Melhor que um ‘derby’

José Horta Manzano

Hoje não era dia de escrever, mas tem horas em que é difícil ficar de boca fechada. Ou de dedos parados, depende. A decisão que o STF tomou ontem valeu mais que um Fla-Flu – um derby, como se dizia antigamente. Que hoje convém escrever dérbi, coisa mais sem graça. A decisão foi daquelas que revelam o humor do momento sem dar indicações de como será o momento seguinte. (Falo do STF, não do ‘dérbi’, que isso é doutra freguesia.)

Sabemos hoje que o cidadão que delínque – e que tem dinheiro, isso é importante! – corre baixíssimo risco de ter de cumprir prisão. Se for condenado por um juiz de primeira instância, nada acontece: fica em casa. Se apelar e for recondenado por tribunal colegiado, nada acontece: fica em casa. Se reapelar e a culpabilidade for reconhecida pela terceira vez (pelo STJ), nada acontece: fica em casa. Se provocar o STF, tem 9 chances em 10 de o crime prescrever por decurso de prazo antes da decisão definitiva. Se – para um sujeito hiperazarado – o crime não estiver prescrito e a sentença for confirmada, basta aparecer em público com ar aparvalhado, babando ligeiramente, empurrado numa cadeira de rodas, munido de atestado médico. Nada acontecerá: voltará pra casa em «prisão domiciliar».

Não é uma maravilha? Que venham todos os bandidos do mundo pedir para serem julgados pela Justiça brasileira! Atenção: falo dos que têm dinheiro, naturalmente. São bandidos? Pouco importa. A isso, estamos acostumados. Uns a mais, uns a menos, não faz diferença. São ricos? Que transfiram a fortuna para o Brasil e que a apliquem em investimento produtivo, não especulativo. Será excelente injeção em nossa minguante economia. (De qualquer modo, há que convir: todas as montanhas de dinheiro que voam ao redor do planeta sofrem de alguma irregularidade passada, presente ou em preparação.)

E pare com essa cara de espanto! Na nossa terra querida, nada mudou. Aliás, as coisas estavam querendo mudar, mas estão voltando aos eixos. Estes últimos cinco ou seis anos, dominados por essa tal de Lava a Jato que ninguém sabe donde veio, tinham sido assaz incômodos pra muita gente fina. Agora as antigas certezas voltaram. Cadeia é só para os tres pês: preto, pobre e prostituta. Faz 500 anos que é assim! E não se fala mais nisso.

Nota de pé de página
Más línguas garantem que doutor Bolsonaro estourou champanhe ontem à noite. Lula solto é tudo o que ele queria. É a garantia de que, ainda que muita gente não aprecie, o segundo turno das próximas eleições presidenciais terá dois candidatos definidos desde já: a dupla inoxidável Lula x Bolsonaro.

A escolha vai ser pra lá de difícil. Fosse a eleição hoje, o Lula teria grandes chances. Daqui a três anos, tudo pode mudar. Daqui até lá, muito esgoto ainda há de passar por debaixo da Ponte da Freguesia do Ó.

A lógica do cidadão sem lógica

José Horta Manzano

A lógica do cidadão sem lógica é, às vezes, chamada de bom senso. Suas Excelências estarão discutindo, hoje, no STF, o futuro do entendimento atual sobre prisão em segunda instância.

Variando ao sabor da mudança de composição do colegiado – ou da bizarra mudança de posição de algum componente – a prisão do condenado condenado por tribunal simples e confirmada por tribunal de apelação já foi considerada legal, ilegal, legal, ilegal. No momento em que escrevo, vige. Amanhã, só Deus sabe. Vige!

A lógica do cidadão sem lógica é mais direta, sem essas nove horas. Não é cheia de nós pelas costas, como se dizia antigamente. Ela corre por fora de eventuais mudanças de (com)posição de togados. Baseada no bom senso, é menos política, mais simples e mais próxima do entendimento do eleitor.

A lógica do bom senso entende que a questão está mal formulada. Não se devia estar perguntando se é legal prender um indivíduo condenado duas vezes, uma das quais por tribunal colegiado. A pergunta correta é: como é possível que um tal indivíduo, duplamente condenado, ainda esteja fora das grades? Esse é o detalhe de nossa estranha Justiça que surpreende o observador não iniciado. Não conheço outro país onde se possa ver bizarrice assim. É mais comum ver encarcerados à espera de julgamento do que duplamente condenados que esperam em casa por uma terceira ou uma quarta confirmação que não se sabe quando virá.

Se o caso Lula da Silva é excepcional, assim deve ser tratado: com soluções e expedientes excepcionais. O que não vale é alicerçar jurisprudência de olho no caso desse cidadão. Que sua tropa de advogados exija impugnação do(s) tribunais que o condenaram. Que seja considerado inimputável. Que seja objeto de graça presidencial. Pouco importa. O que não pode é a Justiça brasileira continuar refém de um caso pessoal. Por mais importante que o atual condenado tenha sido em outra existência, seu caso pessoal não pode abalar a estrutura do ordenamento legal do país. Nem o (questionável) guilhotinamento do rei Luís XVI teve o condão de mudar a aplicação do Código Penal francês.

