Resenha – 4

by Pedro Silva, desenhista português

José Horta Manzano

Descartável
Doutor Anderson Torres, que foi ministro da Justiça aos tempos de Bolsonaro, foi colhido pela PF ao desembarcar de voo que o trazia de volta de suas ‘férias’ em Orlando. Foi então conduzido a um destacamento da Polícia Militar de Brasília onde está preso há três semanas.

Ontem, o doutor deu depoimento. Indagado sobre a minuta de decreto golpista encontrada entre seus guardados, declarou que considera a dita minuta “totalmente descartável” e, mais que isso “sem viabilidade jurídica”.

O doutor não explicou o que é que um papel “totalmente descartável” fazia entre os documentos conservados em sua residência. Se era descartável, deveria ter sido descartado. Por que não o foi?

Ao declarar que o decreto golpista é “sem viabilidade jurídica”, o doutor chove no molhado. Golpe de Estado significa exatamente a quebra de ordem jurídica. Dizer que ele é “sem viabilidade jurídica” é uma evidência, um truísmo.

Em matéria de esclarecimento, o depoimento foi de soma zero.

Do porão
Assustado com as múltiplas tentativas de golpe de Estado que permearam os últimos meses da gestão bolsonárica, doutor Gilmar Mendes (STF) declarou que “a gente estava sendo governado por uma gente do porão”.

Se qualquer um de nós, cidadãos comuns, fizéssemos esse comentário, o mundo não viria abaixo. Mas quando Gilmar Mendes, conhecido como “o ministro que mais solta bandido”, faz a mesma observação, vale o dobro. Fica patente que essa gente é do porão mesmo.

Italiano
Bolsonaro disse que é italiano e que, se quiser tirar os documentos, basta solicitá-los, que a burocracia não será pesada. Tem razão o ex-presidente. O que ele não disse, talvez por não saber, é que a Itália não é o porto mais seguro para fugitivos da lei. Nenhuma lei do país impede a extradição de nacionais.

Já tivemos um caso famoso, o de Henrique Pizzolato. Binacional, o condenado na Lava a Jato se homiziou na Itália. O governo brasileiro solicitou extradição e, depois de uma batalha judicial, a Itália acabou entregando Pizzolato à PF, que o levou direto de Roma para a Papuda.

Portanto, a nacionalidade italiana pode ser útil para cidadãos brasileiros comuns. Para um Bolsonaro condenado, não é destino recomendável.

Enquanto isso
Inconformado ao ver que uma das mais importantes instituições da República escapa ao seu controle, Lula dá sinais de querer “rever” a autonomia do Banco Central. Para não chacoalhar o mercado, diz que a ideia só será posta em prática após o término do mandato do atual presidente do banco.

Lula não tem jeito. Com os pés cravados nos anos 1970, não consegue (ou não quer) entender que a absoluta independência do banco emissor é ponto importante no sistema de pesos e contrapesos de uma democracia vigorosa. É assim que funciona em todos os países democráticos.

Doutora em Ginecologia
Uma cirurgiã-ginecologista francesa, que oficia no hospital de Bordeaux (sul da França), gosta de cantar. Já na sala de operações, antes de iniciar o procedimento cirúrgico, canta para tranquilizar a paciente.

Embalados por sua bela voz, os “gospels” têm feito sucesso desde que foram publicados nas redes. Veja aqui.

Fugir para a Arábia?

José Horta Manzano

Todo o mundo já sabe, mas não custa repetir para que fique bem claro: o maior pavor do capitão é a cadeia. Por certo, essa não é a preocupação maior nem do distinto leitor nem deste escriba. Mas o capitão arrasta um passado complicado. Ele deve conhecer os motivos pra tanto medo.

Em diversas ocasiões, ele já bradou que ninguém jamais o tiraria do palácio e que nunca iria preso. A contradição da primeira parte de sua profecia já está aí: vai sair do palácio sim, senhor. Falta a segunda parte. Minha avó dizia: “Quem não deve, não teme”. Por que será que ele teme – e treme?

As especulações correm soltas sobre uma eventual fuga de Bolsonaro para o exterior. Não será simples. Se decidir seguir esse caminho em busca de asilo, terá de escolher um país com o qual o Brasil não mantém tratado de extradição.

Uma fuga para um país governado por dirigente autoritário de extrema-direita pode ser uma opção. A Hungria ou a Polônia, por exemplo. Mas… e se o governo de lá mudar de cor política amanhã e anular o asilo, como é que fica? Bora fugir de novo de mala e cuia?

Reinos, sultanatos e emirados do Oriente Médio são outra opção. Por lá, o risco de mudança de regime é quase inexistente. Mas… não deve ser fácil ter de passar o resto da vida numa bolha de ar condicionado, com samambaias artificiais, rodeado de deserto por todos os lados, com temperatura externa próxima de 50 graus. Tem quem aguente: Juan Carlos, que foi rei da Espanha, envolveu-se há dois anos num escândalo de corrupção e refugiou-se no emirado de Abu Dabi. Está lá até hoje.

O site Metrópoles informa que os filhos n°01 e n°03 do presidente estiveram na embaixada da Itália em Brasília terça-feira passada para tentar apressar o processo de reconhecimento da cidadania italiana para o clã. Entrevistado, o filho mais velho disse que deram início ao processo em 2019. Não explicou a razão da súbita pressa em ver o fim do túnel.

É permitido especular que, longe de cogitar uma aposentadoria na gelada Hungria ou no escaldante Oriente Médio, Bolsonaro esteja de olho na obtenção do passaporte italiano para dar o fora daqui. Num primeiro momento, até que parece boa ideia, mas o porto não é tão seguro como ele está imaginando.

Aconteceu não faz dez anos. Nos tempos em que a Lava a Jato comia feio, um senhor chamado Henrique Pizzolato, diretor de marketing do Banco do Brasil, encontrava-se em situação semelhante à do capitão hoje: era alvo da justiça brasileira e possuía dupla nacionalidade – italiana e brasileira. Às vésperas de ser preso, fugiu para a Itália.

Despistou a PF, saiu em direção à Argentina e de lá tomou avião para a Itália. Imaginou-se para sempre a salvo. Estava enganado. Quando souberam de seu paradeiro, as autoridades judiciárias de Brasília requereram sua extradição. Pizzolato tinha confundido a lei brasileira com a lei italiana. Imaginou que, como o Brasil, a Itália não extraditasse seus nacionais. Não é bem assim que funciona.

A lei italiana não impede a extradição de cidadãos do país. Com base no Acordo de Extradição firmado entre a Itália e o Brasil em 1989, cada caso será estudado individualmente. O fujão permaneceu dois anos na Península enquanto a batalha judicial corria solta. Num primeiro momento, sua extradição foi negada pela justiça italiana. O Brasil entrou com recurso, o caso foi para Roma, e a Corte de Apelação finalmente concedeu a extradição. Com o rabo entre as pernas, Pizzolato foi trazido pela PF a Brasília. De jatinho. Do aeroporto, foi direto para a Papuda purgar sua pena.

Se você, distinto leitor, for íntimo do clã do (ainda) presidente, procure fazer chegar este recado à família: “Lembrem-se do Pizzolato!”.

Se fugir já é uma vergonha, imagine só o que deve ser fugir, ser apanhado e trazido de volta pela PF. Vexame supremo! O capitão não vai querer arriscar. Ou vai?

Na ilustração, o avião que trouxe Henrique Pizzolato de volta para o Brasil.

A verdade torturada

Salvini: “Agradeço a Bolsonaro pela extradição de Battisti”

José Horta Manzano

A distorção da verdade é matéria prima indispensável ao trabalho de populistas e extremistas. A mais recente pérola foi cometida neste 2 de novembro.

Nesta terça-feira, nosso capitão presidente esteve de visita ao cemitério militar brasileiro de Pistoia, erguido em memória dos pracinhas da FEB caídos nos campos de batalha italianos durante a Segunda Guerra.

Surgido não se sabe de onde, apareceu Matteo Salvini, líder da extrema-direita italiana, cujo percurso já o levou a ser vice-primeiro-ministro, cargo de que foi apeado dois anos atrás. Hoje, em Pistoia, alegou ter sido convidado “pela embaixada do Brasil”. Admitamos.

