Brincando de candidato

José Horta Manzano

Na hora de votar, paulistas e paulistanos são gente pouco preconceituosa. Não costumam ser mesquinhos. A capital já elegeu prefeitos cariocas (Faria Lima, Celso Pitta), uma prefeita vinda da Paraíba (Luíza Erundina), um mato-grossense (Jânio Quadros). Este último, aliás, antes de chegar à Presidência da República, foi governador dos paulistas durante quatro anos, eleito pelo voto direto. Lembremos que Fernando Henrique, o carioca que viria mais tarde a presidir o Brasil, também foi senador por São Paulo durante oito anos.

Paulistas não gostam é de ver gente que só conhece o estado de ouvir falar se apresentando como “profundo conhecedor” da terra dos bandeirantes. Vez por outra, aparece algum político que, não se sabe por que razão, se recusa a subir um degrau após o outro e prefere ser lançado de paraquedas pra pousar logo no topo da escala.

Não faz muito tempo, o paranaense Sergio Moro arrumou um endereço fantasma e, numa burla às regras, tentou inscrever-se como candidato ao Senado pelo estado de São Paulo. Foi apanhado e caiu do cavalo. Conhecia pouco ou quase nada do estado.

Temos agora o caso do doutor Tarcísio de Freitas, candidato do bolsonarismo ao governo paulista. Nascido do Rio e tendo passado boa parte de sua vida em Brasília, ele tem tanta intimidade com o estado de SP quanto você, distinto leitor, tem com a Mongólia. Pra quem nunca ouviu falar desse senhor, foi diretor de autarquia nomeado no governo Dilma, em seguida ministro nomeado por Bolsonaro. Costumava aparecer na garupa do presidente em alguns passeios de moto à la Mussolini.

A jornalista Bela Megale relata, em artigo d’O Globo, que senhor Freitas caminhava outro dia pelas ruas de Osasco (grande SP), quando um popular lhe perguntou se conhecia o estado. “Conheço mais que paulista” – foi a resposta, petulante e grosseira, ao melhor estilo bolsonarista.

O artigo nos informa também que, antes de bater o martelo, senhor Freitas relutava em aceitar a candidatura à governança de São Paulo, como lhe exigia o capitão. Em vez de candidatar-se a governador por um estado que não conhece, teria preferido representar o estado de Goiás no Congresso, o que lhe permitiria levar vida tranquila e continuar residindo em Brasília. No final, a pressão presidencial foi tamanha que, bom devoto, cedeu.

Agora chegamos ao ponto. Como eu dizia na entrada, não é questão de mesquinharia nem de rejeição ao forasteiro. O que os paulistas teriam preferido era um candidato com raízes no estado, pouco importando seu lugar de nascimento. Afinal, os 46 milhões de habitantes de São Paulo equivalem à inteira população da Espanha ou da Argentina. Se o estado fosse uma nação independente, seu PIB a situaria entre as 20 maiores economias do planeta.

Diga-me agora se é normal que a governança de uma massa de gente e de bens de tal magnitude seja entregue nas mãos de um indivíduo que, além de mal conhecer o estado, carece totalmente de experiência política? E que, ainda por cima, se candidatou de má vontade, só porque Seu Mestre mandou.

Governar o estado mais importante da União não é função para indivíduos desmotivados, que lá estão só porque o chefe insistiu.

Essa clique que se aglutina em torno da Presidência está tratando cargos políticos como bibelôs, que a gente escolhe na prateleira pensando em combinar com a cor da cortina da sala, manda embrulhar e leva embora. Os brasileiros merecem maior consideração.

Agenda do cercadinho

Antônio Britto (*)

Em um governo ao menos sensato, a existência de qualquer crise levaria à busca imediata de soluções. No padrão Bolsonaro, comportamento reiterado ao longo desses 2 anos, a crise leva a um modelo fixo de reação: transferência imediata de responsabilidades, busca de culpados e insinuações autoritárias tentando colocar as Forças Armadas a serviço dos interesses do presidente, o que não deveria ser novidade para o Exército.