O Lula não pode ser o barômetro nem a estrela-guia da Justiça do Brasil. Não é ele quem dá o tom. Que se libere o Lula. Que se o tire da cadeia. Que se o despache para uma mansão cinematográfica construída numa praia caribenha paradisíaca, banhada por águas tépidas e translúcidas de cor turquesa. Que se o mande para o raio que o parta. Mas que os doutos e cultos espíritos que ocupam as onze poltronas do STF tenham a lucidez de encarar a realidade com a lógica do bom senso. Que admitam, de uma vez por todas, que lugar de criminoso condenado duas vezes – sendo uma por tribunal colegiado – é na cadeia.

Nota
Por minha parte, acredito que indivíduo condenado em primeira instância a cumprir pena de mais de dois anos de prisão já devia ser encarcerado. Recurso, todos interpõem, de qualquer modo. Ainda que o encarcerado apele à Justiça e requeira revisão da condenação, terá de esperar atrás das grades. Chame-se ele Luiz Ignacio ou Zé da Silva. Não é justo que os que dispõem de fortuna (por vezes mal amealhada) aguardem tranquilamente em casa, enquanto os demais sejam os únicos a serem presos.

A hora da matrícula

José Horta Manzano

O distinto leitor já há de se ter inscrito mais de uma vez. Para prestar um concurso, para tirar passaporte, para votar, para seguir um curso, para abrir conta num banco. Em cada ocasião, havia uma lista de requisitos a preencher. Somente postulantes que respondessem a todas as exigências poderiam ser aceitos, o que é natural e entendido por todos.

A idade, por exemplo, é imposição comum. Certas atividades exigem que o candidato seja maior de 18 anos, ou menor de 45, ou os dois. Em outros casos, há que ter mais de 60 anos. Nacionalidade e formação profissional são outros requisitos corriqueiros. Em casos menos comuns, é requerido um atestado de antecedentes criminais ‒ necessariamente negativo. Em cada um dos casos mencionados, o postulante tem de atender a todas as exigências, caso contrário, sua inscrição será rejeitada.

Ora, muito bem. Para registrar candidatura a um posto eletivo ‒ vereador, prefeito, deputado, senador ou presidente da República ‒ as exigências variam. Quanto à idade, do candidato a vereador exige-se apenas que seja maior de 18 anos. Já o candidato a presidente da República tem de ter 35 anos completos. Um deputado pode ser brasileiro naturalizado, enquanto o presidente será necessariamente brasileiro nato. E assim por diante, as exigências variam.

Há um requisito, no entanto, que não varia. É imposição absoluta e comum a todos os cargos: inscrição de candidato condenado por tribunal colegiado não será aceita. É de lei. Ponto e basta. Favor não insistir.

Fica difícil entender todo esse zum-zum-zum em torno da pretensa candidatura de Lula da Silva à presidência. No guichê, basta que o atendente que receber os documentos confira o atestado de antecedentes. Se lá constar a condenação em segunda instância, a inscrição será rejeitada. Não deveria ser mais complicado que isso.

No frigir dos ovos, a polêmica merece até ser observada pelo avesso. Se a inscrição de condenado por tribunal colegiado for aceita, quem estará infringindo a lei é quem tiver acolhido a candidatura. O ato deverá ser declarado nulo, e o autor fatalmente responderá a processo administrativo.

Observação
O desenrolar dos fatos que descrevi acima seria o caminho único e evidente se o Brasil fosse um país civilizado. Dado que ainda não é, a coisa periga ser um pouco mais complicada.

Mão pesada

Sônia Racy (*)

Cláudia Cruz, ao ser condenada por evasão de divisas anteontem no TRF4, tornou-se o mais novo exemplo de como a corte é mais dura que Moro, que a havia inocentado.

Até agora, 134 sentenças do juiz de Curitiba passaram pelo TRF4. Em 67 casos, a pena aplicada ficou igual ou… aumentou. Em outros 8 casos, o tribunal condenou quando Moro havia absolvido.

(*) Sônia Racy (1956-) é jornalista.

Justiça pra quem pode

José Horta Manzano

Levantamento do Estadão mostra que a tropa de advogados de Lula da Silva já interpôs, só no processo do triplex do Guarujá, 78 recursos com vista a obter algum favor especial para o cliente. Anulação pura e simples da condenação, soltura ou até prisão domiciliar ‒ qualquer coisa serve. Setenta e oito apelações, minha gente!

Não conheço país civilizado onde tal enxurrada de floreios seja permitida. O que se vê pelo mundo é a possibilidade que todo condenado tem de fazer uma apelação. Assim mesmo, ele deve pensar bem antes de dar o passo, porque a Justiça não aprecia contradizer-se. A menos que haja falha gritante no primeiro processo, cortes de apelação tendem a confirmar sentença. Novo recurso ‒ o segundo ‒ só se faz em casos especialíssimos, quando o advogado está absolutamente convencido de que as duas primeiras instâncias falharam e de que a corte superior fará desabrochar a verdade.

Resumindo: em países normais, não costuma haver brecha pra mais de dois recursos. Mas o Brasil não é um país normal. País que leva Lula e Dilma à presidência, francamente, não é como os demais. Interpor setenta e oito recursos… passa batido.

