desconfio que o temor de signor Pizzolato não seja exatamente o de ser mandado para o xadrez. Afinal, já faz tempo que ele vive atrás das grades. O medo há de ser outro. Melhor não entrar nesse terreno.

Pizzolato 6 camburaoSeja como for, o episódio tem rendido muita humilhação para o Brasil. Quando o Lula decidiu negar à Itália a devolução de signor Cesare Battisti – terrorista condenado por envolvimento em quatro assassinatos –, usou o pretexto de o extraditando não ser homicida comum, mas criminoso político. Não enxergo diferença, mas parece que o Lula enxergou.

Prison 5Já a Itália, antes de devolver signor Pizzolato, mandou vistoriar prisões brasileiras. Deixou claro que não acredita na boa-fé das autoridades federais, segundo as quais o cidadão será abrigado em estabelecimento penitenciário de padrão Fifa.

O portal d’O Globo informa que o governo italiano despachou representante para inspecionar, in loco e pessoalmente, as instalações onde Pizzolato ficará hospedado.

Isso significa duas coisas. Primeiro, que consideram o Brasil como país de segunda ordem, onde prisões ainda mantêm padrões medievais. Segundo, que não têm confiança nas garantias oferecidas por nossas autoridades – preferem mandar alguém de confiança conferir. É vexame em dose dupla.

Penúltimo capítulo

José Horta Manzano

Segredo 7Não saiu nem sairá em nenhum jornal. Jamais teremos acesso ao que realmente aconteceu. Mas basta refletir desapaixonadamente para chegar à conclusão de que… aí tem coisa.

Estou falando do mais recente capítulo da (já longa) novela cujo protagonista é Signor Pizzolato. Depois de passar quase um ano em masmorras italianas, o condenado no mensalão está prestes a provar as delícias que o sistema prisional brasileiro reserva para gente bem relacionada.

Ao dar-se conta de que o barco abria água, o esperto cidadão escapou para a Itália, na certeza de que estaria definitivamente a salvo. Pensando bem, talvez a possibilidade de o fugitivo não voltar a pôr os pés em território nacional fosse interessante para outros envolvidos naquele escândalo de roubalheira. Gente ressentida é um perigo: pode até dar com a língua nos dentes.

O confronto com o caso Cesare Battisti tornou-se inevitável. O indulto concedido ao criminoso italiano pelo Lula – num dos atos covardes e constrangedores de seu reinado ruinoso – voltou à tona. Para vergonha de todos nós, voltava à ribalta a desonrosa façanha de nosso aprendiz de tiranete.

Segredo 8Acostumados a ver interesses da nação brasileira desprezados em benefício de interesses particulares de governantes, muitos imaginaram que países civilizados rezassem pela mesma cartilha. Parecia evidente que, em represália contra a indecifrável decisão de nosso guia, a Itália negaria a extradição de Signor Pizzolato. Não foi o que aconteceu.

A Itália «não teve coragem» de dizer não ao Brasil, declarou o advogado do extraditando. Ora, que bobagem. Isso não passa de desculpa de defensor desapontado. A Itália deu uma lição ao Brasil ao mostrar que cada caso é um caso e que atos de retaliação nem sempre combinam com a imagem que países civilizados procuram projetar.

Segredo 5Mas tem mais. A maior lição que o Brasil deve reter é que interesses do governo não devem ser confundidos com interesses do Estado. Governos passam, o Estado permanece. Os interesses do governo são ligados ao bom desempenho eleitoral, à popularidade, à tentativa de agradar. Os interesses do Estado são de longo prazo e vão bem além do espaço de um mandato.

No episódio Pizzolato, o Estado italiano enxergou o que nossos míopes governantes não conseguiram discernir no caso Battisti: um Estado não tem sentimentos – tem interesses. Os ingênuos figurões do Planalto não perceberam que Battisti podia ter sido usado como objeto de escambo com a República Italiana.

Art° 26 da Constituição da República Italiana Suficientemente vaga, deixa aberta a porta para a extradição de nacionais.

Art° 26 da Constituição da República Italiana
Suficientemente vago, deixa aberta a porta para a extradição de nacionais

Tratava-se de excelente ocasião de dizer aos italianos: “Ah, vocês querem o homem? Pois seja. Extraditaremos, mas, em troca, gostaríamos que…” E, nessa hora, recitam-se as condições. Analisa-se em que o Estado italiano pode ser útil ao Estado brasileiro e põem-se as exigências sobre a mesa. É hora de discutir, de negociar, de resolver velhas pendengas.