Em seu discurso, agradeceu a Bolsonaro “pela extradição de Cesare Battisti”. Para impressionar na retórica, espichou a mentira e acrescentou que, se dependesse “de presidentes de esquerda”, alguns terroristas estariam ainda livres no Brasil. Não se sabe bem a que “outros terroristas” ele se refere. O que se sabe é que um perigoso miliciano ocupa a Presidência de nosso país, mas essa já é uma outra história.

Salvini não é tão ignorante quanto Bolsonaro. Era ministro de Assuntos Internos da Itália em janeiro de 2019 e sabe perfeitamente como terminou a aventura de Battisti em terras sul-americanas. Mas está apostando na memória curta de seus compatriotas. Nós, que acompanhamos o caso passo a passo durante anos, sabemos bem como ocorreu.

Assim que Bolsonaro foi eleito e declarou que tinha intenção de extraditar o condenado Battisti, este escafedeu-se e refugiou-se clandestinamente na vizinha Bolívia. A polícia italiana, que acompanhava à distância, seguiu os passos do fugitivo.

Não se sabe que tipo de tratativas ocorreu entre Roma e La Paz. O fato é que, um belo dia, policiais bolivianos (acompanhados por policiais italianos) deram voz de prisão a Battisti. Em poucas horas, o homem foi oficialmente expulso do país e entregue aos policiais italianos. Que o conduziram diretamente a Roma. Nem fizeram escala em território brasileiro, que é pra não arriscar expedição de um habeas corpus – num país judiciarizado como o nosso, toda prudência é pouca.

Naquele momento, Bolsonaro ainda nem tinha vestido a faixa. Era presidente eleito, não empossado. Portanto, não tem nada a ver com o que aconteceu. Que Salvini lhe tenha agradecido “pela extradição de Cesare Battisti” é desonestidade pura.

A verdade torturada é sempre a melhor arma de quem não tem realizações a mostrar. Uma mentira bem apresentada é sempre melhor que nada.

Bolsonaro e Salvini
Pistoia, 2 nov° 2021

Ironia
Para o espírito dos pracinhas que tombaram na Itália para liberar o mundo de nazistas e fascistas, deve ter sido uma tortura ver dois aprendizes fascistoides rindo em cima das tumbas.

Lula, Battisti e as desculpas

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 29 agosto 2020.

Como se verá a seguir, certas atitudes expõem a incompetência e a falta de visão de governantes. O caso Battisti é emblemático. Terrorista condenado por atos cometidos nos anos 70 – dois homicídios e participação em outros dois –, o italiano Cesare Battisti fugiu da prisão, passou anos homiziado por França e México, para finalmente pousar em Copacabana, onde se escondeu por 3 anos.

Descoberto em 2007, passou a navegar pelos meandros da exótica prática judiciária do Brasil. Foi preso, foi solto, recebeu o estatuto de refugiado político, perdeu essa condição. As chicanas de nossa peculiar justiça – com sua dificuldade de dar decisão definitiva, como a deixar sempre brecha para uso futuro – conduziram o caso até a escrivaninha do presidente da República, então um certo Lula da Silva.

A ele coube dar o veredicto. Numa decisão estranha, Lula humilhou a justiça italiana e, passando por cima da decisão dos tribunais da Península, concedeu asilo político ao condenado por homicídio. Pegou muito mal, tanto aqui quanto na Itália.

O asilado passou a transcorrer dias despreocupados numa cidade de praia do estado de São Paulo. Distraído, não se deu conta de que o Brasil ainda guarda relentos absolutistas do “Ancien Régime”, sistema em que a lei se amolda à vontade pessoal do rei. Pois foi o que aconteceu. Recém-eleito, doutor Bolsonaro prometeu revogar, uma vez empossado, o asilo dado a Cesare Battisti. O asilado não esperou para ver – escapou à sorrelfa e tomou o rumo da Bolívia.

Ao passar a fronteira, deve ter acreditado que estava a salvo. Engano bobo. Agentes do serviço secreto italiano não tardaram a encontrar seu paradeiro. A partir daí, é permitido especular que tenha havido um acerto entre Roma e La Paz. (Esta parte não é oficial, mas é plausível.) O fato é que, apenas chegado a Santa Cruz de la Sierra, Cesare Battisti foi preso pela polícia boliviana e, em 24 horas, deportado em rito sumário. Nem processo de extradição houve.

Levado à Itália, foi trancado numa prisão de segurança máxima. Meses depois de ter voltado ao país natal, talvez para aliviar a consciência, confessou ser realmente autor dos crimes pelos quais tinha sido condenado. Consternada, a família lulopetista emparedou-se num silêncio obsequioso.

by Gilmar Fraga (1968-), desenhista gaúcho

Agora, ano e meio depois da confissão de Battisti, entra em cena nosso conhecido Lula da Silva. Numa entrevista concedida há 10 dias a um canal amigo, apareceu contrito e arrependido de ter concedido asilo ao italiano. No entanto, a fim de manter intacta a imagem do guia infalível, procurou um culpado para a enormidade cometida. Declarou ter sido “enganado” pelo homicida – o que traz à mente o estouro do mensalão, quando ele também se queixara de ter sido “traído”. Declarou ainda que não teria problema em pedir desculpa à família das vítimas. Usou o condicional: “não teria problema”. Como ninguém cobrou as desculpas, não as pediu. E o assunto morreu ali.

Com a velocidade do raio, a notícia chegou à Itália. Das vítimas de Battisti, Alberto Torreggiani é aquele que sofreu os “efeitos colaterais” mais severos. Tinha 15 anos de idade quando o pai, um joalheiro milanês foi assassinado a sangue-frio. Baleado na coluna vertebral, o jovem não morreu, mas ficou paraplégico. Está hoje com 56 anos, 41 dos quais passou aprisionado a uma cadeira de rodas.

Ao tomar conhecimento das “desculpas” do Lula, Torreggiani mostrou desânimo. Declarou-se indignado e perplexo. Intuiu que as lágrimas do ex-presidente são para uso eleitoreiro. Amargo e irônico, indagou se seria o caso de agradecer ao Lula. Depois de tantos anos de sofrimento e atribulações, não vê sentido em ouvir, de pessoa tão importante, a confirmação do que sempre foi evidente: que ele, a vítima, estava com a razão.

Battisti, decerto habituado às chicanas da justiça do Brasil, solicitou em maio prisão domiciliar em razão dos riscos de apanhar a covid-19. O Ministério da Justiça italiano negou provimento argumentando que todos corriam o mesmo risco e que ele não era melhor que ninguém.

Quanto às desculpas fora de hora do Lula, comenta-se na Itália que essa covid parece estar causando efeitos estranhos na cabeça de certas pessoas.

Carlos Ghosn e a Lava a Jato

José Horta Manzano

Até uns dois anos atrás, senhor Carlos Ghosn não era figura conhecida no Brasil. Precisou a Justiça do Japão encrencar-lhe seriamente a existência para os brasileiros se inteirarem de que tinham um conterrâneo famoso e poderoso, um homem que havia subido muito até chegar à presidência de uma das grandes montadoras de automóveis, a Renault-Nissan.

Fato é que, acusado de desviar dinheiro da firma para uso pessoal, nosso patrício foi convidado a passar uma temporada nas masmorras nipônicas. Parece que o sistema judiciário, por lá, é um bocado rigoroso. No Japão não tem essa de segunda instância, habeas corpus, nem recursos à profusão. Acusado de crime vai em cana e é lá que lhe cabe esperar pelo processo.

Depois de meses encarcerado, o moço conseguiu ir para prisão domiciliar, benefício especialíssimo cuja fiança lhe custou a bagatela de um bilhão de ienes (mais de 9 milhões de dólares). No Japão, presos em domicílio estão sob controle severo. Não pode isso, não pode aquilo. Nem internet, nem celular, nem mesmo visita da esposa. Saídas controladas, vigiadas e cronometradas. Não sei como ele fez, mas um dia conseguiu escapar.

