Os estreantes

Chamada da Folha de São Paulo

José Horta Manzano

Em desastrada declaração feita nos anos 1970, Pelé – nossa glória nacional – afirmou que “brasileiro não sabe votar”. De lá pra cá, a fala do camisa 10 é volta e meia citada.

As eleições de 2020 deixaram a impressão de que Pelé estava totalmente enganado. Dois anos atrás, candidatos ligados ao bolsonarismo sofreram forte derrota. Parecia até que os brasileiros tinham aprendido a votar e que o pesadelo estava chegando ao fim.

Passaram-se dois anos e chegaram as eleições de 2022. Para a Presidência, no primeiro turno, apenas 33% do eleitorado votou no capitão, o que mostrou estabilidade ou até queda em sua aprovação.

No turno inicial, ele teve muito menos votos que em 2018, quando tinha alcançado a marca de 46% do eleitorado. Isso mostra que, apesar de barulhentos e arruaceiros, os bolsonaristas não representam hoje mais que 1 em cada 3 eleitores. Até aqui, tudo dominado.

O problema surge quando se lê uma notícia como essa que a Folha publicou:


40% dos estreantes na Câmara foram alvo de ação ou investigação


De cada dez estreantes, quatro não chegam envoltos em perfume de santidade. As suspeitas que pesam sobre eles variam entre calúnia, mau uso de recursos públicos, estelionato e homicídio.

E olhe que são estreantes, iniciantes, calouros! Dá pra imaginar como estarão daqui a alguns meses, quando estiverem formados, treinados, com diploma de parlamentares experientes?

João Baptista Figueiredo, último presidente do período militar, era mestre em declarações bruscas, pesadas, ofensivas, um nobre precursor do estilo bolsonárico. Como o atual presidente, não escondia o imenso desprezo que sentia pelo povo. Entre outras barbaridades, disse um dia, referindo-se aos brasileiros: “povo que não sabe nem escovar os dentes não está preparado para votar”.

Se, por milagre da física quântica, Figueiredo se levantasse da tumba e lesse a chamada estampada no alto deste artigo, era capaz de dizer: “Eu não falei?”.

Rodeios

José Horta Manzano

Às vezes é complicado abordar um assunto. Nessas horas, a gente dá voltas, enrola, tergiversa, rodeia, fica sem jeito e não encontra coragem. O tempo passa e o que tinha de ser feito vai ficando cada dia mais difícil. É o que está ocorrendo há mais de ano na política brasileira.

Logo que assumiu a Presidência, Jair Bolsonaro começou a dar sinais inquietantes de que não era o funcionário certo no cargo certo. Sua adoração por Trump, a história da mudança da embaixada em Israel, a ofensa à mulher de Macron acenderam luz amarela. “Será que esse homem bate bem da bola?” – era a pergunta que corria por becos e ladeiras.

A pergunta continua no ar, sem resposta definitiva. Será um bobão amalucado ou simplesmente um ignorante mal-intencionado? Saberemos um dia com certeza. O que, desde já, sabemos é que a prova de fogo da pandemia foi um revelador que desnudou o rei. O atual presidente não está capacitado pra exercer o cargo. Sua troca é mais que urgente. Só não enxerga quem não quer.

Os poderosos do andar de cima, no entanto, têm-se mostrado incapazes de atacar o problema. Rodeiam, rodeiam e sempre atiram para os lados sem mirar o centro. Faz tempo que estão nesse “faz que vai, mas não vai”. Parece que têm medo do tigre de papel.

Em vez de pressionar o presidente da Câmara para instaurar logo um processo de impeachment, instalaram uma CPI. Convocam gregos e troianos, gente fina e gente à toa, bem-intencionados e mentirosos. Mandaram que um determinado indivíduo seja trazido à força diante do comitê. Sabem todos perfeitamente que o nome do mal é um só: Jair Bolsonaro. Mas evitam atacá-lo de frente.

Será que todos têm medo de melindrar o capitão? Eleitoralmente, terá muito a ganhar quem se dispuser abertamente a desalojá-lo do pedestal. Essa atitude de “rabo no meio das pernas” não é produtiva. Num dos momentos mais dolorosos de sua história, não é disso que o Brasil precisa. Francamente.

Tuíte – 6

José Horta Manzano

Artigo da Folha de São Paulo, 17 abril 2020

Doutor Bolsonaro continua a dar provas de persistente déficit de inteligência. Não falha um dia. Acaba de acusar o presidente da Câmara de conspiração. Culpa doutor Maia de desempenhar mal suas funções e também de tramar a deposição do presidente da República. Bolsonaro esquece que é justamente o presidente da Câmara que tem a prerrogativa de decidir se dá ou não sequência a um processo de impeachment. O mandato de Maia vai até janeiro de 2021, e numerosos pedidos de impeachment já se empilham na caixa de entrada.

De municípios

José Horta Manzano

Você sabia?

No Brasil, é comum os termos município e cidade aparecerem como sinônimos. Em outras partes do mundo, essa equiparação nem sempre pode ser feita. Dependendo do país, o conceito de cidade varia.

Na Suíça, a lei é clara: um povoado passa a ser chamado de cidade (=ville) a partir do momento em que sua população atinge 10 mil pessoas. Abaixo disso, é village, que se pode traduzir por vilarejo ou cidadezinha. (Em Portugal, dizem aldeia.)

Na Bélgica, no Canadá e no Reino Unido, a denominação de cidade é honraria concedida pelo poder central. O número de habitantes pouco importa. Por aquelas bandas, ainda vigora o sistema do Brasil colonial. Todos nós já aprendemos algum dia, na aula de História, que tal localidade foi elevada a vila ou elevada à categoria de vila por real decreto chegado direto de Lisboa.

Na Algéria, o critério é o número de habitantes, como na Suíça. Naquele país, aglomerados de mais de 20 mil pessoas têm direito à denominação de cidade. No Reino Unido, ainda vale a antiga tradição ibérica, a mesma do Brasil de antigamente. Não é cidade quem quer. Para ostentar o título de city, o município tem de ter obtido do monarca uma letter patent. É honraria concedida com parcimônia. As mais antigas datam da Idade Média. As mais recentes foram outorgadas por Elisabeth II por ocasião de seu jubileu de diamante, em 2012. Assim mesmo, somente 51 municípios ingleses têm direito ao título de cidade.

Nos Estados Unidos, como no Brasil atual, não há esse rigor na atribuição de estatuto a vilas, vilarejos e cidades. Fica a cargo do bom senso. De um povoado de 500 habitantes, não se dirá que é uma city. Mas ninguém cairá da cadeira se você chamar town ou city um aglomerado de 50 mil viventes. Fica, assim, ao gosto do freguês.

Na França – ah! o país das regulamentações rigorosas – a lei não deixa margem a dúvida. O INSEE (Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos), o IBGE francês, ditou norma clara e precisa: um município deixa de ser chamado vilarejo (=village) e passa à categoria de cidade (=ville) quando a população ultrapassa 2000 habitantes. Mas há uma segunda condição: a zona habitada tem de ser contínua. As casas não podem estar distantes umas das outras mais de 200 metros. Se houver quebra na continuidade, cai por terra o direito ao título de cidade. A sede do município será chamada de vilarejo (=village) e cada pequeno povoado isolado, embora dentro do mesmo município, será conhecido como hameau(*) (= povoado, arraial).

