Dois avisos

José Horta Manzano

Na quarta-feira 18 de maio, a Casa Branca mandou dois avisos.

Primeiro aviso
Suécia e Finlândia apresentaram seu pedido oficial de entrada na Otan. Para refrescar a memória, a Otan é uma aliança militar de defesa mútua do tipo “um por todos, todos por um”. Inclui os EUA, o Canadá e praticamente todos os países europeus, com exceção das micronações e dos países neutros (Suíça e Áustria).

No fundo, o interesse maior de cada membro do clube é abrigar-se debaixo do “guarda-chuva” nuclear dos Estados Unidos, a maior potência militar do planeta. É a melhor garantia contra agressões como a que a Ucrânia está sofrendo.

Só que tem um problema. A admissão da Suécia e da Finlândia não será imediata. O processo pode levar 6 meses ou mais. Enquanto isso, tecnicamente os dois países não fazem parte da aliança e, em princípio, não contam com sua ajuda.

É um período perigoso. Se sofrerem um ataque – da Rússia, de quem mais? – terão de se defender sozinhas.

O presidente Biden mostrou ter entendido o drama. Ontem mesmo a Casa Branca publicou um comunicado oficial garantindo que, mesmo neste período em que o procedimento de adesão não está finalizado, os EUA acudirão Finlândia e a Suécia “para deter e enfrentar toda agressão ou ameaça de agressão”. Traduzindo: para os EUA, os dois países já fazem parte do clube.

O recado foi direto para Putin: mexeu com eles, mexeu comigo. Não ouse!

Segundo aviso
No mesmo dia, Elizabeth Bagley, diplomata indicada por Biden para o cargo de embaixadora dos EUA em Brasília, foi sabatinada pelo Congresso americano.

Durante a audição, a diplomata lembrou que tem 30 anos de experiência em supervisão de eleições ao redor do mundo. Disse ter certeza de que as eleições brasileiras de outubro serão livres e justas, dada a tradição do país nesse particular.

Com estilo diplomático, fez uma referência leve mas incisiva ao comportamento do capitão, que tem feito o que pode para conturbar o processo eleitoral. A nova embaixadora mostrou estar ciente de que “os tempos serão difíceis” por causa “da quantidade de comentários”. Não chegou a apontar o autor dos “comentários”. Nem precisava.

São múltiplas as maneiras de exercer pressão sobre um país. Nem sempre é necessário recorrer a uma invasão. A futura embaixadora americana traz na sacola recados para o capitão. Se ele continuar a perturbar o processo eleitoral e, pior ainda, se ousar tentar derrubar a ordem constitucional, as consequências serão imediatas e vigorosas.

Diferentemente do que Bolsonaro parece acreditar, os países no mundo atual são interdependentes. O Brasil não é uma ilha. Nosso país depende de tecnologia estrangeira para funcionar. Um avião enguiçado precisa de peças americanas. Um aparelho de ressonância magnética é fabricado no exterior. Nossa indústria – química ou mecânica – é tributária de insumos americanos.

O que a embaixadora dirá a Bolsonaro – e que não sairá nos jornais – é justamente isto: se vosmicê ousar dar “aquele” passo torto, a torneirinha vai fechar e o Brasil vai parar. Será um caos. Um embargo americano pode ser extremamente dolorido, que o digam Cuba e o Irã.

Com o país enguiçado e o povo revoltado, quem vai levar um chute no traseiro é vosmicê.

Pronto, já lhe dei o aviso adiantado.

De municípios

José Horta Manzano

Você sabia?

No Brasil, é comum os termos município e cidade aparecerem como sinônimos. Em outras partes do mundo, essa equiparação nem sempre pode ser feita. Dependendo do país, o conceito de cidade varia.

Na Suíça, a lei é clara: um povoado passa a ser chamado de cidade (=ville) a partir do momento em que sua população atinge 10 mil pessoas. Abaixo disso, é village, que se pode traduzir por vilarejo ou cidadezinha. (Em Portugal, dizem aldeia.)

Na Bélgica, no Canadá e no Reino Unido, a denominação de cidade é honraria concedida pelo poder central. O número de habitantes pouco importa. Por aquelas bandas, ainda vigora o sistema do Brasil colonial. Todos nós já aprendemos algum dia, na aula de História, que tal localidade foi elevada a vila ou elevada à categoria de vila por real decreto chegado direto de Lisboa.

Na Algéria, o critério é o número de habitantes, como na Suíça. Naquele país, aglomerados de mais de 20 mil pessoas têm direito à denominação de cidade. No Reino Unido, ainda vale a antiga tradição ibérica, a mesma do Brasil de antigamente. Não é cidade quem quer. Para ostentar o título de city, o município tem de ter obtido do monarca uma letter patent. É honraria concedida com parcimônia. As mais antigas datam da Idade Média. As mais recentes foram outorgadas por Elisabeth II por ocasião de seu jubileu de diamante, em 2012. Assim mesmo, somente 51 municípios ingleses têm direito ao título de cidade.

Nos Estados Unidos, como no Brasil atual, não há esse rigor na atribuição de estatuto a vilas, vilarejos e cidades. Fica a cargo do bom senso. De um povoado de 500 habitantes, não se dirá que é uma city. Mas ninguém cairá da cadeira se você chamar town ou city um aglomerado de 50 mil viventes. Fica, assim, ao gosto do freguês.

Na França – ah! o país das regulamentações rigorosas – a lei não deixa margem a dúvida. O INSEE (Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos), o IBGE francês, ditou norma clara e precisa: um município deixa de ser chamado vilarejo (=village) e passa à categoria de cidade (=ville) quando a população ultrapassa 2000 habitantes. Mas há uma segunda condição: a zona habitada tem de ser contínua. As casas não podem estar distantes umas das outras mais de 200 metros. Se houver quebra na continuidade, cai por terra o direito ao título de cidade. A sede do município será chamada de vilarejo (=village) e cada pequeno povoado isolado, embora dentro do mesmo município, será conhecido como hameau(*) (= povoado, arraial).

No Brasil, desde que foi votada a Constituição de 1988, políticos enxergaram vantagens e oportunidades de negócios na criação de municípios. Vantagens para eles, naturalmente. Volta e meia vem algum grupo de políticos pregar desmembramento de municípios. Em vez de um só, acham mais vantajoso que haja dois ou três. É iniciativa pra lá de discutível. No entanto, toda vez que se aproximam eleições, esse tipo de «bondade» volta ao noticiário. Às vezes, pega.

Na Europa, assiste-se a um movimento inverso. Na França há hoje 1500 municípios a menos do que em 1920. E isso não é resultado de eventuais territórios perdidos em guerras. É produto da junção voluntária de pequenas comunidades. Os cidadãos, mais instruídos, fazem as contas e, deixando pra lá rivalidades locais, chegam à conclusão de que o aumento da arrecadação e as economias de gestão compensam amplamente a perda de autonomia.

Não precisa ser nenhum gênio financeiro para se dar conta de que dois prefeitos custam mais que um. Duas câmaras, dois conjuntos de vereadores, duas estruturas de arrecadação de impostos municipais ― essa duplicidade vai ter de ser sustentada. E o dinheiro tem de sair do bolso de alguém. No final, quem acaba pagando é o próprio povo. A população do País é chamada a contribuir para o favorecimento de grupos políticos amigos do rei.