Escrita 4Broncos, despreparados e presos a uma visão de mundo de adolescente dos anos 60, nossos medalhões não se deram conta de que é assim que o mundo funciona. Ao acolher Battisti, deram vexame. De quebra, o Estado brasileiro não levou vantagem nenhuma.

Como eu disse logo na entrada deste artigo, as tratativas não saíram nem sairão em nenhum jornal. Mas tudo indica que negociações devem ter ocorrido. Não se sabe quais terão sido as concessões, mas alguma vantagem estratégica ou comercial Roma há de ter conseguido. Senão, como explicar o raríssimo fato de extraditarem um de seus cidadãos?

Estratégia arriscada

José Horta Manzano

Pizzolato, o integrante da gangue do mensalão que fugiu para a Itália, continua na ordem do dia. Não tanto pelo que diz, mas pelo que dizem sobre ele.

Assalto 4O ex-diretor do Banco do Brasil é um moderno Ronald Biggs sem a sorte do renomado predecessor. Para quem se esqueceu, o inglês Biggs participou do «Great Train Robbery of 1963», assalto a um trem repleto de dinheiro. Foi preso, escapou da cadeia, deu volta ao mundo e acabou pousando sua trouxa no Brasil. Fez filho, casou-se, viveu no Rio de Janeiro 40 anos sem ser incomodado. O dinheiro, fruto do assalto, nunca foi encontrado.

Pois o antigo sindicalista Pizzolato – aquele que chegou, sabe-se lá como, à alta cúpula do Banco do Brasil – não foi tão sortudo. Fez o papelão de fugir e abandonar às feras os cúmplices, ato pra lá de malvisto no submundo do crime. Os traídos não se esquecerão.

Apanhado, o fugitivo cumpriu quase um ano de prisão fechada na Itália. Se se tivesse entregado à PF brasileira, não teria permanecido preso por mais tempo que isso. Já estaria, hoje, solto e senhor de seus passos.

A desastrada fuga espichou seu tormento. O homem está agora diante de um dilema. Se for extraditado, irá direto para a Papuda, onde periga apodrecer por bom tempo. Assim como virou as costas aos comparsas, por eles há de ser abandonado. Se, no entanto, Roma resolver guardá-lo, não será muito melhor: como Cacciola, ficará inscrito na lista da Interpol. Não poderá pôr os pés fora da Itália, sob risco de ser apanhado e despachado para Brasília. Tão cedo não usufruirá as delícias do clima da Costa del Sol, pros lados de Málaga (Espanha), onde adquiriu três apartamentos em condomínio de alto luxo.

Assalto 3Leio hoje na Folha que a estratégia dos advogados que defendem os interesses do Estado brasileiro será de acusar signor Pizzolato de ser «italiano por conveniência». Dirão que o extraditando «só se lembrou da cidadania italiana na hora da necessidade». É estratégia arriscada que mostra pouca familiaridade com a visão europeia do tema da nacionalidade.

Italia PisaOlhos italianos enxergam a situação por outro prisma. Veem signor Pizzolato como um italiano que recebeu de graça a nacionalidade brasileira pelo simples fato de ter nascido em solo tupiniquim. O Brasil é, de fato, um dos raros países que concedem automaticamente a cidadania aos que vêm à luz em seu território. No conceito peninsular, signor Pizzolato nasceu italiano, continua italiano e italiano sempre será. Punto e basta.

Não sei quem terá sugerido a estratégia, mas ela é mais que ousada – é temerária. Periga ferir sensibilidades. A meu ver, diminui as chances de o Estado brasileiro conseguir obter a extradição do condenado.

Pensando bem… talvez seja exatamente esse o objetivo, cáspite! Um Pizzolato longe do Brasil não poderá ser preso, nem interrogado, nem convocado. Jamais poderá – sai, demônio! – fazer delação premiada. Repatriado, periga lançar lenha à fogueira. Melhor que por lá fique, não é companheiros?

La legge è uguale per tutti

José Horta Manzano

As aventuras de Signor Pizzolato renderiam um bom romance de suspense com toques de surrealismo. Quem sabe até, um dia, as peripécias serão levadas à tela.