Corte de Apelação do Distrito Federal
Casa na Rua do Passeio (RJ) que abrigou a corte suprema na virada do séc. 19 para o séc. 20

No enrosco judicial em que Lula da Silva se encontra, a primeira pergunta é se os 30 anos de luta sindical do condenado, complementados por 13 anos de governo petista, conseguiram garantir a todos os brasileiros esse sofisticado grau de assessoria jurídica em caso de necessidade. Em outras palavras: uma vez condenado, terá o ladrão de galinhas condições de entupir a Justiça com 78 recursos?

A resposta é um rotundo não. Conclui-se que a era petista, com Lula da Silva na cabeça, foi incapaz de propiciar aos mais humildes isonomia de tratamento jurídico. Apesar de se ter apresentado como ‘socialista’ e ‘do povo’, fracassou. Chicanas judiciais continuam a ser apanágio de ricos.

Agora vem a segunda pergunta. Dado que Lula da Silva se apresenta como cidadão de classe média que não se valeu do cargo para enriquecer, quem estará pagando os honorários dessa baciada de causídicos? Trabalham todos por amizade?

A resposta a esta última pergunta dificilmente será dada ao distinto público. Cada um está livre pra dar curso à própria imaginação.

Confirmada a sentença, vai em cana

José Horta Manzano

O Instituto Paraná Pesquisas deu a público um estudo que botou termômetro na percepção dos brasileiros sobre a prisão de condenados em segunda instância.

Já é de conhecimento geral, mas não custa lembrar. Condenados em segunda instância são os réus que, depois de terem recebido sentença proferida por um juiz solitário, recorrem a tribunal de apelações e de novo perdem. O tribunal que julga recursos ‒ dito de segunda instância ‒ é constituído de um colegiado de juízes. Eles têm latitude tanto para absolver o réu quanto para confirmar a condenação do primeiro juiz. Podem ainda reformar a pena, tornando-a mais branda ou agravando-a.

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É de notar a homogeneidade das respostas dos pesquisados. Sexo, faixa etária e nível de formação escolar não influem nos resultados. Com pequena variação de um segmento a outro, constata-se que pelo menos 2/3 dos brasileiros são a favor da execução da pena a partir da condenação por tribunal de segunda instância.

O resultado final, de praticamente 70% favoráveis, é inapelável. Resta a Suas Excelências do STF tomar nota e agir de acordo com a vontade do povo brasileiro. Afinal de contas, é para isso que estão lá. Não são ‒ ou não deveriam ser ‒ ativistas partidários.

Recurso por cinco mil

José Horta Manzano

Li outro dia que um cidadão, que havia sofrido um processo em que lhe reclamavam cinco mil reais de indenização por danos morais, perdeu o processo. Foi condenado a pagar a indenização. Pois sabem o que fez o condenado? Em vez de pagar e encerrar o assunto, entrou com recurso em segunda instância.

Ora, senhores, francamente, isso já é abusar do judiciário. A soma de cinco mil reais não justifica uma apelação para instância superior, é questão de bom senso. Ao fim e ao cabo, tramitação e julgamento do recurso hão de ter seu custo ‒ e esse dinheiro sairá do bolso da coletividade. Afinal, quem paga o salário dos juízes, o custo operacional do Palácio de Justiça e o salário de todo o pessoal somos nós. Se adicionarmos a tramitação e os honorários dos advogados, o custo final vai superar de longe os cinco mil reais.

Por não ser especialista na área, não sei exatamente como coibir esse tipo de abuso, mas algo deveria ser feito. Há gente que precisa realmente da Justiça, gente que entra com recurso por necessidade verdadeira. Atulhado por processos e recursos abusivos, o judiciário funciona lentamente. Quem sai perdendo é quem realmente precisa.

Prisão após segunda instância

Políbio Braga (*)

A decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a prisão em segunda instância, que deve ser tomada esta semana, pode levar à soltura de milhares de presos em todos os Estados.

Caso a corte mude seu entendimento sobre a antecipação de pena, detentos condenados em tribunais de segundo grau, que ainda recorrem aos tribunais superiores, poderão deixar o encarceramento.

De acordo com dados do Painel do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), levantados pelos jornais Estado de Minas e Correio Braziliense, o número de presos provisórios que ainda não foram julgados em última instância chega a 22 mil num universo de 130 mil cadastrados.

by Roque Sponholz, desenhista paranaense

Quando se fala em prisão em segunda instância, logo vêm ao pensamento os réus da Lava a Jato, como o ex-presidente condenado Lula da Silva e o ex-ministro Antonio Palocci. Mas eles estão acompanhados de pessoas condenadas por homicídio, tráfico e porte de drogas, estelionato, estupros e outros crimes.

Se a maioria dos ministros decidir revogar o entendimento sobre o assunto, que prevalece desde 2016, esses detentos ganham direito a aguardar o processo em liberdade, até que eventuais recursos sejam julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

(*) Políbio Braga é jornalista e blogueiro de grande popularidade especialmente no Sul do país.

Pacto oligárquico

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José Horta Manzano

O distinto leitor que costuma passear por este modesto blogue por certo entende a frase do ministro. Mas não é o caso de meio Brasil. Metade de nossos conterrâneos, ainda que fizessem o esforço de consultar dicionário pra descobrir o significado de cada palavra, dificilmente conseguiriam captar a concatenação.