A atitude dos mandachuvas brasileiros continua igualzinha à do Brasil colônia. Lugarejos continuam a ser elevados a vila, exatamente como na Idade Média. Nossos políticos têm dificuldade para se dar conta de que o povo já não é tão alienado como naquele tempo de trevas. Ou é?

(*) O francês hameau é termo de origem germânica. Descende da mesma raíz que deu ham em inglês, hem em neerlandês e heim em alemão e norueguês. Birmingham e Tottenham (Reino Unido), Arnhem (Holanda), Mannheim (Alemanha), Trondheim (Noruega) são todos primos. Em inglês, o diminutivo de ham é… hamlet. Lembra alguém, não?

Publicado originalmente em 17 jun° 2013.

Acordo Comercial Canadá-Europa

José Horta Manzano

Mais uma vez, agricultores e cidadãos franceses estão em pé guerra. Desta vez, o estopim foi a ratificação, pela Assembleia Nacional, do acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Canadá. Para entrar em vigor, esse tratado, assinado anos atrás, precisa ser referendado por todos os estados-membros da UE. Agora foi a vez da França. Passou pela assembleia semana passada.

Dado que o presidente Macron conta com maioria no parlamento, o acordo foi aprovado sem problemas, ainda que alguns deputados do partido presidencial tenham votado contra. Ah, não deu outra. Dia seguinte, agricultores furiosos começaram a atacar sedes provinciais do partido governamental. Uma delas foi apedrejada. Outra, incendiada. Houve até uma que amanheceu murada – uma parede de tijolo tinha sido levantada na fachada! Já faz uma semana, mas a raiva ainda não desapareceu. Não se passa um dia sem que um deputado seja incomodado pelos descontentes.

CETA: Acordo contestado

Como o Brasil, o Canadá é país onde a agricultura segue padrões industriais, com plantações geneticamente modificadas, uso de pesticidas, semeadura e colheita mecanizadas. Isso assusta muita gente na velha Europa. A definitiva entrada em vigor do acordo com o Canadá periga demorar. Nem metade dos países europeus ratificou o acordo até agora. Foram só 13. Faltam ainda 14.

A acordo comercial UE-Mercosul vai pelo mesmo caminho. Quem achar que em um ou dois anos estará ratificado pelos 27 membros, pode tirar o cavalo da chuva. Se o Canadá assusta os agricultores europeus, o Brasil os apavora. Os produtos da agricultura brasileira são vistos como ameaça por diversas razões: concorrência devido ao baixo preço, risco para a saúde em decorrência do uso de sementes geneticamente modificadas (transgênicas), toxicidade aumentada em consequência do uso de pesticidas proibidos.

Agricultores e ecologistas europeus farão tudo o que estiver em poder deles pra frear a entrada em vigor do livre comércio com o Mercosul. Temos pela frente anos e anos de tergiversações.

Nota
O nome do acordo com o Canadá é C.E.T.A. Oficialmente, são as iniciais de Comprehensive Economic and Trade Agreement. Como essa expressão soa técnica demais, o acrônimo acabou sendo entendido como Canada-Europe Trade Agreement = Acordo comercial Canadá-Europa. Fica mais a gosto.

Quase-verdades e traições

José Horta Manzano

Para quem achava que o máximo em matéria de personalidade desconcertante era o Lula com suas idas e vindas e suas «quase-verdades», o presidente dos EUA é muito mais perturbador e ganha disparado. Pra quem se sentiu chocado quando o Lula apertou a mão de doutor Maluf, está aí Donald Trump pra fazer mais e melhor: apertou a mão de um ditador sanguinário, inimigo declarado de seu país.

Em matéria de traição e de reviravolta, Mister Trump deixa Lula da Silva no chinelo. É imbatível. Em apenas um ano, fez o que nenhum mandatário jamais ousou fazer nem ‘nessepaiz’, muito menos ‘nesseplaneta’.

O homem renegou os Acordos de Paris sobre o clima. Renegou o Acordo Nuclear Iraniano. Traiu países aliados ao impor tributação à importação de aço e de alumínio. Faz alguns dias, quando do último encontro do G7, assinou o acordo final para, poucas horas mais tarde, renegá-lo. E fez tudo isso sem corar.

Semana passada, tratou o primeiro-ministro canadense de traidor. E pensar que o Canadá é o mais antigo e mais fiel aliado dos EUA. Acompanhou o irmão poderoso nas horas boas e nas más, na guerra como na paz. Desembarcou na França em 1944 e batalhou junto.

Poucos dias depois, Trump declarou depositar toda confiança no ditador norte-coreano. Disse acreditar que o homem cumprirá o prometido e honrará os acordos. Pergunto agora: como é possível chamar de traidor o homem que encarna a população do maior aliado e, ao mesmo tempo, acariciar um brutal ditador e declarar confiar naquele que era inimigo até a véspera?

É dose pra elefante, como diz o outro! Ninguém pode garantir que Mister Trump não vá renegar, semana que vem, o protocolo assinado hoje com Kim Jong-un. Dá pra viver numa insegurança desse calibre?

Mas a roda gira. De tanto maltratar amigos e aliados, Donald Trump vai acabar se indispondo com todos. Não é o melhor cenário para seu país.

A metralhadora de Trump

José Horta Manzano

Fazendo eco a meu artigo de ontem, trago um complemento de informação. Eu tinha, de fato, comparado Trump ao Lula no quesito despreparo para o cargo exercido. Nem um nem outro se mostraram à altura do que se espera do presidente de uma República.

O Lula, que só abre a boca pra dizer asneira, dispensa comentários. Já de Mr. Trump, bem-nascido e milionário antes de assumir a presidência, era permitido esperar que, uma vez empossado, baixasse o tom e se comportasse como digno mandatário da maior potência do planeta. Vã esperança.

A investida do presidente americano contra as importações de aço e alumínio são particularmente canhestras. Visa claramente a reconfortar a fatia menos esclarecida de seu eleitorado ‒ as eleições de «mid-term» estão chegando. Mas o estrago é maior que o ganho.

Ao tomar medida protecionista, Mr. Trump poderia ter escolhido golpear importações da China, tradicional adversário comercial. Perdeu a oportunidade. Ao elevar abruptamente o imposto de importação de aço estrangeiro, atingiu em cheio uma maioria de aliados históricos.

As importações de aço americanas (em milhões de toneladas/ano) provêm dos países seguintes:

    • 1. Canadá        5,6
    • 2. Brasil        4,6
    • 3. Coreia (Sul)  3,4
    • 4. México        3,2
    • 5. Rússia        2,9
    • 6. Turquia       2,0
    • 7. Japão         1,7
    • 8. Alemanha      1,4

Em 2017, a China só exportou aos EUA 740 mil toneladas de aço, quantidade desprezível. Portanto, a medida castiga países amigos e deixa os inimigos gargalhando. Com presidente assim, é difícil que o país avance.

Lula & Trump

José Horta Manzano

Políticos despreparados têm um ponto em comum: agem de olho nos que os elegeram, descurando soberbamente o alcance dos próprios atos. Vou desenvolver o raciocínio.