Tribunal 5Que é esse senhor? Ora, falo daquele mensaleiro que, usurpando a identidade de um parente já falecido, fugiu para a Itália para escapar à punição. Imaginando-se mais esperto que o resto da gangue, virou as costas para os demais, desertou na calada e se foi para o que imaginava fosse porto seguro.

Deu-se mal. Caçado, foi encontrado e encarcerado. Trancaram-no em regime fechado mais tempo que os comparsas instalados na Papuda. Durante esse tempo, comeu menos feijão, mas macarrão não lhe há de ter faltado.

Num primeiro momento, a justiça italiana negou a extradição solicitada pelo Brasil, em decisão que desagradou a promotoria e o governo brasileiro. Entraram ambos com recurso, que acaba de ser julgado. A corte suprema de Roma, em decisão definitiva, cassou a decisão das instâncias inferiores. Estatuiu que o réu é passível de extradição.

Tribunal 6Exatamente como no Brasil, o decreto de reexpedição do condenado tem de ser assinado pelo chefe do governo – que pode, em teoria, graciar o extraditando. Pessoalmente, acredito que signor Matteo Renzi, o primeiro-ministro, não se oporá à decisão do tribunal maior.

A parte surrealista vem embutida no relato do embate entre a promotoria e os defensores do réu. Pizzolato alegou que escapara do Brasil para «salvar a vida». Sabemos todos que seus parceiros não só foram bem tratados na prisão, como também transformaram o cárcere em sala de visitas e em balcão de negócios.

Justiça 5Para reforçar o irrealismo, numa confissão espontânea da injustiça social que impera no País, as autoridades brasileiras garantiram que o condenado «receberá tratamento melhor que os demais presos».

Tem mais. Diante dos juízes da corte de Roma, os advogados contratados pelo Brasil afirmaram que, como os companheiros condenados no mensalão, Pizzolato «fará parte de uma categoria de presos aos quais está assegurado o total respeito da lei e de seu conforto».

A conclusão se impõe: no Brasil, nem todos os presos têm direito ao respeito nem acesso a condições de conforto. A estratificação socioeconômica não se extingue à porta da penitenciária.

Interligne 18bPS1:
Todo tribunal italiano assegura, em letras garrafais afixadas à vista de todos, que «La legge è uguale per tutti» – a lei é igual para todos.

PS2:
Recomendo aos distintos leitores dar uma espiada em meu artigo Vamos jogar golfe? É boca livre. Foi postado um ano atrás e trata das peripécias de signor Pizzolato.

Mau negócio

José Horta Manzano

E o Pizzolato, hein? Alguém se lembra dele? É aquele condenado no processo do Mensalão que, julgando-se mais esperto que os outros, escapou do país com passaporte forjado ― emitido em nome de um parente morto havia décadas.

Sentenciado a quase treze anos no xilindró, valeu-se da dupla cidadania ítalo-brasileira e correu para a pátria-mãe. Por certo, imaginou ser acolhido de braços abertos, como bom filho que a casa torna.

Prisioneiro 3Enganou-se. Apanhado pela polícia peninsular, está encarcerado em regime fechado há quase seis meses, longe de parentes e amigos, sem perspectiva de sair tão já. Protocolarmente, o governo brasileiro requereu sua extradição, mas não se tem notícia de que haja profundo empenho em trazê-lo de volta tão cedo.

Na verdade, a presença em território nacional de um provável detentor de detalhes incômodos poderia ser embaraçosa para antigos companheiros. No Brasil, como se sabe, todos dão entrevista, desde presidente e juíz até traficante, arruaceiro e prisioneiro. Já pensou se o homem, ressentido, dá com a língua nos dentes e revela tenebrosas transações? Quanto mais tarde voltar, melhor.

O cidadão binacional fez mau negócio. Enquanto seus companheiros de infortúnio já tiveram suas multas quitadas e estão a caminho da liberdade, signor Pizzolato ainda pode bem amargar longos meses de cadeia italiana. Anos até. E sem os privilégios da Papuda.

Interligne 18b

Obs: Artigo da Folha de São Paulo deste 31 de julho informa que ― será coincidência? ― os petistas condenados no Mensalão foram os primeiros a quitar sua dívida para com a Fazenda Nacional. Já o fugitivo ausente do território ainda carrega o peso da multa estipulada no ato condenatório.