No Brasil, desde que foi votada a Constituição de 1988, políticos enxergaram vantagens e oportunidades de negócios na criação de municípios. Vantagens para eles, naturalmente. Volta e meia vem algum grupo de políticos pregar desmembramento de municípios. Em vez de um só, acham mais vantajoso que haja dois ou três. É iniciativa pra lá de discutível. No entanto, toda vez que se aproximam eleições, esse tipo de «bondade» volta ao noticiário. Às vezes, pega.

Na Europa, assiste-se a um movimento inverso. Na França há hoje 1500 municípios a menos do que em 1920. E isso não é resultado de eventuais territórios perdidos em guerras. É produto da junção voluntária de pequenas comunidades. Os cidadãos, mais instruídos, fazem as contas e, deixando pra lá rivalidades locais, chegam à conclusão de que o aumento da arrecadação e as economias de gestão compensam amplamente a perda de autonomia.

Não precisa ser nenhum gênio financeiro para se dar conta de que dois prefeitos custam mais que um. Duas câmaras, dois conjuntos de vereadores, duas estruturas de arrecadação de impostos municipais ― essa duplicidade vai ter de ser sustentada. E o dinheiro tem de sair do bolso de alguém. No final, quem acaba pagando é o próprio povo. A população do País é chamada a contribuir para o favorecimento de grupos políticos amigos do rei.

A atitude dos mandachuvas brasileiros continua igualzinha à do Brasil colônia. Lugarejos continuam a ser elevados a vila, exatamente como na Idade Média. Nossos políticos têm dificuldade para se dar conta de que o povo já não é tão alienado como naquele tempo de trevas. Ou é?

(*) O francês hameau é termo de origem germânica. Descende da mesma raíz que deu ham em inglês, hem em neerlandês e heim em alemão e norueguês. Birmingham e Tottenham (Reino Unido), Arnhem (Holanda), Mannheim (Alemanha), Trondheim (Noruega) são todos primos. Em inglês, o diminutivo de ham é… hamlet. Lembra alguém, não?

Publicado originalmente em 17 jun° 2013.

Recidivista

José Horta Manzano

A alemã Ursula von der Leyen, de 60 anos, foi recentemente eleita presidente da Comissão Europeia, cargo máximo da governança da União Europeia. A tomada de posse está prevista para novembro. Perfeitamente bilíngue alemão-francês, Frau von der Leyen fala também inglês fluentemente. O conhecimento perfeito de duas ou três das principais línguas europeias é imprescindível para os pretendentes a altos cargos.

No passado, ela já ocupou postos importantes no governo alemão. Foi, sucessivamente, ministra da Família, ministra do Trabalho e ministra da Defesa. Quando jovem, diplomou-se em Ciências Econômicas na Alemanha e fez cursos de aperfeiçoamento na London School of Economics. Além disso, é doutora em Medicina, com tese defendida perante banca na Universidade de Hanover. Como se vê, a moça é dona de sólido currículo.

Todos os eleitos do Parlamento Europeu têm direito a ajuda de custo para viagens e para alojamento – de fato, alguns vêm de muito longe, como os estonianos ou os portugueses, que têm de viajar mais de 2000 km. A nova presidente dispensou a ajuda em dinheiro, mas pediu que lhe instalassem um alojamento perto do lugar de trabalho. Uma pequena sala de 25m2 do próprio prédio do parlamento está sendo reformada pra servir-lhe de aposento. A presidente residirá, assim, no edifício onde trabalha, a poucos metros de sua sala.

Ursula von der Leyen, a nova presidente da Comissão Europeia

Frau fon der Leyen é recidivista. Por razões de praticidade e de economia, já havia feito a mesma coisa quando ministra na Alemanha. No cargo de presidente da Europa, sua decisão representará economia considerável no quesito proteção à pessoa. Dado que o arranha-céu de Bruxelas onde funciona a Comissão Europeia já é normalmente ultraprotegido, não haverá gasto suplementar pra garantir a segurança da residência da presidente.

Tenho certeza de que nenhum de nossos presidentes – o da República, o do Senado, o da Câmara, o do STF – tinham pensado nisso antes. Fica aqui registrada a sugestão. Agora não poderão mais dizer que não sabiam. Preocupados que estão com preservar o dinheiro do contribuinte, certamente vão estudar a questão com carinho.

A fonte desta curiosa informação é o diário alemão Die Welt.

O curioso caso do vereador suíço

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 27 julho 2019.

Monsieur Patelli, cidadão suíço, é rapaz decidido. Seu caráter por vezes impulsivo costuma pregar-lhe peças. Arrebatado, perde rápido as estribeiras e se deixa subjugar pelo ardor que a juventude lhe concede. Anda pelos vinte e poucos anos, idade em que se acredita ter o poder e a missão de consertar o mundo – crença que leva a dar valor exagerado a causas menores.

Uma tarde de 2014, participou de manifestação de rua em protesto contra a violência policial. Tachar a polícia suíça de violenta é rematado exagero. Aos muito jovens, porém, há que relevar certos desacertos. Acontece que a marcha de protesto desandou e virou batalha campal. (Francamente, usar de violência numa marcha que se propõe a denunciar a violência é atropelo ao bom senso. Mas assim são as coisas, que não se pode exigir coerência de todo o mundo a todo instante.) Câmeras de segurança gravaram a arruaça e registraram imagens do jovem Patelli justamente quando mandava uma pedrada pra cima da polícia. Com tantos manifestantes, não foi possível identificar cada um de imediato. As investigações continuaram.

Quatro anos mais tarde, a identidade do jovem foi descoberta. A vida tinha corrido e ele já havia progredido. Tinha-se candidatado às eleições municipais da cidadezinha onde vive. Eleito, é agora vereador. Mas ‒ que fazer? ‒ o gesto de quatro anos antes tinha de ser sancionado. Monsieur Patelli foi condenado a passar três meses em prisão domiciliar. Para controlar seus passos, leva uma tornozeleira.

Monsieur Patelli fotografado de tornozeleira na entrada da república onde mora.
Imagem: V.Cardoso, 24 Heures, Lausanne

Menos comum do que no Brasil, o caso do vereador suíço enrolado com a justiça trouxe à pauta a questão da compatibilidade entre as duas condições ‒ a de eleito e a de condenado. Tivesse a infração sido cometida depois da eleição, o mandato seria cassado de ofício, sem recurso possível. Mas o delito tinha ocorrido antes da eleição, de modo que não houve quebra do juramento que todo parlamentar faz de jamais infringir a lei. Monsieur Patelli se encontra agora na bizarra condição de condenado que cumpre pena de cerceamento de liberdade sendo, ao mesmo tempo, vereador em pleno exercício. Se, em outras terras, casos assim não surpreendem, na Suíça deu manchete na imprensa.

A Justiça do país não dá moleza pra quem está em prisão domiciliar. Os controles são rigorosos. Para seguir seus estudos, o jovem tem direito a deixar somente três vezes por semana a república onde vive em comunidade, com destino à faculdade. Para ir ao supermercado, tem de pedir autorização prévia. A licença virá com hora pra sair e hora pra voltar, com tolerância zero para atrasos. Se quiser comparecer a uma das três sessões semanais da Câmara, terá de renunciar a uma ida à faculdade. O que mais o aborrece, no fundo, é a proibição rigorosa de participar de protestos e passeatas, sua paixão.