Comecemos com um exemplo. No Brasil atual, o político incompetente vai se posicionar contra toda mexida no sistema previdenciário. Mostrar-se favorável a mudanças é postura impopular que lhe poderia valer a perda de parte do eleitorado. Assim, nosso personagem prefere agradar admiradores e fechar os olhos para a catástrofe anunciada caso não se reforme o sistema. Nem a perspectiva de que os próprios netos possam vir a sofrer as consequências de sua posição o demoverá da atitude oportunista.

Nosso espécime mais conhecido de homem politicamente despreparado é o Lula, aquele que ‒ parece inacreditável! ‒ foi presidente do país. Apesar de ter ocupado o cargo por oito longos anos, não conseguiu entender que até um pronunciamento feito diante de poucas pessoas pode ressoar muito além do restrito círculo.

O homem é conhecido por regular o discurso conforme a plateia. Diz sempre o que acha que o público quer ouvir. Coerência não é o seu forte. Pode perfeitamente afirmar hoje exatamente o contrário do que tinha asseverado ontem. É compreensível que políticos que agem assim recebam aprovação de cada plateia. Granjeiam votos e acabam chegando lá. É aí que começa o desastre.

Outro exemplo flagrante de político despreparado é Mister Donald Trump. Com discurso sob medida para satisfazer o próprio eleitorado, fraturou o país entre «nós & eles» e conseguiu eleger-se. Com cultura pouca e assessoria parca, não tem logrado desvencilhar-se da armadilha montada por ele mesmo. Continua adotando medidas dirigidas a impressionar os que o elegeram. Sua mente não é suficientemente larga para entender que suas decisões podem alcançar o planeta inteiro.

Ainda estes dias, num rasgo de valentia, Trump decidiu impor taxação às importações de aço e de alumínio. Seu eleitorado aplaudiu de pé: «É isso aí, Mister President!». O drama é que mister president é incapaz de se dar conta de que a economia mundial é um arranjo frágil e delicado como um castelo de cartas. Mexeu numa, o edifício periga desabar. Nestas alturas, os apoiadores do presidente americano estarão orgulhosos de ter votado nele e certos de que a exibição de músculos os fará mais respeitados. Enganam-se.

Como reação imediata, todas as bolsas sentiram o golpe e embicaram para baixo. O Canadá ‒ vizinho, amigo e irmão ‒ é justamente o maior exportador de aço para os EUA. Será, assim, o primeiro afetado pela medida. União Europeia, Brasil e todos os que comerciam com os EUA estão ressabiados. A Europa está seriamente cogitando taxar, em retaliação, importações provenientes dos Estados Unidos.

O pior da história é que o encarecimento do aço e do alumínio vai atingir em cheio os setores da indústria americana que Mr. Trump queria justamente promover. As indústrias automobilística, aeronáutica e bélica são grandes consumidoras de aço e de alumínio. O resultado imediato será a perda de competitividade de seus produtos, um desastre.

Taí, os extremos se tocam. Como pode o distinto leitor constatar, há pontos cruciais em que o Lula e Mr. Trump se assemelham. Ambos discursam para plateias amestradas sem se dar conta do alcance de suas decisões. Falam pelos cotovelos, da boca pra fora, com perigosa leviandade.

Vamos torcer para que o próximo presidente do Brasil não pertença a essa categoria de cidadãos. Não é necessário que seja grande orador, nem ultraconhecido, nem mesmo político tarimbado. O principal é que seja homem preparado para exercer o cargo e que chegue lá sem apelar para o populismo. Não vai ser fácil.

Venezuela, a barata tonta

José Horta Manzano

«Embaixador brasileiro em Caracas considerado ‘persona non grata’ pelo governo venezuelano.»

«Itamaraty não tem previsão de enviar outro embaixador à Venezuela.»

Entre ontem e hoje, a mídia estampou essas duas manchetes. Uma sequência radicalmente fora de esquadro. Espero que a segunda manchete não passe de cochilo do estagiário de plantão nesta véspera de Natal. Mostra total desconhecimento dos sutis códigos que se utilizam na comunicação internacional.

A linguagem diplomática, de aparência aveludada, pode revelar-se contundente, violenta até. Declarar um embaixador persona non grata, é dar um tapa na cara do país que ele representa. Não é a pessoa física do diplomata que está sendo ofendida, mas o Brasil inteiro. É sinal claro de repulsa, de ‘chega pra lá’, de ‘põe-te daqui pra fora’, de ‘não queremos conversa com vocês’.

Previsão de enviar outro embaixador? O estagiário devia estar no primeiro dia de trabalho. Repito, para que fique claro: não é doutor Pereira, o embaixador, quem está sendo rejeitado. Caracas não quer conversa é com o Brasil. Portanto, enviar novo embaixador está fora de questão.

Unha e carne com señor Maduro, Delcy Rodríguez é presidente da Assembleia Constituinte. Coube a ela expulsar nosso embaixador.

Daqui pra frente, a questão subiu de patamar. Cogita-se sobre o rompimento de relações diplomáticas com o infeliz vizinho do norte. A ruptura é ato político que exige avaliação dos prós e dos contras. Embora, de supetão, a reação epidérmica seja cortar imediatamente todo contacto com aquele regime selvagem, o Itamaraty terá a sabedoria de tomar a decisão adequada. Pelo menos, assim espero.

A iniciativa de Caracas não se sustenta. Expulsaram o embaixador do Canadá sob a alegação de que aquele país se imiscui em assuntos internos da Venezuela. Ao mesmo tempo, expulsaram nosso embaixador argumentando que nosso governo é fruto de golpe de Estado, portanto, ilegítimo.

Não é possível ser e não ser ao mesmo tempo. Se, por um lado, repreendem o Canadá pela intromissão em assuntos internos venezuelanos, não faz sentido se intrometerem, por outro lado, em assuntos internos brasileiros. Se foi «gópi» ou não, o problema é nosso. A Venezuela não tem de meter o bedelho.

Feito barata tonta, os dirigentes de Caracas andam atirando em todas as direções e serrando o galho onde se assentam. Com o país em estado de indigência, melhor fariam se baixassem a crista e procurassem aproximação com quem ainda lhes pode dar uma mão. Por incompetência, estão construindo uma cintura de vácuo em torno de si próprios. Quando se derem conta de que já não conseguem sobreviver sozinhos, talvez seja tarde demais.

República racial

José Horta Manzano

As selvas te deram nas noites teus ritmos bárbaros,
Os negros trouxeram de longe reservas de pranto,
Os brancos falaram de amores em suas canções,
E dessa mistura de vozes nasceu o teu canto.
Brasil…

Em 1941, numa época em que andavam de moda os sambas em estilo exaltação, Alcyr Pires Vermelho e David Nasser assinaram a composição Canta, Brasil. Era um tempo em que o Brasil fazia questão de cantar em prosa e verso seu destino de caldeirão de raças. Num momento em que judeus e ciganos eram chacinados na Europa e negros viviam em estado de semiescravidão na África colonial, a miscigenação nacional era fator de orgulho. As canções populares faziam menção expressa à mistura de etnias sem deixar transparecer um grama de preconceito ou supremacismo. Bons tempos.