Vamos jogar golfe? É boca-livre

José Horta Manzano0-Sigismeno 1

Sigismeno veio ter comigo hoje. Parecia indignado. Brandia um jornal dobrado na mão direita e, com ele, batia na palma da mão esquerda, balançando a cabeça e repetindo: «Como é que pode? Como é que pode?».

Pizzolato deixa Tribunal de Bolonha num camburão Imagem Mario Camera, FolhaPress Clique na imagem para ler reportagem

Pizzolato deixa Tribunal de Bolonha num camburão
Imagem Mario Camera, FolhaPress
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«Pode o que, Sigismeno?» ― atalhei ― «por que é que você está nesse estado?»

«Ora, pois é de novo o Pizzolato, aquele que, pra escapar da cadeia, se fez passar por um parente morto, se escondeu na Itália, mas… acabou inquilino de um presídio. E em regime fechado. Imagine você que eu estava lendo a Folha (de São Paulo) e dei de cara com uma reportagem estonteante.»

«E de onde vem essa tontura toda, Sigismeno?», perguntei.

Pizzolato e o Lula (antes dos apês na Costa del Sol)

Pizzolato e o Lula
(antes dos apês na Costa del Sol)

«É o seguinte: o repórter conta que, antes de ser preso, o fugitivo cometeu o desplante de comprar propriedades de luxo na Espanha. Não foi um, mas três apartamentos num condomínio de altíssimo padrão, colados ao campo de golfe de Torrequebrada, no município de Benalmádena, Província de Málaga. Lá na Costa del Sol, sul da Espanha.» E meu amigo escandiu: «Um-dois-três apês! Coisa de milhões!».

«Ué, Sigismeno, e cada um não tem direito de gastar seu dinheiro como quiser? O fato de o homem ter sido condenado não lhe tolhe o direito que todo cidadão tem de dispor de seus bens como lhe aprouver. Não lhe parece?»

«Olhe aqui, sô» ― e ele me pareceu enfurecido ao iniciar a frase ―, «gastar o dinheiro dele é uma coisa, gastar o dinheiro nosso é outra completamente diferente. O gajo foi condenado por ter desviado milhões que não lhe pertenciam. Onde foi parar essa dinheirama toda? Ninguém esclareceu até hoje».

Campo de golfe de Torrequebrada, Costa del Sol Altíssimo padrão com vista para o Mediterrâneo Imagem google Clique para ler reportagem

Campo de golfe de Torrequebrada, Costa del Sol
Altíssimo padrão com vista para o Mediterrâneo
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«E você estaria insinuando que o dinheiro dos apartamentos…» ― hesitei em terminar a frase. Sigismeno nem me deu tempo.

«Insinuando? Mas me parece uma evidência! Por mais que um salário de diretor do Banco do Brasil seja confortável, não é suficiente para comprar imóveis de luxo numa das regiões costeiras mais badaladas da Europa».

«Bom, Sigismeno, vamos admitir que as coisas sejam como você diz. Como é que fica, então? Que é que você e eu, reles cidadãos, podemos fazer?»

Campo de golfe de Torrequebrada, Benalmádena Málaga, Costa del Sol, Espanha Imagem google Clique para ler reportagem

Campo de golfe de Torrequebrada, Benalmádena
Málaga, Costa del Sol, Espanha
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«Ora, meu caro, a partir do momento em que a mutreta foi publicada num dos grandes jornais do País, é praticamente como se tivesse saído no Diário Oficial: ninguém mais pode dizer que não sabia. O Ministério Público ― ou quem de direito, não sou especialista no assunto ― tem de ir até o fundo da história. Se o repórter botou o dedo na ferida e denunciou, cai supermal que a Justiça brasileira não dê sequência à investigação. Seria confessar ao planeta que continuamos sendo uma republiqueta de bananas.»

«Ah, Sigismeno, acho que você pode estar tranquilo. Nossa Justiça tarda mas não falha. Sempre funcionou. Sossegue, homem!»

«Funcionou, funcionou» ― resmundou Sigismeno ― «funcionou aos trancos. É como carro velho: pra dar partida, tem de empurrar.»