O caso do jovem suíço que, por um lado paga pena por ter transgredido às regras da sociedade e, por outro, é legítimo representante dessa mesma sociedade, convenhamos, é extravagante. Raras no passado, não há mais como esquivar tais ocorrências nestes tempos de internet planetária, redes sociais abelhudas, pirataria informática e câmeras de segurança onipresentes. Singularmente, a Justiça suíça entende que, tendo o malfeito sido cometido antes da eleição, o condenado conserva o mandato que o povo lhe confiou. Recentemente, a Justiça espanhola mostrou ser da mesma opinião ao conceder a dirigentes catalães, procurados pela polícia mas exilados no exterior, o direito de candidatar-se às eleições para o Parlamento europeu.

No Brasil temos tido casos parelhos. Aqui e ali, vozes se alevantam pra denunciar incompatibilidade entre o estatuto de condenado e o de eleito. Em minha opinião, no caso de o fato delituoso ter ocorrido antes da eleição, a cassação automática do mandato seria pena abusiva. Com o cerceamento do direito de ir e vir, o indivíduo já está ressarcindo a sociedade dos prejuízos causados. Se já está a pagar o débito, não é justo aplicar-lhe pena extra. Por seu lado, é importante, isso sim, reforçar a caça aos eleitos que, embora tenham cometido ‘malfeitos’ – quiçá durante o mandato corrente! – continuam livres, leves, soltos, sem processo, sem julgamento, sem embaraço e sem pudor.

Banalização da indecência

José Horta Manzano

Na política e na sociedade, a decência tem-se tornado artigo de luxo, raro, cada dia mais difícil de alcançar. Nem sempre foi assim, acreditem. Não digo que, décadas atrás, políticos e autoridades agissem com decoro e comedimento em todas as situações. Não vamos nos enganar. Escândalos havia, sim, mas eram exceções. Hoje tornaram-se norma.

Sempre houve alguma figurinha carimbada da qual se podiam esperar barbaridades. Lembro de Tenório Cavalcanti, alagoano de nascimento, que evoluiu na política do Rio de Janeiro nos anos 1950 e 1960. Conhecido como o homem da capa preta, andava armado o tempo todo, às vezes com uma metralhadora que levava o nome inocente de Lurdinha. O homem protagonizou um episódio tragicômico no dia em que, em plena sessão da Câmara, sacou dum revólver pra ameaçar um outro deputado. Não chegou a atirar, mas provocou momentânea incontinência urinária no colega ameaçado. O caso entrou para os anais da Casa.

A quebra da decência, que antes era folclórica e espetaculosa, hoje em dia é silenciosa, bem mais sutil do que no tempo dos deputados cangaceiros. Por desgraça, porém, está mais generalizada. Os pecadores são tantos, que o pecado acaba assumindo ar de normalidade. É uma lástima que isso aconteça. Pelas conclusões da filósofa Hannah Arendt, a banalização do mal pode ter consequências devastadoras. Pode significar a autodestruição de uma sociedade.

A Folha levantou o prontuário dos candidatos às eleições do mês que vem. Limitou-se a investigar a situação dos envolvidos na Operação Lava a Jato. Constatou que pelo menos 19 réus e 12 acusados(!) na operação disputam o voto do eleitor descuidado. E tudo bem. A lei, é verdade, não impede que esses elementos se candidatem. É que, até não faz muito tempo, o sentimento de decência bastava para mantê-los afastados. Já não basta.

É inevitável concluir que, entre nós, a noção de decência anda frouxa. Diluída, está escorrendo pelo ralo. Chegou a hora de cercear pela força da lei o que bambeou por afrouxamento do decoro. A Lei da Ficha Limpa acaba de provar sua enorme utilidade: livrou-nos da figura nefasta e impertinente de um ex-presidente hoje encarcerado.

Por melhor que seja, no entanto, está evidente que essa lei não é suficiente. A próxima legislatura terá de debruçar-se sobre o problema e encontrar jeito de apertar o cinto. Não é possível que gente em débito com a Justiça se candidate para representar o povo. Não dá mais.

A ponte e a Copa

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 25 agosto 2018.

Faz dez dias, uma ponte desabou na Itália. Foi um horror difícil de descrever. O tráfego era denso naquele dia. O desmoronamento arrastou carros e caminhões para o abismo, deixando dezenas de vítimas, entre mortos e estropiados. Na hora de alinhavar o balanço da tragédia, voaram acusações. Era imperativo designar culpados. Foram apontados os técnicos encarregados da inspeção permanente, a concessionária da estrada, o arquiteto idealizador da obra (falecido há uma eternidade), as autoridades provinciais, até o governo central. Sem sucesso. Assim como é ingênuo esperar de um solitário messias a redenção de um povo, impossível será atribuir a responsabilidade de tamanha catástrofe a um único fator.

O drama de Gênova, como toda calamidade, vem de longe e tem muitos pais. Errará quem se obstinar em eleger causa única. O mesmo raciocínio vale para a tragédia brasileira, que nos desaba sobre a cabeça quotidianamente. Desastre como o nosso não se arma em um dia. É obra de gerações. Nos tempos coloniais, a proscrição de cursos superiores já anunciava a ignorância que se havia de instalar e que acabaria sendo louvada (quem diria!), séculos mais tarde, por um figurão da República. Enquanto a América Espanhola inaugurava a primeira universidade nos anos 1550, a colônia lusa teve de se contentar, por três séculos, com mestres-escolas esforçados, mas de limitados recursos. Como nada fica sem consequência, pagamos hoje a conta atrasada. Com juros e correção.

E como dar cabo do atraso acumulado? Como chacoalhar o vidro pra fazer a emulsão? A essa pergunta, a resposta costuma ser: Educação. Sem dúvida. Boa escola pública e formação profissional de qualidade estão entre os ingredientes básicos do sucesso de um povo. Só que, no nosso caso, visto que partimos de patamar baixo, o caminho será longo, vai levar gerações. Supondo que, por milagre, a Instrução Pública adotasse novas diretivas agora, o Brasil não poderia esperar parado até que os guris, munidos de formação adequada, chegassem à idade produtiva. É imperativo encontrar um atalho que dê resultados já.

A cada quatro anos, tem Copa. Vêm aqueles meses de fervor popular durante os quais a pátria calça chuteiras e os olhares não desgrudam dos gramados e do entorno. Cidadãos comuns que, na vida normal, não costumam frequentar estádios nem vestir camisa de time, são capazes de recitar o nome dos integrantes da Seleção, reservas incluídos. Os fatos e gestos de cada jogador, o braço torcido deste, o mau-humor daquele, o dedinho quebrado de um terceiro, a nova namorada daqueloutro, nada escapa. Tudo o que concerne às estrelas do momento é de domínio público. Aqueles que nos representam no campo carregam nos pés a promessa de heroísmo que palpita na cabeça de todos nós.

Por coincidência, também a cada quatro anos, tem eleição das gordas, pra uma pancada de cargos. Na Copa, que o Brasil vença ou deixe de vencer, não muda grande coisa na vida de ninguém. Já os dirigentes e os representantes do povo que saírem das urnas vão, sim, determinar o destino da nação. No entanto, é esquisito que, a poucas semanas do dia da eleição, a maioria não tenha ainda escolhido candidato para os diversos cargos. Penso, principalmente, nos deputados e senadores que vão votar leis e reformas que balizarão a vida de todos nós.