Hoje chegou a notícia de que o homem tinha desembarcado em Beirute, cidade onde cresceu, trazido por um jatinho executivo. Mais, não se sabe. Parece essas fugas aventurosas que a gente vê muito no cinema, mas raramente na vida real. Apesar de parecer que senhor Ghosn está fugindo da Justiça, ele mantém que, na verdade, escapa da injustiça de um sistema em que não vigora a presunção de inocência; mesmo antes do processo, o acusado já é considerado culpado e como tal é tratado. Ele diz ainda que nada fez de errado, que tudo não passa de monstruosa e perversa maquinação.

Não tenho elementos pra julgar nem me compete fazê-lo. Mas é sabido que quanto mais rico e poderoso se torna um indivíduo, mais inveja e olho gordo atrai. Pode até ser que ele tenha boa dose de razão. Pode ser que a história contada pela Justiça japonesa seja fruto de montagem maligna. Provavelmente jamais saberemos.

Vinhedo no Líbano

Nosso conterrâneo é plurinacional, um luxo. Tem três cidadanias: a brasileira (por nascimento), a libanesa (pela lei do sangue) e a francesa (por naturalização). É neto de libaneses; nasceu no Brasil; foi, com a família, para o Líbano quando ainda criança. Em Beirute, fez seus estudos no Liceu Francês, o que lhe abriu as portas para a língua: fala francês perfeito e sem sotaque – condição sine qua non para ocupar posto importante em firma francesa.

No Líbano, ele é figura conhecida e respeitada. Tem lá investimentos no ramo imobiliário e em viticultura. De tão popular, já foi homenageado com um selo emitido com sua efígie. Dado que é cristão maronita, está habilitado para ocupar a Presidência do país. Ele tem grandes chances, porque muitos gostariam de vê-lo lá. De qualquer modo, o Líbano não tem tratado de extradição com o Japão. Senhor Ghosn não arrisca ser despachado de volta para Tóquio. Não sendo acusado de crime nenhum no Líbano, está livre de ir e vir à vontade.

Ele poderia também ter-se refugiado no Brasil, pois não? Como se sabe, nossa Constituição proíbe a extradição de nacionais. Nesse ponto, estaria tranquilo. Acontece que a Lava a Jato, que passou feito tsunami, abalou antigas convicções e fez um imenso favor ao país: o Brasil deixou de ser visto como paraíso para os que fogem da Justiça – tanto local quanto internacional.

Nosso país, bem mais vasto que o pequeno Líbano, permitiria a senhor Ghosn mais amplitude de movimentos. Aqui, ele jamais se sentiria sufocado. Assim mesmo, ele preferiu o país dos antepassados, onde sua vida vai ficar mais problemática. Dado que o Japão vai certamente lançar mandado internacional de captura contra ele, toda sua viagem ao exterior estará fortemente comprometida. Apesar disso, ele preferiu o país dos Fenícios. Será que nossa volubilidade política está assustando a esse ponto?

A extradição de Battisti

José Horta Manzano

Antes de qualquer outra consideração, quero lembrar ao distinto leitor que, nos últimos cinco anos, mencionei neste blogue o nome de Cesare Battisti em nada menos que 23 artigos. Em todos eles, mostrei-me favorável à devolução do fugitivo a seu país de origem. Parece-me que todo criminoso, desde que tenha sido condenado em processo justo e decorrido em ambiente civilizado, tem de cumprir a pena. Não me parece normal nem aceitável que, por esperteza ou por amparo de poderosos, um condenado possa fugir para conseguir asilo nalgum lugar.

O problema, no caso desse senhor, é que a coisa foi longe demais. Por absoluta incompetência dos que têm ocupado as altas funções neste país estes últimos anos, decisões importantes têm se transformado em ioiô, em ucasses tonitruantes que respondem ao humor do comissário de turno. O veredito de hoje pode diferir do de ontem. E, com certeza, será diverso do despacho de amanhã. Ao fim e ao cabo, nosso sentimento de insegurança jurídica equivale ao que devia atormentar os súditos de Luís XIV, assujeitados aos humores cambiantes do Rei Sol.

Nossa formação escolar tosca tem produzido um povo imprudente. Povo imprudente escolhe dirigentes pé de chinelo. Dirigentes pé de chinelo costumam designar, para o STF, ministros pusilânimes. Pronto, os ingredientes estão sobre a mesa. Há que usá-los. O resultado é a insegurança jurídica. Ninguém está podendo garantir hoje como será a lei amanhã.

«STF se inclina a autorizar extradição de Battisti» ‒ foi a notícia que circulou este fim de semana. Neste 24° artigo em que escrevo sobre esse senhor, tenho duas considerações a fazer. A primeira é de caráter humanitário. Por maiores que tenham sido os crimes praticados por um indivíduo, parece-me desumano infligir-lhe tortura psicológica. Tortura é crime, não é? Pois é o que vem sendo praticado contra esse fugitivo. Desde que foi preso, em 2007, passaram-se mais de onze anos durante os quais ele foi dormir, a cada noite, sem saber quais seriam as disposições a seu respeito no dia seguinte. Seria acolhido? Preso? Expulso? Deportado? Extraditado? Deixado em paz? Não, não se pode submeter ninguém a esse infernal morde-assopra.

A segunda consideração liga-se a outra manchete destes dias: «O STF deve declarar que a decisão de Lula pode ser revista por outros presidentes». Os que não gostaram da decisão do Lula ficam contentes com a notícia. E vice-versa. Mas, pensando bem, a notícia é incongruente. Novo presidente pode extraditar um fugitivo que se encontra asilado ‒ até aí, tudo bem. Mas imaginemos o contrário. Que um presidente tenha mandado embora um estrangeiro. E que seu sucessor queira conceder-lhe o asilo. Como fazer para trazer de volta o indivíduo agora encarcerado em prisão no exterior?

Não faz sentido. Em matéria de concessão de refúgio, decisão de um presidente não deve poder ser revista. Além dos problemas práticos, cai muito mal no contexto internacional. Se o abrigo dado a signor Battisti já foi mal visto pela Itália e pelo resto do mundo, é melhor parar por aqui. Mudança na decisão vai deixar a impressão de que nosso país é republiqueta bananeira, que se verga a pressões vindas de fora. No caso deste terrorista, foi um erro tê-lo acolhido. Mas o mal está feito. Pra não piorar, é melhor deixar como está.

Battisti: desta vez vai?

José Horta Manzano

É impressionante a que ponto a insegurança marca o dia a dia do Brasil e dos brasileiros. Dúvidas atingem gente fina e gente menos fina. Se há uma coisa que põe mocinhos e bandidos em pé de igualdade, essa coisa é a incerteza. Com certeza.

Gente boa não sabe se a lei de hoje ainda estará de pé amanhã. Condenado ignora se irá pra prisão. Cidadão de bem sai de casa de manhã sem muita certeza de voltar à noite são e salvo. Bandido condenado por unanimidade em todas as instâncias pode ainda, no último minuto, ser inocentado por um salto de humor do STF. No Brasil, em matéria de Justiça e de Segurança Pública, caminha-se numa corda bamba. Pode-se cair pra um lado, pro outro ou até continuar no precário equilíbrio. Tudo é possível, até o impossível.

Vira e mexe, volta às manchetes a novela sem fim de signor Cesare Battisti, aquele terrorista condenado na Itália à prisão perpétua por envolvimento em quatro assassinatos cometidos nos anos 1970. Como sabem todos, o moço ‒ que hoje se apresenta como escritor ‒ vive fugido da polícia há quase quarenta anos. Homiziou-se no México e na França antes de se esconder no Brasil.

Em nosso país, passou por processo de extradição nos conformes. O STF decidiu que fosse devolvido à Itália. No último dia de mandato, nosso guia, o Lula, houve por bem dar vexame horas antes de sair de cena: negou a extradição. Nunca antes ‘nessepaiz’ se tinha visto algo assim. O capricho de um dirigente que, com um pé já fora do governo, decide peitar decisão do tribunal maior. Um despautério.