Recorde-se que o «exame da Ordem», que todo bacharel em Direito tem de enfrentar se quiser obter o brevê de advogado, expõe a catástrofe da Instrução Pública no país: em média, nove entre dez candidatos são reprovados. Triste Brasil.

Após treze anos de domínio absoluto do lulopetismo ‒ capitaneado por aquele partido que prometia a redenção nacional ‒, o que é que temos? Um terço da população dependendo da bolsa família para sobreviver ‒ e sem perspectiva de sair da miséria. Diplomados da faculdade sendo reprovados no exame de entrada na profissão que escolheram. Sessenta mil homicídios por ano, taxa superior a qualquer país em guerra. A mais profunda recessão que o país já conheceu.

Chega. Não vou repetir aqui a procissão de misérias que nos assolam. Vale apenas constatar que os que nos governaram desde 2002 não entregaram o que haviam prometido. No mínimo, são tratantes. Mas fizeram pior. Além de nos terem vendido gato por lebre, deram forte contribuição para engrossar o tal «pacto oligárquico».

Do grego olígos (pouco) e archía (autoridade, supremacia), a oligarquia designa o domínio exercido por um pequeno grupo. É termo perfeito para exprimir o Estado brasileiro. Pensar que nascimento, vida e morte de duzentos milhões de almas são regulados por um reduzido número de integrantes de nossa nomenklatura! É de dar arrepio!

O ministro mencionou «agentes públicos e privados». Com isso, quis sublinhar que o grupinho oligarca inclui não só políticos, mas grandes empresários. Todos se beneficiam do sistema. A Lava a Jato desmascarou os mais importantes, mas ainda há muita poeira debaixo do tapete.

O sistema é relativamente simples. A oligarquia tem o domínio sobre os cofres públicos. O grosso da população não se dá conta de que aquele tesouro pertence a todos nós. Os poucos que percebem a realidade gritam no deserto ‒ ninguém lhes dá ouvidos. Em consequência, o grupelho lá de cima se sente à vontade pra se servir do tesouro que é de nós todos.

O grão-mestre, que dirigiu a orquestra dos oligarcas durante 13 anos, não foi (nem será) julgado pelo estrago que infligiu aos brasileiros. Como o sanguinário Al Capone, que só pôde ser sentenciado por evasão fiscal, nosso demiurgo foi condenado por uma sombria história de propina materializada por um apartamento. Uma ninharia perto das artes que o homem fez.

Agora, com medo da cadeia, esperneia. Vendo-o condenado por dois tribunais, o brasileiro de bem achou que era o fim da viagem. Só que… agora entra em cena a nomenklatura, a oligarquia. Lá no andar de cima, estão todos incomodados. O acusado é um deles, faz parte do grupo. Se ele cair, os demais estarão em perigo. Uma providência precisa ser tomada.

A decisão que o STF tomará amanhã se anuncia apertada. Nenhuma sondagem de boca de urna é capaz de predizer, neste momento, o resultado. Conseguirá a oligarquia preservar seu domínio? Ou vai abrir-se a brecha que anuncia o esvaziamento da nomenklatura atual?

Seja como for, visto o nível de instrução do brasileiro médio, a oligarquia ainda tem muita lenha pra queimar. Ainda que alguns integrantes caiam em desgraça, logo serão substituídos. E a vida vai seguir.

Ponto crucial

José Horta Manzano

A cruz vem do sânscrito, passou pelo latim e se espalhou pelas línguas europeias. Palavra forte, conservou o sentido original em todos os idiomas. Começou dando nome ao artefato composto de dois paus cruzados e firmemente atados, usado, nos tempos idos, para castigar malfeitores.

Esse tipo de suplício saiu de moda, mas a cruz e seus derivados continuam presentes na língua nossa de cada dia. Por extensão, quando o encontro de dois elementos lembra uma cruz, eis que emerge um descendente da raiz. Alguns exemplos são: cruzamento, encruzilhada, crucifixo, cruzeiro, crucial.

Vários desses termos se aplicam ao momento trágico em que o Brasil se encontra. É um momento crucial. O país está numa encruzilhada, tenso, com a respiração presa, pendente da decisão que for tomada pelo Supremo Tribunal Federal daqui a dois dias. Tomando inspiração na frase atribuída a Winston Churchill, podemos dizer que nunca tanta gente dependeu do veredicto de tão poucos.

Onze togados, que representam o nec plus ultra do pensamento jurídico do país, deverão tomar uma decisão histórica. Qual deve ser o destino de um criminoso condenado sucessivamente em dois tribunais, sendo o segundo composto de um colegiado de juízes? Deve ser tirado de circulação e encarcerado ou será deixado livre e solto à espera de um terceiro julgamento, que pode demorar dez, quinze ou vinte anos pra chegar?

Argumentos jurídicos sólidos existem tanto para manter o entendimento atual (prisão após julgamento em segunda instância) quanto para alterá-lo. Isso dá grande liberdade aos onze ministros: cada um está livre de votar de acordo com sua íntima convicção. O momento é capital. Veremos se Suas Excelências têm a grandeza de deixar de lado interesses pessoais e pensar no futuro dos duzentos milhões de conterrâneos.

