O nome

José Horta Manzano

Pobre, analfabeto, sem profissão e sem perspectiva de melhorar de vida, o italiano Giovanni Segnorio decidiu emigrar. Tinha de sair daquele fim de mundo. Corria o ano de 1894. No vilarejo, corriam histórias de conterrâneos que haviam partido para um país novo chamado Brasil – Brasile, como eles diziam – e que haviam feito fortuna em pouco tempo. Diziam até que minúsculas pepitas de ouro rolavam pela rua. Mas a simplicidade de Giovanni não chegava ao ponto de acreditar. Só podia ser balela.

Vendeu a cabra, as galinhas e o casebre que possuía, juntou mulher e filhos pequenos e partiu para a grande aventura. Balançou durante um mês no porão de um vapor, que é como chamavam os navios à época. Ao desembarcar no Brasil, a primeira obrigação foi entrar na fila para declarar a identidade ao oficial de imigração, que inscrevia tudo, com letra caprichada, num livro enorme de capa preta. Foi aí que a história da família se complicou.

Quanto ao nome, que era Giovanni, não houve grande problema. O oficial, pouco versado em línguas estrangeiras, se distraiu e nosso herói se tornou Giovani, com um ene só. Não era tão grave. Já com o sobrenome, a coisa complicou. Ao ouvir Segnorio – que se pronuncia Senhorío, com acento tônico no í – o funcionário escreveu à moda sua, com nh no lugar de gn. Por azar, esqueceu do r. Transcrito, o sobrenome virou Senhoio, estropiado e distante do original. Analfabeto, Giovanni não se deu conta do aleijão, assinou com um xis, deixou as impressões digitais, e seguiu em frente.

Giovani Senhoio trabalhou duro para educar os filhos que, em poucos anos, já estavam perfeitamente integrados na nova terra. O tempo passou, as gerações se sucederam. Mas persistiu aquela chateação de se chamar Senhoio, nome que, lá pelos anos 1940, por excesso de zelo sabe-se lá de quem, passou a ser grafado Senhôio, assim mesmo, com acento. Soava exatamente «sem ôio» – sobrenome mais apropriado para uma família de zarolhos.

João Senhôio, membro da quarta geração, não gostou nunca do nome que lhe tinha cabido. Sentia-se envergonhado, primeiro na escola, depois na vida adulta, a cada vez que tinha de declarar identidade. Um dia, decidiu tentar alguma coisa. Comentou entre os amigos, que lhe recomendaram consultar um advogado pra ver se havia algo a fazer.

João não gostou da ideia. Não botava muita fé em advogado. Era daquele tipo que dispensava intermediação de santo. Preferia falar com Deus. Um dia, foi ao fórum da cidade procurar a informação direto na fonte. Sentado diante de uma mesinha de madeira repleta de carimbos, um atendente lhe disse que mudança de nome só podia ser determinada por via judicial. Em outras palavras, quem decidia era o juiz. João quis falar com um juiz. O atendente respondeu que era impossível, que juiz não atende assim, de supetão, sem hora marcada.

Insistente, João não se deu por vencido. Disse que dali não arredava pé sem antes ver um juiz. Cansado, o atendente fez uma busca interna e descobriu um magistrado livre naquele momento. Perguntou-lhe se podia receber um visitante que tinha uma dúvida simples, seria questão de minutos. Solícito, o juiz mandou subir. E lá foi João.

Diante do magistrado, um pouco impressionado com os móveis escuros e as pilhas de processos sobre a escrivaninha, João não tinha coragem de encarar o juiz. Este, para deixá-lo à vontade, disse, amistoso:

– Sente-se, meu jovem. Fique à vontade.

– Obrigado, doutor. Fico de pé mesmo – respondeu, olhando fixo o bico do sapato.

– Conte então qual é o problema que o preocupa.

– É meu nome, doutor. Tenho muita vergonha e queria mudar.

– Olhe, meu jovem, mudança de nome é coisa séria. Não se pode conceder a torto e a direito, senão como é que havia de ser? Imagine se todo o mundo se dispusesse a mudar de identidade. Não se encontrava mais ninguém. Seria um pandemônio.

– Entendo, doutor. Mas meu caso é sério. Não aguento mais me chamar assim

– Qual é seu nome?

– É João Senhôio, doutor.

– Ah, entendo! Tem razão. Em casos como o seu, em que o nome prejudica a pessoa, a Justiça costuma ser benevolente e atender à solicitação. E já pensou como gostaria de se chamar?

– Já sim, doutor.

– E qual é o nome?

– É Pedro Senhôio.

Inconfidência

José Horta Manzano

Tirando diplomados na matéria, o povão e eu não somos especialistas em processo penal. Tampouco somos conhecedores íntimos de todos os ritos da Justiça. É por essa razão que nos surpreendemos com frequência. De fato, dado o grau de judiciarização da sociedade brasileira atual, não se passa um dia sem que a grande imprensa publique atos jurídicos. Estonteante!

Está disponível nas redes o depoimento do agressor de doutor Bolsonaro. Em cores, com som e imagem. É de embasbacar que se divulguem informações desse calibre. Eu imaginava que instrução de processo criminal fosse rigorosamente confidencial. Entendo que toda publicidade antecipada pode ser prejudicial à causa em geral e ao acusado em particular. Pelo jeito, delegados e juízes não pensam assim.

Ouvi ontem trechos do mais recente depoimento de doutor Antonio Palocci. Parece que passou até no Jornal Nacional. Com que então o preso depõe, conta o que tem de contar, e os juízes, em vez de se recolherem para estudar o caso e decidir o caminho a tomar, entregam o material à mídia para difusão nacional! Os delatados ‒ que tanto podem ser culpados como inocentes ‒ tomam conhecimento da grave acusação pela imprensa. Pode? Estupefaciente!

Nesta terça-feira, a Lava a Jato lançou enésima operação. Foi preso doutor Richa, ex-governador do Paraná. A notícia correu a mídia. Podia ter parado aí. Não parou. A PF informou também que a operação visava a prender um empresário que não foi localizado. Assim mesmo, seu nome foi anunciado. Por quê? Agora o Brasil e o mundo estão a par. Sabedor de que está sendo procurado, o indivíduo poderá agora destruir provas, cooptar testemunhas, até fugir do país. Assombrosa imprudência!

Visto que situações como as que descrevi se repetem diariamente, calculo que tudo esteja dentro da lei e das regras. Só pra comparar, conto o que aconteceu esta semana na França. Coméço do comêço.

Faz um ano, uma menininha foi sequestrada e assassinada, num crime que causou comoção nacional. Um mês mais tarde, as investigações da polícia científica levaram à identificação e à prisão de um indivíduo. Semanas depois, confrontado com o óbvio, o homem não teve como escapar: confessou ser o autor do crime. Mas ressalvou que a criança tinha sido morta ‘por acidente’. Não deu maiores explicações.

Faz uns dias, a mídia anunciou que uma reconstituição do crime estava marcada para tal dia, tal hora, em tal lugar. O juiz que instrui o caso ficou enfurecido que a informação tivesse vazado. Imediatamente cancelou a reconstituição e instaurou inquérito administrativo para encontrar o autor do vazamento.