Na prática, tornou-se uma forma de saber como Bolsonaro avalia a própria popularidade ou as dificuldades que enfrenta. Se são realmente grandes e prejudicam seus índices de aceitação, no próximo cercadinho as Forças Armadas serão usadas por ele. Esta semana não foi diferente: pressionado pelo crime de Manaus, o fracasso na vacinação e as dificuldades para a retomada econômica, Bolsonaro deu uma inesquecível contribuição à ciência política determinando que são as Forças Armadas que definem a existência da democracia entre nós.

(*) Antônio Britto Filho, jornalista, foi ministro da Previdência Social do governo Itamar Franco; foi também governador do RS. O texto é excerto de artigo publicado no Poder360.

A festa continua

Carlos Brickmann (*)

Na época em que o Macaco Tião, chimpanzé nascido e alojado no Zoológico carioca, fez sucesso como candidato no Rio, um dos seus slogans era ótimo: “Vote no Macaco Tião. O único que já vem preso”.

Pois o Macaco Tião, 14 anos após sua morte, 32 anos após ser candidato, acaba de perder a exclusividade: Cristiane Brasil, presa preventivamente, foi aprovada como candidata do PTB à Prefeitura carioca. Mesmo se acontecer uma condenação, diz o partido, ela continua candidata, já que a Lei da Ficha Limpa só a atingiria se fosse condenada em segunda instância. Cristiane é acusada de participar do núcleo político de uma organização especializada em fraudar licitações entre 2013 e 2017. Já teve problemas anteriores, por outras acusações. Em 2018, foi escolhida ministra pelo presidente Michel Temer, que retribuía o apoio de seu pai, Roberto Jefferson, supremo cacique do PTB, mas sua posse foi vetada pela Justiça.

Cristiane Brasil pode ser eleita para a Prefeitura? Não está entre as favoritas. Mas Wilson Witzel também não estava entre os favoritos e ganhou a eleição para governador. Além disso, o eleitorado do Rio tem caprichado nas eleições: dos ex-governadores do Rio, cinco foram presos (sendo que um, Sérgio Cabral, continua na cadeia), e outro, Wilson Witzel, foi afastado, com risco real de impeachment e acusações que podem levá-lo a processo penal. Cristiane Brasil pode ser eleita para a Prefeitura, por que não?

O texto é um excerto. Para ler o artigo na íntegra, clique aqui.

(*) Carlos Brickmann é jornalista, consultor de comunicação e blogueiro.

Tuíte – 14

José Horta Manzano

Ontem, a PF lançou operação de busca e apreensão contra os governadores do RJ e de SP. Doutor Bolsonaro apresentou seus cumprimentos à PF.

Hoje, a mesma PF lançou operação de busca e apreensão contra cinco apoiadores do presidente. Até o momento, não se tem notícia dos cumprimentos de doutor Bolsonaro.

Será que a PF só é boa quando age no meu interesse? Vai pegar mal.

A dignidade do cargo

José Horta Manzano

O mandato de doutor Pezão, governador do Rio de Janeiro, expira no último dia deste ano. Acontece que o doutor está preso, acusado de participação em organização criminosa, corrupção ativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro ‒ crimes que rendem folha corrida de bom tamanho. Sem mandato, ele vai perder o direito a foro privilegiado. E, por supuesto, perde também o direito a ocupar cadeia privilegiada.(*)

Para evitar que o cliente seja transferido, a partir do dia primeiro de janeiro, para cela comum em prisão comum, seus defensores solicitaram ao STF o especial favor de deixá-lo onde está, num batalhão especial da Polícia Militar do RJ.

Condenados por lavagem de dinheiro

Solícito como de costume, o ministro Toffoli concedeu o afago. Entre outros argumentos para embasar a gentileza, ensinou: «a medida se justifica diante da dignidade do cargo ocupado».