Cruzada

No colegiado do STF, há quem esteja compromissado com este ou aquele político, há quem deva favores a fulano, há quem tenha relação privilegiada com sicrano. É da vida. Mas Suas Excelências deveriam deixar de lado conveniências pessoais, elevar-se, e compenetrar-se de que têm nas mãos o destino de milhões.

Caso se deixem vencer pela mesquinhez de interesses pequenos, estarão crucificando os brasileiros e condenando gente honesta a conviver com o crime. No entanto, se tiverem a nobreza de optar pela manutenção do entendimento atual, terão dado enorme passo para coibir a criminalidade que corre solta no país.

Este blogueiro se junta à cruzada que se alevanta em favor da manutenção da jurisprudência em vigor. Três mil magistrados já assinaram um manifesto nesse sentido. Sabem que são apoiados por milhões de brasileiros do bem.

Rebus angustis, fortis ‒ em situações difíceis, manter-se forte. Eis a divisa que Suas Excelências deveriam adotar. Não sucumbir a pequenezas pessoais. Lembrar que representam a última diga que protege os brasileiros. Se ruirem, a inundação é certa. O tsunami nos engolirá a todos.

Observação
As palavras escritas em azul são descendentes de cruz. Cada um carrega a sua, mas a dos brasileiros anda muito pesada ultimamente.

Um fundo de verdade

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Refletindo sobre o julgamento de um ex-presidente em Porto Alegre, sobre a onda de moralismo que se espraia por todas as áreas do país e sobre o devido respeito às leis, cheguei à triste conclusão de que há, sim, um fundinho de verdade nas lamúrias da esquerda brasileira.

Antes de mais nada, #nuncaantesnahistóriadessepaís um chefe do Executivo viu-se forçado a depor coercitivamente, ser julgado formalmente por corrupção e lavagem de dinheiro e enfrentar a humilhação de ter seu passaporte apreendido após condenação unânime em segunda instância.

Sabemos todos, mesmo que não queiramos admitir, que praticamente todos os antecessores do infeliz personagem tiveram lá seus deslizes éticos, administrativos, financeiros e políticos, sem jamais terem sido levados às barras de um tribunal. Por que, então, só ele e agora que estamos a poucos meses de uma nova eleição presidencial? A condenação da #almamaispuradoplaneta terá sido reles consequência de ele ter se compadecido do infortúnio secular do lado menos favorecido da sociedade brasileira e ter-lhe propiciado mais educação, mais renda, mais empregos, mais direitos e menos desigualdade? Ou os tempos deveras são outros? Evoluímos como cidadãos combativos ou regredimos como massa de manobra de líderes populistas?

by Gilmar Fraga (1968-), caricaturista gaúcho

Depois, inútil negar, a tese mil vezes repetida dentro e fora de nossas fronteiras do #égolpe provou estar ao menos parcialmente correta. Desde a carta aberta do atual mandatário, queixando-se de sua irrelevância política no cargo de vice-presidente e prometendo ser um articulador mais competente para recolocar o Brasil nos trilhos, até os dias de hoje, a consciência crítica dos cidadãos tem sido abalada quase diariamente por sucessivas infrações à ética e à moralidade pública perpetradas por ministros, secretários de Estado, integrantes do partido governante, membros da base aliada e pelo próprio presidente. Por maiores que sejam as evidências, os indícios e as provas, nenhum deles foi afastado do cargo por decisão judicial ou teve de se defender em juízo. Inquietante, não é mesmo?

Se tudo o que fizemos em infinitas manifestações de rua foi trocar seis por meia dúzia, como desacreditar da existência de interesses inconfessos nas batalhas pelo impedimento da então presidente? Pense rápido: o que conta mais para a concretização de um futuro esplendoroso para o país, a competência ou o caráter? O olhar social ou o equilíbrio da economia? Envie sua resposta em vídeo para a principal emissora do país, tomando o cuidado de manter o celular na posição horizontal, deitado.

Ainda, quando vamos finalmente enfrentar a dolorosa realidade de que o sistema judiciário brasileiro é enviesado, inconsistente, lento e ideologicamente comprometido? Quem ignora que a expressiva maioria de suas decisões é tomada com base não no RG, mas no CIC? Quem não se apercebe do fato de que nem os magistrados da mais alta corte do país obedecem estritamente ao que reza o texto constitucional e atropelam muitas vezes a separação de poderes? Como deixar de lado as evidências de que são capazes de incluir em seus arrazoados argumentações que configuram, sem sombra de dúvida, #perseguiçãopolítica?

by Gilmar Fraga (1968-), caricaturista gaúcho

Aí estão para provar casos emblemáticos como o impedimento da posse do ex-presidente no cargo de secretário de governo por suspeita de desvio de finalidade e a passividade de vários juízes federais frente à escolha de uma deputada condenada por infrações trabalhistas graves para o cargo de ministra do Trabalho, ou a nomeação de um indivíduo com mais de 120 pontos em sua carteira de habilitação para o cargo de diretor do Detran de Minas Gerais.

Não, senhores, definitivamente não há como tapar o sol com uma peneira. O fato cabal, irrefutável, é que #semLulanãohádemocracia. Chega de mimimi de quem não tem coragem de analisar os fatos políticos com espírito de isenção.