Excetuando os que apreciam bandidos, ninguém engoliu o desvario do demiurgo. De lá pra cá, mais de três anos se passaram. Anos de incerteza. O Lula podia ter feito o que fez? Não podia? A polêmica corre solta, cada um dá sua opinião, mas os que têm o poder de decidir não ousaram tomar nenhuma atitude. Numa ocasião em que foi apanhado em flagrante ao tentar escapar para a Bolívia, o terrorista chegou a passar curta temporada atrás das grades. Mas logo foi solto.

Esta semana, a Procuradoria-Geral da República enviou ao STF parecer sobre o caso. Julga a presidência da República competente para dar (de novo) a palavra sinal sobre a extradição do condenado. Foi o que bastou para pôr a Itália de orelha em pé. De fato, o povo de lá nunca se esqueceu do criminoso agasalhado pelo lulopetismo. A mídia peninsular repercutiu o ocorrido.

É verdade que doutor Temer tem preocupações mais prementes. Mas há que se levar em conta que o presidente não trabalha sozinho: o governo federal é estofado por milhares de funcionários, entre assessores, ministros, secretários e outros auxiliares. Se a «última palavra» cabe ao presidente, por que tergiversar e postergar?

Nunca é tarde demais pra corrigir uma (das inúmeras) trapalhadas do ‘filho do Brasil’. Que doutor Temer mande preparar a papelada e assine embaixo. Com esse gesto, estaremos livres de um delinquente. Já temos suficientes malfeitores nacionais, não precisamos de bandidos importados. De quebra, o gesto servirá como desagravo à Justiça italiana, insultada pelo Lula.

Traficante de armas

José Horta Manzano

Segundo comunicado da Polícia Federal repercutido pela Agência Reuters, foi detido nos EUA o maior traficante brasileiro de armas. Cá entre nós, pra atribuir-lhe o título de «o maior traficante», precisa ter certeza de conhecer todos os que traficam armas e o volume de negócios de cada um. Como não se pode ter certeza de conhecê-los todos, difícil será afirmar que este ou aquele é «o maior». Seria como apontar o político que mais roubou. Quem pode saber com segurança?

Enfim, deixa pra lá, que não é tão importante. Importante é que a Justiça brasileira pleiteia a extradição desse cavalheiro para que seja julgado no Brasil. A pretensão é pra lá de problemática.

Como demonstrei em meu artigo Quem é brasileiro?, publicado mês passado no Correio Braziliense, o STF firmou doutrina segundo a qual o brasileiro que adquirir nacionalidade estrangeira por decisão voluntária perde a cidadania brasileira. No presente caso, a dedução é simples: dado que o criminoso em questão se naturalizou americano, perdeu a nacionalidade originária. Deixou de ser brasileiro. É hoje tão estrangeiro quanto o rei do Sião.

Portanto, o quadro atual é o de um cidadão americano, que vive em território dos EUA onde é acusado de dedicar-se a atividades criminosas. Não faz sentido requerer sua extradição. A exportação ilegal de armas é prática delituosa por lá também. Todos sabem que a lei norte-americana é rigorosa e apta para tratar do caso.

Cabe às autoridades brasileiras fornecer à Justiça americana os dados de que dispõe para instruir o processo. É questão de bom senso. Já temos suficientes criminosos aqui, não precisamos repatriar ovelhas que atuam em outras paróquias. Com menos chicanas e menos ‘embargos infringentes’, os tribunais daquele país saberão julgar esse indivíduo e, em caso de condenação, tirá-lo da circulação e mantê-lo abrigado num acolhedor presídio de segurança por longos anos. Melhor para todos.

Jus sanguinis e jus soli ‒ 2

José Horta Manzano

Mais de uma vez já conversamos sobre o assunto, assim mesmo vale a pena refrescar a memória. Muita gente continua a dar significado equivocado à expressão «cidadão nato». Mais vale pôr a coisa em pratos limpos.

Os jornais de hoje tratam justamente de um caso que exemplifica a questão. Um certo senhor Schmidt, de nacionalidade brasileira, é alvo da Operação Lava a Jato. Para resguardar-se e escapar às consequências de eventual condenação, transferiu-se a Portugal já faz alguns anos. Além dos documentos nacionais brasileiros, carrega hoje no bolso um passaporte português.

A mídia tem apregoado que o referido senhor se naturalizou português. A maioria engoliu a informação sem se preocupar em comprovar-lhe o acerto. Cheguei a ouvir comentaristas inflamados reclamar lhe fosse retirada a nacionalidade lusa, visivelmente adquirida com o fim específico de fugir à Justiça do Brasil. Não costumo difundir fatos sobre os quais não tenho fundamento um pouco mais sólido. Achando que o procedimento do implicado era grosseiro demais, decidi averiguar. E acabei descobrindo o que buscava: doutor Schmidt não se naturalizou. Nem precisava, pois era português nato.

Como assim? ‒ perguntarão alguns. Se o moço nasceu no Brasil, como é possível ser português nato? Aí é que reside o engano. Em matéria de nacionalidade, o termo «nato» costuma ser mal interpretado. Ser «brasileiro nato» não é sinônimo de «ter nascido no Brasil». Significa que o indivíduo tem a nacionalidade brasileira desde o nascimento, pouco importando onde tenha ocorrido o parto. Conheço algumas pessoas ‒ todas brasileiras natas ‒ que, além de terem nascido no exterior, nunca puseram os pés no Brasil.

Senhor Schmidt é português de origem, embora tenha nascido fora da terrinha dos avós. Enquadra-se na lei portuguesa de nacionalidade. Como ele, milhões de conterrâneos nossos são também portugueses, italianos, espanhóis, alemães natos. Muitos nem sabem disso, o que não lhes anula o direito.

Portanto, «brasileiro nato» é aquele que nasceu com a cidadania brasileira, pouco importando o local de nascimento. O mesmo vale para «português nato», «chinês nato» ou «afegão nato».

A razão da confusão entre local de nascimento e nacionalidade vem de um fato singular, uma quase especialidade das Américas. Por razões históricas, os países americanos conferem a nacionalidade ‒ automaticamente e praticamente sem restrições ‒ a todos os que nascerem em território nacional. É o que se chama jus soli, a lei do solo. Fora da América, apenas um punhado de países procedem com a mesma largueza.

imagem wikicommons

O mapa mostra em azul escuro os países que concedem automaticamente a nacionalidade aos nascidos no território.
Em azul claro, estão os que podem concedê-la desde que sejam preenchidos certos requisitos.
Em cor cinza, aparecem os que não outorgam cidadania a estrangeiros simplesmente por terem nascido no território.

Por seu lado, todos os países reconhecem a jus sanguinis, a lei do sangue. É imperioso para evitar casos de apatridia. Vai um exemplo: se o Brasil não reconhecesse a lei do sangue, um filho de brasileiros nascido na Suécia ‒ país onde a lei do solo não vigora ‒, o bebê seria apátrida. O mesmo raciocínio vale para filho de estrangeiros nascido em país que não conheça a lei do solo.

Voltando ao caso de doutor Schmidt, vai ser difícil o Brasil obter sua extradição. Em princípio, a lei portuguesa não proíbe extraditar nacionais. Acontece que o Artigo 3° do Tratado de Extradição firmado entre Brasil e Portugal no início dos anos 1990 estipula a inadmissibilidade de extradição quando o extraditando for cidadão da ‘Parte requerida’. Neste caso, a ‘parte requerida’ é o Estado Português, do qual o doutor é cidadão nato. Portanto, difícil será trazê-lo à Papuda. A Justiça portuguesa determinará.

Vamos então resumir. A jus soli (lei do solo) irrestrita vigora nas Américas e em mais cinco países. Com menores ou maiores restrições, vige em uma vintena de outros países. Por seu lado, a jus sanguinis (lei do sangue) é reconhecida por todos os países. Com exceção, por razões evidentes, do Vaticano.

As coisas estão mudando

José Horta Manzano

Em muitos filmes policiais dos últimos cinquenta anos, quando a perseguição apertava e obrigava o criminoso a fugir pra bem longe, o Brasil era opção natural. De cada dois foragidos, um escolhia estabelecer-se em nosso país. E a imagem correspondia à realidade. Só não vinham todos por falta de dinheiro para a passagem.