De lá pra cá, o panorama evoluiu, embora nem sempre na boa direção. A mulata assanhada que passava com graça cedeu lugar a feriado em que se celebra a Consciência Negra, com direito a passeata. Onde, antes, a convergência parecia o destino natural, temos hoje a delimitação de territórios, cada vez mais acentuada. Caminhamos a passos largos para nos tornar um Estado racialista, compostos de etnias compartimentadas, marcadas, etiquetadas e estanques. É pena.

Na França, não existem estatísticas oficiais sobre pertencimento étnico ou cor da pele dos habitantes. Uma lei de 1978 pune quem recolher e publicar esse tipo de informação com cinco anos de prisão e 300 mil euros de multa. Existem sondagens, aproximações, suposições, isso sim. Recenseamentos indagam sobre nacionalidade, lugar de nascimento, país de origem dos antepassados, mas jamais sobre raça, etnia, cor ou religião.

No Brasil, a mui oficial Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio acaba de revelar que o número de cidadãos que se declaram pretos cresceu 15% em quatro anos. Os autodeclarados pardos são hoje 6,6% mais numerosos que quatro anos atrás. Por seu lado, os que se consideram brancos decresceram 2% no mesmo período. Esses resultados permitem duas explicações, ambas preocupantes.

A primeira explicação é pouco elogiosa e aponta para o oportunismo de parte da população. Indicaria que determinados cidadãos, ao dar-se conta de que negros e pardos têm o direito de se encaixar em quotas e obter certas vantagens, bandearam-se para a etnia mais proveitosa. Se for realmente isso, é alarmante. Os que fizeram isso, ou mentiam antes, ou mentem agora.

Stop racismo!
Crédito: harrycutting.com

A segunda explicação, talvez mais plausível, confirmaria o que afirmei antes, que o Brasil está-se tornando um país racialista. Compelidos pelo Zeitgeist ‒ o espírito do tempo ‒, cidadãos se autoexilam de bom grado numa comunidade distinta. Resignam-se em colar uma etiqueta na própria fronte. É lastimável.

Que a explicação correta seja a primeira, a segunda ou ainda uma combinação das duas, cabe a pergunta: de que valem essas estatísticas? Quando a resposta varia ao sabor do ânimo do entrevistado no momento da indagação, o valor da informação se evapora.

Desde que foram instituídos, no fim do século 19, os recenseamentos no Canadá incluíam uma pergunta sobre a «origem étnica» do entrevistado. Com o passar das décadas, a população, visivelmente irritada com a questão, passou a responder «canadense». As autoridades modificaram a questão a fim de não mais ferir sensibilidades. Taí um exemplo a ser seguido. Se me perguntassem sobre cor da pele ou origem étnica, responderia «brasileiro».

Mudança de geração

José Horta Manzano

A eleição francesa, cujo desfecho se deu ontem com a eleição em segundo turno de novo presidente, representou um marco importante na caminhada da quinta potência econômica do mundo (e segunda da União Europeia). Como numa corrida de revezamento, uma geração de políticos precocemente envelhecida passou adiante o bastão. Vem aí a juventude deixando a velha guarda a comer poeira.

Emmanuel Macron (1977-)

Só pra ter ideia da inusitada juventude de Monsieur Emmanuel Macron, dê uma olhada nas seguintes considerações:

•   Com 39 anos e 4 meses, Macron é o mais jovem chefe de Estado francês desde o advento da República, no século XIX. Antes dele, o detentor do recorde era Louis-Napoléon Bonaparte, eleito em 1848 aos 40 anos de idade. Valéry Giscard d’Estaing, considerado então extremamente jovem, tinha-se tornado presidente em 1974 aos 48 anos.

•   Monsieur Macron é, de longe, o líder mais jovem do G20. Até Monsieur Trudeau, o sorridente primeiro-ministro do Canadá, é seis anos mais velho que ele.

•   Na União Europeia, um único dirigente é mais jovem que ele. Trata-se do primeiro-ministro da pequenina Estônia, Jüri Ratas, atualmente com 38 anos. A idade média dos dirigentes europeus é de 54 anos. Frau Merkel e Ms. May são já sexagenárias.

•   No mundo, somente quatro chefes de Estado são mais jovens que Monsieur Macron. A campeã é Vanessa D’Ambrosio, uma das cabeças da regência bicéfala de San Marino, microrrepública independente encravada na Itália. Signorina D’Ambrosio acaba de completar 29 anos.

•   Há outros três chefes de Estado mais jovens que Macron, embora não tenham sido eleitos pelo povo mas designados por hereditariedade. O mais jovem deles é Kim Jong-Un (34 anos), o belicoso e imprevisível ditador da Coreia do Norte. Vem em seguida Tamim ben Hamad Al Thani (36 anos), emir do Catar, que sucedeu ao pai. Por fim, lembremos Jigme Khesar Nambyel Wangchuck (37 anos), rei do Butão, pequeno país encravado entre Índia e China.

Paul Doumer (1857-1932)

Como curiosidade, note-se que Paul Doumer foi o presidente francês eleito em idade mais avançada. Chegou ao posto máximo em 1931, quando já tinha 74 anos. Não ficou lá muito tempo. Um ano mais tarde, seria assassinado.

Tomara que a presidência de Monsieur Macron seja menos agitada. Que ele tenha tempo de fazer uma França melhor, o que só pode ser benéfico para a Europa e para o planeta.

Trump e os estrangeiros

José Horta Manzano

Segundo a definição da ONU, imigrante é a pessoa que não nasceu no país em que reside. Por esse critério, cerca de 13% dos habitantes dos Estados Unidos entram na categoria. A atual proporção de estrangeiros é praticamente a mesma que habitava no país há um século, nos anos de imigração maciça. De fato, a quantidade de habitantes nascidos fora do país em 1860 (13,2%), em 1880 (13,3%), em 1900 (13,6%) ou em 1920 (13,2%) equivale à de hoje.

Portanto, o número de imigrantes naquele país não deveria, em si, surpreender ninguém. Por um lado, o fenômeno não é novo. Por outro, o número não é assustador. Convenhamos, se um estrangeiro sai de casa pra fazer a vida do outro lado do mundo, não é por pura vocação turística. É sinal positivo que indica que há boas oportunidades de trabalho.

alfandega-3Tem mais: o imigrante tende a ocupar os extremos da escala social. A maioria cuida justamente das atividades que os nativos desdenham. São pessoas com pouca instrução, que aceitam empregos de baixo salário recusados pelos nacionais. Na outra ponta, estão os profissionais solidamente formados, disputados por universidades, centros de pesquisa, empresas de desenvolvimento tecnológico.

O grau de avanço de países de forte imigração parece demonstrar os benefícios que a vinda de estrangeiros traz. EUA, Suíça, Canadá, França, Austrália, Suécia, Nova Zelândia são bons exemplos. Não fosse a criminalidade descontrolada e o roubo institucionalizado, Brasil e Argentina também apareceriam nessa lista.

Na França, os imigrantes representam cerca de 12% da população. O grosso desses indivíduos vem de antigas colônias (Argélia, Tunísia, Marrocos, África subsaariana), países de maioria muçulmana. Como resultado, no imaginário popular, o imigrante é identificado como maometano. Para combater esse clichê, as autoridades evitam dar destaque à religião em recenseamentos. Embora a escassez de estatísticas ligando imigração e religião não elimine o preconceito, o esforço e a intenção são louváveis. Sem essa orientação oficial, a clivagem seria ainda mais importante.