Epílogo
O empurrão está dado. Vamos ver agora se polícia e Justiça fazem o que se espera delas. A ser verdade que essas propriedades são fruto de apropriação indébita, têm de ser confiscadas e devolvidas ao legítimo dono. Vamos ver como o caso evolui. O povo brasileiro tem muita facilidade para esquecer, mas Sigismeno grava essas coisas num excelente disco rígido incorporado. Se facilitar, qualquer dia destes ele volta ao assunto.

O aprendizado 2

A plataforma esqueceu de avisar, mas eu me encarrego. Tem artigo novo. O caminho é este aqui.

O aprendizado

José Horta Manzano

Signor Pizzolato pisou… na bola. Deu a confirmação de que o uso do cachimbo faz a boca torta. Acostumado com a impunidade, descuidou-se. Além disso, imaginou que a cidadania italiana lhe fornecia uma redoma protetora.

Na quase certeza de que o imbróglio do mensalão terminaria em torno de uma pizza regada a chianti, esperou até o último momento. Cometeu erros primários e preparou mal sua rota de fuga.

Aqui vão 10 conselhos para candidatos a escapar da Justiça. Para signor Pizzolato, já é tarde. Mas, sabe-se lá, pode até servir para outros.

Interligne vertical 81) O mundo encolheu. Não há mais espaço para aventuras do tipo daquela protagonizada por Ronald Biggs ― o assaltante do trem pagador. Big Brother is watching you everywhere, o Grande Irmão está de olho em você por toda parte.

2) Um passaporte estrangeiro não é garantia automática de proteção. Especialmente quando emitido por país civilizado.

3) Se a Justiça está aí para julgar, a polícia está aí para prender. É sua função. E policiais não apreciam passar por bobos. Não zombe deles, que a corda pode arrebentar do seu lado.

4) Não dê publicidade à sua fuga. Não deixe indícios, não faça nenhuma confidência, não contrate advogado, não nomeie porta-voz. Desapareça e pronto. Cabe aos outros cogitar. Quanto a você, boca calada.

5) Esqueça certas invenções da vida moderna: telefone, celular, email, facebook. Para se comunicar com aquelas duas ou três pessoas com quem mantém contacto esporádico, utilize o correio, mande recado ou escolha uma «caixa postal», quero dizer, um esconderijo discreto onde você pode deixar mensagem escrita que será recolhida mais tarde por um cúmplice.

6) Não leve sua esposa. Nem deixe que ela saiba onde você se esconde. Tenha em mente que seus familiares certamente serão vigiados e seguidos. São eles o elo fraco da corrente. Evite todo contacto com a família durante alguns anos. Deixe que a situação esfrie. É o preço a pagar, meu caro, não há outro meio. “On ne peut pas avoir le beurre et l’argent du beurre”, não se pode ter a manteiga e o dinheiro da manteiga.

7) Nem por sonho abra conta em banco. Nem em pesadelo utilize cartão de crédito. Nem por delírio envie ou receba dinheiro por via bancária.

8) Não escolha como residência a casa de um parente. (Ô, signor Pizzolato, francamente!) Passe longe de todos os que conheceu antes. Se cruzar um deles na rua, finja que não viu.

9) Resida numa cidade grande. No caso do antigo diretor do BB, Milão ou Roma teriam sido mais indicadas. Fincar pé num vilarejo? Que cochilo!

10) Escolha um prédio grande para morar, com muitos andares e muitos apartamentos. No meio da multidão, você passará despercebido.

Conheço brasileiros que vivem clandestinamente na Europa há duas décadas. Seguiram os princípios básicos e nunca foram importunados pela polícia. Bem, a honestidade me obriga a dizer que nenhum deles está na lista da Interpol.

Signor Pizzolato foi confiado demais. Acreditou em promessas de solidariedade de companheiros, que lhe garantiram apoio até a última gota de sangue. Balela. Quem imaginaria que tudo houvesse de terminar num salve-se quem puder?

No Brasil, a tramitação do processo se arrastou por 7 anos, sem que fosse determinada a prisão preventiva de nenhum acusado. Na Itália, uma vez desmascarado, em meia hora signor Pizzolato foi mandado pra trás das grades da cadeia mais próxima.Interligne 18e

Mas não sejamos severos demais. É compreensível que signor Pizzolato tenha tentado escapar. O próprio Ron Biggs ― aquele do trem pagador ―, depois de passar décadas em Pindorama, pensou melhor e chegou à conclusão de que mais valia viver preso na Inglaterra do que solto no Brasil. Entregou-se.