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

Ironias do destino

José Horta Manzano

A vida nem sempre é espetáculo cor-de-rosa. Volta e meia, ela dá um boléu e a gente leva um tombo. Mas há tombo e tombo. A gente pode se levantar ileso, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Mas pode também sentir o baque e ficar estatelado no chão sem poder se reerguer.

Costuma-se dizer que o brasileiro tem a memória curta, que esquece hoje o que aconteceu ontem, que um fato novo empurra o antigo para o fundo do poço. Assim mesmo, muitos hão de recordar-se que, no apagar das luzes do mandato, a poucos dias de deixar o Planalto, Lula da Silva exigiu ‒ e obteve ‒ passaporte diplomático. Não só para si, como para mulher, filhos e agregados.

Na época, a imprensa noticiou o ocorrido e uma grita se alevantou. Mas foi erupção breve. Em pouco tempo, ninguém mais voltou ao assunto. Aliás, nem se sabe ao certo se os passaportes obtidos fraudulentamente foram devolvidos. É permitido acreditar que não.

Diferentes modelos de passaporte emitidos pelo Estado brasileiro

Alguns dias antes do julgamento do dia 24 de janeiro de 2018, o Lula mandou avisar que estava de viagem marcada pra Etiópia. Independentemente do que fosse decidido em Porto Alegre, embarcaria na madrugada do dia 26. E não se falava mais nisso.

Nocauteado pela Justiça, o ingênuo houve por bem bancar o marrudinho. Em discurso para plateia amestrada, declarou com todas as letras que não estava disposto a acatar a determinação judicial. Ah, pra quê! Sacudiu a caixa de marimbondos. Um juiz de Brasília, sob cuja responsabilidade corre outro processo contra o falastrão, alarmou-se com a valentia. Com raciocínio lógico, entendeu que o não acatamento a uma decisão judicial podia se traduzir por fuga do país. Não esqueçamos o caso Pizzolato.

Incontinente, ordenou que se confiscasse o passaporte daquele que se propunha a desacatar a Justiça. Lula da Silva, de bom ou mau grado, foi obrigado a cumprir a imposição. Não o fizesse, perigava ser preso imediatamente. Não sei se o passaporte era o diplomático ‒ aquele vermelhinho. Seja como for, o demiurgo teve de passar pela humilhação de vê-lo confiscado e retido. De pouco terá valido a (falsa) imunidade que o documento lhe parecia garantir. A impostura teve vida curta.

Nota interessante
Lula da Silva pretendia cantar de galo numa cúpula realizada em Adis Abeba pela FAO ‒ Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. Observe-se que essa instituição é dirigida por doutor José Graziano da Silva, que foi ministro do Lula. Yes, um afilhado político.

Nota picante
Até ontem, dia 25, o distinto público podia visitar o site internet da FAO e colher ali toda informação que desejasse. De lá pra cá, o Lula foi obrigado a devolver o passaporte e a cancelar a viagem. Hoje, 26, o site está fora do ar, inaccessível. Casou, mudou e não convidou. Será mera coincidência, naturalmente.

Nota latina
Nummus regnat ubique.
O dinheiro reina por toda parte.

Lula e a segunda instância

José Horta Manzano

Tem coisas que escapam ao entendimento do comum dos mortais. Desde os tempos do velho Getúlio, a população não se repartia em facções tão ostensivamente antagônicas: os que gostam do Lula e os que dele não gostam. Esse “gostar” e esse “não gostar” vão além de simples preferência. Não funciona como gostar do amarelo ou preferir o azul. Tanto o gostar quanto o detestar são potencializados.

Os que apoiam o demiurgo, que seja por simpatia ou por interesse, o fazem com paixão de devoto que abraça uma causa. Nada nem ninguém poderá demover o adepto da seita abraçada. Nenhuma revelação de malfeitos ou crimes cometidos pelo guru abalará os adeptos. São fiéis autoenredados por fé cega. Ou por interesse inamovível.

Já os que estão no campo oposto vão além da detestação do ex-presidente. Sentem arrepio à simples menção de seu nome. Irritam-se com o som de sua voz. Não suportam vê-lo nem em foto. Torcem para que desapareça de vez do cenário político da nação. “Que se vá e nos esqueça!” ‒ é expressão que resume o estado de espírito dos opositores.

O tribunal de Porto Alegre encarregado de julgar o recurso interposto pelo Lula contra a condenação a quase dez anos de cadeia não é composto por magistrados ingênuos. Lá, exatamente como aqui, todos estão cientes da tensão que esse processo tem gerado.

Volto agora ao que dizia no início: certas notícias têm o condão de deixar qualquer um embasbacado. Concretamente, pergunto: por que razão terão marcado, com três meses de antecedência, o dia em que será proclamado o julgamento do recurso? Dezenas de recursos de acusados na Lava a Jato já passaram por aquele tribunal. Que se saiba, não é costume anunciar dia e hora em que a palavra final será tornada pública. Por que fazê-lo neste caso?

Terá sido por vaidade dos juízes? Não acredito. Não me parece que a divulgação antecipada da data lhes possa inflar o ego. Se a intenção era gerar um crescendo de tensão nacional, conseguiram o intento. Se a intenção era pôr o demiurgo sob a luz dos holofotes, foram bem-sucedidos. Se a intenção era insuflar ânimo nos movimentos ditos «sociais», conseguiram também.