E pensar que é justamente esse o (único) atalho susceptível de produzir, em prazo mais curto, as reformas pelas quais todos ansiamos. Votar em fichas sujas, trapaceiros, ladrões ou aventureiros é condenar o país a permanecer no atraso em que se encontra desde os tempos coloniais. Cada eleitor deveria se informar sobre o passado, a experiência, o programa (e a eventual folha corrida) do candidato que lhe parecer simpático. Hoje em dia, com as facilidades da rede e dos portais de transparência, é tarefa pra lá de simples. Só não faz quem não quer. Presidente é importante, mas deputado e senador têm mais força. Sem o apoio da Câmara e do Senado, o presidente pode muito pouco. É nossa escolha de representantes que desenhará o perfil do país até a próxima Copa.

Entre quatro paredes

José Horta Manzano

Uma diferença essencial entre parlamento e tribunal colegiado tem sido descurada em nossa República. Nosso arcabouço institucional estipula que o parlamento é lugar de decisões debatidas em público, enquanto o tribunal é lugar de decisões colegiadas.

Deputados e senadores discursam, pedem e concedem apartes, cortam excessos, acrescentam pontos, burilam até chegarem a uma decisão. Cada parlamentar cumpre o mandato que lhe foi confiado e dá voz aos cidadãos que o elegeram. Todo o processo se passa em público, ao vivo e em cores. A entrada é franqueada a quem quiser assistir.

Tribunal é outra coisa. Lá as discussões e a busca do consenso não são feitas em público. De uma decisão colegiada, não se deve exibir o placar. Não cai bem dizer que o resultado foi de «5 a 4» ou de «7 a 2». Não é jogo de futebol. No máximo, se for absolutamente necessário, poderia ser anunciado que a decisão foi tomada por unanimidade ou por maioria. E pronto.

Ainda que isso possa chocar algum leitor, sou contra a publicidade dos julgamentos no STF. Aquilo não é um lugar de debates públicos, não é o parlamento. Os debates teriam de ser sempre internos, travados entre quatro paredes. O distinto público deveria apenas tomar conhecimento do resultado, sem individualização do voto ‒ exatamente como ocorre num tribunal do júri, onde ninguém fica sabendo como cada jurado votou.

Discussões a portas fechadas evitariam o triste espetáculo que Suas Excelências dão, ao saber que estão «passando na televisão». Os pedidos de vista, rematado absurdo, desapareceriam ‒ o que seria excelente.

Uma reformulação do modo de debater e de decidir do STF seria boa coisa. Primeiramente, para os próprios ministros, que ficariam menos expostos à vindicação pública. Segundamente, faria bem ao Brasil.

Voz ativa

José Horta Manzano

«Alguém precisa ter voz ativa nesta casa!» ‒ exclamava meu pai quando as coisas lhe pareciam fora de esquadro e ele resolvia botar ordem na tribo. No âmbito familiar, a distribuição do mando é simples. Os pais detêm todos os poderes. Formulam as regras, impõem o ritmo e ainda julgam e castigam quem sair da linha. Tudo isso sem contestação possível. Já no nível de um país, a coisa é um pouco mais complicada.

De fato, a organização de um Estado é uma teia complexa em que cada fio tem sua utilidade e sua função. No Brasil, a Constituição determina que o poder se baseie num tripé formado pelo Executivo, pelo Legislativo e pelo Judiciário. Cada um tem função claramente definida.

Acontece que, por razões que nem o diabo explica, os legisladores eleitos pelo povo não se têm mostrado à altura do mandato. Reformas urgentes e necessárias estão bloqueadas há anos. O buraco da Previdência Social se aprofunda mais e mais, sem que as excelências tomem iniciativa. Baciadas de leis pedem alterações prementes sem que nenhuma solução venha do parlamento.

By R. Paschoal, ilustrador

No samba ‘Maria, toma juízo’, Paulo Vanzolini diz: «Mulher que se vira pro outro lado ‘tá convocando a suplente». Nossos congressistas que, absorvidos por pequenos interesses pessoais, não se abalam… estão nessa situação. Dão sinal verde para suas funções privativas acabarem sendo exercidas por outros.

Está aí a chave do que tem sido etiquetado como intromissão do STF nas atribuições do parlamento. A evidente omissão da Câmara e do Senado abriu as portas para que o Judiciário pulasse a cerca e passasse a legislar descaradamente.

É verdade que não está certo. A intromissão contraria a estrutura do Estado. Mas fazer o quê? Alguém precisa ter voz ativa nesse circo. No dia em que os congressistas tomarem vergonha e assumirem suas obrigações, o Judiciário se recolherá a seus afazeres. Sem isso, o quadro atual periga continuar.

Eleição fora de compasso

José Horta Manzano

Nosso calendário eleitoral está fora de compasso. Há uma expressão inglesa que define bem o problema: o timing de nossas eleições está capenga. O Brasil não está só nesse clube. Muitos outros países integram o time. Mas isso não é motivo pra se acomodar. Nosso sistema merece ser aprimorado.

No nível federal, escolhemos, no mesmo dia, presidente da República, deputados e senadores. Parece-nos normal, porque sempre foi assim. No entanto, algo está fora de esquadro. Senão, vejamos.

Para governar, o presidente precisa contar com maioria na Câmara. Se não tiver maioria a seu favor, estará em apuros. A porta vai-se escancarar para negociatas, toma lá dá cá e demais facetas da corrupção.

Ao votar para eleger, numa só tacada, presidente, deputados e senadores, o eleitor não sabe ainda quem vai ser o presidente, pois não? E como é que fica? Sobre que base escolherá seu deputado ou seu senador? Loteria? Cabra-cega?

A lógica mais comezinha indica que a escolha do presidente se faça primeiro. Uma vez que o novo ocupante do cargo for conhecido, aí, sim, é hora de escolher os parlamentares. Há que haver um tempo entre uma eleição e outra, digamos, um mês. É o prazo necessário para os diversos partidos se decidam e anunciem se pretendem ou não apoiar o presidente. Em seguida, o eleitor escolherá seus representantes em conhecimento de causa.

Quem tiver simpatia pelo novo presidente e desejar que ele aplique o programa anunciado votará em candidatos cujo partido tiver declarado apoio ao novo mandatário. Na outra ponta, quem não estiver de acordo com as ideias do ocupante do trono escolherá parlamentares de oposição, justamente pra criar obstáculos para a implantação do programa do presidente.

Em princípio, a conta deveria fechar, ou seja, a maioria que elegeu o presidente tende a escolher deputados e senadores decididos a apoiar o chefe do Executivo. O eleitor não fará isso no escuro, mas já conhecendo a orientação de cada partido.

O mesmo vale no nível estadual. Governador há de ser escolhido antes. Um mês depois, o eleitor será de novo convocado às urnas para eleger os deputados estaduais. E o mesmo se aplica ao nível municipal, entre prefeito e vereadores.

Eleição casada para Executivo e Legislativo é um salto no escuro. Acaba levando água ao moinho da costumeira (e quase sempre indecente) troca de favores.