Pra você ver.
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Abaixo estão alguns recortes da imprensa italiana. A expressão «tangentopoli» foi inventada por jornalistas para designar uma sequência de escândalos financeiros ocorridos faz alguns anos no país. É um bom equivalente italiano para nosso “mensalão”.

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Em Pozza di Maranello, veja como foi capturado o fugitivo brasileiro

Em Pozza di Maranello, veja como foi capturado o fugitivo brasileiro

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Preso banqueiro integrante do "mensalao" brasileiro

Preso banqueiro integrante do “mensalao” brasileiro

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Preso Pizzolato: o banqueiro brasileiro estava escondido em Portovenere

Preso Pizzolato: o banqueiro brasileiro estava escondido em Portovenere

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Integrante do mensalão do Brasil de Lula, Pizzolato foi preso em Maranello

Integrante do mensalão do Brasil de Lula, Pizzolato foi preso em Maranello

Quem tem telhado de vidro…

José Horta Manzano

Anos atrás, quando autoridades italianas indicaram à PF que um certo Signor Battisti, foragido da Justiça daquele país, se encontrava vivendo ilegalmente no Brasil, nossa polícia não perdeu tempo: surpreendeu o indivíduo no Rio de Janeiro e o conduziu algemado a Brasília. Naquele momento, ninguém sabia, mas a ação espetaculosa não era mais que a primeira página de uma interminável novela. A lenga-lenga, recheada de altos e baixos, durou vários anos, envolveu advogados, parlamentares, a PF, o Ministério da Justiça, o STF, a presidência da República. Ninguém pode afirmar que tenhamos chegado ao ponto final. Não é impossível que o epílogo ainda esteja por escrever.

Tarso Genro, governador do RS by Marco Aurélio, desenhista gaúcho

Tarso Genro, governador do RS
by Marco Aurélio, desenhista gaúcho

Saíram todos chamuscados daquele execrável episódio. O prisioneiro, depois de viver encarcerado durante anos, em meio a incertezas, está marcado para o resto da vida ― onde quer que vá, será reconhecido e olhado com certa reserva. O ministro da Justiça da época, ao conceder asilo ao foragido, foi forçado a alegar que desconfiava da Justiça italiana, numa atitude arrogante que pegou muito mal. O STF, que empurrou a decisão final para a presidência da República, desagradou a muita gente. A decisão do presidente da República ― tornada pública no apagar das luzes do mandato ― que confirmou o asilo ao estrangeiro ornou a novela com fecho de ouro. As autoridades italianas devem ter saído enfurecidas, o que é compreensível.

Os anos passaram e o mundo girou. O processo do mensalão está chegando ao fim e cada condenado executa a pirueta que lhe parece mais conveniente. Uns dizem que não têm nada que ver com a história, que estavam de passagem. Outros alegam que foram julgados pela imprensa ― como se o julgamento não tivesse sido público e transmitido ao vivo por rádios e tevês. Há até guerrilheiros que, embora tenham empunhado armas e participado de guerrilha na selva, hoje derramam lágrimas que destoam da bravura que outrora exibiam.

by Dalcio Machado, desenhista paulista

by Dalcio Machado, desenhista paulista

Um dos condenados, talvez mais realista que os demais, não acreditou em Papai Noel. Perspicaz, deu-se conta, bem antes dos outros, de que o desfecho poderia não ocorrer em meio a gargalhadas em volta de uma pizza. Preparou minuciosamente sua fuga do País. Não está claro se Signor Pizzolato solicitou emissão de seu passaporte italiano antes do escândalo do mensalão. Pouco importa. O que importa é que, aos olhos da Itália, ele é um cidadão do país peninsular igual a todos os outros. Todo Estado civilizado costuma zelar por seus súditos.

Algum tempo atrás, as autoridades judiciais brasileiras exigiram, como medida de precaução, que todos os réus da Ação Penal 470 consignassem seu passaporte. Signor Pizzolato fez mais que os outros: entregou dois, o brasileiro e o italiano. Fechadas, como de costume, sobre si mesmas e pouco afeitas a práticas internacionais, as autoridades de Brasília foram dormir tranquilas. Um homem sem passaporte não pode viajar, devem ter pensado.