A decisão do colegiado ‒ sejamos realistas ‒ já há de estar tomada há tempos. Segundo a imprensa, um dos desembargadores até já emitiu seu voto, embora não o tenha tornado público. Inverídico, portanto, será dizer que o recurso será “julgado” dia 24 de janeiro. Julgado ele já foi. No dia aprazado, o resultado será publicado, nada mais.

Por que então ‒ pergunto de novo ‒ marcar dia? O momento político pede mais é serenidade. Atos que não fazem senão exacerbar os ânimos deveriam ser banidos.

Falem bem, falem mal

José Horta Manzano

Falem bem, falem mal, mas falem de mim. Esse é o moto de todo político que se preze. Faz muito tempo que os mais espertos captaram a mensagem. Desde que a chegada do rádio e da televisão tornou o fluxo de informação mais caudaloso, a proximidade de um microfone ou de uma câmera passou a atiçar o marqueteiro que cochila dentro de cada figurão. Principiantes ou tarimbados, homens públicos logo se deram conta do potencial da voz e da imagem difundidas em escala nacional.

Um ex-presidente do Brasil tornou-se mestre na arte de fazer falar de si. Durante o período em que ocupou o trono do Executivo, não deixou escapar uma ocasião de autoincensar-se com o célebre «nunca antes nessepaiz». Mesmo apeado do pedestal e acossado pela justiça criminal, persiste em falar sem dizer, afirmar sem estar convencido, insistir sem ter razão. Continua vociferando, com ar sério, frases que, imagina ele, o «povo» quer ouvir. Embarcou até na canhestra ameaça feita por Mr. Trump à Venezuela para lançar palavras aos microfones. Qualquer pretexto é bom.

Num belo dia de 2014, dois deputados de nossa desengonçada Câmara Federal foram protagonistas de um grosseiro bate-boca. Doutor Bolsonaro dirigiu palavras ‒ desarticuladas mas aviltantes e vigorosamente ofensivas ‒ a uma colega, a doutora Maria do Rosário Nunes, aquela que começou a carreira no PCdoB e milita atualmente no PT. A inflamada troca de gentilezas foi parar nos tribunais.

Faz três anos que se fala nisso. Volta e meia, algum comentarista dá sua opinião sobre o fato de a deputada merecer ser estuprada ou não. Uma escaramuça de botequim transformada em verdadeira causa nacional. Gente de toda a paleta política já meteu o bedelho. Feministas, machistas, comunistas, liberais, lulopetistas, governistas, antigovernistas, todos continuam se pronunciando.

Acaba de sair a decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre a demanda de reparação formulada pela deputada. A corte dá razão à doutora e mantém a condenação do ofensor a desembolsar dez mil reais pelos danos morais que causou.

Minha primeira consideração concerne à sobrecarga que estes três anos de processo trouxeram à Justiça. Quando se sabe que o Judiciário já anda entupido por dezenas de milhares de casos, soa indecente que dois representantes do povo, figurões que recebem polpudos salários e gozam de mordomias de marajá, contribuam para atravancar o andamento de outros casos quiçá mais prementes. Tudo isso por dez mil reais!

Fica a dúvida. Serão os nobres deputados tão carentes de bom senso? Por que terão dado preferência a uma estúpida queda de braço pública em vez de um acerto particular? A resposta está na própria pergunta. A Justiça, financiada com o dinheiro de todos nós, não traz ônus aos querelantes. Valendo-se disso, eles aproveitaram a ocasião para permanecer sob os holofotes durante três anos sem desembolsar um centavo. Marketing esperto pra ex-presidente nenhum botar defeito. Falem bem, falem mal…

O Lula e as pesquisas

José Horta Manzano

Doutor Mauro Paulino, diretor do Datafolha (instituto de pesquisa de opinião cujo renome dispensa apresentações), deu entrevista à revista Valor. Declarou textualmente:

«Lula passou pelo mensalão e se reelegeu em 2006. Passou pelo farto noticiário negativo da Lava a Jato e permanece em primeiro, com 30%. Se for condenado [pelo TRF4], pode ser identificado como vítima, o perseguido».

À primeira leitura, sua declaração choca. Deixa a impressão de que o diretor realmente acredita que o eleitor brasileiro escolhe candidato por compaixão. Quanto mais coitadinho for, mais chance terá de ser eleito.

Como não posso crer em tamanha ingenuidade de diretor de instituto tão conhecido, privilegio uma segunda hipótese ‒ bem mais sutil. Para começar, o diretor insiste em ressaltar o resultado de sua sondagem para o primeiro turno, escamoteando a evidência de que o ex-presidente não venceria eventual segundo turno em nenhum dos cenários.

Em seguida, percebo um recado astucioso dirigido ao tribunal que vai julgar o Lula em segunda instância. Doutor Paulino não ousa dar instruções aos magistrados, mas adverte subliminarmente que, caso a condenação seja confirmada, o ex-presidente ganhará força e poderá voltar à presidência, coisa que ninguém de bom senso quer.

A declaração flutua entre apelo e ameaça e deixa no ar desconfortável sensação de ambiguidade. Para mim, não faz senão reforçar a impressão de que determinadas pesquisas parecem cronicamente tendenciosas. Errar, todos os institutos erram, é inevitável. Ressaltar certos pontos dos resultados e minimizar outros já é outra coisa.