Como é que é? Sua Excelência se enganou. Quem está preso não é o cargo, mas seu indigno ocupante. O cargo continua digno como sempre foi. Indigno foi doutor Pezão. A aura de dignidade que deveria cercar todo governador foi posta a perder pelo ocupante delinquente. Os crimes dos quais ele é acusado são tão graves que prisão comum, para ele, já está de bom tamanho.

(*) É revoltante constatar que, trinta anos depois da entrada em vigor da Constituição dita cidadã, ainda haja dois tipos de cadeia: um pra gente fina e outro para a ralé. É repulsivo constatar que a dignidade do cargo público, aviltada pelo ocupante indigno, assim mesmo continua a protegê-lo na cadeia.

Doutor Pezão está longe de ser o único a beneficiar-se desse olhar meigo que nossa sociedade reserva para marginais de colarinho branco. O beneficiário mais emblemático é Lula da Silva.

Essa chocante dualidade de tratamento prisional explica o descalabro de nosso sistema penitenciário. Os que fazem as leis não estão preocupados com a tragédia que se desenrola detrás dos muros da penitenciária comum, visto que, se presos, serão acolhidos em estabelecimento cinco estrelas. Mesmo que percam o mandato, poderão contar com a caneta amiga de Suas Excelências do STF. Os da ralé, portanto, que se lixem.

Eleição fora de compasso

José Horta Manzano

Nosso calendário eleitoral está fora de compasso. Há uma expressão inglesa que define bem o problema: o timing de nossas eleições está capenga. O Brasil não está só nesse clube. Muitos outros países integram o time. Mas isso não é motivo pra se acomodar. Nosso sistema merece ser aprimorado.

No nível federal, escolhemos, no mesmo dia, presidente da República, deputados e senadores. Parece-nos normal, porque sempre foi assim. No entanto, algo está fora de esquadro. Senão, vejamos.

Para governar, o presidente precisa contar com maioria na Câmara. Se não tiver maioria a seu favor, estará em apuros. A porta vai-se escancarar para negociatas, toma lá dá cá e demais facetas da corrupção.

Ao votar para eleger, numa só tacada, presidente, deputados e senadores, o eleitor não sabe ainda quem vai ser o presidente, pois não? E como é que fica? Sobre que base escolherá seu deputado ou seu senador? Loteria? Cabra-cega?

A lógica mais comezinha indica que a escolha do presidente se faça primeiro. Uma vez que o novo ocupante do cargo for conhecido, aí, sim, é hora de escolher os parlamentares. Há que haver um tempo entre uma eleição e outra, digamos, um mês. É o prazo necessário para os diversos partidos se decidam e anunciem se pretendem ou não apoiar o presidente. Em seguida, o eleitor escolherá seus representantes em conhecimento de causa.

Quem tiver simpatia pelo novo presidente e desejar que ele aplique o programa anunciado votará em candidatos cujo partido tiver declarado apoio ao novo mandatário. Na outra ponta, quem não estiver de acordo com as ideias do ocupante do trono escolherá parlamentares de oposição, justamente pra criar obstáculos para a implantação do programa do presidente.

Em princípio, a conta deveria fechar, ou seja, a maioria que elegeu o presidente tende a escolher deputados e senadores decididos a apoiar o chefe do Executivo. O eleitor não fará isso no escuro, mas já conhecendo a orientação de cada partido.

O mesmo vale no nível estadual. Governador há de ser escolhido antes. Um mês depois, o eleitor será de novo convocado às urnas para eleger os deputados estaduais. E o mesmo se aplica ao nível municipal, entre prefeito e vereadores.

Eleição casada para Executivo e Legislativo é um salto no escuro. Acaba levando água ao moinho da costumeira (e quase sempre indecente) troca de favores.

Não estava bloqueado?

José Horta Manzano

A Justiça do Rio de Janeiro acaba de ordenar o bloqueio dos bens de doutor Sérgio Cabral, que já foi governador do estado. A notícia, de deixar qualquer um perplexo, saiu ontem.

Como é que é? O doutor, preso há mais de ano, já foi julgado e condenado a um século de prisão. Em seu prontuário, ainda estão na fila à espera de julgamento dúzias de processos por crimes de corrupção, assalto ao erário, lavagem de dinheiro & correlatos.