Mr. Trump, truculento e pouco experimentado, nem sempre consegue calcular o alcance de seus atos. Acaba de fechar as portas dos EUA a pessoas oriundas de determinados países de maioria muçulmana. A decisão, ofensiva e de sabor medieval, equivale a identificar em cada cidadão dos países vetados um potencial terrorista. É inacreditável como um mandachuva, sozinho, pode causar estrago tão grande em tão pouco tempo.

green-card-1Acredito que, se pudessem voltar atrás, muitos dos que votaram nele reconsiderariam a escolha feita. De qualquer ponto de vista que se analise a ferocidade do novo presidente, só se conseguem ver consequências negativas.

O mundo civilizado está atônito. A antipatia planetária espalhada por Bush Jr. volta com força total. Os oito anos durante os quais Obama tentou amenizar a imagem do país estão escorrendo pelo ralo em poucos dias. Negar entrada no país até a cidadãos munidos de autorização permanente ‒ o chamado «green card» ‒ gera insegurança jurídica, situação típica de países atrasados. Vai-se dormir sem saber como será o dia seguinte.

Francamente, os EUA não mereciam um líder de mente tão embotada.

If Trump wins

José Horta Manzano

A ascensão fulgurante de Donald Trump, pré-candidato à presidência dos EUA, está inquietando muita gente. Seu estilo agressivo e arrogante guarda semelhança com o de outros populistas que a história já conheceu. Exatamente como Lula da Silva, o americano especializou-se em acirrar ânimos ao dividir o eleitorado entre os que aprovam e os que rejeitam certas medidas extremadas. É o conhecido método do «nós contra eles», que tantas sequelas nos deixou.

Cape Breton, Nova Escócia, Canadá

Cape Breton, Nova Escócia, Canadá

O pré-candidato surfa na onda perigosa da insegurança que aflige muitos de seus concidadãos. Joga uns contra os outros, estabelece fronteiras entre os bons e os maus, promete paz e felicidade por meio de muros, expulsões e segregações.

O método não é original, muitos já o utilizaram. O problema, no entanto, é agravado pelo peso de seu país na geopolítica. Se más decisões do mandatário do Uzbequistão não ultrapassam as fronteiras do longínquo país, atos e fatos do presidente dos EUA têm eco global e alcance planetário.

Em tom bem-humorado, um radialista canadense da ilha Cape Breton, na província da Nova Escócia, lançou um site despretensioso. Chamou-o cbiftrumpwins.com. O nome embute um atalho para Cape Breton se Trump vencer. O mote é «Não espere que Donald Trump seja eleito para encontrar um outro lugar para morar.»

Cape Breton, Nova Escócia, Canadá

Cape Breton, Nova Escócia, Canadá

O lugar, pelo menos no verão, tem ar paradisíaco com suas vastas extensões verdes, falésias, mar tranquilo, praias desertas e poéticas casinhas de madeira. Exala tranquilidade.

Surpreso, o jornalista constatou inesperado afluxo de mais de 300 mil visitantes numa semana. Embora a ilhota, com seus 10 mil km2, não seja tão minúscula assim, dificilmente suportaria a chegada de milhões de americanos desiludidos com a eleição do bizarro candidato.

Que por isso não seja. Se, por desgraça, o populista chegar lá, outros portos seguros hão de se abrir para acolher os retirantes.

Arma secreta

José Horta Manzano

Heroi 1Todo país guarda memória de algum dirigente excepcional, daqueles que só aparecem uma vez por século. Refiro-me a gente da estirpe de um Winston Churchill, de um Otto von Bismarck, de um Abraham Lincoln ou de um Charles de Gaulle. O Canadá também teve o seu. Foi o Primeiro-Ministro Pierre Elliott Trudeau (1919-2000).

Dotado de grande simpatia e de espírito vivo, Trudeau segurou as rédeas de seu país em duas ocasiões, totalizando 15 anos. São de sua lavra algumas pérolas oratórias. Certa ocasião, em discurso no Clube de Imprensa de Washington, soltou uma preciosidade curta, grossa e irretocável. Referindo-se aos Estados Unidos, disse:

Interligne vertical 3Interligne vertical 3«Living next to you is in some ways like sleeping with an elephant. No matter how friendly and even-tempered is the beast, one is affected by every twitch and grunt.»

Ser vizinho seu é como dormir com um elefante. Por mais amistoso e manso que seja o animal, a gente sente cada movimento e cada grunhido.

Fazia alusão, naturalmente, ao descomunal peso demográfico, econômico, militar e político do vizinho. Os dois países são separados (ou unidos, como queira) por quase 9000km de linha demarcatória, a mais longa fronteira do planeta entre duas nações.

Fronteira 1Embora a gente nem sempre se dê conta, o Brasil assume, na América do Sul, o papel do elefante. Com população e peso econômico equivalente ao de todos os hermanos reunidos, nosso país é observado com crescente atenção pelos vizinhos. Nossos sobressaltos nacionais extrapolam fronteiras.

A edição online deste domingo do espanhol El País aponta exatamente para essa influência que, o mais das vezes, nos passa despercebida. Se mensalões, petrolões e recessões nos deixam apreensivos, o mesmo sentimento de insegurança atravessa cerrados, pampas, pantanais e florestas para incomodar outros povos.

by Fernando de Castro Lopes, desenhista carioca

by Fernando de Castro Lopes, desenhista carioca

Nossos vizinhos – uns menos, outros mais – sentem inquietação. Para a Argentina, o Uruguai e o Paraguai, as trocas comerciais com o Brasil são de importância vital. Se bambearem, eles estarão em apuros.

Nossos vizinhos de inclinação autocrática e populista – ou «bolivariana», como eles preferem – andam angustiados com os desdobramentos da Lava a Jato. La Paz, Caracas e Quito sabem que o regime que vêm tentando implantar há anos não sobreviverá a uma guinada brasileira em direção à civilização. Se o Brasil conseguir aperfeiçoar sua democracia, o regime autoritário de alguns vizinhos definhará.

Manif 3A marca deixada pelo presidente americano Richard Nixon (1913-1994) não é positiva. No entanto, em pelo menos uma ocasião, o chefe de Estado pronunciou palavras proféticas. Em 1971, já vislumbrava a crescente e inevitável influência de nosso País quando disse que «para onde for o Brasil, irá a América Latina».

Está aí, companheiros! Não estamos sós! Além-fronteiras, também se repete a partição entre «nós & eles». De um lado, há os que torcem pelo soerguimento da economia brasileira, objetivo que só pode ser atingido depois de varrida a bandalheira que nos tem martirizado. De outro lado, há os que rezam para que nada mude, pois são beneficiários diretos do statu quo.

Quanto aos de fora, que torçam, que rezem, que façam novena ou trezena, de pouco adiantará. O futuro do Brasil está contido na arma que só se concede aos nacionais: o voto.

Hermanos no muy amigos

José Horta Manzano

Tantas faz doña Cristina, tanto exige, tanto atravanca, que não deixa aos sócios outra saída senão a traição. Estou falando do Mercosul e de doña Cristina, presidente da vizinha Argentina.

by Vincent van Gogh (1853-1890), artista holandês

by Vincent van Gogh (1853-1890), artista holandês

Um drama como o que se desenrola estes dias na Grécia já aconteceu na Argentina, igualzinho, quinze anos atrás. Um coquetel explosivo à base de corrupção, incapacidade e má gestão gerou caos nas contas públicas. Na sequência, vieram crise política, calote nos credores, «corralito», recessão, desemprego.

