Fórum diplomático

Fórum Diplomático de Antalya (Turquia)
entre Ucrânia e Rússia

José Horta Manzano

A aceitação, por parte da Rússia, de negociar com a Ucrânia é bom sinal. Semana passada, o Kremlin estava bem mais altivo, confiante numa vitória esmagadora e rápida. O panorama mudou.

Quem está por cima, vencendo uma guerra e destroçando o inimigo, não aceita sentar em volta de mesa nenhuma pra negociar. Negociar o quê? Só aceita rendição incondicional. Aliás, era o que Putin dizia nos primeiros dias da invasão. Suas condições eram claras: rendição incondicional, armas no chão, deposição do governo da Ucrânia.

Hoje, passados quinze dias desde que o primeiro míssil acertou um paiol ucraniano, percebe-se que a belicosidade abrandou. Sente-se que ambos os lados estão dispostos a dar um passo e fazer alguma concessão. O importante é acabar logo com essa carnificina estúpida e inútil. Tem muita gente morrendo de ambos os lados. Por nada.

A solene reunião desta quinta-feira, que se realiza em Antalya (cidade balneária do sul da Turquia), e que reúne, sob patrocínio turco, invasor e invadido, é de alto nível. Cada uma das partes beligerantes enviou o respectivo ministro de Relações Exteriores.

O ucraniano, Dmitro Kuleba, é praticamente desconhecido. Mas o representante russo é Sergei Lavrov, figurinha carimbada. Chegadíssimo a Putin, é seu fiel servidor, escudeiro e ministro há 18 anos – longevidade praticamente impossível de ser atingida em nosso país, dado que a alternância no poder tem vigorado, bem ou mal, desde a redemocratização.

Falando em alternância, me vem à mente que os quase 23 anos de Putin causaram à Rússia um mal infinitamente mais profundo e duradouro que os 13 infelizes anos de lulopetismo no Brasil. Comparados a Vladímir Putin, Lula e Dilma não passam de primeiranistas do aprendizado. Foram desastrados em tudo, até no assalto ao erário.

Se, nas eleições deste ano, conseguirmos nos livrar tanto de Bolsonaro quanto do Lula, a recuperação do país tem chance de se fazer em uma década. (Eu não disse que se fará, mas que “tem chance”.)

Já o buraco em que Putin meteu a Rússia é duradouro. A imagem e a economia do país não estão arranhadas: estão destruídas. Os russos não vão sair do fundo do poço antes de uma geração – a contar do dia em que Putin desaparecer do palco, naturalmente.

Diplomacia cucaracha

José Horta Manzano

Em casa:
‒ Menino, vá até a padaria comprar meia dúzia de pãezinhos.

‒ Ah, mãe, agora tô jogando bola.

‒ Se você for agora, dou dinheiro pra você comprar sorvete.

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No treinamento de atletas:
‒ Quem ganhar uma medalha leva um prêmio de dez mil reais.

Interligne 28aNa gerência de vendas:
‒ Quem ultrapassar a meta este mês ganha um fim de semana num spa.

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Na reunião entre o governo turco e a União Europeia:
‒ Hordas de imigrantes ilegais têm chegado à Europa atravessando o território turco. Vocês precisam fazer alguma coisa pra barrar essa invasão!

‒ Podemos estudar o assunto. Mas queremos alguma vantagem em troca. O que é que a UE nos oferece?

‒ Podemos dar-lhes uma ajuda de 3 bilhões de euros e estudar eliminar o visto de entrada na União para cidadãos turcos.

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É assim que vai a vida desde que o mundo é mundo. O finado governo brasileiro não foi o inventor do «toma lá, dá cá». Toda negociação ‒ seja ela entre mãe e filho, entre parceiros, entre adversários ou entre governos ‒ implica troca de gentilezas. Cede-se isto pra colher aquilo. Abre-se mão de algo pra conseguir o que se quer. A diplomacia nada mais é que a arte da negociação elevada ao nível governamental.

Como sabemos todos, a Venezuela entrou no Mercosul pela porta dos fundos, na esteira de um golpe malandro. Foi quando o governo do Brasil, da Argentina e do Uruguai se acumpliciaram para suspender o Paraguai e deixar entrar, na calada, a república bolivariana.

Diplomacia 1Caído o estranho projeto de poder que nos dominava, o Estado brasileiro começou a voltar aos eixos. A caminhada será longa. Semana passada, nosso chanceler teve encontro com seu homólogo uruguaio para deliberar sobre a entrega da presidência do Mercosul ao folclórico señor Maduro. Embora reuniões dessa natureza não devessem, em princípio, ser objeto de divulgação na mídia, todos ficaram sabendo. Deu no que deu. Gente que não entende do assunto meteu o bedelho.