Qualquer pessoa de bom senso daria de barato que seus bens, por mera medida de precaução, já estivessem sob sequestro há muito tempo. É estonteante ficar sabendo que o doutor ainda fosse, até ontem, senhor e dono de contas bancárias e propriedades. Como se sabe, com três cliques na internet é possível dissimular dinheiro hoje em dia.

Resta a pergunta: será que o que acaba de ser bloqueado representa realmente a totalidade do que foi roubado? Nada, nesse meio tempo, terá sido dissimulado nem repassado a terceiros?

Certas coisas são difíceis de engolir.

Foro privilegiado

José Horta Manzano

«A igualdade, no direito penal, é um mito. As pessoas, nessa área, não são tratadas de forma isonômica. A desigualdade vem do tempo da sociedade aristocrática (1500-1888). Os iguais (ou considerados tais) pelas elites governantes sempre tiveram privilégios (de pena menor, de serem julgados pelos seus pares etc.), que perduraram mesmo durante a república (1889 até os dias atuais). Um dos grupos escandalosamente privilegiados é o dos parlamentares, que desfrutam (ainda hoje) de várias imunidades e prerrogativas.»

Luiz Flávio Gomes, doutor em Direito Penal. Para ler o texto integral, clique aqui.

Privilégios têm a vida longa. Quem tem direito tradicional a tratamento especial reluta em se conformar com tratamento comum. É da vida. Ninguém abre mão, com prazer, de cuidados diferenciados. A reação normal é agarrar-se às vantagens.

O Brasil atravessa um período conturbado. Sem dúvida, historiadores se debruçarão, daqui a dois séculos, sobre esta fase de contestação de costumes enraizados. Guardadas as devidas proporções, estamos passando por uma Revolução Francesa sem guilhotina.

Quem poderia imaginar, dois ou três anos atrás, a possibilidade real de um ex-presidente da República terminar atrás das grades ‒ tudo dentro da lei, sem revolução, sem levante militar, sem insurreição? Pois o mesmo destino ameaça figurões das altas esferas, que imaginávamos todo-poderosos e intocáveis. Sem contar os que já tomaram pensão no xilindró.

O Parlamento discute estes dias sobre o famigerado foro privilegiado, destinado a julgar crimes cometidos por medalhões. Tecnicamente, para suavizar a noção de privilégio, deve-se dizer «prerrogativa de foro», o que vem a ser rigorosamente a mesma coisa. É aberração que vem de longe.

Por que, diabos, acusados que ocupam funções de destaque na vida pública teriam direito a ser julgados por tribunal extraordinário? Por que o delito cometido por seu Zé da esquina será arbitrado por um juiz comum enquanto a rapina milionária de Sua Excelência será apreciada pelos mais altos magistrados da nação? A distorção tem sabor «Ancien Régime»(*).

É normal e necessário garantir imunidade a parlamentares, ministros, governadores e, naturalmente, ao presidente da República enquanto durar o mandato. Essa imunidade, no entanto, pode ser suspensa ‒ pela Câmara, pelo Senado ou pelo STF, conforme o caso. Quando isso ocorre, o bom senso ensina que o acusado enfrente a justiça comum, como qualquer cidadão.

Pelo sacolejar da carroça, parece que o Congresso se dirige para essa conclusão. Assim mesmo, preconiza-se manter o famigerado foro privilegiado para o chefe de cada um dos três poderes. Não atino com a razão. Seriam esses três personagens mais iguais que os demais? Se dependesse de mim, aboliria a prerrogativa de foro para todos os cidadãos. Que se distribua a todos a mesma justiça, que não vejo justificativa para a distinção de tratamento.

Em resumo: imunidade, sim; foro privilegiado, não. Para ninguém.

(*) “Ancien Régime” (regime antigo) é o nome que se dá à escala de valores e ao regime absolutista anterior à Revolução Francesa.