O clichê persistente pintava o Brasil como terra paradisíaca e acolhedora, de vida mansa, sol, praias, palmeiras, com gente sorridente e despreocupada que passava o tempo dançando pelas ruas. Fugitivo que se prezasse não escolheria outro destino. Quem é que havia de preferir a Sibéria?

Terminada a hecatombe da Segunda Guerra, criminosos nazistas se refugiaram clandestinamente em nosso país. Não saberemos nunca quantos terão vindo, que não há estatísticas. O carrasco Josef Mengele, um dos mais tristemente famosos, terminou seus dias numa praia do litoral paulista em 1979.

Ficou famoso o caso do assaltante inglês Ronnie Biggs, célebre por ter desvalijado um trem pagador em 1963 na Escócia. Homiziado no Rio de Janeiro, o homem valeu-se da lei vigente à época, que vedava extradição de quem tivesse filho brasileiro, como era seu caso. Viveu tranquilo até que, já idoso, decidiu voltar ao país natal para entregar-se às autoridades.

À semelhança do mafioso Tommaso Buscetta, que aqui se encafuou nos anos 70, diversos bandoleiros escolheram o Brasil. Além dos casos que se tornaram públicos, deve ter havido inúmeros outros que passaram em branco. Mais recentemente, como todos sabem, abrimos os braços para um certo Cesare Battisti, italiano condenado à prisão perpétua por envolvimento em quatro homicídios.

No entanto… as coisas estão mudando. A Operação Lava a Jato tem incentivado a atenuar a impunidade. Sua influência começa a se alastrar para setores da criminalidade não necessariamente ligados a malversações de dinheiro público.

Rapidamente, o Brasil começa a sair da rota de bandidos estrangeiros. Sinal de que os tempos mudaram é a revoada de bandidos genuinamente nacionais que buscam terras mais acolhedoras além-fronteiras.

Henrique Pizzolato abriu o bloco. Esteve entre os primeiros a sentir que os ventos estavam mudando de quadrante. Apesar de ter orquestrado fuga rocambolesca, não deu sorte: além de experimentar o conforto dos cárceres italianos, acabou despachado para a Papuda.

Depois de anunciar que não acataria a decisão dos tribunais brasileiros ‒ numa clara indicação de que pretendia subtrair-se à punição no Brasil ‒, o Lula teve a desagradável surpresa de ver-se impedido de deixar o território. Retiraram-lhe o passaporte.

Um operador financeiro da Lava a Jato fugiu do país e chegou a requerer (e obter) a cidadania portuguesa. Pensava escapar assim à Justiça. Deu-se mal. Está sendo extraditado e devolvido à pátria.

O mais recente caso saiu ontem nos jornais. O passaporte daquele cidadão que atropelou uma vintena de pessoas no calçadão de Copacabana acaba de ser apreendido por suspeita de que o indivíduo tencionasse fugir do país.

A Lava a Jato ainda não terminou e seu balanço final ainda não foi analisado. O futuro certamente há de mostrar que ela deu início ao desmonte da imagem de permissividade que aureolava nosso país. É excelente notícia.

Quem é brasileiro?

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 27 janeiro 2018.

Semana passada, uma cidadã de cinquenta e poucos anos foi extraditada para os Estados Unidos. Pesa sobre ela uma acusação de homicídio. Segundo a demanda da Justiça americana, a moça teria assassinado o marido, um militar americano. Como é de praxe, o Brasil só acedeu à demanda dos EUA depois de ter recebido garantias de que a extraditanda não seria condenada a pena mais pesada do que as que vigoram em nosso país. Nada de pena de morte ‒ na pior das hipóteses, trinta anos de cadeia.

O processo de extradição foi anormalmente demorado. Desde que chegou o pedido americano, onze anos se arrastaram. O processo atravessou as devidas instâncias, foi alvo de apelação e aterrissou no STF, onde a decisão final foi tomada. O caso era realmente espinhoso e sem precedentes. A senhora reclamada pela Justiça estrangeira era brasileira nata, tanto pela lei do sangue quanto pela do solo. Como nossa Constituição veda a extradição de nacionais, foi preciso despossuir nossa compatriota da nacionalidade brasileira antes de abandoná-la a tribunal estrangeiro.

Tendo-se estabelecido nos EUA há um quarto de século, a acusada tinha obtido, já fazia anos, a cidadania americana. Não tivesse caído nas malhas da lei pela acusação de homicídio, teria mui provavelmente vivido tranquilamente, com dois passaportes na gaveta, sem que ninguém considerasse isso uma aberração. Não me cabe entrar no mérito da acusação que pesa sobre a (ex-)compatriota. O que me incomoda é a insegurança jurídica que a mais alta corte brasileira gerou ao cassar-lhe a nacionalidade por motivo de aquisição de outra cidadania.

Nosso dispositivo legal nessa matéria é nevoento. A Constituição admite que o brasileiro adquira cidadania de Estado estrangeiro quando for «imposição para permanência em seu território ou para exercício de direitos civis». Fica evidente a falta de vivência internacional de quem redigiu tais linhas. Que se saiba, nenhum Estado impõe naturalização a estrangeiros presentes em seu território. Quanto ao exercício de direitos civis, seria preciso esclarecer a que direitos o legislador alude. Residir e trabalhar são direitos civis para os quais não se exige naturalização. Votar e ser eleito são direitos civis para cujo exercício a aquisição da cidadania local é obrigatória. Como é que ficamos?

As normas de aquisição e de perda da nacionalidade brasileira dão mostras de que nossa Constituição, outorgada há 30 anos, envelheceu. De lá pra cá, o mundo mudou. Três milhões de conterrâneos vivem hoje em terra estrangeira. Não há estatísticas sobre os que adquiriram a nacionalidade do país em que vivem, mas é lícito supor que sejam centenas de milhares. A julgar por nosso embaçado texto constitucional, todos esses cidadãos são usurpadores de uma nacionalidade à qual perderam o direito. Pela letra fria da lei, todos eles cometem continuado crime de falsidade ideológica.

À semelhança de outros dispositivos do arcabouço jurídico brasileiro, as condições de aquisição e de perda da nacionalidade não estão delineadas com nitidez. Deixam margem a interpretação aleatória. Decisões são tomadas caso a caso, aprofundando a insegurança jurídica em que vivemos mergulhados. Num tempo de GPS, ainda somos forçados a nos guiar pelo sextante, num rematado e absurdo anacronismo.

É urgente alinhavar. Ou bem o Brasil permite que seus filhos adquiram outra nacionalidade sem perder a originária, ou bem rejeita esse quadro. Se pode, pode. Se não pode, não pode. De boa fé, milhares de compatriotas vivem hoje na delinquência. Não é justo. Os direitos humanos, por cuja defesa tanto se tem empenhado nosso legislador neste limiar de século 21, estão sendo menosprezados. É insuportável a insegurança em que vivem os brasileiros que, sem renegar as origens, procuraram adquirir uma nacionalidade suplementar para facilitar-lhes a existência.

Antes de encerrar, gostaria de sublinhar uma coincidência indigesta. Ao assumir a pasta da Justiça, logo no início da gestão de Dilma Rousseff, doutor José Eduardo Cardozo mostrou-se favorável ao asilo concedido a Cesare Battisti ‒ aquele estrangeiro que, condenado na Itália à prisão perpétua por envolvimento em quatro assassinatos, está até hoje agasalhado por nossa Justiça apesar da demanda de extradição. Pois foi esse mesmo ministro que, em 2013, assinou portaria determinando a perda da nacionalidade da brasileira que acaba de ser extraditada. Seria cômico, não fosse trágico.

Na lata

José Horta Manzano

Cesare Battisti, em declaração ao Estadão:
«Vão me entregar à morte!»

Bruno Vespa (jornalista, escritor e figura da televisão italiana):
«Purtroppo no. Siamo un paese civile che gli assassini li mette solo in galera.»
«Infelizmente não. Somos um país civilizado que se contenta em mandar os assassinos para a cadeia.»