Semipresidencialismo

José Horta Manzano

Quando alguém que nos é simpático dá uma sugestão qualquer, ainda que nos pareça inaceitável, tendemos a levá-la em consideração. Ainda que estejamos em total desacordo, daremos ouvidos, argumentaremos e pode até ser que aceitemos a ideia nem que seja com reservas. Já quando a sugestão vem de alguém que nos é antipático, tendemos a rejeitá-la de bate-pronto, sem nem ouvir até o fim.

Estes dias, doutor Temer andou falando em reformular o sistema de governo do país. Palavras como parlamentarismo e semipresidencialismo surgiram sobre a mesa. Com diferença de poucos detalhes, ideia semelhante vem sendo emitida por doutor Gilmar Mendes, por doutor José Serra e até por doutor Maia, presidente da Câmara. Dado que essas figuras carimbadas sofrem forte rejeição popular, as propostas vêm sendo tratadas com indisfarçado desprezo. Muitos veem nelas simples subterfúgios para garantir aos figurões a permanência no poder.

Nenhum dos mencionados doutores me é especialmente simpático. No entanto, acredito que não se deva jogar o bebê com a água do banho. Melhor será concentrar-se sobre o conteúdo da mensagem e esquecer, por um momento, o(s) mensageiro(s).

Estamos todos de acordo num ponto: por razões que não cabe aqui discutir, a Constituição de 1988 nos conduziu a um impasse. Por melhores que tenham sido as intenções dos que a escreveram, o sistema engendrado pela carta magna mostrou seus limites. Esgotou-se. Vivemos em crise política permanente há 30 anos. É chegada a hora de reformular a máquina.

Muitos preconizam a convocação de assembleia constituinte para reconstruir o edifício. É problemático, demorado, caro, irritante e, sobretudo, dispensável. Mais vale seguir o atalho de alterações pontuais, caminho bem mais prático e rápido. Modificações limitadas não demandam a demolição do prédio, o que é menos traumático.

Apesar de ser considerado presidencialista, nosso sistema, na prática, é um «parlamentarismo presidencialista», se é que assim me posso exprimir. A meu ver, nossos 594 congressistas (513 deputados + 81 senadores) estão muito mais perto de representar a vontade popular do que o solitário presidente da República. Grosso modo, o conjunto dos parlamentares traduz a vontade de praticamente todos os brasileiros, ao passo que o presidente é eleito por pouco mais de 50% do eleitorado. A Câmara e o Senado congregam representantes de dezenas de partidos, enquanto o presidente é afiliado a um só deles. Portanto, é indiscutível que o Congresso está mais próximo do ideal da democracia representativa.

Quem afirma que «o presidente fez» ou que «o presidente deixou de fazer» se esquece de que o chefe do Executivo depende da aprovação do parlamento para pôr em prática qualquer medida. Nosso regime dito presidencialista, em que o presidente tem grande poder, colide com o Congresso, fato que está na raiz de muitos de nossos males. Cooptação, corrupção e compra de voto de parlamentares são consequência dessa confrontação.

No meu entender, uma drástica diminuição dos poderes presidenciais ‒ acompanhada da criação da figura de um primeiro-ministro ‒ contribuiria para a diminuição de tensões. Ordens e decretos deixariam de vir do Planalto e passariam a ser objeto de debate entre os legítimos representantes do povo. O presidente guardaria atribuições limitadas e específicas de representação do país.

Em sua ingenuidade, grande parte dos eleitores dá muita importância à escolha do presidente e pouco se importa com os parlamentares. Talvez seja essa a razão de elegerem congressistas tão medíocres. Na verdade, no sistema que imagino, o presidente não precisaria nem mesmo ser eleito por voto direto. Como na Alemanha, na Itália e em outros países civilizados, poderia ser eleito pelos parlamentares. Dado que teria poder pra lá de limitado, jamais seria fonte de crise.

Pode-se dar ao novo sistema o nome que convier: parlamentarismo, semipresidencialismo ou qualquer outro. Pouco importa. O que conta é que o país seja dirigido por seus representantes legítimos e não mais por um medalhão no qual 50% dos eleitores sequer votou.

Foro privilegiado

José Horta Manzano

«A igualdade, no direito penal, é um mito. As pessoas, nessa área, não são tratadas de forma isonômica. A desigualdade vem do tempo da sociedade aristocrática (1500-1888). Os iguais (ou considerados tais) pelas elites governantes sempre tiveram privilégios (de pena menor, de serem julgados pelos seus pares etc.), que perduraram mesmo durante a república (1889 até os dias atuais). Um dos grupos escandalosamente privilegiados é o dos parlamentares, que desfrutam (ainda hoje) de várias imunidades e prerrogativas.»

Luiz Flávio Gomes, doutor em Direito Penal. Para ler o texto integral, clique aqui.

Privilégios têm a vida longa. Quem tem direito tradicional a tratamento especial reluta em se conformar com tratamento comum. É da vida. Ninguém abre mão, com prazer, de cuidados diferenciados. A reação normal é agarrar-se às vantagens.

O Brasil atravessa um período conturbado. Sem dúvida, historiadores se debruçarão, daqui a dois séculos, sobre esta fase de contestação de costumes enraizados. Guardadas as devidas proporções, estamos passando por uma Revolução Francesa sem guilhotina.

Quem poderia imaginar, dois ou três anos atrás, a possibilidade real de um ex-presidente da República terminar atrás das grades ‒ tudo dentro da lei, sem revolução, sem levante militar, sem insurreição? Pois o mesmo destino ameaça figurões das altas esferas, que imaginávamos todo-poderosos e intocáveis. Sem contar os que já tomaram pensão no xilindró.

O Parlamento discute estes dias sobre o famigerado foro privilegiado, destinado a julgar crimes cometidos por medalhões. Tecnicamente, para suavizar a noção de privilégio, deve-se dizer «prerrogativa de foro», o que vem a ser rigorosamente a mesma coisa. É aberração que vem de longe.

Por que, diabos, acusados que ocupam funções de destaque na vida pública teriam direito a ser julgados por tribunal extraordinário? Por que o delito cometido por seu Zé da esquina será arbitrado por um juiz comum enquanto a rapina milionária de Sua Excelência será apreciada pelos mais altos magistrados da nação? A distorção tem sabor «Ancien Régime»(*).

É normal e necessário garantir imunidade a parlamentares, ministros, governadores e, naturalmente, ao presidente da República enquanto durar o mandato. Essa imunidade, no entanto, pode ser suspensa ‒ pela Câmara, pelo Senado ou pelo STF, conforme o caso. Quando isso ocorre, o bom senso ensina que o acusado enfrente a justiça comum, como qualquer cidadão.

Pelo sacolejar da carroça, parece que o Congresso se dirige para essa conclusão. Assim mesmo, preconiza-se manter o famigerado foro privilegiado para o chefe de cada um dos três poderes. Não atino com a razão. Seriam esses três personagens mais iguais que os demais? Se dependesse de mim, aboliria a prerrogativa de foro para todos os cidadãos. Que se distribua a todos a mesma justiça, que não vejo justificativa para a distinção de tratamento.

Em resumo: imunidade, sim; foro privilegiado, não. Para ninguém.