As coisas mudam

José Horta Manzano

Dois dias atrás, dei aqui minha opinião sobre proposta, atualmente em curso no Senado, que visa a fazer coincidir eleições para todos os níveis. A ideia é convocar o eleitorado unicamente a cada quatro anos para eleger prefeito, governador, presidente, vereador e deputado. Tudo de uma tacada só, algo do tipo «vamos fazer a festa juntos». A justificativa principal é econômica: eleições mais raras custariam menos aos cofres públicos.

Disse e repito agora que, caso assim fique decidido, terá sido dado um passo na má direção. Pelo contrário, se me coubesse decidir, aumentaria a frequência de eleições, votos, consultas e plebiscitos revocatórios. O custo de organizar um voto regional ou nacional é irrelevante diante das vantagens que traz ao sistema democrático. Em menos de duas semanas, dois exemplos dão que pensar.

by Elcio Danilo 'EDRA' Russo Amorim, desenhista mineiro

by Elcio Danilo ‘EDRA’ Russo Amorim, desenhista mineiro

A presidente da República, reeleita por maioria absoluta do eleitorado apenas ano e meio antes, foi ejectada do trono pelo próprio povo que a havia escolhido. Ainda que alguns possam sentir-se incomodados, é incontestável que congressistas são representantes legítimos do povo, eleitos com os mesmos votos que elegeram a doutora. Tanto a Câmara quanto o Senado, ambos por expressiva maioria, repudiaram e defenestraram a mandatária.

O deputado Cunha foi eleito no ano passado pelos pares para o cargo de presidente da Câmara Federal. Naquela ocasião, alcançou uma façanha: elegeu-se com maioria absoluta, já no primeiro turno de votação, à frente de três outros concorrentes. É resultado notável. No entanto, seu mandato acaba de ser cassado pelos mesmos pares que o haviam elegido. Foi enjeitado por 88% dos colegas, número estonteante.

As coisas mudam, distinto leitor. Por conveniência política, por decepção, por desencanto, por divergência filosófica ou por outro motivo qualquer, o eleitor pode mudar de ideia. Pode não mais querer ser representado ou presidido ou governado pela pessoa em quem votou. É da vida. Quanto mais frequentes forem as eleições, mais oportunidades teremos de ajustar o tiro. Que os bons não se preocupem: serão reeleitos. Quanto aos que decepcionarem, ai deles!

by Andries van Eertvelt (1590-1652), artista flamengo

by Andries van Eertvelt (1590-1652), artista flamengo

Na encruzilhada em que estamos, chegou a hora de pensar seriamente em instalar um sistema parlamentarista, em que o poder executivo ‒ o governo ‒ é exercido por um personagem e o Estado é representado por outra pessoa. Quanto às modalidades, que se abram as discussões. Qual será o poder do presidente e quais serão suas atribuições? Como se escolherá o primeiro-ministro? Deve-se eleger o presidente pelo voto direto ou não?

As questões são numerosas, mas terão de ser encaradas, cedo ou tarde. Enquanto não admitirmos que o presidencialismo à brasileira se esgotou, continuaremos enredados no mar de sargaços em que nos encontramos.

Maioridade penal e eleitoral

José Horta Manzano

Tem coisas curiosas. Faz anos que se discute sobre a idade em que o cidadão deve ser considerado apto a enfrentar processo penal. Volta e meia – principalmente quando algum crime escabroso, cometido por menor, provoca comoção nacional –, o assunto vem à pauta. Serenados os ânimos, volta à gaveta.

Enquanto isso, num reconhecimento de que o homem amadurece cada vez mais cedo, outros pisos etários têm sido alterados. Já faz tempo que se concedeu, a jovens de 16 anos, o direito de votar. Estes dias, a Câmara aprovou, assim sem mais nem menos, importantes alterações relativas à idade mínima.

Criança 5Candidato a senador(*) não precisa mais esperar até ter completado 35 anos: com 29 já pode postular. Também aos 29, todo cidadão que estiver no gozo de seus direitos civis poderá disputar chefia de governo estadual.