Contei essa historinha só pra dar uma ideia da confidencialidade com que a instrução de um processo criminal é tratada em outras terras. A discrição é favorável a todos: tanto à Justiça, quanto ao acusado. O Brasil, francamente, não é para principiantes. Desconcertante!

Inconfidência
Na escola, estudamos a Inconfidência Mineira. Foi episódio importante que prenunciava o divórcio entre a colônia e a metrópole ‒ a independência, que viria 30 anos depois. Só que, curiosamente, não nos ensinam o significado da palavra inconfidência.

Uma consulta ao dicionário informa que inconfidência significa abuso de confiança, revelação de segredo, deslealdade para com o Estado, vazamento de informação sigilosa. É surpreendente que um ato fundador da pátria leve um nome tão negativo.

Fecha, que eu quero!

José Horta Manzano

Eta, Brasilzão! Terra em que, em se plantando, dá tudo. Dá coisa boa, mas também ‒ ai, ai, ai… ‒ dá muita porcariada. Terra de liberdade mal utilizada. Terra de individualidades desperdiçadas. Terra de cada um por si e Deus pelos poderosos.

Todo o mundo compreende que um juiz, homem que estudou e prestou concurso pra ingressar na magistratura, goze de liberdade para emitir julgamentos. É indivíduo poderoso. De seu arbítrio, depende a condenação ou a absolução de um acusado. Dele depende a atribuição da guarda dos filhos em caso de divórcio. Dele depende a importância da multa a aplicar a um infrator.

Seu poder, embora grande, tem limites. Ou deveria ter. Tem notícias que a gente lê duas vezes pra ter certeza de que entendeu certo. Mesmo depois da releitura, a gente às vezes fica achando que é primeiro de abril.

Saiu espantosa manchete: «Juiz de Roraima manda fechar a fronteira com a Venezuela.» Como é que é? Um solitário juiz ordena fechamento de fronteira? Sem consultar o Ministério da Defesa? Sem autorização do Congresso? Sem anuência do presidente da República?

E eu, ingênuo, que pensava que fronteira externa do Brasil fosse, em razão da relevância estratégica, assunto de alçada militar. Nunca imaginei que um solitário juiz pudesse, sem consulta prévia a instâncias superiores, mandar fechar fronteiras. Fico preocupado. O Brasil conta com milhares de juízes concursados. Se a moda pega, qualquer um deles pode, num dia de mau humor, ordernar que se fechem (ou que se abram) as fronteiras.

Um deles pode abrir as portas a alguém que lhe pareça digno de entrar. Um outro pode fechá-las quando a entrada de alguém não lhe convier. Francamente, não me parece que decisões que impactam relações transfonteiriças possam ser da alçada de juiz solitário. Não é concebível.

Post scriptum
No dia seguinte, doutora Rosa Weber mandou reabrir a dita fronteira. E como termina a história? Fica o dito pelo não dito? A doutora mandou reabrir porque, em sua opinião, fica melhor aberto ou porque considera que o juiz solitário ultrapassou os limites de sua competência? Se o magistrado se excedeu, será punido ou fica por isso mesmo?

Respostas para a redação, por favor.

O limite das leis

José Horta Manzano

A vida nos reserva surpresas a cada esquina. Volta e meia, esbarra-se em situação rara, inusitada e não prevista pela legislação.

Condenado por matricídio tem direito a saída da prisão no Dia das Mães?
A lei não previu o caso.

Encarcerado pode continuar exercendo cargo público?
A lei não previu o caso.

Presidente da Câmara que, na ausência do presidente da República, assumir temporariamente a presidência rompe o período de abstinência chamado “desincompatibilização”?
A lei não previu o caso.

Estes dias, apareceu mais uma pérola pra garnir a (vasta) coleção de casos não previstos pela lei. Por determinação de um juiz de primeira instância, Lula da Silva foi privado dos assessores, motoristas e seguranças a que tem direito como ex-presidente. Até o carro oficial lhe foi retirado. O condenado não gostou e mandou sua tropa de advogados espernear.

O problema é cabeludo. Todo indivíduo de bom senso há de conceder que é bizarro um presidiário ter o gozo de oito assessores mais carro oficial. Além de supérfluos, esses penduricalhos ‒ pagos por nós ‒ atentam contra a moralidade. No entanto…

No entanto, são de lei. Nem em pesadelo o legislador teria podido imaginar que um ex-presidente viesse a ser condenado. Se a lei silencia sobre cassação de regalias a ex-presidente encarcerado, não cabe a um juiz, de sua iniciativa, acrescentar-lhe um artigo.

Como ser pensante, concordo que a concessão de tais regalias a quem está atrás das grades é ilógica, bizarra e imoral. Mas discordo da iniciativa do juiz. Se for permitido a cada um dos milhares de magistrados do país acrescentar artigos a leis, estará aberta a temporada da ilegalidade legalizada.

Quem faz as leis é o Poder Legislativo. Somente a ele cabe fazê-las, modificá-las e revogá-las. Juiz limita-se a aplicar a lei.

Nosso problema é mais amplo. Vivemos tempos estanhos, como já diagnosticou, aliás, doutor Gilmar Mendes. Comportamentos estranhos estão roçando o limite das leis. A corda anda esticada. Corda esticada demais, como se sabe, acaba arrebentando.

Aux armes, citoyens!

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 31 março 2018.

Advertência
O diálogo reproduzido a seguir é puro produto da imaginação delirante deste escriba. Que não seja tomado a sério. Data venia, data venia! Não atirem no pianista!

A cena se passa num escritório almofadado do Superior Tribunal Federal:

‒ Ó Pacheco, venha aqui!
‒ Pois não, doutor.
‒ Na sessão de amanhã, vamos votar a resolução número cinco mil e tantos. Minha decisão está tomada: meu voto será favorável. Agora você bote a equipe pra trabalhar. Que escarafunchem os alfarrábios e encontrem elementos pra sustentar minha argumentação. Citações de grandes juristas, jurisprudência nossa, artigos da Constituição alemã, tudo serve, desde que vá no bom sentido.
‒ Pois não, doutor, pode ficar tranquilo. Tudo vai estar pronto pra amanhã.
‒ Ah, e mande digitar em caracteres grandes, hein! Não quero dar vexame na hora de ler. Escreva entre oito e dez laudas, que é pra ficar consistente.
‒ Pode deixar comigo, doutor.

Foi o espetáculo teatral encenado semana passada, quando do (pré-)julgamento do pedido de habeas corpus formulado pelo cidadão Lula da Silva, que me soprou essa fábula. De fato, assisti empolgado, durante quatro horas que passaram num instante, à esplêndida demonstração de saber dada pelas onze sumidades sorridentes e togadas que coroam a ossatura judicial da nação.

Nenhum dos atores foi inexato nem titubeante. Nenhum deles se esquivou nem se omitiu. Nenhum fugiu da arena nem hesitou. Do começo ao fim, o show foi brilhante. Fiquei impressionado com a galhardia de cada ministro e assombrado com tanta sapiência.