Bandido importado

José Horta Manzano

Prisioneiro 2Um oficial graduado da Polícia Penitenciária, um joalheiro, um açougueiro e um policial. Essas são as vítimas pelo assassinato das quais a Justiça italiana condenou à prisão perpétua o cidadão Cesare Battisti. Os crimes ocorreram na Itália dos anos setenta, no período conhecido como ‘anos de chumbo’.

Preso, o condenado conseguiu escapar e refugiar-se na França, onde sua presença foi tolerada durante vários anos. Depois de idas e vindas durante as quais chegou a obter a nacionalidade francesa ‒ mais tarde revogada ‒ seu processo foi parar em Paris, no Conselho de Estado, corte encarregada de dar a palavra final.

Em 2004, pouco antes do pronunciamento definitivo de extradição, signor Battisti desapareceu do mapa. Sumiu de circulação, mas não saiu da lista de fugitivos procurados pela Interpol. Perdido na multidão, viveu anos tranquilos no Rio de Janeiro até que seu paradeiro foi descoberto e denunciado à polícia brasileira.

Foi preso pela PF em 2007. Sua extradição foi imediatamente pedida pela Itália. As tratativas se arrastaram por anos, até que o Supremo Tribunal Federal decidiu em favor da entrega do ex-terrorista à Itália. Cabia ao presidente da República assinar o documento.

O presidente era o Lula, que, ao que tudo indica, não é grande especialista na história recente da Itália. Nem recente nem antiga, diga-se. Não há de se dar conta do que possam ter sido os ‘anos de chumbo’. Orientado por assessores improváveis, decidiu negar a extradição de signor Battisti. O detalhe singular é que a recusa foi dada a conhecer em 31 dez° 2010, último dia de seu mandato.

battisti-2O tempo passou e o Brasil esqueceu o caso. De lá pra cá, signor Battisti casou-se e tem uma filha nascida em nosso país. Nós podemos ter esquecido, mas na Itália a lembrança da decisão contestável do Lula ainda permanece viva. Volta e meia, ressurge. Semana passada, aconteceu de novo.

A revista editada pela Polícia Penitenciária italiana volta ao assunto. Até hoje, a corporação não se conforma com a impunidade do condenado pelo assassinato de um dos seus. Chegou até lá a notícia de que, com a queda de Lula, Dilma & companhia, o Brasil dava mostras de querer se reinscrever no clube das nações civilizadas. Naturalmente, estão animados.

Signor Battisti também acusou o golpe. Inquieto com a perspectiva de ter de prestar contas à Justiça de seu país, entrou com pedido de habeas corpus preventivo junto ao STF. O ministro Luís Fux repeliu a solicitação. Encorajada, a Polícia Penitenciária italiana espera agora que o asilo concedido a signor Battisti seja anulado e que o condenado seja finalmente extraditado ou, mais provavelmente, expulso do Brasil em direção ao México ou à França, países pelos quais passou nestes anos de evasão.

Já temos número mais que suficiente de bandidos nacionais. Não precisamos de condenados importados.

Lula aciona ONU

José Horta Manzano

Lula caricatura 2Assombrado com a ordem de prisão, cada dia mais nítida, o batalhão de advogados do Lula implora à ONU que faça alguma coisa para proteger o antigo mandatário.

Não por acaso, usei o verbo implorar. O Brasil, como país soberano, dispensa tutela de organismos estrangeiros ou supranacionais. Se nem o Mercosul tem poder de influenciar nossas instituições, menos ainda terá a Organização das Nações Unidas. O Lula há de estar em pânico, o que explica estar arriscando as últimas fichas na empreitada. Acaba de dar passo perigoso.

Há duas possibilidades: a ONU tanto pode aprovar como reprovar o funcionamento da Justiça brasileira. Caso considere o processo isento e honesto, Lula terá perdido definitivamente a batalha ‒ quiçá a guerra. Caso considere que o ex-presidente é vítima de jogo de cartas marcadas, como numa «república de bananas», nosso Judiciário se sentirá, com razão, afrontado, ofendido e desafiado.

Lula caricatura 2aNinguém gosta de se sentir afrontado, nem ofendido, muito menos desafiado. O orgulho nacional será atingido. Nossos magistrados se sentirão todos insultados. Esse sentimento periga voltar-se contra o acusado, surtindo efeito contrário ao que estava sendo buscado.

É verdade que o Lula não tem muitas opções. Como cônjuge de cidadã italiana, deve ter imaginado poder um dia, em caso de necessidade, refugiar-se na Itália. O caso Pizzolato freou seus ardores. A Itália provou que, quando lhe parece justo, não hesita em extraditar os próprios cidadãos.

Caso consiga escapar das garras do juiz Moro, como tem tentado, quem garante que nosso guia não cairá nas mãos de magistrado ainda mais rigoroso? Moro não é o único juiz competente e tenaz.

Lula caricatura 2Se escolher deixar o país e estabelecer-se em alguma ilha paradisíaca, estará abrindo o flanco para os EUA pedirem ‒ e obterem ‒ sua extradição. Transação internacional de dinheiro sujo ou limpo costuma transitar por aquele país. No escândalo que emaranha Lula, Petrobrás, Mensalão, Eletrobrás, BNDES & companhia, não será difícil encontrar fundamento jurídico para pedido de extradição. Bilhões de dólares roubados aqui transitaram por lá.

Sobra ainda a possibilidade de o Lula pedir asilo político a algum país. (Quem garante que a eventualidade já não tenha sido sondada?) Não vai ser fácil encontrar abrigo. Se ninguém quis acolher um simples Snowden, quem abrigará um Lula? A Bolívia ou a Venezuela talvez? Pode ser um caminho. Pelo menos, enquanto não caírem os respectivos governos.

Vão ainda duas ou três reflexões. A primeira, mais evidente, é quanto ao custo do batalhão de advogados. Quem paga? Estarão todos trabalhando por amor a um acusado desvalido?

Outra observação é quanto à escolha do escritório de Mister Robertson, jurista australiano especializado em direitos humanos, que conta com Salman Rushdie e Julian Assange entre seus clientes. Não é um fantástico cartão de visitas.

Lula caricatura 2aO escritor britânico Salman Rushdie sobrevive há quase 30 anos, sob rigorosa proteção policial, a uma ordem de assassinato expedida pelo bondoso (e já finado) aiatolá Khomeini. Quanto a Mister Assange, esconde-se há quatro anos num cubículo da embaixada do Equador em Londres. Visto o histórico da banca de advocacia de Mister Robertson, não fica claro o que podem fazer pelo Lula.

Penso ainda no foro competente para julgar nosso ex-presidente. Por enquanto, é acusado comum. Na inimaginável eventualidade de dona Dilma voltar à presidência, o Lula poderia até ser nomeado ministro, o que lhe daria direito a ser julgado pelo STF. Ainda assim, não é concebível que a maioria de nossos magistrados-mores se pronunciem pela total inocência do indiciado. Nenhum deles vai querer entrar para a História com reputação manchada.

Uma saideira: ninguém garante que as informações vazadas até agora representam a totalidade dos indícios e das provas. Debaixo desse angu ainda deve ter muita carne.

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Observação
Para quem acaba de chegar de Marte, aqui está a notícia no Estadão e na Folha de São Paulo.

Extradição de nacionais

José Horta Manzano

Embora não seja romance palpitante, nossa Constituição não deixa de ter capítulos interessantes. Tem também muita coisa chata, que ninguém se engane. A regulamentação da repartição das receitas tributárias ou as disposições gerais do Poder Judiciário, por exemplo, são para especialistas. Assim mesmo, para leigos, há coisa melhor.

by Constantin Ciosu (1938-), desenhista romeno

by Constantin Ciosu (1938-), desenhista romeno

O artigo 5°, que aparece logo no Primeiro Capítulo, está entre os mais extensos. Trata dos direitos e garantias fundamentais do cidadão e conta com nada menos de 77 alíneas. Entre elas, a de número 51 é taxativa: «nenhum brasileiro será extraditado». A exceção fica por conta dos naturalizados que tenham cometido crime antes da naturalização ou que sejam acusados de tráfico de drogas.