Na mesma votação, suas excelências mudaram até a idade exigida de candidatos a deputado federal ou estadual. A linha demarcatória da idoneidade foi adiantada de 21 para 18 aninhos.

Em tese, adolescentes de 16 anos podem agora não somente eleger deputado de 18, como também governador e senador de 29. No entanto, surpreendentemente, o mesmo adolescente que decide sobre os rumos do País é considerado penalmente irresponsável. É contraditório.

Criança 6Julgo que não é possível ser e não ser ao mesmo tempo. Se o jovem está suficientemente maduro para a importante decisão de escolher seus dirigentes, há de estar também para distinguir entre o bem e o mal, entre o que é permitido e o que não é.

Assim mesmo, maioridade penal é assunto complexo demais para ser tratado levianamente, ao sabor do humor político do momento. Envolve considerações filosóficas, psicológicas, criminológicas, políticas, sociológicas, econômicas.

Criança 4No meu entender, todo o sistema penal brasileiro merece ser revisitado. A nova roupagem não ficará pronta na semana que vem. Uma comissão de doutos e peritos tem de se debruçar sobre o assunto. Terão de responder a uma questão filosófica básica: «A finalidade da pena de privação de liberdade é castigar o condenado, vingar-se dele, exclui-lo da sociedade ou recuperá-lo?»

A resposta a essa pergunta orientará a discussão. Enquanto isso não acontecer, não me parece oportuno alterar o patamar da maioridade penal.

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(*) Senador deriva do termo latino senatus, que designa um conselho composto pelos cidadãos mais velhos. A família de descendentes, em nossa língua, inclui sênior, senectude, senescente, senecto. Inclui também senilidade, transtorno que tem demonstrado não ser necessariamente apanágio de idosos.

De mentirinha

José Horta Manzano

Como ocorreu nas demais unidades federadas, o eleitorado maranhense votou, domingo passado, para escolher novo governador. Ganhou um certo senhor Flávio Dino de Castro e Costa, sorridente advogado de 46 anos. E ganhou bem: abocanhou 63% dos votos válidos. Foi aclamado por dois em cada três eleitores.

Até aí, morreu o Neves. Que ninguém veja aqui alusão ao candidato à presidência da República. Estou usando expressão bem-educada para substituir o grosseiro «e daí?».

Lenin 2A mídia toda deu destaque ao fato de o novo governador ter desbancado o clã Sarney, que dominava e assombrava a governança estadual havia quarenta anos. Mandou pra aposentadoria o capo e tutta la famiglia. Bravo!

Em meio aos festejos, poucos prestaram atenção ao partido ao qual o recém-eleito é afiliado. Afinal, na algaravia das 32 legendas(!) registradas no TSE, não há cristão que ache seu caminho. Pois o moço é membro do… PC do B – o Partido Comunista do Brasil.

Tive a curiosidade de dar uma espiada nos estatutos do PC do B. Ele prega a «luta contra a exploração e opressão capitalista e imperialista». Vai mais longe: «[o partido] tem como objetivo superior o comunismo». Os estatutos nomeiam e louvam Marx, Engels e Lênin. E se propõem chegar ao comunismo através de um primeiro estágio – o «socialismo científico» – seja lá o que isso signifique. Está tudo preto no branco, pode conferir.

O novo governador é bem-nascido. Advogado, filho de advogados, já foi juiz federal durante 12 anos. Entrou na política relativamente tarde, quando já tinha 38 anos de idade. Sua ascensão foi rápida.

Eleito, seu discurso de vitória incluiu banalidades como «enfrentar a corrupção», «fazer um governo bom, simples, com os pés no chão», «tirar nosso Estado das páginas policiais». Declarações que cairiam bem na boca de qualquer político.

Longe de mim acusar esse senhor de falsidade ideológica. Mas custa crer que, no Brasil, em pleno século XXI, um homem maduro, aparentemente instruído, formado e experiente ainda possa comungar na cartilha comunista. Alguma coisa está fora de lugar.