A par disso, o espetáculo me convidou a refletir. Argumentos cruzados deixam no espectador leigo uma impressão de zigue-zague. Há embasamento pra tudo! Nenhum dos pelejadores fez papelão. Na portentosa jurisprudência plasmada pela corte maior ao longo dos anos, encontra-se de tudo. Tanto os que optaram pelo ‘sim’ quanto os que preferiram o ‘não’ puseram à mesa fundamentos sólidos e irrefutáveis. Como é que ficamos? No espremer do suco, fica a vívida impressão de que o que vale mesmo é a íntima convicção de cada juiz. Seja ela qual for, argumentação sólida haverá.

Pressupondo que assim seja ‒ que cada ministro tenha liberdade de exprimir sua íntima convicção na hora de deliberar ‒ considero que Suas Excelências não foram felizes na sessão de 22 de março. Não se deram conta de que o momento era histórico, o penúltimo passo antes do ponto de não retorno. Dominados sabe-se lá por que preocupações, os juízes máximos mostraram estar definitivamente divorciados do momento nacional. Se dispunham de bases incontestáveis tanto para receber quanto para repelir o pedido de habeas corpus, deveriam ter-se deixado imbuir da angústia da nação.

Extenuados pela persistente desfaçatez dos inquilinos do andar de cima, os brasileiros honestos e bem-intencionados suplicam, em coro e de joelhos, que lhes seja dado o sinal de que podem contar com o tribunal maior. Quando Executivo e Legislativo já perderam a credibilidade, o Supremo Tribunal Federal se torna depositário da esperança derradeira. Suas Excelências, agindo como se vivessem noutro planeta, não fizeram eco à aflição popular. É pena.

Pelas redes sociais, um general da reserva manifestou, com veemência, forte desagrado com a decisão do STF no caso do “habeas” de Lula da Silva. Como se sabe, generais da ativa estão impedidos de manifestar-se publicamente. Mas não estão proibidos de observar, pensar e firmar opinião. Do jeito que vão as coisas, a hipótese mais branda é o povo desencantado dar seu voto, nas eleições presidenciais, a um candidato brutal que, com força e energia, prometa botar tudo abaixo pra recomeçar do zero. A hipótese mais salgada… melhor nem mencionar.

Passada a Páscoa, Suas Excelências têm ainda uma derradeira chance de acertar. É o «exame de segunda época», expressão que deve soar familiar a todos eles, que já deixaram a adolescência há muito tempo. A nação bota fé nesse último recurso. Se insistirem em dar sinal verde para a blindagem de personagens nefastos, as portas do desconhecido vão se abrir. E podem deixar escapar nuvens escuras que vão acabar toldando o próprio Supremo. Já vimos algo parecido há meio século. «Improbe Neptunum accusat, qui iterum naufragium facit» ‒ Não deve acusar Netuno, quem naufraga pela segunda vez.

Peço vênia mais uma vez. Por favor, não me prendam! Desde já, peço habeas corpus preventivo.

Falam de nós – 25

0-Falam de nósJosé Horta Manzano

Como os demais veículos da mídia mundial, o quotidiano italiano Il Giornale publicou o relato da apreensão do passaporte do Lula. A notícia foi dada em termos bastantes sugestivos.

Dou aqui abaixo um trecho. Vai primeiro na língua original ‒ traduzo em seguida.

Lula era pronto a scappare in Etiopia: il giudice gli fa sequestrare il passaporto

Lo aspettava a braccia aperte il segretario generale dell’Onu, António Guterres, ad Addis Abeba, la capitale dell’Etiopia dove oggi, dalle 15 alle 18, su invito dell’Unione Africana doveva parlare su come «vincere la fame nel mondo» a un evento ‒ non ridete ‒ tutto incentrato «su come combattere la corruzione».

Invece Lula ha suo malgrado deluso le attese del vecchio amico portoghese Guterres – compagno di socialismo anche se non tanto come l’ex premier lusitano, ex carcerato ed inquisito, José Socrates. Ha dovuto farlo perché, dopo la condanna a 12 anni e un mese di martedì per riciclaggio e corruzione, l’altroieri notte il giudice Ricardo Leite, di Brasilia, ha ordinato il ritiro del passaporto all’uomo che Barack Obama aveva definito «il miglior politico del mondo»: un acume obamiano invidiabile.

Minacciare di «mettere a ferro e fuoco il Paese» con discorsi eversivi che somigliano tanto a quelli dei gruppi chavisti più violenti controllati dal dittatore venezuelano Maduro – il solo leader latinoamericano col cubano Raúl Castro ad avere attaccato frontalmente la «giustizia fascista brasiliana» di certo non aiuta a frenare l’arresto di Lula.

Lula estava pronto para fugir para a Etiópia: o juiz ordena apreensão do passaporte

Esperava-o de braços abertos o secretário-geral da ONU, António Guterres, em Adis Abeba, capital da Etiópia onde hoje, das 15h às 18h, convidado pela União Africana, devia falar sobre como «vencer a fome no mundo» num evento ‒ sem piada ‒ focado em «como combater a corrupção».

No entanto, embora a contragosto, Lula decepcionou o velho amigo português Guterres, companheiro de socialismo ‒ amigo não tão chegado como o ex-primeiro-ministro lusitano José Sócrates, ex-encarcerado e inculpado. Lula não teve outra saída porque, na esteira da condenação a 12 anos e um mês por lavagem de dinheiro e corrupção, o juiz Ricardo Leite, de Brasília, ordenou a apreensão do passaporte daquele que Barack Obama tinha qualificado como «o melhor político do mundo» ‒ numa invejável perspicácia obamiana.

Ameaçar de «incendiar o país» com pronunciamentos subversivos tão parecidos com os dos mais violentos grupos chavistas controlados pelo ditador venezuelano Maduro ‒ o único líder latino-americano, com o cubano Raúl Castro, a ter atacado frontalmente a «justiça fascista brasileira» ‒ por certo não contribui para evitar a prisão de Lula.

Que clique aqui quem tiver interesse em ler na íntegra.

Il capo di tutti i capi

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 25 novembro 2017.

Com tanto escândalo doméstico, a mídia nacional deu pouca atenção à notícia. Por seu lado, veículos do mundo todo, em especial na Itália, deram especial destaque à morte de Salvatore ‘Toto’ Riina, o maior capo mafioso de que se tem notícia, que expirou semana passada. Conhecido pelo cognome de «La Belva» ‒ o animal feroz ‒, Riina começou cedo a exprimir a selvageria que lhe ia por dentro. Já aos 18 anos, numa rixa, matou o adversário. Foi esse o primeiro homicídio de uma longa série que ninguém conseguiu, até hoje, calcular direito.

Na sua Sicilia natal, a fama de rapaz violento logo se espalhou e chegou aos ouvidos de um dos diferentes clãs mafiosos. Não demorou para que fosse recrutado. ‘Toto’ revelou-se bom soldado e, em poucos anos, atingiu o ápice da organização criminosa. Seu caráter era talhado sob medida para a função. Sanguinário e impiedoso, o «padrino» cometeu uma vintena de assassinatos com as próprias mãos. Mais que isso, foi responsável intelectual por centenas de homicídios. Entre as vítimas, estavam integrantes de clãs rivais, dois juízes que investigavam a organização, policiais, comerciantes que se recusavam a pagar a contribuição exigida pelos criminosos.