A sobrevivência do país hermano, estes últimos anos, deve muito à indulgência com que tem sido tratado pelo governo brasileiro. Se já não era fácil lidar com o pranteado Nestôr Kirchner, o convívio com doña Cristina é ainda mais áspero.

Trigo 1A Argentina é vista pelo mundo com desconfiança, como se empesteada fosse. A reputação de seriedade que o país tinha levado um século para firmar escorreu pelo ralo. Vão-se passar décadas até que se recupere a credibilidade. Só a mão amiga do Brasil tem evitado desastre maior.

Mas até mão amiga se cansa. A burocracia, os empecilhos, os vaivéns estão esgotando a paciência de tradicionais importadores brasileiros de trigo argentino.

O jornal La Nueva, de Mar del Plata, fala da sinuca em que estão metidos os triticultores argentinos. O comércio com o país vizinho é tão entravado que os importadores brasileiros têm abandonado o trigo argentino em favor do americano e do canadense.

Para piorar, em gesto de reciprocidade dirigido à Rússia – que se tornou grande cliente de frigoríficos brasileiros – nosso Ministério da Agricultura decidiu incentivar a compra de trigo daquele país.

Taí. Nenhum «malfeito» fica eternamente impune. Mais dia, menos dia, a conta acaba chegando.

Trigo 2A Petrobrás, maior contribuinte da Receita Federal, ia pelo mesmo caminho da Argentina. Pelas mesmas razões. Se ainda está de pé, combalida mas viva, é porque a rapina foi descoberta a tempo, enquanto ainda se podia salvar alguma coisa. Mais uns aninhos e… babau! Se o escândalo não tivesse estourado a tempo, se tivesse durado até o fim do atual mandato presidencial, só haviam de sobrar-nos o olhos para chorar.

Joões que choram, joões que riem

José Horta Manzano

Campo de colza na Europa

Campo de colza na Europa

O azar de uns…
A insatisfação de caminhoneiros anda fazendo a infelicidade de muitos no Brasil. Nos anos 1960, a rodovia primeiro suplantou, depois dizimou toda atividade ferroviária. Desde então, a economia do País tornou-se dependente do caminhão. Qualquer perturbação no movimento de carga pesada tem reflexo imediato dos montes roraimenses às coxilhas gaúchas.

… faz a felicidade de outros
Mas a balança tem dois pratos. Se um baixa, o outro, necessariamente, tem de subir. O Brasil, grande fornecedor de soja, não é o único produtor de alimento animal. Outras partes do mundo cultivam outras comidas pra bicho.

Nos países de clima fresco, uma planta anual resultante de antiquíssimo cruzamento entre repolho e nabo está entre as três principais fontes de óleo vegetal de regiões temperadas: é a colza. O girassol e a oliveira completam o trio das estrelas oleaginosas.

Campo de colza em andares

Campo de colza em andares (terraços)

Um campo de colza é esteticamente muito bonito. Lá pelo mês de abril-maio, suas flores amarelas enfeitam a paisagem. Da colza, planta polivalente, extrai-se óleo comestível, etanol e alimento animal.

A canola, termo familiar ao brasileiro, é uma variedade de colza desenvolvida no Canadá.

Os dez maiores produtores mundiais são os seguintes:

Interligne vertical 16 3Kb1°) Canadá
2°) China
3°) Índia
4°) França
5°) Alemanha
6°) Austrália
7°) Reino Unido
8°) Polônia
9°) Ucrânia
10°) Estados Unidos

Flor de colza

Flor de colza

Exatamente como a soja, a colza também é cotada nas bolsas de matérias-primas. Com o tráfego bloqueado e a soja fermentando na carroceria de caminhões brasileiros, o que é que aconteceu? Um doce pra quem adivinhar.

É claro: a cotação da colza subiu. A balança começa a pender pro outro lado. É a lei da gangorra.

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(*) A palavra colza é contribuição dada ao mundo pela língua holandesa. O original é koolzaad (= semente de repolho).

Efeito colateral – 2

José Horta Manzano

Um dia, já faz muitas décadas, os Estados Unidos e a República Popular de Cuba ficaram de mal e cortaram relações diplomáticas. E como é que ficou?

Engana-se quem achar que os dois países simplesmente se deram as costas e nunca mais se falaram. São vizinhos de andar, separados por um braço de mar de 160 quilômetros, unidos por interesses comuns. Pelo menos um milhão de cubanos vivem nos EUA.

Havana, Palacio Presidencial

Havana, Palacio Presidencial

Desde que o último espanhol deixou Cuba, em 1898, os Estados Unidos passaram a ser o país de referência tanto para o povo quanto para o governo da ilha. Uma briga entre eles é como desavença em família. Dois parentes podem até cortar relações, mas continuam mandando recado por intermédio de algum pombo-correio.

Apesar das aparências, Washington e Havana nunca cessaram de se falar. O congelamento de relações foi só de fachada – como são todas as contendas entre países. E quem foi o estafeta, aquele que leva a notícia de um e traz a do outro? Pois foi a Suíça, distinto leitor.

A partir de 1961, os interesses americanos passaram a ser representados pela embaixada da Suíça em Havana. Trinta anos depois, com o esfacelamento do império soviético, o governo cubano entendeu que era hora de preparar o reatamento. A partir de 1991, a embaixada suíça em Washington foi encarregada de defender os interesses cubanos.

Washington, Palácio Presidencial - The White House

Washington, Palácio Presidencial – The White House

Nós – a plebe – não somos informados de certas coisas. Só sabemos o que chega até a mídia. Disseram-nos, meio por alto, que o Vaticano e o Canadá participaram das negociações entre os vizinhos brigados. Não será surpreendente que a Suíça também tenha dado sua contribuição. Afinal, não haviam de afastar aqueles que agiram como pombo-correio durante mais de meio século.

Não saberemos nunca dos detalhes. E é melhor assim. Certas coisas, mais vale ignorar. Fica uma certeza: o governo suíço, embora tenha discretamente mostrado satisfação com a quebra do gelo entre os vizinhos briguentos, exibiu sorriso meio amarelo.

Perdeu o estatuto de intermediário. Daqui pra diante, além de não mais receber pelos serviços de estafeta, deixará de estar a par das futricas, dos segredinhos, dos trambiques, das traições, das negociações secretas. Tornou-se vítima colateral.

Orient Express

José Horta Manzano

Você sabia?

SMT = Shanghai Maglev Train (trem de levitação magnética)

SMT = Shanghai Maglev Train
(trem de levitação magnética)

O mui oficial jornal Beijing Times, controlado pelo Estado chinês, anunciou um projeto pra lá de ousado. Trata-se da construção de uma linha de trem de alta velocidade (trem-bala) entre a China e os Estados Unidos.

Prevê-se que a extensão seja de 13 mil quilômetros. Para efeito de comparação, note-se que a distância entre o extremo leste e o extremo oeste do Brasil é de 4300 quilômetros. A linha deverá sair do nordeste da China e cruzar boa parte do território russo.