(*) “Ancien Régime” (regime antigo) é o nome que se dá à escala de valores e ao regime absolutista anterior à Revolução Francesa.

Lição de Psicanálise

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Assistindo ontem ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em que se debatia o projeto anticorrupção aprovado recentemente na Câmara dos Deputados, vi-me forçada a relembrar muitos dos sábios ensinamentos do pai da Psicanálise.

Quando você se depara com um comportamento bizarro, aparentemente sem sentido e cuja motivação lhe escapa, não se deixe abater. Controle por alguns segundos a sensação de que sua mente é obtusa e lembre-se: Freud explica. Tudo. Sempre. Se não parece explicável sob nenhum ângulo, é porque você ainda não absorveu inteiramente o arcabouço teórico do genial mestre.

Com um pouco de paciência para estudar a obra freudiana, você descobrirá que, dentre os mecanismos de defesa do ego propostos por ele, há um particularmente curioso chamado de “formação reativa”. O conceito é complexo, denso, cheio de meandros teóricos, mas pode ser fácil e rapidamente compreendido quando se dá um exemplo.

falar-em-publicoImagine que você tem pavor de falar em público. Só a simples ideia de que terá de se levantar, dirigir-se ao centro da sala, encarar as pessoas sentadas à sua frente e apresentar suas ideias de forma concatenada já é suficiente para detonar uma série de reações orgânicas de desconforto. Suas pernas bambeiam, suas mãos ficam trêmulas e úmidas, sua boca seca, sua voz falha e sai como um sussurro, assumindo por vezes um tom esganiçado.

Você sente que, para não ter de passar pela situação, seria capaz de fazer qualquer coisa. Ao mesmo tempo, sabe que não há escapatória. Todos serão chamados a falar, é só uma questão de tempo para que seu nome seja anunciado. Sua ansiedade extravasa e bloqueia sua mente. Não conseguindo suportá-la por mais tempo, você se voluntaria para ser o primeiro da fila.

Estranho, não é mesmo? Por que alguém aceitaria fazer o exato oposto do que está sendo pedido em seu íntimo? A explicação, no entanto, é simples: literalmente qualquer coisa é melhor para a preservação de sua saúde psíquica do que suportar a ansiedade. Sendo o primeiro, você se livra rapidamente da tensão e pode se preparar emocionalmente para responder a eventuais dúvidas ou contestações.

O exemplo mais emblemático de formação reativa no cenário político brasileiro recente é o que acometeu o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Para quem não lembra, o ex-deputado optou por depor espontaneamente numa CPI, ocasião em que declarou enfaticamente não possuir contas no exterior. Deu no que deu.

roda-viva-1Voltando ao debate no Roda Viva, estava presente o deputado maranhense responsável pela apresentação da emenda sobre o abuso de autoridade de magistrados e membros do Ministério Público. Acuado por comentários irados dos demais debatedores, ele deu início a suas explicações de peito estufado e voz firme, tecendo comentários vagos a respeito da coragem que teve para se opor ao clã Sarney em seu estado natal e relembrando um pacto assinado em 2009 entre o Executivo e o Legislativo para reformular a lei de abuso de autoridade, que data do período de ditadura militar. Foi recebido com um silêncio sepulcral.

Na sequência, um respeitado jurista fez questão de ler cada uma das 10 medidas contra a corrupção descartadas no substitutivo aprovado e concluiu enfático: “Isso é um estelionato legislativo, um verdadeiro projeto de facilitação e institucionalização da corrupção”.

Várias mensagens de apoio à fala do jurista começaram a chegar através das redes sociais. O deputado maranhense tentava se defender das acusações, mas não conseguia deixar de gaguejar e tremer. Foi então que um advogado se mostrou solidário à emenda do deputado. Elencou vários dos erros cometidos pela Operação Lava Jato e exigiu respeito à Constituição, argumentando que “ninguém está acima da lei”. Mais uma vez, a tela foi inundada por comentários de apoio dos telespectadores.

Logo depois, foi a vez de uma procuradora do Ministério Público falar. Fazendo menção às quase 2 milhões e 400 mil assinaturas coletadas, ela lembrou que várias das 10 medidas propostas haviam sido “importadas” de outros países democráticos e, algumas, recomendadas pela ONU. Ao final, sugeriu sem sutileza alguma que a intenção do “nobre deputado” só podia ser a de intimidar juízes e promotores, numa tentativa de autodefesa de parlamentares investigados por corrupção. Milhares de comentários indignados com a safadeza de membros do parlamento foram recebidos.

peticao-1Minha sensação de pasmo ao ouvir as teses apresentadas podia ser resumida pelo ditado popular que afirma que “em casa em que falta pão, todo mundo grita e ninguém tem razão”. Não me escapava a impressão de que todos os lados da polêmica haviam recorrido inconscientemente a mecanismos de defesa. Tudo pairava no plano da “nobreza” das intenções declaradas para os próprios projetos em contraste com a suspeição quanto às “intenções ocultas” dos projetos alheios.

Freud deve ter se revirado na tumba várias vezes e se arrependido de ter formulado o conceito de motivações psíquicas inconscientes. Provavelmente, pensei eu já em meio à minha própria formação reativa, estaríamos pisando em terreno mais seguro caso fosse convocada uma Assembleia Constituinte fora do congresso e implantadas novas regras para a escolha de nossos representantes. É, concluí, Sartre estava mesmo certo: o inferno, decididamente, são os outros…

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

Os picaretas de novo

José Horta Manzano

O distinto leitor há de se lembrar do tempo em que o Lula, então deputado constituinte(!), dizia que a Câmara abrigava «uns 300 picaretas». Muitos entenderam como rabugice de sindicalista. O tempo se encarregou de confirmar que, pelo menos nesse particular, o demiurgo tinha razão.

Na calada, acobertados pelas horas mortas e ‒ suprema perfídia ‒ aproveitando-se da comoção causada pelo desastre aéreo de Medellín, suas excelências nos apunhalaram pelas costas.

PicaretaEm ato de hipocrisia explícita, desfiguraram um projeto que estava em vias de ser votado. Previsto, à origem, como anteparo à corrupção de alto nível, a proposta de lei recebeu emendas, enxertos, amputações e «jabutis» que lhe tolheram a essência. De pacote anticorrupção, passou a pacote de blindagem contra toda punição que a corrupção possa engendrar. Em resumo, a lei foi virada pelo avesso. E assim foi votada.

Antes de entrar definitivamente em vigor, o texto deve ainda ser aprovado pelo Senado, sancionado pelo presidente da República e atravessar incólume, se sua constitucionalidade for posta em dúvida, o crivo do Supremo Tribunal Federal. Assim mesmo, a bordoada que suas excelências assestaram ao povo que as elegeu foi desleal.

A emenda que blinda os corruptos recebeu o voto de 313 deputados. O número é significativo. Representa a exata soma dos 300 picaretas já apontados pelo Lula mais 13, justamente o número eleitoral do partido de nosso guia. Um símbolo e tanto!

donald-1Conclui-se que, apesar de nosso guia & curriola terem mandado e desmandado no país durante 13 anos ‒ olha o símbolo aí de novo! ‒, os 300 picaretas não só continuam lá, mas o volume cresceu. E pensar que 313 gatos pingados têm o poder de saquear o suor de 200 milhões de concidadãos impotentes.