Não se sabe se por má-fé ou por incompetência ‒ tendo a apostar na segunda possibilidade ‒ o chanceler uruguaio andou declarando que o Brasil «tentou comprar» a adesão de Montevidéu à tese brasileira de que Caracas não está em condições de presidir o bloco. À vista da reação indignada do Itamaraty, o ministro uruguaio desdisse o que havia afirmado. Ficou combinado que tudo não passou de um «mal-entendido».

Mercosul 4Resta a impressão de que o Brasil não é o único a confiar assuntos sérios a gente pouco qualificada. Nós já nos livramos dos inefáveis figurões que desgraçaram a diplomacia brasileira durante os últimos 13 anos. Falta o Uruguai fazer a lição de casa.

Vale lembrar o que dizem os italianos: «certe cose non si dicono, si fanno» ‒ certas coisas não se dizem, se fazem. O segredo continua sendo a alma do negócio, mormente em tratativas entre Estados.

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Pra arrematar:
Dona Dilma, cujo ponto forte não é exatamente a sutileza diplomática, houve por bem manifestar-se sobre o episódio. Disse que o Brasil não é imperialista e não pode comprar nenhum país. Como de costume, a presidente emérita não entendeu o que aconteceu. Negociação, sem dúvida, não faz parte do ideário da doutora.

Penúltimo capítulo

José Horta Manzano

Segredo 7Não saiu nem sairá em nenhum jornal. Jamais teremos acesso ao que realmente aconteceu. Mas basta refletir desapaixonadamente para chegar à conclusão de que… aí tem coisa.

Estou falando do mais recente capítulo da (já longa) novela cujo protagonista é Signor Pizzolato. Depois de passar quase um ano em masmorras italianas, o condenado no mensalão está prestes a provar as delícias que o sistema prisional brasileiro reserva para gente bem relacionada.

Ao dar-se conta de que o barco abria água, o esperto cidadão escapou para a Itália, na certeza de que estaria definitivamente a salvo. Pensando bem, talvez a possibilidade de o fugitivo não voltar a pôr os pés em território nacional fosse interessante para outros envolvidos naquele escândalo de roubalheira. Gente ressentida é um perigo: pode até dar com a língua nos dentes.

O confronto com o caso Cesare Battisti tornou-se inevitável. O indulto concedido ao criminoso italiano pelo Lula – num dos atos covardes e constrangedores de seu reinado ruinoso – voltou à tona. Para vergonha de todos nós, voltava à ribalta a desonrosa façanha de nosso aprendiz de tiranete.

Segredo 8Acostumados a ver interesses da nação brasileira desprezados em benefício de interesses particulares de governantes, muitos imaginaram que países civilizados rezassem pela mesma cartilha. Parecia evidente que, em represália contra a indecifrável decisão de nosso guia, a Itália negaria a extradição de Signor Pizzolato. Não foi o que aconteceu.

A Itália «não teve coragem» de dizer não ao Brasil, declarou o advogado do extraditando. Ora, que bobagem. Isso não passa de desculpa de defensor desapontado. A Itália deu uma lição ao Brasil ao mostrar que cada caso é um caso e que atos de retaliação nem sempre combinam com a imagem que países civilizados procuram projetar.

Segredo 5Mas tem mais. A maior lição que o Brasil deve reter é que interesses do governo não devem ser confundidos com interesses do Estado. Governos passam, o Estado permanece. Os interesses do governo são ligados ao bom desempenho eleitoral, à popularidade, à tentativa de agradar. Os interesses do Estado são de longo prazo e vão bem além do espaço de um mandato.

No episódio Pizzolato, o Estado italiano enxergou o que nossos míopes governantes não conseguiram discernir no caso Battisti: um Estado não tem sentimentos – tem interesses. Os ingênuos figurões do Planalto não perceberam que Battisti podia ter sido usado como objeto de escambo com a República Italiana.

Art° 26 da Constituição da República Italiana Suficientemente vaga, deixa aberta a porta para a extradição de nacionais.

Art° 26 da Constituição da República Italiana
Suficientemente vago, deixa aberta a porta para a extradição de nacionais

Tratava-se de excelente ocasião de dizer aos italianos: “Ah, vocês querem o homem? Pois seja. Extraditaremos, mas, em troca, gostaríamos que…” E, nessa hora, recitam-se as condições. Analisa-se em que o Estado italiano pode ser útil ao Estado brasileiro e põem-se as exigências sobre a mesa. É hora de discutir, de negociar, de resolver velhas pendengas.

Escrita 4Broncos, despreparados e presos a uma visão de mundo de adolescente dos anos 60, nossos medalhões não se deram conta de que é assim que o mundo funciona. Ao acolher Battisti, deram vexame. De quebra, o Estado brasileiro não levou vantagem nenhuma.

Como eu disse logo na entrada deste artigo, as tratativas não saíram nem sairão em nenhum jornal. Mas tudo indica que negociações devem ter ocorrido. Não se sabe quais terão sido as concessões, mas alguma vantagem estratégica ou comercial Roma há de ter conseguido. Senão, como explicar o raríssimo fato de extraditarem um de seus cidadãos?