Para passar da Ásia à América, é preciso vencer o Estreito de Bering. A escavação de um túnel submarino de 200 km deverá resolver o problema. Para dar-lhe ideia da complexidade da obra, tenha presente que, atualmente, o túnel ferroviário entre a França e a Grã-Bretanha é o que tem o trecho submerso mais longo do mundo: 37 km.

No Novo Mundo, o Alasca e o Canadá inteiros ainda terão de ser atravessados antes da chegada ao terminal em Nova York. Numa hipótese optimista, um trem lançado a uma velocidade média de 350 km/h levará dois dias e uma noite para fazer o percurso. Sem contar as paradas.

O não menos oficial China Daily, outro braço do Estado chinês, confirma a existência do projeto e vai mais longe. Afirma que a tecnologia para construir a gigantesca obra já está disponível.

Nenhum dos periódicos informou se já combinaram com os russos ― no sentido literal. Com os russos, com os canadenses e com os americanos, naturalmente.

Esquema da linha ferroviária projetada

Esboço do percurso projetado

Aqui no meu cantinho, fico cismado. Não vejo a lógica que possa levar viajantes a preferir passar 48 horas confinados num trem para cumprir um trajeto que, de avião, demanda 12 horas.

Pessoalmente, já cheguei a fazer, décadas atrás, uma viagem de 48 horas de trem. A razão foi uma só: falta de dinheiro para usar meio de transporte mais rápido. Posso confirmar que é duro ficar sentado naquela poltrona durante dois dias e duas noites. Dormir sentado, comer farofa de casa ou gororoba de trem, aguentar ronco de vizinho podem ser atividades excitantes para os muito jovens. Para os que já não têm mais 20 anos, é menos entusiasmante.

O projeto é delirante. Como não me consta que a China dê ponto sem nó, uma razão há de haver por detrás desse anúncio. Poderia perfeitamente ser uma jogada de marketing. Para um país que pretende vender trens de alta velocidade ao estrangeiro, toda propaganda é bem-vinda.

É como propaganda eleitoral gratuita: não custa nada e pode render muito.(*)

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(*) Propaganda eleitoral gratuita não custa nada? É relativo. Todos sabem que não há almoço grátis ― alguém terá sempre de pagar a conta. No caso da propaganda eleitoral, se o dinheiro não sair do bolso do candidato, da mídia é que não sairá. Quem paga então? Ora, caro leitor, ao fim e ao cabo, sai do seu, do nosso bolso.

A fanfarrice e suas consequências

José Horta Manzano

Imaginemos que um país sério decida promover uma ofensiva comercial. Para nosso exemplo, façamos de conta que o país que quer aumentar suas vendas seja a Alemanha, o Japão, o Canadá, a Nova Zelândia, a Holanda, tanto faz.

A receita é sempre a mesma: no embalo de um evento qualquer ― uma feira comercial, uma visita presidencial, um simpósio ― uma comitiva de grandes empresários acompanha um figurão agregador. O pivô em torno do qual gravitam os homens de negócios pode ser um capitão da indústria, um ministro ou até um chefe de Estado.

No caso que me preparo a comentar, a figura agregadora era justamente a presidente de nossa República. Na brecha aberta pela sessão anual da ONU, dona Dilma se fez acompanhar por seu ministro da Fazenda e por uma revoada de empresários.

Um editorial do Estadão de 26 set° nos revela ― e Patrícia Campos Mello nos confirma na Folha de São Paulo de 27 set° ― que o grupo gastou seu tempo martelando, como numa litania, que o Brasil costuma respeitar contratos.

The Economist conceituada revista britânica

The Economist
À esquerda, edição de nov° 2009                                                            À direita, edição de set° 2013

Alguém em sã consciência poderia jamais imaginar um grupo de empresários alemães, japoneses, canadenses, neozelandeses ou holandeses declamando uma tal ladainha? Não precisa, ça va de soi, é uma evidência.

Que nosso grupo de empresários se tenha sentido na obrigação de reafirmar com tanta veemência que o Brasil é um país sério é mau sinal. A necessidade tão premente que o capitão de indústria sente de dar garantias prévias ao investidor denuncia um clima de desconfiança. Ninguém quer aplicar seu dinheiro em empreitada duvidosa.

Visto do estrangeiro, o Brasil não é o mesmo. Para o investidor externo, muitos dos grandes acontecimentos nacionais passam em branco. O mensalão simplesmente não existe na mídia internacional. Engorda a conta da corrupção endêmica do País, já conhecida por todos. Disputas partidárias, mais médicos ou menos médicos, asilo de senador boliviano & outros temas que nos parecem transcendentes simplesmente não são noticiados. Não interessam a aplicadores estrangeiros.

Já os caminhos políticos, sim, são observados com lupa e analisados com minúcia. A inserção de nosso país no conjunto das nações importa. O governo de dona Dilma está pagando por um pecado que não cometeu. E todos nós, de tabela, entramos na dança. Essa desconfiança com relação ao Brasil planta suas raízes na ingênua e desastrada política exterior levada a efeito por nosso messias e sua veneranda equipe.

O presidente que antecedeu dona Dilma abraçou Chávez, confraternizou com os irmãos Castro, estendeu tapete vermelho para Ahmadinejad, distribuiu afagos a sanguinários ditadores africanos, chamou Kadafi de irmão, intrometeu-se na política interna de Honduras, concedeu asilo a um terrorista condenado pela justiça italiana, atropelou grandes potências ao tentar impor um xeque-mate mal alinhavado no Oriente Médio. Esse rosário de fracassos deixa a impressão de que o Brasil é governado por gente presunçosa, conquanto ingenua e ignorante.

Como conquistar o investidor estrangeiro segundo Amarildo Lima

Como conquistar o investidor estrangeiro
segundo Amarildo Lima

São fatos que permanecem na memória dos que controlam os grandes fluxos de capitais. No Brasil os descalabros se sucedem vertiginosamente. O escândalo de hoje empurra o de ontem para o esquecimento. Já quem olha de fora usa outros óculos e não costuma acreditar em duendes. A mais recente edição da celebrada revista The Economist veio de encomenda para reforçar a reticência de investidores já hesitantes.

Se eu tivesse alguns milhões e estivesse procurando um país para aplicar meu capital, dificilmente escolheria o Brasil. Quando se trata de dinheiro grosso, pouco importa o nome do país. O investidor quer, antes de tudo, segurança. Se o retorno for bom, melhor ainda.

Escolha errada

José Horta Manzano

Talvez seja tarde demais, é verdade, mas… antes tarde do que nunca. Antevendo catástrofe no ano que vem, o presidente da Fifa finalmente reconhece que a escolha do Brasil para sediar a próxima Copa do Mundo pode não ter sido uma boa ideia. Foi delicado, falou suave.

E tem razão, ninguém pode negar, embora receio que seja demasiado tarde para voltar atrás. Bilhões já foram enterrados nessa aventura extravagante. Governo do Brasil, patrocinadores, a própria Fifa, nenhum dos envolvidos pode mais desistir. Malfeito foi, malfeito continua sendo, e malfeito continuará.