Lula, entre a fuga e a prisão

Ricardo Noblat (*)

Lula caricatura 2Se achasse necessário prender Lula, o juiz Sérgio Moro já o teria feito. Se não o fez até agora foi porque Lula não representa nenhuma ameaça às investigações dos seus supostos crimes. Nem à ordem pública. Uma prisão dele que parecesse precipitada, isso sim, poderia pôr a ordem pública em risco.

Moro caminha na direção prevista por oito de cada dez advogados que acompanham de perto a Lava a Jato: condenará Lula ao fim de vários processos, mas não o prenderá. Lula só será preso se a segunda instância da Justiça, o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) confirmar a decisão de Moro e mandar prendê-lo.

Dos 28 réus que já tiveram recurso julgado na segunda instância, nove viram sua pena aumentada. Outros onze terão que cumprir a mesma pena decidida originalmente por Moro, segundo levantamento feito pelos repórteres Mateus Coutinho, Rodrigo Burgarelli e Valmar Hupsel Filho, do jornal O Estado de S. Paulo.

Isso significa que o tribunal confirmou ou aumentou a pena de 71% dos réus condenados por Moro, praticamente três em cada quatro. Dos réus que recorreram ao tribunal, só quatro tiveram a pena reduzida. Outros quatro acabaram absolvidos. Para desespero de Lula, a situação dele só tem se agravado.

Lula caricatura 2aEsta semana ‒ e pela quinta vez em três operações diferentes (Lava a Jato, Zelotes e Janus), comandadas por juízes diferentes ‒, Lula tornou-se réu. E não somente ele, mas também Roberto Teixeira, o advogado e compadre de Lula que comanda a defesa em todos os processos. Teixeira é acusado de lavagem de dinheiro, assim como Lula.

O Ministério Público Federal também denunciou Lula por corrupção passiva no caso de contratos firmados pela construtora Odebrecht com a Petrobrás. Ele foi apontado como o “responsável por comandar uma sofisticada estrutura ilícita para captação de apoio parlamentar, assentada na distribuição de cargos públicos da administração federal”.

É provável que Lula se torne réu em outros processos. Para que ele fique impedido de disputar as eleições de 2018, basta que seja condenado uma única vez. E que a condenação seja confirmada pela segunda instância da Justiça. Os advogados dele estão certos de que isso ocorrerá até o final do próximo ano. Lula está entre a fuga e a prisão.

(*) Ricardo Noblat é jornalista. Seus artigos são publicados por numerosos veículos.

STF e briga de condôminos

José Horta Manzano

O ministro Luís Roberto Barroso, um dos onze sábios que seguram as rédeas do Supremo Tribunal Federal, deu interessante entrevista faz alguns dias. O vídeo está disponível no site do Estadão. Em 9 minutos de fala comedida, o magistrado opina sobre as mudanças que o sistema judiciário está a exigir.

A visão de Barroso é bastante inusitada. Ele acredita que todo processo deveria, em princípio, terminar na primeira instância. Exarada a sentença por um juiz, os litigantes deveriam voltar cada um para sua casa e pronto. O pronunciamento judicial deveria ser o ponto final de 99% dos processos. Somente em casos excepcionais, o contencioso deveria ser reapresentado em segunda instância, para novo julgamento, desta vez por um colegiado.

TribunalO STF seria reservado para pouquíssimos assuntos de importância crucial, daqueles que abalam a nação e criam jurisprudência ‒ não mais que uma vintena por ano. Em outros termos, terceira instância é lugar para mensalões e petrolões, mas não é foro adequado para divórcio litigioso nem para briga de condôminos.

Tem razão o ministro. A judiciarização de nosso país atingiu ponto de saturação. Como exemplo eloquente, ele informou que ‒ somente nos seis primeiros meses deste ano ‒ 44.000 processos (quarenta e quatro mil!) foram distribuídos entre os 11 ministros, o que dá quatro mil por cabeça. Que ninguém se iluda: é humanamente impossível que os magistrados-mores se debrucem, com a devida atenção, sobre cada um desses processos.

Por detrás da toga e da pose pomposa, está um exército de operadores, responsáveis de facto pela análise de cada caso. As estatísticas do STF mostram que, ao final do semestre passado, um quadro de mais de 1.100 analistas e técnicos judiciários operavam nas sombras para dar conta desse enorme saco de caranguejos. A conta inclui unicamente «servidores efetivos» sem mencionar atuantes eventuais.

Tribunal 1O extraordinário volume de processos prejudica a qualidade do julgamento, é uma evidência. Ainda que a sentença venha com a assinatura de um ministro, é pra lá de provável que ele nunca tenha lido uma frase sequer da papelada. Seria inimaginável que os magistrados encontrassem tempo para destrinchar pessoalmente cada dossiê.

Portanto, tem razão o doutor Barroso quando diz que nenhum processo deveria ir além da segunda instância. Longe de mim a intenção de menosprezar os que se dedicam à ingrata tarefa de desenredar papelada no STF, mas acredito que mais vale ser julgado por um colegiado de juízes de segunda instância do que por um solitário técnico judiciário.