Corleone, Sicilia: cidadezinha natal do “capo di tutti i capi”

O capo conseguiu a façanha de escapar aos braços da lei durante um quarto de século. É voz corrente que chefes mafiosos gozavam de especial proteção por parte de homens políticos de alto coturno. É legítimo concluir que isto explique aquilo. Coincidindo com o desmantelamento da União Soviética, desapareceu, no início dos anos 1990, o Partido Democrata Cristão, que havia dominado a política italiana desde o fim da Segunda Guerra.

A profunda mudança na orientação do regime há de ter causado o fim da complacência de que gozava o personagem. Em 1993, a polícia italiana conseguiu apanhá-lo no vilarejo onde havia nascido e do qual nunca se havia afastado. Preso, passou a residir em cárceres de segurança máxima. Enfrentou numerosos processos que lhe renderam, no total, 26 sentenças de prisão perpétua.

Mesmo encarcerado, respeitou a «omertà». Não entregou ninguém, desafiando o Estado até o fim. Em mais de uma ocasião, declarou que não se arrependia de nada. Acrescentou que tanto se lhe dava ser condenado a 30 ou a 3000 anos de cadeia ‒ não se vergaria. Consta que, do fundo da cela, ainda dava ordens aos antigos subordinados, numa demonstração de que continuava reverenciado dentro da máfia.

No início deste ano, visto o deterioramento do estado de saúde do cliente, seus advogados haviam requerido lhe fosse concedido direito a prisão domiciliar. A Justiça negou-lhe o benefício sob a alegação de que a ala prisional dos hospitais italianos estava perfeitamente equipada para fornecer-lhe os cuidados necessários. Faleceu aos 87 anos no hospital de Parma.

O caso do capo mafioso convida à reflexão. É verdade que seus crimes são realistas, com sangue e tripas, explosões e atentados, notícia no jornal e repercussão internacional. É verdade que a crueldade do personagem é de dar frio na barriga. Assim mesmo…

Em nosso país cordial ‒ tirando um ou outro caso nevoento, como a misteriosa série de assassinatos de São Bernardo do Campo faz uns quinze anos ‒, a máfia política é menos carniceira. Seus integrantes contentam-se em saquear dinheiro público, que mal há nisso?

Pois eu lhes digo que as centenas de vítimas do grande capo siciliano, com todo o respeito que devo a elas, são quantidade negligenciável perto dos milhões de brasileiros martirizados pela rapina do erário levada a cabo por figurões do andar de cima. Entre as vítimas, estão os mortos por falta de atendimento hospitalar, os que descambam para a marginalidade por falta de encaminhamento, os estropiados por falha de manutenção das estradas, os envenenados por ausência de saneamento básico, os condenados à ignorância pela precariedade da Instrução Pública.

Para nossos capos, não haverá prisão perpétua. Para a maioria, não haverá sequer julgamento. Os (poucos) condenados beneficiarão de favores de pai pra filho: regime aberto, prisão domiciliar, liberdade com tornozeleira e outros mimos. Francamente, os capos brasileiros são mais iguais que os italianos.

Tenha modos, menino!

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 26 agosto 2017.

Antigamente não havia pensão por velhice nem por viuvez. Tampouco havia bolsa família, seguro-desemprego e outras benesses para socorrer os menos favorecidos. O que funcionava mesmo era a solidariedade familiar. Debaixo do mesmo teto, viviam duas ou três gerações. Avó, tio solteiro, prima viúva, amiga necessitada e outros agregados integravam o núcleo ‒ naturalmente gerido por um patriarca ou uma matriarca.

Este escriba ainda pegou um finzinho dessa era em que uns se apoiavam nos outros. Comunidade familiar era como as casas de Veneza: se uma delas for derrubada, cai a cidade inteira. A convivência nos ensinava a lidar com diferentes caracteres. Este tem gênio difícil, aquela levanta sempre de mau humor, aquele outro não suporta barulho, uma gosta de gato, a outra fala cuspindo, aquele outro não come doce. E assim por diante, cada um com seu jeito.

Uma advertência dirigida aos pequeninos saía constantemente da boca dos mais velhos: «Tenha modos, menino!». O pito servia em muitas ocasiões. Mostrar a língua era falta de modos; falar mal dos outros também; desrespeitar alguém, então, era pecado capital. Não agradecer por um presente recebido, chamar a irmã de boba, fugir na hora de tomar o óleo de fígado de bacalhau rendiam bronca. «Tenha modos, menino!»

Era um sábio conselho. É inegável que, gostemos disso ou não, somos obrigados a viver em sociedade. Assim, é muitas vezes imprescindível sofrear-se para desarmar conflitos no nascedouro. Imagine se cada um dissesse o que lhe passa pela cabeça, a todo momento, a quem estivesse por perto. É a perfeita receita do caos garantido, um saco de caranguejos. A ralhação da avó nos ensinava a baixar a crista e a ter recato ‒ mercadoria hoje rara na praça.

Não sei se por má orientação quando pequenos ou se por desfrutarem de ego superinflado, políticos e figurões da alta administração da República mostram-se faltos de princípios elementares de savoir-vivre. Alguns anos atrás, a gente se divertia quando o então presidente se gabava de ser autor de façanhas mirabolantes, sempre arrematadas com o bordão «como nunca antes neste país». Ninguém podia imaginar, àquela altura, que a fanfarronice era apenas o sinal de largada para bravatas bem mais ousadas.

Ainda estes dias, o país assiste perplexo a declarações do arco da velha, incompatíveis com o cargo ocupado por quem as profere. O presidente da República, acossado por acusações de malfeitos, pede a suspeição do procurador-geral. Um deputado federal, eleito pelo povo, se exibe seminu ostentando tatuagem com o nome de um correligionário. O presidente do TRF tece comentários pessoais sobre sentença criminal imposta a um ex-presidente da República. A presidente do Supremo Tribunal Federal, chefe-mor de um dos Poderes da República, revela ao populacho que tem detectado machismo contra ela, seja lá o que essa expressão queira dizer. Um ministro do mesmo STF diz, com todas as letras, que o atual titular da Procuradoria-Geral da República é o mais desqualificado que por lá já passou.

Eu poderia alongar a lista de citações, mas o espaço de que aqui disponho é limitado. Acrescento apenas que é constrangedor ver que somos conduzidos por gente tão desenvolta e sem-modos. No fundo, alguns podem até ser competentes. No entanto, esses medalhões se esquecem de que não basta à mulher de César ser honesta ‒ tem também de parecer honesta.

O Sol costuma nascer todos os dias, e ninguém repara. Esta semana, bastou que ele fosse eclipsado pela Lua por dois minutos para que os que se encontravam sob latitudes adequadas se deliciassem com o espetáculo. Nossos figurões, que visivelmente não aprenderam a lição da vovó, deviam refletir sobre isso. Vale lembrar da regra três, que explica que menos vale mais. Aquele cuja palavra é rara costuma ser ouvido com maior atenção. Aquele que fala em voz baixa gera silêncio: todos querem saber o que ele tem a dizer. Muito antes do eclipse de 2017 e da fogueira de vaidades dos figurões da política brasileira deste começo de milênio, os romanos ‒ sensatos ‒ já ensinavam que «Æternum sub sole nihil» ‒ sob o sol, nada é eterno.