Certas disposições, que podiam fazer sentido um século atrás, vêm sendo atropeladas pelo galope da globalização. Relações entre países têm rapidamente abandonado antigos ritos e cerimoniais que já não cabem no mundo de hoje.

Fica a desagradável impressão de que nossa atual Constituição já nasceu envelhecida. É verdade que teve o azar de ser promulgada em plena Guerra Fria, pouco antes de a União Soviética desmoronar. Tivesse sido concebida um ano mais tarde, a orientação geral teria sido diferente. Mas assim são as coisas.

No meu entender, a proibição absoluta de extraditar brasileiro é discutível. Tinha de ser permitida sob certas condições. Que se protejam conterrâneos de serem julgados em países onde regras democráticas não passam de ficção é compreensível. Ninguém imaginaria despachar acusado, seja ele quem for, para a Coreia do Norte, para Cuba ou para o Afeganistão.

Cela de prisão suíça

Cela de prisão suíça

No entanto, não enxergo escândalo em extraditar, para fins de julgamento ou de cumprimento de pena, brasileiros que tenham cometido crime em país onde a Justiça for universalmente reconhecida como sensata e equânime ‒ ainda que mais rigorosa que a nossa.

O México, país hermano não tão diferente do nosso, aprovou, mês passado, a extradição para os EUA de um líder do narcotráfico. O indivíduo era procurado por introdução e distribuição de cocaína em território americano. Mais que isso, pesava sobre ele acusação de homicídio. Para citar outro exemplo, não faz muito tempo que a Itália nos devolveu signor Pizzolato, cidadão italiano, para cumprir pena no Brasil, onde havia delinquido.

Acho que cada um deve responder por seus crimes no país onde os tiver cometido. Não vejo nisso nenhuma desonra nem renúncia à soberania nacional.

Muito processo pra pouco tribunal

José Horta Manzano

Folheando The Irish Times, quotidiano de Dublin, encontrei artigo sobre um certo Mr. Lynn, cidadão irlandês que escapou à polícia de seu país e se homiziou no Brasil. Sua extradição por crime de estelionato foi solicitada.

O homem havia montado um império financeiro. Ao vê-lo ruir, botou as pernas pra correr. Como por acaso, achou que o Brasil era o melhor país para se acoitar. (Ô fama que temos!…) Antes do desmoronamento da empresa, Mr. Lynn há de ter salvado algumas libras. A prova é que, assim que foi pedida sua extradição, contratou bons advogados.

Tribunal 1Como costuma acontecer no Brasil quando operam advogados espertos, o processo se arrasta há anos. Todas as chicanas e todos os expedientes dilatórios foram acionados. O STF deferiu em favor da extradição, mas o time de defensores se prepara a contestar a decisão. Por consequência, o ponto final não será inscrito senão daqui a alguns meses.

Confiante, o Irish Times diz que, segundo as estatísticas, as chances de a decisão ser revertida são praticamente nulas. Nos últimos quarenta anos, 76 decisões de extradição tomadas pelo STF foram contestadas. Em nenhum desses casos, a decisão foi reformada. O jornal se lamenta da lentidão de nosso tribunal supremo. E atribui o ritmo de tartaruga à inacreditável quantidade de processos que chegam à corte maior: 50 mil por ano.

TribunalNão precisa ser jurista nem perito no assunto pra se dar conta de que algo não está batendo. Não é aceitável que os onze ministros do STF, aos quais incumbe esmiuçar e julgar casos que envolvem o interesse nacional, tenham de cuidar de divórcios litigiosos e de brigas de condôminos. É incabível que os que julgam mensalão e petrolão tenham de se ocupar de briga de bar.

Cinquenta mil processos distribuídos a onze ministros dá perto de cinco mil por cabeça. Descontando férias forenses, férias escolares, feriados nacionais e faltas justificadas, a coisa aperta ainda mais. É ingênuo imaginar que os magistrados-mores deem conta, pessoalmente, desse volume. Isso nos deixa a desagradável impressão de que, na verdade, os casos são destrinchados, analisados e julgados por uma equipe de juristas anônimos. Os ministros só apõem o jamegão ao pé da última lauda. Que fazer pra corrigir a distorção?

STFA França, por exemplo, põe filtros e barreiras para afunilar o acesso à corte maior. Antes da aceitação do recurso, uma comissão estatuirá se ele é recebível ou não. Se não for, o percurso termina ali. Para desencorajar o acesso à corte suprema, a França exige ainda que a defesa seja entregue a advogados especialmente acreditados junto àquele tribunal. São defensores homologados, que praticam tarifas elevadas, o que obriga o cidadão a pensar duas vezes antes de entrar com recurso.

Alguma coisa tem de ser feita no Brasil também. Não é aceitável atulhar o STF com processos menores. Nem extradição de criminosos merece ser submetida à corte maior. Não se trata de negar justiça a quem a solicita, mas de encaminhar cada caso ao tribunal adequado.

Extradição de nacionais

José Horta Manzano

Constituições são promulgadas na esteira de acontecimentos importantes. Mudança de regime e fim de guerra estão entre os fatos que dão origem à redação de nova Lei Maior. Assim aconteceu no Brasil. Saído de mais de vinte anos de regime repressivo, o país reclamava novo ordenamento. O anseio concretizou-se em 1988, quando entrou em vigor a atual carta magna, também conhecida como «Constituição Cidadã».

Constituição 4Na intenção de ser explícitos e na pretensão de colmatar toda fresta que pudesse ressuscitar o falecido regime, os constituintes acabaram pecando por excesso. Nossa Carta é extensa. Seus 245 artigos contrastam com os meros 129 que regem nossos hermanos argentinos, por exemplo.

Alguns dos dispositivos, por absurdos, nunca chegaram a ser aplicados. O Artigo 192 estipula que «as taxas de juros reais (…) não poderão ser superiores a doze por cento ao ano». A injunção faz sorrir quando se constata que o crédito rotativo anda cobrando taxas de quase 400%.

Constituição 3Outros artigos, mal estruturados, geraram problemas sérios. Foi o caso da transmissão da nacionalidade. Escrita numa época em que o número de brasileiros no exterior ainda era relativamente modesto, a Lei Maior descurou esse particular. Devia ter estipulado, clara e simplesmente, que filho de pai brasileiro ou de mãe brasileira é brasileiro. Ponto e basta. Em vez disso, estabeleceu condições. A nacionalidade só se transmitia ao rebento nascido no exterior se ele viesse um dia a residir no Brasil e optasse(?) pela cidadania brasileira.

Dado que a esmagadora maioria dos países não concede cidadania automática a filhos de estrangeiros, ainda que lá tenham nascido, o dispositivo gerou uma legião de pequenos apátridas. Não eram brasileiros nem tinham a nacionalidade do país em que haviam nascido. A situação colidia de frente com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Levou anos, mas, felizmente, essa falha primária foi sanada.

JustiçaDurante o regime militar, estava prevista a pena de banimento de cidadãos brasileiros. Na intenção de extirpar todo risco de degredo de nacionais, a Constituição de 1988 estabelece que nenhum cidadão brasileiro poderá ser banido nem extraditado. Sobre esse assunto, nem todos os países têm a mesma visão.

Brasil e Portugal, entre outros, proíbem a extradição de nacionais. Espanha, Argentina, Bélgica silenciam sobre o assunto ‒ na prática, cada caso será estudado individualmente. A Itália consente, desde que o caso esteja previsto em convenções internacionais. A Suíça só extraditará um nacional se ele der seu consentimento expresso.

Justiça 6Não me parece escandaloso nem ilícito entregar um criminoso brasileiro à justiça de outro país. Nacionalidade brasileira não deveria ser garantia de abrigo seguro para criminosos procurados por outros países. Traficantes internacionais, corruptos de alto coturno, mafiosos de toda espécie que tenham cometido crimes fora do país deveriam poder ser entregues ‒ respeitadas certas condições ‒ à justiça estrangeira.

