José Horta Manzano
Na política e na sociedade, a decência tem-se tornado artigo de luxo, raro, cada dia mais difícil de alcançar. Nem sempre foi assim, acreditem. Não digo que, décadas atrás, políticos e autoridades agissem com decoro e comedimento em todas as situações. Não vamos nos enganar. Escândalos havia, sim, mas eram exceções. Hoje tornaram-se norma.
Sempre houve alguma figurinha carimbada da qual se podiam esperar barbaridades. Lembro de Tenório Cavalcanti, alagoano de nascimento, que evoluiu na política do Rio de Janeiro nos anos 1950 e 1960. Conhecido como o homem da capa preta, andava armado o tempo todo, às vezes com uma metralhadora que levava o nome inocente de Lurdinha. O homem protagonizou um episódio tragicômico no dia em que, em plena sessão da Câmara, sacou dum revólver pra ameaçar um outro deputado. Não chegou a atirar, mas provocou momentânea incontinência urinária no colega ameaçado. O caso entrou para os anais da Casa.
A quebra da decência, que antes era folclórica e espetaculosa, hoje em dia é silenciosa, bem mais sutil do que no tempo dos deputados cangaceiros. Por desgraça, porém, está mais generalizada. Os pecadores são tantos, que o pecado acaba assumindo ar de normalidade. É uma lástima que isso aconteça. Pelas conclusões da filósofa Hannah Arendt, a banalização do mal pode ter consequências devastadoras. Pode significar a autodestruição de uma sociedade.
A Folha levantou o prontuário dos candidatos às eleições do mês que vem. Limitou-se a investigar a situação dos envolvidos na Operação Lava a Jato. Constatou que pelo menos 19 réus e 12 acusados(!) na operação disputam o voto do eleitor descuidado. E tudo bem. A lei, é verdade, não impede que esses elementos se candidatem. É que, até não faz muito tempo, o sentimento de decência bastava para mantê-los afastados. Já não basta.
É inevitável concluir que, entre nós, a noção de decência anda frouxa. Diluída, está escorrendo pelo ralo. Chegou a hora de cercear pela força da lei o que bambeou por afrouxamento do decoro. A Lei da Ficha Limpa acaba de provar sua enorme utilidade: livrou-nos da figura nefasta e impertinente de um ex-presidente hoje encarcerado.
Por melhor que seja, no entanto, está evidente que essa lei não é suficiente. A próxima legislatura terá de debruçar-se sobre o problema e encontrar jeito de apertar o cinto. Não é possível que gente em débito com a Justiça se candidate para representar o povo. Não dá mais.