Sambalelê

José Horta Manzano

Sem dúvida, o Brasil é um país diferente. Acanhado em certo sentido, atirado em outro, dele tudo se pode esperar. Na minha opinião de observador longínquo, brasileiro fala muito. Demais às vezes. Quem devia se pronunciar mantém-se calado enquanto se ouve vozerio contínuo dos que deviam se manter calados.

Cada um é livre para falar, espernear, comentar, reclamar ‒ faz parte da natureza humana e da democracia. O que me surpreende é o eco que a mídia faz a pronunciamento de pessoas que deveriam manter o silêncio. Que fazer? É traço característico da nacionalidade.

CadeiaNão conheço outro país onde ministro de alta corte constitucional ou de justiça dê declaração, muito menos exprima opinião pessoal sobre casos em curso. No Brasil, até prisioneiro concede entrevista ‒ note que o verbo conceder informa que o indivíduo fez uma concessão, um favor especial à mídia. Na lista da falta de recato, temos juízes antecipando o voto que tencionam exprimir no tribunal. Até velório serve de palanque para comício. Um espanto.

Senhor Eduardo Cunha está encarcerado preventivamente. Se a ordem de prisão que o levou à cadeia é legítima, se seguiu à risca ou deixou de seguir os ditames legais é matéria para especialistas. Não entro nesse assunto. O que me chamou a atenção foi a declaração do acusado, exaustivamente repercutida pelos meios de comunicação.

Entre outras considerações, senhor Cunha alega que sofre de um aneurisma. Ora, prisão não foi feita unicamente para os que gozam de saúde de jovem. Se assim fosse, não haveria muita gente presa. Todo cidadão tem o direito de ser socorrido quando seu estado físico fraqueja. No Brasil, não sei qual é o procedimento em caso de internamento hospitalar de prisioneiros. Países civilizados costumam manter, em grandes hospitais, uma ala carcerária onde o paciente, embora vigiado e impedido de escapar, tem direito aos devidos cuidados.

Prison 5Senhor Cunha está a dois anos de entrar na sétima década de vida. Chegados à idade madura, raros são os humanos a poderem orgulhar-se de nunca ter estado doentes, de gozar de saúde perfeita e de sentir frescor e disposição de adolescente.

A não ser em caso de doença em fase terminal ‒ quando graça especial pode ser concedida para o prisioneiro terminar seus dias em casa ‒, enfermidade não me parece motivo válido para requerer soltura.

Lula aciona ONU

José Horta Manzano

Lula caricatura 2Assombrado com a ordem de prisão, cada dia mais nítida, o batalhão de advogados do Lula implora à ONU que faça alguma coisa para proteger o antigo mandatário.

Não por acaso, usei o verbo implorar. O Brasil, como país soberano, dispensa tutela de organismos estrangeiros ou supranacionais. Se nem o Mercosul tem poder de influenciar nossas instituições, menos ainda terá a Organização das Nações Unidas. O Lula há de estar em pânico, o que explica estar arriscando as últimas fichas na empreitada. Acaba de dar passo perigoso.

Há duas possibilidades: a ONU tanto pode aprovar como reprovar o funcionamento da Justiça brasileira. Caso considere o processo isento e honesto, Lula terá perdido definitivamente a batalha ‒ quiçá a guerra. Caso considere que o ex-presidente é vítima de jogo de cartas marcadas, como numa «república de bananas», nosso Judiciário se sentirá, com razão, afrontado, ofendido e desafiado.

Lula caricatura 2aNinguém gosta de se sentir afrontado, nem ofendido, muito menos desafiado. O orgulho nacional será atingido. Nossos magistrados se sentirão todos insultados. Esse sentimento periga voltar-se contra o acusado, surtindo efeito contrário ao que estava sendo buscado.

É verdade que o Lula não tem muitas opções. Como cônjuge de cidadã italiana, deve ter imaginado poder um dia, em caso de necessidade, refugiar-se na Itália. O caso Pizzolato freou seus ardores. A Itália provou que, quando lhe parece justo, não hesita em extraditar os próprios cidadãos.

Caso consiga escapar das garras do juiz Moro, como tem tentado, quem garante que nosso guia não cairá nas mãos de magistrado ainda mais rigoroso? Moro não é o único juiz competente e tenaz.

Lula caricatura 2Se escolher deixar o país e estabelecer-se em alguma ilha paradisíaca, estará abrindo o flanco para os EUA pedirem ‒ e obterem ‒ sua extradição. Transação internacional de dinheiro sujo ou limpo costuma transitar por aquele país. No escândalo que emaranha Lula, Petrobrás, Mensalão, Eletrobrás, BNDES & companhia, não será difícil encontrar fundamento jurídico para pedido de extradição. Bilhões de dólares roubados aqui transitaram por lá.

Sobra ainda a possibilidade de o Lula pedir asilo político a algum país. (Quem garante que a eventualidade já não tenha sido sondada?) Não vai ser fácil encontrar abrigo. Se ninguém quis acolher um simples Snowden, quem abrigará um Lula? A Bolívia ou a Venezuela talvez? Pode ser um caminho. Pelo menos, enquanto não caírem os respectivos governos.

Vão ainda duas ou três reflexões. A primeira, mais evidente, é quanto ao custo do batalhão de advogados. Quem paga? Estarão todos trabalhando por amor a um acusado desvalido?

Outra observação é quanto à escolha do escritório de Mister Robertson, jurista australiano especializado em direitos humanos, que conta com Salman Rushdie e Julian Assange entre seus clientes. Não é um fantástico cartão de visitas.

Lula caricatura 2aO escritor britânico Salman Rushdie sobrevive há quase 30 anos, sob rigorosa proteção policial, a uma ordem de assassinato expedida pelo bondoso (e já finado) aiatolá Khomeini. Quanto a Mister Assange, esconde-se há quatro anos num cubículo da embaixada do Equador em Londres. Visto o histórico da banca de advocacia de Mister Robertson, não fica claro o que podem fazer pelo Lula.

Penso ainda no foro competente para julgar nosso ex-presidente. Por enquanto, é acusado comum. Na inimaginável eventualidade de dona Dilma voltar à presidência, o Lula poderia até ser nomeado ministro, o que lhe daria direito a ser julgado pelo STF. Ainda assim, não é concebível que a maioria de nossos magistrados-mores se pronunciem pela total inocência do indiciado. Nenhum deles vai querer entrar para a História com reputação manchada.

Uma saideira: ninguém garante que as informações vazadas até agora representam a totalidade dos indícios e das provas. Debaixo desse angu ainda deve ter muita carne.

Interligne 18c

Observação
Para quem acaba de chegar de Marte, aqui está a notícia no Estadão e na Folha de São Paulo.

A pátria em chuteiras

Myrthes Suplicy Vieira

Cabeçalho 2E estamos de volta aos permanentes embates entre o Direito e a Moralidade.

O time do Direito entra em campo confiante e, de peito estufado, entrega sua flâmula ao capitão da equipe adversária. Nela está escrito: “Nós não fazemos as leis, apenas zelamos por sua observância”.

Futebol 7O capitão do time da Moralidade adianta-se um passo, inclina-se para a frente, recolhe delicadamente a flâmula com as duas mãos, agradece com um sorriso e apresenta a sua. Nela pode-se ler: “Nós escolhemos nossos representantes com base nas condutas morais que a maioria dos funcionários e torcedores de nosso clube julga fundamentais e imprescindíveis para o exercício de qualquer mandato”.