Estava bonito no papel, na prancheta e na conta bancária. Tudo parecia perfeito. Esqueceram de combinar com o povo. Os ingênuos mandachuvas brasileiros menosprezaram a inteligência dos habitantes do País. E os gananciosos dirigentes da Fifa acreditaram nas garantias do governo brasileiro.

Estava aí uma ocasião de ouro para organizar um plebiscito. Falo de 7 anos atrás, evidentemente. O governo teria assim jogado a responsabilidade no colo do povo. Ninguém poderia reclamar. Mas, que fazer? Entre o plebiscito que não houve e o governo que não ouve, deu no que deu.

Árbitro Crédito: Kopelnitsky, EUA

COPA DO MUNDO
By Kopelnitsky, EUA

Cada povo tem suas características, destiladas por um processo multissecular. Cada povo tem suas qualidades e seus defeitos. O rigor e a disciplina certamente não fazem parte da coletânea de qualidades maiores de nossa gente ― bem ao contrário.

A organização de um evento da magnitude de uma fase final de Copa do Mundo de futebol exige qualidades e prendas que ainda não possuímos. Se bastasse construir estádios monumentais e dar-lhes a bizarra apelação de «arena», o problema estaria resolvido. Infelizmente, precisa um pouco mais que sol, samba, carnaval e mulatas para organizar o espetáculo.

Temos falhas estruturais capazes de frustrar o sucesso de eventos mundiais. Há remédio para tudo, mas precisa comprar o medicamento e seguir a receita tim-tim por tim-tim. O tratamento vai levar tempo.

A visão de nossos políticos não alcança mais longe que a próxima eleição, portanto esses tratamentos a longo prazo não têm grande chance de serem adotados.

É muito chato que aconteçam coisas como esse pronunciamento de Herr Blatter, paxá da Fifa. Uma frase saída da boca de gente desse calibre é capaz de aniquilar anos de maquiagem de marqueteiros do Planalto. A imagem de país de Primeiro Mundo, moldada com tanto cuidado por «peritos em comunicação», escoa pelo ralo.

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Aqui está um florilégio da repercussão mundial da fala de Herr Blatter.

Interligne vertical 5No Brasil

No México

No Canadá

Na Alemanha I

Na Alemanha II

Nos Estados Unidos

Na Itália

Na França

No Peru

Na Inglaterra

Em Portugal

Se o mundo ainda existir ― e o Brasil e o futebol também ― talvez estejamos em condições de nos candidatar para sediar a Copa de 2126. Ou quem sabe a de 2130, ano que marcará o 200° aniversário do primeiro Campeonato Mundial de Football, como se dizia na época.

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De municípios

José Horta Manzano

Você sabia?

No Brasil, é comum os termos município e cidade aparecerem como sinônimos. Em outras partes do mundo, essa equiparação soa estranha. Dependendo do país, o conceito de cidade varia.

Municípios suíços

Municípios suíços

Na Suíça, a lei é clara: um povoado passa a ser chamado de cidade (=ville) a partir do momento em que sua população atinge 10 mil pessoas. Abaixo disso, o nome é vilarejo (=village).

Na Bélgica, no Canadá e no Reino Unido, a denominação de cidade é uma honraria concedida pelo poder central. O número de habitantes pouco importa. Por aquelas bandas, ainda vigora o mesmo sistema do Brasil colonial. Todos nós já aprendemos algum dia, na aula de História, que tal localidade foi elevada a vila ou elevada à categoria de vila por real decreto chegado direto de Lisboa.

Na Algéria, o critério é o número de habitantes, como na Suíça. Naquele país, aglomerados de mais de 20 mil pessoas têm direito à denominação de cidade.

Vilarejo Crédito: Jamyshots.com

Vilarejo
Crédito: Jamyshots.com

No Reino Unido, ainda vale a antiga tradição ibérica, a mesma do Brasil de antigamente. Não é cidade quem quer. Para ostentar o título de city, o município tem de ter obtido do monarca uma letter patent. É honraria concedida com parcimônia. As mais antigas datam da Idade Média. As mais recentes foram outorgadas por Elisabeth II por ocasião de seu jubileu de diamante, no ano passado. Assim mesmo, somente 51 municípios ingleses têm direito ao título de cidade.

Nos Estados Unidos, não há esse rigor na atribuição de estatuto a vilas, vilarejos e cidades. De um povoado de 500 habitantes, não se dirá que é uma city. Mas ninguém cairá da cadeira se você chamar town ou city um aglomerado de meio milhão de viventes. Fica, assim, ao gosto do freguês.

Na França ― ah! o país das regulamentações rigorosas ― a lei não deixa margem a dúvida. O INSEE (Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos), o IBGE gaulês, ditou norma clara e precisa: um município deixa de ser chamado vilarejo (=village) e passa à categoria de cidade (=ville) quando sua população ultrapassa 2000 habitantes. Mas há uma segunda condição: a zona habitada tem de ser contínua. As casas não podem estar distantes umas das outras mais de 200 metros. Se houver quebra na continuidade, cai por terra o direito ao título de cidade. A sede do município será chamada de vilarejo (=village) e cada pequeno povoado isolado, embora dentro do mesmo município, será conhecido como hameau (=lugarejo, aldeia, arraial)(*).Interligne 13

No Brasil, desde que foi votada a Constituição de 1988, políticos enxergaram vantagens e oportunidades de negócios na criação de municípios. Vantagens para eles, naturalmente.

Cidade imaginária

Cidade imaginária

Estive lendo hoje sobre a onda atual de desmembrar municípios existentes para criar novos. É iniciativa pra lá de discutível. No entanto, a proximidade das eleições incentiva esse tipo de «bondade». Mais que possível, é altamente provável que um exército de novos municípios apareça nos próximos meses.

Na Europa, temos assistido a um movimento inverso. Mais instruídos, os cidadãos resistem a acatar bovinamente caprichos e casuísmos vindos do andar de cima.

Na França há hoje 1500 municípios a menos do que em 1920. E isso não é resultado de eventuais territórios perdidos em guerras. É produto da junção voluntária de pequenas comunidades. Os cidadãos fizeram as contas e chegaram à conclusão de que o aumento da arrecadação e as economias de gestão compensavam amplamente a perda de autonomia.

Hameau Crédito: kako.artblog.fr

Hameau
Crédito: kako.artblog.fr

Não precisa ser nenhum gênio financeiro para se dar conta de que dois prefeitos custam mais que um. Duas câmaras, dois conjuntos de vereadores, duas estruturas de arrecadação de impostos municipais ― essa duplicidade vai ter de ser sustentada. E o dinheiro tem de sair do bolso de alguém. No final, quem acaba pagando é o próprio povo. A população do País é chamada a contribuir para o favorecimento de grupos políticos amigos do rei.

A atitude dos atuais mandachuvas brasileiros confirma que pouco mudou desde o Brasil colônia. Lugarejos continuam a ser elevados a vila, exatamente como na Idade Média. Nossos políticos têm dificuldade para se dar conta de que o povo já não é tão alienado como naquele tempo de trevas.

É bom que acordem a tempo.Interligne 18

(*) O francês hameau é termo de origem germânica. Descende da mesma raíz que deu ham em inglês, hem em neerlandês e heim em alemão e norueguês. Birmingham, Arnhem, Mannheim, Trondheim são todos primos. Em inglês, o diminutivo de ham é… hamlet. Lembra alguém, não?

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