Se o olhar de nossas sumidades fosse um pouco além de seu próprio umbigo, saberiam que um cidadão estrangeiro cujo passaporte tiver sido confiscado pode solicitar um novo, desde que não esteja sendo procurado pela polícia de seu próprio país. Era exatamente o caso de Signor Pizzolato. Bastou-lhe comparecer a um consulado italiano e requerer um novo passaporte.

Alberto Alpino, desenhista capixaba

by Alberto Alpino, desenhista capixaba

Imaginam muitos que o fujão tenha passado por peripécias semelhantes às do senador boliviano que viajou clandestinamente de La Paz até o Mato Grosso. Pois eu não vejo a coisa assim. Não tenho como provar, mas tudo me diz que, ao deixar definitivamente sua cobertura em Copacabana, o réu fugido já levava no bolso o documento que lhe permitiria viajar para onde quisesse. Atravessar a fronteira entre o Brasil e qualquer um de seus vizinhos é moleza. Em numerosas cidades de fronteira, no Rio Grande por exemplo, a divisa entre dois países é representada por uma avenida. Atravessada a rua, é fácil chegar a Buenos Aires, de onde partem diariamente voos para Roma e para Milão. Elementar, meu caro Watson.

Agora é que chega a hora de a porca torcer o rabinho. A malandragem demonstrada pelo Planalto no caso Battisti ainda é muito recente. Os personagens estão vivos e na ativa, todos se lembram. Esperar grande empenho por parte de Roma é ilusão. O fato de o Brasil dar guarida a um condenado por envolvimento em quatro assassinatos pegou muito, muito mal na Itália. Será praticamente impossível reaver o cidadão italiano Pizzolato, cuja ficha, em terra itálica, está limpa.

Os italianos, que residam na Itália ou no estrangeiro, estão inscritos no registro do município onde vivem ou ao qual estão ligados. Esse banco de dados leva o nome de anágrafe. As autoridades italianas sabem perfeitamente onde vive Signor Pizzolato. Daí a transmitir a informação às autoridades de Brasília são outros quinhentos. Quem tem telhado de vidro…

É verdade, mesmo!

José Horta Manzano

A Interpol acaba de incluir em seu seleto rol de procurados o Signor Henrique Pizzolato, antigo diretor do Banco do Brasil, condenado a quase 13 anos de reclusão no processo do mensalão.

O homem foi diretor do Banco do Brasil, minha gente! O banco mais antigo do País, aquele que abriu as portas em 1809, por vontade de Dom João VI. Justamente aquele que estampa, na versão inglesa de seu site, o lema «A history of trust» ― uma História de confiança. Quanta ironia…

Wanted! ― Henrique Pizzolato ― Wanted!

Wanted! ― Henrique Pizzolato ― Wanted!

Por enquanto, pelo menos, o cavalheiro fugido escapa da Papuda. Tranquilo, vai poder usufruir da parte que lhe coube do butim surrupiado do suado povo brasileiro. Tranquilo? Tenho lá minhas dúvidas.

Não deve ter sido fácil escolher entre passar algum tempo eclipsado numa cela brasileira padrão cinco estrelas, ao abrigo de olhares indiscretos, e passar o resto da vida se esgueirando rente aos muros italianos e desconfiando da própria sombra. O Signor Pizzolato fez sua escolha. Ganhou, com isso, o raro privilégio de ter nome, idade e foto difundidos pela polícia internacional. Wanted! É glória reservada a um punhado de gente fina.

Lembrei-me de um detalhe pitoresco. Há de ser mera coincidência, mas vale a pena mencionar. Uma das tradicionais atividades da mafia siciliana é o achaque de pequenos comerciantes. Os pequeninos são coagidos a pagar aos criminosos uma «taxa de proteção». Caso se recusem, as represálias podem chegar à destruição do comércio ou até pior que isso. Em terras sicilianas, o montante extorquido leva o curioso nome de «pizzo».

A desonestidade já é terrível defeito. Mas a defecção ― uma traição perpetrada contra seus próprios comparsas ― é ainda mais tremenda. Shame on Signor Pizzolato. Vergogna!

A coisa vai, a coisa vem

José Horta Manzano

Botaram na cadeia os condenados no processo do mensalão. Sobrou castigo exemplar para todos. É verdade que nossa tradicional mansidão para com os poderosos continua valendo: os que têm condições de contratar os melhores advogados terão seu castigo bastante atenuado ― regime aberto, regime semiaberto, progressão de pena, indulto, regalias diversas.