Muita gente acredita que só um regime autoritário, civil ou militar, pode nos preservar contra malandragens como essa. Não sou favorável a solução totalitária, mas o desânimo que nos causam nossos representantes e a descrença que, mais e mais, nutrimos por eles perigam nos precipitar exatamente lá onde não queremos.

As coisas mudam

José Horta Manzano

Dois dias atrás, dei aqui minha opinião sobre proposta, atualmente em curso no Senado, que visa a fazer coincidir eleições para todos os níveis. A ideia é convocar o eleitorado unicamente a cada quatro anos para eleger prefeito, governador, presidente, vereador e deputado. Tudo de uma tacada só, algo do tipo «vamos fazer a festa juntos». A justificativa principal é econômica: eleições mais raras custariam menos aos cofres públicos.

Disse e repito agora que, caso assim fique decidido, terá sido dado um passo na má direção. Pelo contrário, se me coubesse decidir, aumentaria a frequência de eleições, votos, consultas e plebiscitos revocatórios. O custo de organizar um voto regional ou nacional é irrelevante diante das vantagens que traz ao sistema democrático. Em menos de duas semanas, dois exemplos dão que pensar.

by Elcio Danilo 'EDRA' Russo Amorim, desenhista mineiro

by Elcio Danilo ‘EDRA’ Russo Amorim, desenhista mineiro

A presidente da República, reeleita por maioria absoluta do eleitorado apenas ano e meio antes, foi ejectada do trono pelo próprio povo que a havia escolhido. Ainda que alguns possam sentir-se incomodados, é incontestável que congressistas são representantes legítimos do povo, eleitos com os mesmos votos que elegeram a doutora. Tanto a Câmara quanto o Senado, ambos por expressiva maioria, repudiaram e defenestraram a mandatária.

O deputado Cunha foi eleito no ano passado pelos pares para o cargo de presidente da Câmara Federal. Naquela ocasião, alcançou uma façanha: elegeu-se com maioria absoluta, já no primeiro turno de votação, à frente de três outros concorrentes. É resultado notável. No entanto, seu mandato acaba de ser cassado pelos mesmos pares que o haviam elegido. Foi enjeitado por 88% dos colegas, número estonteante.

As coisas mudam, distinto leitor. Por conveniência política, por decepção, por desencanto, por divergência filosófica ou por outro motivo qualquer, o eleitor pode mudar de ideia. Pode não mais querer ser representado ou presidido ou governado pela pessoa em quem votou. É da vida. Quanto mais frequentes forem as eleições, mais oportunidades teremos de ajustar o tiro. Que os bons não se preocupem: serão reeleitos. Quanto aos que decepcionarem, ai deles!

by Andries van Eertvelt (1590-1652), artista flamengo

by Andries van Eertvelt (1590-1652), artista flamengo

Na encruzilhada em que estamos, chegou a hora de pensar seriamente em instalar um sistema parlamentarista, em que o poder executivo ‒ o governo ‒ é exercido por um personagem e o Estado é representado por outra pessoa. Quanto às modalidades, que se abram as discussões. Qual será o poder do presidente e quais serão suas atribuições? Como se escolherá o primeiro-ministro? Deve-se eleger o presidente pelo voto direto ou não?

As questões são numerosas, mas terão de ser encaradas, cedo ou tarde. Enquanto não admitirmos que o presidencialismo à brasileira se esgotou, continuaremos enredados no mar de sargaços em que nos encontramos.

Enrascada cabeluda

José Horta Manzano

O Senado Federal, no dia do julgamento do processo de destituição de Dilma Rousseff, foi presidido pelo presidente do STF, como manda o figurino. Já se imaginava que os apoiadores da ré espalhassem pedras, pregos e armadilhas pelo caminho. Afinal, têm demonstrado estar dispostos a “pisar o pescoço da mãe” pra defender a manutenção do statu quo, do qual são beneficiários diretos.

Além de pedregulhos, plantaram um paralelepípedo no caminho. Requereram que a pena prevista para o crime fosse objeto de dois escrutínios separados. O esdrúxulo requerimento pareceu ser recurso desesperado de última hora. O distinto público imaginou que não pudesse ser acolhido.

Não era recurso de última hora. A prova de que tudo já estava combinado foi o longo arrazoado que embasou a invulgar decisão de doutor Lewandowski de aquiescer ao pedido. Para sustentar o acolhimento, o magistrado leu páginas de texto, citou leis com seus números, mencionou jurisprudência e deixou forte impressão de que a decisão já estava tomada de véspera.

Conchavo 1Não se sabe quem possa ter participado do conchavo. Doutor Lewandowski entregou-se a um malabarismo linguístico para passar a impressão de se estar dobrando ao regimento interno do Senado. Não convenceu plenamente. Deixou um perfume de que se dobrava, sim, mas não ao regimento. Ficou a desagradável sensação de que o eminente magistrado se vergava a interesses menos transparentes.

Fato é que a decisão do doutor, além de contribuir para a proverbial insegurança jurídica nacional, botou o STF numa sinuca de bico. Tanto a acusação quanto a defesa já representaram junto à corte maior. O nó terá de ser desatado pelo colegiado.

Qualquer solução que deem à espinhuda questão será desgastante. Como em todo litígio, a parte que sucumbir ficará desagradada. Mas as sequelas vão bem mais longe.

Interligne 18cCaso o STF decida anular a sessão

   • Estará desdizendo e desmoralizando o presidente do STF;

   • Provocará nova votação no Senado, que periga dar resultado diferente. Se isso ocorrer, o país mergulhará no caos e dará ao mundo imagem de republiqueta sem rumo;

   • Estará anulando decisão do Legislativo, o que colide com o princípio da independência entre poderes, garantida pela Constituição.

Interligne 18cCaso o STF decida deixar como está

   • Violará artigo constitucional que estipula que a pena não pode ser cindida. Para uma corte cuja atribuição é zelar pelo cumprimento rigoroso da Constituição, tal decisão será, no mínimo, extravagante;

   • Dará sinais inquietantes de que não passa de tribunal fantasioso, inconstante e pouco confiável;

   • Periga entrar em conflito com o Senado e com a Câmara. Numa democracia adolescente, é péssimo constatar desavença entre poderes supostamente harmônicos;

   • Estabelecerá precedente e, por consequência, risco de contaminação. Político destituído hoje poderá se candidatar amanhã, numa boa. Cassação vai acabar se transformando em simples suspensão passageira.

Interligne 18c

O STF está para enfrentar um dilema que, como ensina o dicionário, é a necessidade de escolher entre duas saídas contraditórias e igualmente insatisfatórias. Vamos ver no que dá.

L’arroseur arrosé

José Horta Manzano

«L’arroseur arrosé» é expressão francesa difícil de traduzir em duas palavras. O verbo arroser, derivado do termo usado na Roma antiga para designar o orvalho, significa regar, irrigar, aguar. Seu particípio passado é arrosé. Portanto, ao pé da letra, a tradução fica: «o regador regado». Cá entre nós, soa pra lá de esquisito. Melhor transpor utilizando um ditado equivalente: o feitiço acaba se virando contra o feiticeiro. Fica mais claro.