A pátria tem o dever de proteger cidadãos de bem. Malfeitores e criminosos internacionais não deveriam ser automaticamente acolhidos sob o mesmo manto.

Diretor de marketing do bando

José Horta Manzano

Lapsus calămi

Lapsus calămi é locução latina usada para designar erro que escapa, por inadvertência, a quem escreve. Há quem considere esse tipo de tropeço um revelador do que o escriba tinha realmente em mente.

Pra explicar a escorregadela aqui abaixo, nem é preciso chamar Freud.

Trecho de reportagem do Estadão, 6 out° 2015

Trecho de reportagem do Estadão, 6 out° 2015

Falam de nós – 13

0-Falam de nósJosé Horta Manzano

Tempos difíceis
Romandie, portal suíço de informação, repercute entrevista que Christine Lagarde, diretora-geral do FMI, concedeu a O Globo. O artigo é encabeçado por frase de impacto: «Le Brésil traverse des temps difficiles» – o Brasil passa por tempos difíceis.

Lula no interrogatório
Tahiti-Infos, portal de informação da Polinésia Francesa, traz a informação de que o STF deu seu aval para que Lula seja interrogado sobre eventual envolvimento no escândalo da Petrobrás. Vamos, afinal, saber se ele sabia. Quem sabe.

A festa acabou
Libération, diário francês de orientação socialista, faz análise da sinuca em que Dilma Rousseff se meteu. «Elle détourne ses yeux fardés, embarrassée, presque honteuse» – ela desvia os olhos maquiados, constrangida, quase envergonhada. A expressão «escroquerie électorale» – estelionato eleitoral – é utilizada para explicar dramas pessoais de gente que se deixou iludir. A análise, bastante aprofundada, leva o título «Au Brésil, la fête est terminée» – no Brasil, a festa acabou.

Senegales 1Compatriota herói
Dakar Actu, portal de atualidades de Dacar (Senegal) conta a façanha de Moussa Sène, senelagês que vive no Rio Grande do Sul. O moço, enfermeiro de formação, socorreu uma senhora que havia desfalecido num vagão de trem na região metropolitana de Porto Alegre. Para completar a reportagem, informam que, na sequência de seu gesto espontâneo e firme, o rapaz recebeu, pela primeira vez, proposta de trabalho como enfermeiro.

Espelho meu
O portal Premium Beauty News publica em francês e em inglês. É fonte de informação da indústria mundial de cosméticos. Dá surpreendente previsão: dentro de quatro anos, o Brasil terá atingido a primeira posição no mercado mundial de cosméticos para homens. Crise? Inflação? Violência? Pouco importa, nada disso conta. Esse nicho de mercado espera crescer 7,1% por ano daqui até 2019.

E se for à falência?
La Stampa, tradicional diário de Turim (Itália), ousa fazer a pergunta: «Cosa capita al fondo se il Brasile fallisce?» – que aconteceria ao fundo se o Brasil fosse à falência? Mostra a preocupação daqueles que participam de fundos de investimento que incluem ações, obrigações e valores brasileiros.

Edificio ItaliaItália em chamas
O site da RAI, rede pública de rádio e televisão italiana, dá, em poucas linhas, notícia do incêndio que destruiu parcialmente o restaurante panorâmico Terraço Itália, no último andar do Edifício Itália, em São Paulo.

Direito de defesa
A Gazzetta di Modena, editada na cidade onde está encarcerado aquele signor Pizzolato do mensalão, levanta a hipótese de um imbróglio jurídico. Lembra que o fugitivo ítalo-brasileiro, que está a dias de ser extraditado para comprir pena na Papuda, ainda deve contas à justiça italiana. De fato, ao entrar no país com papéis falsos, o cidadão incorreu em crime de falsidade ideológica. O julgamento está previsto para 14 de dezembro. Se o acusado for extraditado antes, terá de ser julgado à revelia sem poder defender-se pessoalmente, o que contraria o ordenamento jurídico italiano. Que fazer?

Favorito do verão
La Nación, diário argentino, dá conta da alegria dos turistas argentinos que planejam passar as próximas férias de verão no Brasil. Com as seguidas desvalorizações que atigiram a moeda brasileira, o custo de vida ficou mais em conta para quem chega com dinheiro estrangeiro. Nossos hermanos estão «con saudade de aguas tibias y caipiriña». É o jornal que o diz.

Estrada 1Quem não tem trem vai de carro
O portal Cinco Días, braço de conglomerado espanhol que inclui o diário El País, confessa que, enquanto o Brasil se esfria, a multinacional Abertis não deixa suas máquinas esfriarem. A empresa, conhecida como Arteris no Brasil, é concessionária de importantes trechos rodoviários. Pretende investir 1,9 bilhão de euros em nosso País nos próximos cinco anos. Já que não temos mais estradas de ferro, que, pelo menos, as estradas de rodagem sejam bem tratadas.

Cidadãos conscientes
O portal sueco Nyteknik dá conta de um debate que agita a sociedade daquele país. Os aviões Gripen encomendados pela FAB não são produto integral da indústria sueca. Boa parte de seus componentes são importados. Armas e sensores, por exemplo, são fabricados em Israel e na África do Sul. No pacote de compra assinado entre Suécia e Brasil, o Estado sueco se compromete a financiar os aviões. Em miúdos, a Suécia compra os componentes, fabrica as aeronaves, e o Brasil paga em suaves prestações a perder de vista. Os «skattebetalare» – literalmente ‘pagadores de impostos’, ou seja, os contribuintes do fisco sueco se perguntam se cabe realmente a eles adiantar fundos para o Brasil comprar armas israelenses.

Especial Finados
A edição alemã da Latina Press informa ser o Brasil o primeiro país da América Latina a ter seus cemitérios varridos pelo Google Street View. Aqueles que têm horror a visitar cemitério no dia de Finados podem agora fazê-lo virtualmente.

Encontro de marinheiros
O portal Harburg Aktuell, de Hamburgo (Alemanha) informa que a cidade recebeu visita de cortesia de tripulantes do navio-escola NE Brasil, da marinha nacional. A embaixada do Brasil em Berlim valeu-se da ocasião para organizar, a bordo da nave, recepção a representantes da Marinha alemã.

Lula caido 2O balão e a ira
O sério The Wall Street Journal conta, tim-tim por tim-tim, as façanhas do boneco que representa o Lula com camisa de presidiário. Explica tudinho, inclusive o significado do 171 inscrito sobre o peito do personagem. O título do artigo é «In Brazil, Balloon of Former President da Silva Provokes Ire» – no Brasil, boneco inflável do antigo presidente da Silva suscita ira.

Lavanderia alpina

José Horta Manzano

Lavanderia 2Mrs. Loretta Lynch esteve de visita à Suíça na segunda-feira dia 14 set°. Attorney General dos EUA – posto equivalente a nosso Procurador Geral da República –, é ela quem se tem empenhado pessoalmente no trato do escândalo da Fifa.

Depois de conversar com o procurador geral da Suíça, convocaram coletiva de imprensa. Deu no rádio, na tevê e nos jornais. Pra dizer a verdade, não havia novidade nenhuma. Foi dito o que todos já sabiam, ou seja, que a meia dúzia de cartolas colhidos em maio no Hotel Baur au Lac (Zurique) continuam presos na Suíça e que pelejam, desde então, para não ser extraditados para os EUA.

Lavanderia 3Foi também informado que havia outros indivíduos na mira dos investigadores americanos, mas nenhum nome foi citado. O mais importante, aquilo que todos esperavam com impaciência não foi dito: se Sepp Blatter periga, sim ou não, ser denunciado no escândalo.

Lavanderia 4Para não deixar leitores sem graça, jornais noticiaram a única novidade que surgiu: que havia suspeita de que chalés alpinos estivessem sendo comprados para lavar dinheiro. Soou meio esquisito. Entendido ao pé da letra, deu a impressão de que, por falta de espaço dentro do apartamento, certos cartolas estivessem investindo em espaçosos chalés nos Alpes para transformá-los em lavanderia.

Vista a ausência de novidades, sussurra-se que o verdadeiro intuito de Mrs. Lynch era afagar o próprio ego.