O jogo começa. Os jogadores dos dois times ensaiam as melhores jogadas, procurando evitar a ocorrência de faltas que coloquem em risco desde muito cedo a estratégia elaborada pelos respectivos técnicos para vencer a partida. De repente, um jogador do time do Direito, posicionado dentro da área, recebe um passe irregular, vira-se e marca o primeiro gol. A equipe da Moralidade sai correndo em protesto e cerca o juiz: “O senhor não vai apitar nada? Ele estava claramente adiantado em relação à linha de impedimento!”

O juiz, que estava distraído durante a jogada, consulta rapidamente o bandeirinha, que se havia igualmente distraído durante o lance, e, sem apoio racional para outra decisão, decreta: “Vamos voltar a jogada”. O jogo recomeça, a bola é jogada para escanteio e, sem novos lances duvidosos, a partida termina no zero a zero.

Tribunal 7Um novo campeonato tem início. Desta vez, orientada por um novo técnico, a equipe do Direito consegue expressivos resultados positivos e assume a liderança em poucas partidas. O dirigente da equipe da Moralidade, acabrunhado, passa a contestar acidamente os lances duvidosos de cada uma das partidas, entrando com sucessivos recursos no Tribunal de Justiça Desportiva. Os desembargadores dão sempre o mesmo veredito: “Julgamos improcedente a demanda da Moralidade por falta de evidências na súmula das partidas de que os árbitros tenham exacerbado de suas funções”.

Realimentado em seus brios, o time do Direito dá prosseguimento a sua jornada vitoriosa, argumentando, sempre que contestado em juízo, que as mesmas jogadas foram feitas anteriormente pelo time vice-campeão, sem que tivesse havido qualquer punição.

Combalido, o dirigente da equipe da Moralidade demite o técnico, faz uma profunda reforma no time com contratação de novos jogadores e esforça-se por estabelecer laços mais estreitos com o Tribunal de Justiça Desportiva. Reúne-se com os advogados do clube e decide entrar com uma representação na Associação Nacional de Árbitros, propondo que doravante todas as partidas sejam filmadas e que os lances duvidosos sejam julgados em tempo real por um conselho de árbitros de plantão, a partir da revisão das imagens.

Futebol 1Uma luzinha trêmula começa a se acender no final do túnel. A Associação de Árbitros, já incomodada com o crescente volume de reclamações vindas de várias outras equipes, acolhe favoravelmente a proposta e compromete-se a estudar a possibilidade de que ela passe a ser incorporada em caráter experimental. Os torcedores do time da Moralidade saem às ruas, dançando e cantando, para celebrar a chegada de novos tempos.

Quando informado da decisão da Associação de Árbitros, o dirigente da equipe do Direito contrata a peso de ouro os mais eminentes advogados e entra com recurso no Tribunal de Justiça Desportiva alegando que “não se podem alterar as regras depois de começado o jogo”.

A argumentação apresentada em corte pelo advogado-chefe do time do Direito é considerada brilhante e empolga a todos: “Toda essa lamúria dos times perdedores do campeonato é pura empulhação. Por falta de habilidade técnica dos jogadores e por falhas de planejamento de seus respectivos técnicos, o que eles estão querendo, de fato, é ganhar ‘no tapetão’. Ora, senhores, nenhum juiz está autorizado a apitar ‘perigo de gol’, já que essa figura jurídica não existe em nossa Constituição”.

Futebol 8Acabrunhado, o dirigente da equipe da Moralidade reúne-se em caráter emergencial com seus advogados. O clima é tenso. Com voz trêmula, o dirigente expõe seus pontos de vista: “É bem verdade que ninguém pode ser condenado com base em regras que ainda não existiam quando o campeonato começou. Mas não dá para esquecer que o próprio time do Direito já havia manifestado publicamente seu irrestrito apoio às novas regras propostas muito antes de serem sagrados campeões. Para sorte deles, as regras simplesmente não foram implementadas a tempo, uma vez que os representantes de sua base aliada conseguiram bloquear a votação. Cabe a nós, agora, demonstrar que essas pessoas não nos representam. Ao contrário, elas ferem nossa própria essência, que está alicerçada no fato incontestável que nem tudo que é legal é moral”.

O advogado-chefe levanta-se e, hesitante, apresenta seu raciocínio jurídico para encontrar uma saída legal para o conflito: “De fato, forçoso é admitir que parte da razão está com nossos adversários. Não se pode mudar as regras depois de apitado o início do jogo, mas, se os senhores pensarem bem, verão que também não é defensável que um time entre em campo com 13 jogadores para enfrentar os 11 habituais do time adversário. E, fazendo uma analogia com o jogo político, fica claro que o instituto da reeleição (considerando que nossos adversários foram campeões nas duas últimas rodadas) equivale a impor a regra espúria de que eles têm o direito de entrar em campo com mais jogadores do que o permitido. Além disso, nossos adversários foram os responsáveis pela indicação de muitos dos juízes encarregados de deliberar sobre quaisquer lances duvidosos neste campeonato. Temos de buscar na história dos julgamentos desportivos momentos de exceção em que as regras puderam ser revistas, sem comprometer o Estado de direito. Isso nos auxiliará a provar que já há jurisprudência formada a nosso favor”.

Futebol 9Comovidos, quase às lágrimas, os participantes da reunião abraçaram-se e concordaram em entrar com uma última representação na Associação Nacional de Árbitros, solicitando que as regras da Moralidade Pública, aprovadas na gestão anterior, fossem finalmente implementadas e já passassem a valer para o campeonato seguinte.

Após algumas semanas de tensão à espera do veredito dos desembargadores, alívio geral. O juiz responsável pelo caso havia registrado sua decisão em tom poético: “Julgo procedente a demanda apresentada pela turma da Moralidade. Ainda que não exista a figura jurídica de impedimento por falta de representatividade, as possibilidades de enquadramento jurídico para a decretação do impedimento são várias: abuso de poder econômico e político, erro de pessoa, falsidade ideológica, falta de decoro, improbidade administrativa, perturbação da ordem pública, etc. Um ditado coreano diz que, quando dois elefantes brigam, quem paga o preço é a floresta. Orgulho-me em dizer que sou também parte responsável pela preservação da floresta”.

Interligne 18h

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora. O título do artigo faz alusão ao livro homônimo de Nélson Rodrigues.

Carta aberta a um desembargador

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Excelência,

Começo me desculpando por não lembrar seu nome. Sem dúvida, ele foi citado nas muitas reportagens que li, vi ou ouvi a respeito do rumoroso caso que o envolve, mas, perdão mais uma vez Excelência, minha memória é muito ardilosa. Prega-me peças praticamente todos os dias, insistindo em só reter aquilo que lhe apraz. Confio que, em sua excelsa generosidade, Sua Excelência saberá compreender que limitações como essa são típicas da falibilidade da pessoa humana. Isso sem contar que várias outras deficiências nos vão sendo agregadas com a idade.

