José Horta Manzano
Você sabia?
No Brasil, é comum os termos município e cidade aparecerem como sinônimos. Em outras partes do mundo, essa equiparação nem sempre pode ser feita. Dependendo do país, o conceito de cidade varia.
Na Suíça, a lei é clara: um povoado passa a ser chamado de cidade (=ville) a partir do momento em que sua população atinge 10 mil pessoas. Abaixo disso, é village, que se pode traduzir por vilarejo ou cidadezinha. (Em Portugal, dizem aldeia.)
Na Bélgica, no Canadá e no Reino Unido, a denominação de cidade é honraria concedida pelo poder central. O número de habitantes pouco importa. Por aquelas bandas, ainda vigora o sistema do Brasil colonial. Todos nós já aprendemos algum dia, na aula de História, que tal localidade foi elevada a vila ou elevada à categoria de vila por real decreto chegado direto de Lisboa.
Na Algéria, o critério é o número de habitantes, como na Suíça. Naquele país, aglomerados de mais de 20 mil pessoas têm direito à denominação de cidade. No Reino Unido, ainda vale a antiga tradição ibérica, a mesma do Brasil de antigamente. Não é cidade quem quer. Para ostentar o título de city, o município tem de ter obtido do monarca uma letter patent. É honraria concedida com parcimônia. As mais antigas datam da Idade Média. As mais recentes foram outorgadas por Elisabeth II por ocasião de seu jubileu de diamante, em 2012. Assim mesmo, somente 51 municípios ingleses têm direito ao título de cidade.
Nos Estados Unidos, como no Brasil atual, não há esse rigor na atribuição de estatuto a vilas, vilarejos e cidades. Fica a cargo do bom senso. De um povoado de 500 habitantes, não se dirá que é uma city. Mas ninguém cairá da cadeira se você chamar town ou city um aglomerado de 50 mil viventes. Fica, assim, ao gosto do freguês.
Na França – ah! o país das regulamentações rigorosas – a lei não deixa margem a dúvida. O INSEE (Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos), o IBGE francês, ditou norma clara e precisa: um município deixa de ser chamado vilarejo (=village) e passa à categoria de cidade (=ville) quando a população ultrapassa 2000 habitantes. Mas há uma segunda condição: a zona habitada tem de ser contínua. As casas não podem estar distantes umas das outras mais de 200 metros. Se houver quebra na continuidade, cai por terra o direito ao título de cidade. A sede do município será chamada de vilarejo (=village) e cada pequeno povoado isolado, embora dentro do mesmo município, será conhecido como hameau(*) (= povoado, arraial).
No Brasil, desde que foi votada a Constituição de 1988, políticos enxergaram vantagens e oportunidades de negócios na criação de municípios. Vantagens para eles, naturalmente. Volta e meia vem algum grupo de políticos pregar desmembramento de municípios. Em vez de um só, acham mais vantajoso que haja dois ou três. É iniciativa pra lá de discutível. No entanto, toda vez que se aproximam eleições, esse tipo de «bondade» volta ao noticiário. Às vezes, pega.
Na Europa, assiste-se a um movimento inverso. Na França há hoje 1500 municípios a menos do que em 1920. E isso não é resultado de eventuais territórios perdidos em guerras. É produto da junção voluntária de pequenas comunidades. Os cidadãos, mais instruídos, fazem as contas e, deixando pra lá rivalidades locais, chegam à conclusão de que o aumento da arrecadação e as economias de gestão compensam amplamente a perda de autonomia.
Não precisa ser nenhum gênio financeiro para se dar conta de que dois prefeitos custam mais que um. Duas câmaras, dois conjuntos de vereadores, duas estruturas de arrecadação de impostos municipais ― essa duplicidade vai ter de ser sustentada. E o dinheiro tem de sair do bolso de alguém. No final, quem acaba pagando é o próprio povo. A população do País é chamada a contribuir para o favorecimento de grupos políticos amigos do rei.
A atitude dos mandachuvas brasileiros continua igualzinha à do Brasil colônia. Lugarejos continuam a ser elevados a vila, exatamente como na Idade Média. Nossos políticos têm dificuldade para se dar conta de que o povo já não é tão alienado como naquele tempo de trevas. Ou é?

(*) O francês hameau é termo de origem germânica. Descende da mesma raíz que deu ham em inglês, hem em neerlandês e heim em alemão e norueguês. Birmingham e Tottenham (Reino Unido), Arnhem (Holanda), Mannheim (Alemanha), Trondheim (Noruega) são todos primos. Em inglês, o diminutivo de ham é… hamlet. Lembra alguém, não?
Publicado originalmente em 17 jun° 2013.
Curtir isso:
Curtir Carregando...