Sabemos que nenhum dos encarcerados terá de engolir a gororoba infecta que seus coinquilinos de presídio costumam ingerir. Gente fina é outra coisa, que diabos! Os mensaleiros todos têm fortuna suficiente para encomendar em boas rôtisseries as iguarias que lhes apetecerem.

À diferença do que ocorre em países mais civilizados e mais igualitários, nossas lenientes regras mantêm a distinção de classes sociais até dentro da cadeia. Há os que podem (pagar) e os que não podem, exatamente como ocorre do lado de cá. O fato de transpor o portão do xadrez não anula a diferença entre a zelite e o povão.

Pouco importa. O que vale é o símbolo. Que permaneçam enjaulados 6 meses ou 20 anos pouca diferença faz. A imagem forte é a da prisão. A mensagem vigorosa é a de que mesmo aqueles que podem muito não podem tudo. O resto é blá-blá-blá.

No entanto… faltou um. Aposto que sei em quem você está pensando. Não, não é desse que quero falar. Aliás, o Ministério Público nem tinha incluído esse em quem você pensou entre os réus do processo.

O que faltou foi um antigo presidente do Banco do Brasil, um tal Signor Pizzolato. Condenado a quase 13 anos de cadeia, o homem foi mais discreto e mais matreiro que os outros espertinhos. Enquanto outros medalhões vociferavam, clamavam inocência, davam entrevista, juravam que estavam sendo vítimas de um processo medieval, nosso homem fez o que nenhum dos outros ousou: fugiu, escafedeu-se. Sobre isso, tenho algumas considerações a fazer.

Crédito: Oscarmundongo.blogspot.com

Crédito: Oscarmundongo.blogspot.com

Monitoramento prévio
A Polícia Federal alega que não tinha autorização de monitorar o condenado, dado que a ordem de prisão não havia sido expedida. Balela. Quando chega a ordem de prisão, não se monitora: executa-se. Para monitorar, vigiar, guardar um olho em cima de possíveis fujões, não faz falta mandado de prisão. O Brasil, que se acredita estar entre as maiores economias do planeta, deveria ter recursos suficientes para controlar discretamente dez ou vinte condenados susceptíveis de escapar às malhas da justiça. Errou quem tinha o poder de implementar essa vigilância e não o fez.

Para a Itália
O governo brasileiro deve levantar as mãos ao céu e agradecer pelo fato de o fugitivo ser detentor de um passaporte italiano. Como a brasileira, a legislação italiana não permite a extradição de um nacional. Dado que Signor Pizzolato é italiano, a questão não entra em cogitação. Digo que Brasília deve estar aliviada porque:

1) Se a Itália concedesse extradição, as autoridades brasileiras entrariam numa saia justa. Com isso, a Itália estaria mostrando como uma nação civilizada deve agir ― provaria que o país peninsular não é valhacouto de foragidos da Justiça. Para o Brasil, que acolheu o condenado italiano Battisti, seria uma verdadeira lição, um tapa com luva de pelica.

2) Caso a Itália não concedesse a extradição, as autoridades brasileiras entrariam na mesma saia justa. Ao negar a extradição, a Itália estaria dando ao Brasil o troco na mesma moeda. Não nos devolveram nosso bandido Battisti, não é? Pois não lhes devolveremos seu bandido Pizzolato. E ficam elas por elas. A coisa vai, a coisa vem.

Só na Itália
Memento Cacciola! Signor Pizzolato, que ora deve aparecer na lista da Interpol, só estará a salvo enquanto permanecer em solo italiano. É situação que lembra o caso Maluf. Se Pizzolato tiver a má ideia de pôr um pé fora do território da península, estará correndo risco de ser preso em qualquer esquina. E entregue às autoridades brasileiras. Dizem as más línguas que o antigo diretor do BB amealhou considerável fortuna. A Itália é um lindo país, mas, quando se tem no banco um pé de meia confortável, às vezes dá uma imensa vontade de mudar de ares…

Se o governo brasileiro for esperto e quiser que, de fato, justiça se faça, deve pedir a colaboração dos italianos para controlar discretamente cada gesto do fugitivo. Dia mais, dia menos, ele vai dar um passo em falso. E ganhará passagem grátis de ida simples para a Papuda. Quem viver verá.