Tribunal 4Valho-me desta para felicitá-lo por sua recente façanha. Em uma só penada, o senhor conseguiu demonstrar algo que há muito tempo venho defendendo com veemência: juízes pertencem de fato a uma condição supra-humana. Embora muitos céticos ousem contestar fato tão evidente, fácil será entender que juízes não podem estar sujeitos às mesmas leis que regulam a convivência do populacho. Se esses abnegados servidores da Justiça dedicam boa parte da vida à leitura e compreensão minuciosas da Lei, como poderiam eles ter sua honradez conspurcada por alguém que sequer imagina como lidar com os meandros do Direito?

Essa agente de trânsito que, além de reles mortal é do gênero feminino – portanto, enredada na instabilidade emocional que lhe é característica – ousou zombar da supra-humanidade de um dos seus e Sua Excelência a devolveu de imediato ao seu lugar. Na sua ingenuidade, essa senhora acreditou que poderia tolher a liberdade de ir e vir de um Magistrado! Elencou inacreditavelmente uma série de critérios esdrúxulos para sustentar essa crença: ausência de placas no veículo, ausência da documentação do mesmo e ausência da Carteira Nacional de Habilitação. Imaginou que, por esses motivos, ela estava autorizada a tratar um juiz como uma pessoa qualquer! Parabéns, mais uma vez, Excelência, por ter nos ilustrado com seu douto saber.

Confesso, Excelência, um tanto envergonhada, que, no início, ainda sob o impacto do sensacionalismo com que a imprensa brasileira noticiou o incidente, cheguei a acreditar que o senhor havia exagerado um tantinho na sua sentença, condenando-a a pagar quantia vultosa a título de danos morais. Imaginei por um instante que, magnânimos como certamente são Sua Excelência e o senhor juiz envolvido no caso, poderiam ambos abrir mão da cobrança e decretar o perdão judicial. Perdão novamente. É que, sendo eu igualmente humana e igualmente mulher, não pude deixar de sentir um pontinha de piedade pela fragilidade financeira dessa senhora.

TribunalConfesso também que, no meu estado de choque inicial, fui ainda mais longe, Excelência. Cheguei a lembrar de um artigo da Constituição de nosso país que sempre me pareceu fundamental: aquele que diz que todos são iguais perante a lei. Talvez tenha eu sido inspirada naquele momento por uma mistura de ingenuidade, perplexidade e limitação intelectual. Entretanto, já recuperada desse surto de infantilidade, reafirmo o que disse de início: acredito piamente que juízes e desembargadores são – e demonstram cabalmente ser – supra-humanos.

Termino felicitando-o por ter guindado nosso país mais uma vez à posição de republiqueta de bananas. Um feito digno de constar nos anais da magistratura brasileira e internacional e que talvez só encontre paralelo na coragem de um presidente de nossa república em confrontar um tribunal italiano, acusando-o de ter feito um julgamento político de um cidadão condenado por vários assassinatos, inclusive o do Primeiro Ministro.

Tribunal 5Quando o recurso que essa senhora pretende interpor for julgado, Excelência, não se acanhe. Reafirme o status superior de seus colegas de Ordem. O senhor sabe: o tempo é o senhor da razão. Manda quem pode e obedece quem tem juízo. Os cães ladram e a caravana passa.

Pois imagine o senhor que, por infortúnio, um de meus cães ladrou a noite toda. A minha irritação com a insônia foi tal que eu me lembrei de uma frase estampada num cartaz carregado por um manifestante no enterro de Margareth Thatcher: “Respeito não se exige, conquista-se”.

Sinta-se à vontade para usar esse argumento, se lhe aprouver.

Atenciosamente.

Interligne 18b

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

Juízes são humanos?

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Uma questão tão sensível quanto esta requer, sem dúvida, uma análise criteriosa e demorada. Precisamos examinar o tema sob a ótica de múltiplos fatores. Comecemos pelo mais prosaico deles: o corpo, a matéria física.

JustiçaÉ inegável afirmar que juízes desfrutam de um aparato físico completo, em tudo semelhante ao de quaisquer outros exemplares da fauna humana. A diversidade de formas que seus corpos assumem também reproduz a que podemos encontrar entre profissionais de diversas outras categorias. Há juízes altos e baixos, gordos e magros, atléticos e sedentários, velhos e jovens, homens e mulheres.

A imagem caricatural com que magistrados vêm sendo representados há séculos em todos os continentes é, no entanto, a de sujeitos atarracados, de costas encurvadas, ancas largas, barriga proeminente, pernas frágeis e sem músculos salientes, rostos flácidos e edemaciados, mãos finas e dedos longos, olhos pequenos, o mais das vezes auxiliados por óculos posicionados na ponta do nariz.

Os analistas mais sensíveis poderão objetar quanto a esse padrão corporal caricato: “Ora, é sabido que o uso do cachimbo deixa a boca torta”. Verdade, instados que são ao longo de sua vida estudantil e profissional a permanecer longas horas sentados examinando pastas com centenas de páginas e documentos com letras muito pequenas, tendo de registrar à mão inesgotáveis anotações e pareceres, não lhes restam muitas alternativas para escapar dessa configuração global. Entretanto, voltando à pergunta inicial, mesmo que não se aprecie esse enquadramento físico, a resposta será sempre a de que juízes indubitavelmente têm, sim, um corpo humano. Ponto para eles.

Examinemos agora o aspecto psicológico da questão. A magistratura é, sem dúvida, uma profissão solitária. Relacionar-se, formar vínculos afetivos, confraternizar-se podem não ser os pontos mais fortes desses profissionais. Para conhecer as percepções e opiniões de seus colegas de cátedra, por exemplo, juízes precisam se isolar em seus gabinetes e recorrer a…. papéis. Por outro lado, também haverá, é claro, ao longo da vida profissional, ocasiões em que eles poderão desfrutar de animados intercâmbios de opiniões, como quando da realização de algum congresso acadêmico, a posse de um colega de classe na Ordem, algum evento social que desperte o interesse de outros juristas, além de figuras emblemáticas da República. Alguém poderá observar quanto a isso: “Mas, em todas essas ocasiões, os juízes estarão revestidos da imponência de sua figura pública, portanto seus comentários estarão sempre atrelados ao poder da toga”. Mais uma vez, verdade.

Justiça 4E perguntemo-nos como será então a vida anímica desses servidores da Justiça no recôndito de seus lares e nas relações cotidianas com simples mortais? Parece não haver qualquer evidência em contrário de que, também nesses aspectos, juízes podem vir a ser categorizados como maníacos, fóbicos, esquizóides, equilibrados, autocentrados, paranóides, bem como todas as demais formas de funcionamento psíquico, tudo isso sem considerar que também estarão expostos a surtos, traumas diversos, desequilíbrios temporários.

Dessa forma, goste-se ou não de seu perfil psicológico padrão, forçoso é reconhecer que juízes também dispõem de uma psique. Será sempre possível identificar juízes curiosos, afetivos, sensíveis, autoritários, agressivos, extrovertidos, ensimesmados, etc. Outro ponto que os aproxima da espécie humana.

Se juízes têm corpo e têm alma, onde estarão, então, os pontos que podem nos levar a suspeitar de que eles se afastam da envergadura psicossocial comum de outros humanos? Gastei muitas horas refletindo sobre isso e cheguei à conclusão de que é na simples convergência de seus aspectos físicos, emocionais e sociais que reside a grande dificuldade de afirmarmos que juízes se enquadram plenamente na moldura humana padrão.