L'arroseur arrosé, 1895

L’arroseur arrosé, 1895

Embora seja antiga, a expressão se popularizou depois de os irmãos Lumière projetarem, em fins de 1895, um curtíssima metragem (45 segundos) mostrando justamente um jardineiro que acaba aspergido pela água da própria mangueira. De lá pra cá, toda vez que a ação de alguém se volta contra ele mesmo, costuma-se comentar: taí um «arroseur arrosé».

Ao ler uma chamada do Estadão, a imagem me veio à lembrança. O artigo dá bronca no senhor Eduardo Cunha pelos erros de português cometidos diante do Conselho de Ética da Câmara. Parece que o parlamentar usou e abusou de formas como «houveram» e «haviam».

Como sabem meus distintos e cultos leitores, quando usado no sentido de existir, o verbo haver nunca vai para o plural. Assim como ninguém dirá «hão propinas», não se deve dizer «haviam propinas» nem «haverão propinas». Em casos assim, o singular é obrigatório.

O chato é que o articulista ‒ ou talvez o estagiário que arremata as matérias ‒ escorregou feio na hora de botar título. Escreveu: «Lesa-idioma». Errou.

É verdade que a voz «lesa» é quase sempre utilizada junto a palavras femininas. Volta e meia, ouve-se falar em «crime de lesa-pátria», «de lesa-honra» ou «de lesa-majestade». Vai daí, a gente acaba acreditando que lesa é elemento fixo, um Bombril pra todas as ocasiões. Não é assim.

Chamada do Estadão, 19 maio 2016

Chamada do Estadão, 19 maio 2016

Lesa é adjetivo, feminino de leso, que é sinônimo de lesado. Descendem do verbo latino lædere (particípio passado læsum), que a maioria dos linguistas aproxima da raiz delere (ferir, ofender, matar, causar dano) ‒ a mesma que desembocou em indelével e no verbo deletar, tão em moda hoje em dia.

Sendo adjetivo, leso concorda com o substantivo em gênero e número. O julgamento ao qual senhor Cunha está sendo submetido pode terminar em condenação ou em absolução, a depender dos juízes. No entanto, quem quiser evitar um puxão de orelha deve evitar pronunciar «lesa-idioma», um estrupício. O título da chamada do jornal foi infeliz.

Diga sempre «leso-idioma», «leso-direito», «lesos-preceitos», «lesas-leis»«lesos-regulamentos». Sem medo de lesar ninguém.

Dilma e o nicho 38

José Horta Manzano

Hoje, amanhã ou daqui a um par de dias, dependendo das surpresas que nos reservem as mambembes sumidades que ainda servem o Planalto, dona Dilma vai-se embora pra casa. E já vai tarde.

Afabilidade nunca foi o ponto forte da «presidenta». Orgulhosa e arrogante, já mandou avisar que não desce a rampa de jeito nenhum. Só cumpre ritos que lhe sejam favoráveis. Esse, naturalmente, não é. Donde recusar-se a segui-lo.

Há antecedentes. Ao terminar o mandato, João Baptista de Oliveira Figueiredo, último presidente militar, recusou-se a passar a faixa a José Sarney, seu desafeto. Desatou o nó de maneira pouco cavalheiresca: escafedeu-se pela porta dos fundos.

Tivesse passado a faixa como manda o figurino, todos já se teriam esquecido. Como fez o que fez, deixou marca na história. Entre outros tropeços ‒ e foram muitos ‒, será lembrado por esse também. Para sempre.

by Amarildo Lima, desenhista capixaba

by Amarildo Lima, desenhista capixaba

Se dona Dilma já não é conhecida por qualidades de estadista, seus dons de visionária são ainda menos evidentes ‒ para não dizer nulos. O guru marqueteiro está fora do ar, atrás das grades. O padrinho, nosso guia, anda sumido, calado, apagado, torcendo pra passar despercebido.

Por tudo isso, é compreensível que dona Dilma tenha decidido sair pela porta dos fundos. Ela parece não ter consciência de estar acrescentando mais uma pincelada negativa ao próprio retrato. Como Figueiredo, será lembrada como «aquela que saiu pela porta da cozinha».

Temerário será acreditar que volte a subir a rampa um dia. Suas chances de voltar ao trono são quase iguais às de bolinha de roleta cair no nicho 38, aquele que não existe. No entanto ‒ nada é impossível ‒ a vida pode dar um boléu. A moça pode até estar de volta daqui a 6 meses.

Caso essa desgraça acontecesse, dá pra imaginar como seria o fim de mandato da petista? Dois anos de agonia interminável, discussões, discórdia, bate-boca, Parlamento paralisado, boicotes, bloqueios, enraizamento da cisão «nós x eles», greves, dólar nas alturas, capitais fugindo, nosso país rebaixado a nível bananeiro, descontentamento generalizado. Verdadeira guerra civil à brasileira.

Misericórdia, Senhor! Melhor nem imaginar. Não há de acontecer.

Sistema eleitoral (mal) copiado

Urna 5José Horta Manzano

Ricardo Noblat comentava ontem, no portal que mantém n’O Globo, o afastamento do deputado Cunha determinado pelo Supremo Tribunal Federal. Constatou que o STF fez «o que a Câmara, por fraqueza e corporativismo, se arrastava para fazer, e tudo indicava que nunca faria: extirpar um mal que envergonhava o país embora não envergonhasse a maioria dos deputados».

Está aí resumida a aberração da representatividade política à brasileira. Uma arquitetura eleitoral (mal) copiada de outras culturas e (mal) adaptada a nossa realidade gerou um fosso entre representantes e representados. Tem de ser relativizada a afirmação do populismo mercenário dos últimos anos segundo a qual o Brasil é uma grande democracia.

Eleições, por si só, não caracterizam uma democracia. Votava-se durante a mais recente ditadura militar brasileira assim como na extinta URSS. Sempre se votou em Cuba. Para que reine a vontade popular, a democracia exige outros fatores.

Na democracia representativa, como indica o nome, a população é representada por pequeno grupo de eleitos. O sistema em vigor no Brasil gira em falso. Perversão inerente ao voto proporcional faz que o cidadão vote num candidato e, sem se dar conta, acabe elegendo outro.

Urna 7Pergunte a qualquer de seus conhecidos: ‒ Qual é o SEU deputado federal? Na melhor das hipóteses, ele dirá em quem votou, se ainda se lembrar. E vai parar por aí. O sistema eleitoral brasileiro impede a formação de todo vínculo entre representante e representado. Deputados e vereadores, livres e descompromissados, não sentem dever contas a quem quer que seja.

O cidadão, privado de representante claro e definido, não tem a quem se dirigir nem de quem cobrar. Nem sonhe em interpelar seu deputado para reclamar cumprimento de alguma promessa de campanha. Você será ignorado como se recém-chegado de Marte fosse.

Eleição 1A solução é uma só: aposentar o sistema atual e instaurar o voto distrital puro, sem mistura. É simples. Divide-se o país em tantos distritos quantos forem os deputados federais ‒ atualmente 513. Cada distrito elegerá, em dois turnos, SEU próprio deputado. Só assim cada brasileiro terá seu representante e saberá quem ele é. Assim se estabelecerá o vínculo entre eleitos e eleitores, que tanta falta tem feito.

Esse é o único caminho para evitar que frases como a do primeiro parágrafo continuem assolando o país. É o único modo de fazer que o que envergonha o país envergonhe também os deputados.