Reuniao trabalho 1Fica no ar a impressão de divórcio consumado entre estatuto de partido e motivação de afiliado. O Partido Comunista não é necessariamente composto por comunistas. A recíproca é verdadeira: os comunistas – se é que sobrou algum – não estão necessariamente afiliados ao Partidão.

Partido político, hoje em dia, está mais pra balcão de negócios do que para caldeirão ideológico. São clubes de mentirinha.

Questão de interpretação

José Horta Manzano

Foto Agência Estado

Foto Agência Estado, 5 out° 2014

A fotomontagem que ilustra este escrito saiu este 5 out° no Estadão online. Ela abre portas para várias interpretações:

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Vestidos com as cores primárias – vermelho, azul e amarelo – os candidatos deixam claro que cobrem todo o espectro de qualidades que se podem esperar de um presidente da República. Dão, assim, uma banana para os nanicos.

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Nos bastidores, os três combinaram para não usar roupa da mesma cor. Para saírem bem caracterizados na foto.

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Cada um deles vestiu a cor do principal partido de sua pletórica coalizão.

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A candidata que aparece à esquerda já vem ocupando o cargo máximo da República faz quatro anos – o que justifica a silhueta mais nutrida.

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O candidato que aparece no meio não passou de governador de Estado – fato que explica a silhueta levemente acima do que é aconselhado para sua idade.

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A candidata que aparece à direita nunca ocupou cargo de chefia no Poder Executivo – o que justifica sua aparência esgrouviada.

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Aécio e Marina, optimistas, mimam o número 2 com os dedos. Cada um sinaliza estar confiante de que ocupará o segundo lugar na classificação.

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Aécio e Marina, optimistas, mimam o número 2 com os dedos. Cada um sinaliza estar confiante de que estará presente no segundo turno.

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Todos acenam com a mão direita, menos Aécio. Se for canhoto, faz sentido. Se não for, ai, ai, ai. Não é bom sinal. Convicção se mostra com a mão dominante.

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Dois dos candidatos mimam o V da vitória enquanto dona Dilma, com ar resignado, parece já dizer adeus.

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Basta de divagação. O voto aqui na Europa já terminou. É questão de fuso horário. O que tem de brasileiro não está no gibi. Em Genebra, tinha gente saindo pelo ladrão.

Tenho uma sugestão a fazer a quem organiza o voto dos brasileiros no exterior. No Brasil, a população é bombardeada durante semanas pela propaganda eleitoral dita gratuita. Todos acabam conhecendo e guardando de cor nomes e números. Aqui não é assim que acontece.

Não temos propaganda eleitoral. Eu imaginava que a «urna» mostrasse o nome dos onze candidatos numa tela táctil. Aí, era moleza: bastava passar o dedo em cima do candidato desejado e confirmar. Mas não funciona assim. O eleitor tem de teclar um número – que ele não conhece necessariamente.

Minha sugestão, em consideração aos eleitores do estrangeiro, é que nos forneçam uma lista com o nome dos candidatos e o número correspondente a cada um. O que é evidente para uns nem sempre é claro para outros.

O papa e o protesto

José Horta Manzano

Os franceses têm resposta pra tudo. A cada aumento de imposto ― fato que acontece com bastante frequência na terra deles ― sempre aparece alguém no rádio ou na televisão para repetir que trop d’impôt tue l’impôt, imposto demais mata o imposto.

Com isso querem dizer que todo exagero é pernicioso. Impostos elevados demais são um convite à evasão e até à fraude. Têm razão. Nunca convém abusar, sob pena de ver o resultado irremediavelmente comprometido.

Faz um mês, o Brasil fervia. Centenas de milhares de manifestantes pacíficos saíam espontaneamente às ruas. Sem bandeiras, sem comando unificado, sem orientação partidária, sem carros de som, sem uniformes e sem estímulo oficial. Alguns portavam cartazes artesanais onde exprimiam seu anseio, sua reclamação, seu fastio.

Se algum dos 200 milhões de brasileiros lhe disser que, duas semanas antes, já havia previsto os protestos, não acredite: estará mentindo. Nenhum de nós imaginou que esse tipo de fenômeno fosse de novo possível num Brasil sedado havia mais de 10 anos. Mas aconteceu e foi útil.