Explico melhor: todos nós sabemos ― e sentimos ― como um determinado componente de nossa configuração humana influencia outros. Se acordo com alguma indisposição gástrica ou intestinal, meus pensamentos tornam-se mais lentos, minha lucidez fica diminuída, meu estado de espírito prejudicado para o acolhimento de outras ideias ou de outras pessoas. Da mesma forma, se é um resfriado o que me incomoda, minha disposição para formar ou aprofundar laços afetivos tende a ser dissipada junto com os perdigotos que escapam em velocidade de meu nariz. Enxaquecas, dores lombares, vista cansada, artrites e artroses, tonturas, febres ― enfim, pode-se afirmar com certeza que toda essa miríade de distúrbios físicos atinge também e interfere pesadamente no raciocínio de magistrados.

TribunalInversamente, se o que me aflige é uma discussão acirrada em família, uma preocupação com o bem estar físico, psicológico ou espiritual de um parente ou amigo, um estado depressivo que toma conta de todo meu organismo ou, ainda, uma grande onda de excitação amorosa ou raivosa que precisa ser descarregada, minha isenção de julgamento escorre para o ralo imediatamente. Conflitos dessa ordem parecem ser mesmo inevitáveis sob o prisma estritamente humano.

A mesma similaridade pode ser identificada entre juízes e cidadãos comuns no plano social. Nenhum argumento racional pode eliminar a hipótese de juízes estarem sujeitos a tentações e desvios de conduta social. Há casos famosos, ao menos por aqui, de juízes que vendem sentenças, desviam recursos públicos, favorecem certas elites e até daqueles que assumem sem pudor sua homofobia e discriminam certas crenças religiosas.

Tribunal 1Por que, então, juízes parecem ignorar solenemente a existência de interrelação entre uma instância e outra de sua constituição humana ao emitirem seu parecer final numa causa? Será que o cachimbo da razão pura deixou a boca de seus afetos torta? Será que a energia libidinal represada ― ou, em bom português, seu tesão de viver inexoravelmente perdido ― os incapacitou para a dúvida, para a relativização e para o discernimento entre o que é legal e o que é moral?

Afinal, considerando que o conceito de humanidade pressupõe necessariamente a existência de imperfeições e limitações, parece que a dura conclusão a que devemos tristemente chegar é a de que juízes escapam, ainda que por poucos milímetros, da órbita comum dos seres humanos. Comportando-se como semideuses, posicionando-se acima das atribulações peculiares à espécie, eles nos deixam com uma sensação amarga de impotência. Se até na astronomia já se admite a “equação pessoal do observador” para dar credibilidade e caráter científico a eventuais descobertas individuais, será que já não está na hora de os senhores juízes incorporarem a “equação pessoal do julgador” em suas interpretações pessoais da lei?

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

Sarkozy na cadeia!

José Horta Manzano

Extra! Extra! Notícia de primeira mão!
Sarkozy foi preso!

Bem, agora que você chegou até aqui, vamos suavizar o título sensacionalista. Nicolas Sarkozy, ex-presidente da República Francesa, foi detido para averiguações. Desde as 8h da manhã desta terça-feira (3h em Brasília), está no Escritório Central de Luta contra a Corrupção, em Nanterre, nas cercanias de Paris.

O antigo presidente está enquadrado na figura jurídica chamada «garde à vue». É situação intermediária entre liberdade e detenção provisória. O averiguado é levado à delegacia de polícia para interrogatório, numa retenção que pode durar 24 horas prorrogáveis por mais 24 horas.

Garde a vue 1É mais ou menos como se vê nos filmes: o acusado, caindo de sono em cima de uma escrivaninha, ganha um sanduíche de um solícito interrogador que o incita a começar a contar a história de novo. Se o filme for dos anos 50, um escrivão, sentado no fundo da sala, bate à máquina a ata da deposição. Hoje, o mesmo funcionário desempenha a mesma tarefa num teclado de computador.

Durante a «garde à vue» ― literalmente retenção à vista ― o investigado não deve escapar à vigilância de seus interrogadores em nenhum momento. É situação humilhante e desgastante. Até para ir ao banheiro, o infeliz tem de pedir licença. A intenção é justamente enfraquecer a resistência psicológica do inquirido e forçá-lo a falar.

Ao final da «garde à vue», o comissário de polícia decidirá. Tanto pode dar o caso por encerrado e liberar o indivíduo, como pode, caso julgue que há provas suficientemente sólidas, encaminhá-lo a um juiz que, por sua vez, determinará a sequência dos acontecimentos.

Logo que ouvi a notícia hoje de manhã, resolvi contar a vocês. Não exatamente com intenção de lhes dar um curso de Direito Processual, que não sou capacitado para isso. O que me diverte é o fosso que se escancara entre as práticas judiciais de lá e de cá.

Garde a vue 2As razões pelas quais Monsieur Sarkozy foi detido são bastante nebulosas. Seu espírito inteligente e mordaz angariou-lhe admiradores fiéis mas também inimigos viscerais. Tem muita gente que o acolheria em casa, se preciso fosse. Mas também há muitos que não hão de sossegar enquanto não o tiverem derrubado.

A acusação? Parece que o ex-presidente tem recebido, de magistrados amigos, informações privilegiadas sobre processos em que ele mesmo está envolvido. Processos ainda em andamento, naturalmente. Trata-se de coisa que, no Brasil, mereceria uma notazinha de dez linhas lá pela página 14, se tanto.

Nossa percepção de malfeitos varia conforme a frequência com que eles ocorrem. Um homicídio na Islândia rende assunto para anos. A mesma ocorrência no Brasil periga nem aparecer no jornal, dependendo da carga de notícias do dia.

Na França, a suposição de que um antigo presidente possa ter corrompido autoridades manda qualquer figurão pra delegacia e rende pano pra longuíssimas mangas. Já no Brasil…

Coitadinho

José Horta Manzano

Leio que o antigo juiz ― de Direito, frise-se ― Nicolau dos Santos, vulgo Lalau, foi solto da penitenciária para onde havia sido despachado para purgar pena de 26 anos de privação de liberdade por motivo de roubo, fuga da Justiça e outras lindezas.

Ladrão

Mais que ladrão: desleal

Está com 85 anos, coitadinho. Coitadinho? Coitadinho uma ova. Roubou o seu, o meu, o nosso dinheiro. Viveu vida de magnata à custa dos idiotas que somos. Como tantos outros novos-ricos, comprou apartamento em Miami. Aproveitou-se à exaustão da nossa boa-fé.

Que um ignorantão tivesse feito isso, ainda que não seja uma justificativa, é circunstância atenuante. Mas… um juiz de Direito? Aquele que tem a prerrogativa legal de julgar e decidir a sorte de seus concidadãos? Além do roubo, resta o crime maior da deslealdade e da traição. Dependesse de mim, apodreceria na cadeia igualzinho ao Madoff. Até o último suspiro.

Fica uma dúvida. Ainda que mal pergunte, onde foram parar os 169 milhões surrupiados na época? Em valores de hoje, estamos falando de um bilhão. Um bilhão! Os jornais não são claros quanto à recuperação da bolada. Daria pra enxugar uma parte do desperdício de dinheiro público que a “Copa das copas” está causando.