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Numa certa altura da vida, tive um chefe que eu admirava e respeitava. Era o dono da empresa. Vez por outra, no meio do dia, ele saía. Nunca dizia aonde ia, mas costumava lançar, já na soleira da porta, a frase ritual: «Pode ser que eu volte no fim da tarde». Às vezes, voltava mesmo. O mais das vezes, não. Mas, entre nós, ficava a dúvida. Voltará ou não? Será que posso ir-me embora um pouco mais cedo? Será que ouso ausentar-me uma meia horinha para tomar sorvete na esquina?

O fato é que a técnica do chefe funcionava. Ninguém arriscava fazer o que não devia. O homem ia, mas o chicotinho ficava dependurado na parede.

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As passeatas de junho foram uma advertência gritante. Todos os figurões entenderam, mas cada um reagiu a seu modo. O mais visado, o pai de todos, escondeu-se e, pusilânime, fez-se de morto e sumiu de circulação. Outros, que não tinham como escapar, tomaram decisões vistosas, mas atabalhoadas e desconexas. Houve ainda quem desafiasse a voz das ruas e continuasse, como antes, requisitando aviõezinhos da FAB como se estes fizessem parte de seu patrimônio privado. Levaram uma advertência em regra.

Agora, que estão todos avisados, precisa dar uma pausa para meditação. Os mandarins brasileiros não vão tomar juízo da noite para o dia, que os vícios são muito antigos e já criaram raízes. O importante é que todos agora sabem que o mundo mudou e que as coisas não são mais como antes. Todo gesto, toda conversa, todo movimento é susceptível de ser vigiado, descoberto e divulgado.

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Papa Francisco

Papa Francisco

Papa Francisco deve desembarcar no Rio nesta segunda-feira, logo mais à tarde, em sua primeira viagem fora da Itália. Algumas mentes pouco iluminadas estão convocando incautos para protestar contra isto e aquilo durante a visita papal. É besteira grossa.

Primeiro, porque uma manifestação desse tipo pode ser interpretada como hostilidade ao visitante. Não cai bem. Além de mostrar sua falta de educação, os manifestantes perigam emitir sinais incoerentes. Desfilar diante do indivíduo A para manifestar seu descontentamento com o indivíduo B? Não faz sentido.

Segundo, porque os microfones e as câmeras do mundo inteiro que estarão postadas estes dias em volta do visitante transmitirão ao mundo a imagem de um povo baderneiro, pouco sério e dificilmente governável. A longo prazo, uma imagem desse naipe só pode ser prejudicial. Vai assustar futuros turistas e afugentar investidores. Contribuirá para que o planeta enxergue o Brasil com antipatia.

Terceiro ― e talvez mais importante: o exagero é prejudicial. As duas semanas de manifestações juninas foram uma advertência séria. Governo, ministros, senadores, deputados, prefeitos, governadores entenderam que o chicotinho está dependurado na parede. Não precisa açoitar ninguém, pelo menos não por enquanto.

Tenhamos paciência. Vamos dar tempo ao tempo. Não nos precipitemos. Vamos deixar que nossos mandachuvas tomem as providências urgentes. Depois, veremos. Trop d’impôt tue l’impôt.

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Interligne vertical 4Observação indignada e envergonhada

O senhor Eduardo Paes, prefeito da mui nobre cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro permitiu-se ofender um país inteiro. Chamou os franceses de vagabundos. E não fez isso numa conversa de botequim, mas durante uma entrevista coletiva, ao responder a um questionamento de uma equipe da televisão francesa.

Não conheço o prefeito do Rio. No entanto, ao ler essa notícia, entendi que não deve ser o homem mais inteligente da política brasileira. E olhe que os políticos brasileiros não primam pela inteligência nem pela cultura! A ofensa pública e gratuita que ele cometeu é acachapante. Mesmo sem ser carioca, sinto-me envergonhado.