Lula será candidato em 2018?

Luiz Flávio Gomes (*)

Lula, em breve, seguramente terá sua condenação de primeiro grau confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Porto Alegre). Lula, ao mesmo tempo, pode disputar a eleição de 2018. Como assim?

Em qualquer país civilizado, as duas frases seriam inconciliáveis. Mas vivemos no Brasil. Nossa legislação é uma balbúrdia. Só perde para a bagunça jurisprudencial dos tribunais eleitorais ‒ TSE na dianteira, claro.

Com a confirmação da sentença condenatória, Lula se transformará em ficha suja. Ficha suja, como sabemos, é inelegível, mas cuidado! Contra a decisão do TRF-4, cabem embargos de declaração. Após isso, se houver um único voto favorável ao Lula em qualquer ponto da sentença, cabem embargos infringentes. Em seguida, cabe recurso especial no STJ e extraordinário no STF.

Qual a probabilidade de um ministro do STJ conceder efeito suspensivo ao recurso especial? Grande. Primeiro, porque isso é frequente. Por seu lado, o próximo governo vai nomear, pelos atuais critérios absurdamente políticos, vários ministros para o STF nas vagas de Celso de Mello, Marco Aurélio e, possivelmente, Cármen Lúcia. Não podemos esquecer que todo ministro do STJ é potencial candidato a ministro do STF.

Paralelamente a tudo isso, mesmo ficha suja, Lula não está legalmente impedido de registrar sua candidatura à presidência da República. Deverá fazer isso, naturalmente, no último dia possível: 14 de agosto de 2018.

Em seguida virá a impugnação do registro e o contraditório (direito de defesa). O TSE deve julgar a controvérsia em setembro de 2018.

Contra a decisão do TSE cabe recurso no STF, que não o julgará antes do dia da eleição. Mais que isso, um ministro do STF pode dar efeito suspensivo ao recurso contra o TSE.

Conclusão:
Lula, mesmo sub judice, tem total chance de disputar as eleições, embora inelegível.

Por hipótese:
E se ele for vitorioso? Pela lei o STF impediria sua diplomação e, em consequência, a posse. Impediria! Na Suprema Corte brasileira tudo pode ocorrer, inclusive a possibilidade de um ministro pedir vista no dia do julgamento e não mais devolver o processo nos próximos anos. Todos conhecemos ministros capazes de fazer isso sem nenhum constrangimento.

Não é verdade que toda obscenidade dos poderosos é castigada pela nossa Suprema Corte.

(*) Luiz Flávio Gomes, jurista, é criador do movimento Quero Um Brasil Ético. Artigo publicado no Estadão.

 

Escolha de ministro do STF

José Horta Manzano

Conflitos são desagradáveis, mas têm, às vezes, seu lado bom. Como todos já se deram conta, Executivo e Legislativo andam às turras desde o começo do ano. Hostilidade solta faíscas, mas pode também exalar algum resultado produtivo.

Um exemplo acaba de surgir. É notório que senhor Eduardo Cunha, presidente da Câmara, não é, digamos assim, o melhor amigo de nossa presidente. Pois o medalhão mandou desengavetar um projeto de emenda constitucional que estava bloqueado fazia tempo.

STF 2A PEC 342/09 propõe modificar alguns parâmetros do cargo de ministro do STF. Aprovada, é mais que provável que venha a desagradar profundamente à presidente. Dois são os pontos notáveis cuja alteração é proposta: forma de designação e duração do mandato dos nomeados.

É indisfarçável que o intuito principal é tirar do Executivo o poder de apontar, sozinho, os ministeriáveis. Até aqui, de fato, cabe à presidência da República a prerrogativa de indicar o escolhido. A sabatina pela qual o ungido deve em seguida passar, diante dos parlamentares, costuma ser mera formalidade. Não me ocorre nenhum caso de reprovação. Nem mesmo de postulante que tenha ficado pra segunda época.

O outro ponto crucial diz respeito à duração do mandato que, pela regra atual, é vitalício, tornando o ministro virtualmente inamovível. A muitos, vitaliciedade pode combinar com monarquia, mas destoa no regime republicano. Mais que isso: em princípio, a idade mínima para nomeação é de 35 anos, com demissão compulsória aos 70. Contas feitas, um mandato, pelas regras em vigor, pode durar teoricamente 35 anos, tempo que alguns consideram demasiado longo.

STF

A prerrogativa concedida a um só indivíduo – o presidente da República – de designar membros do colegiado que chefia um outro poder quebra o equilíbrio republicano. Para eliminar o carimbo autocrático, a PEC propõe que, dos onze ministros do STF, cinco sejam indicados pelo presidente da República, dois pela Câmara, dois pelo Senado e dois pelo próprio STF.

O projeto entende também que a vitaliciedade deve ser abolida. Em seu lugar, propõe um mandato de 11 anos. Único, contínuo e não renovável.

Noves fora inimizades e retaliações entre personalidades do andar de cima, a ideia não me parece má. Vai no bom sentido para amenizar o atual desequilíbio entre poderes.

Quem tem telhado de vidro…

José Horta Manzano

Anos atrás, quando autoridades italianas indicaram à PF que um certo Signor Battisti, foragido da Justiça daquele país, se encontrava vivendo ilegalmente no Brasil, nossa polícia não perdeu tempo: surpreendeu o indivíduo no Rio de Janeiro e o conduziu algemado a Brasília. Naquele momento, ninguém sabia, mas a ação espetaculosa não era mais que a primeira página de uma interminável novela. A lenga-lenga, recheada de altos e baixos, durou vários anos, envolveu advogados, parlamentares, a PF, o Ministério da Justiça, o STF, a presidência da República. Ninguém pode afirmar que tenhamos chegado ao ponto final. Não é impossível que o epílogo ainda esteja por escrever.

Tarso Genro, governador do RS by Marco Aurélio, desenhista gaúcho

Tarso Genro, governador do RS
by Marco Aurélio, desenhista gaúcho

Saíram todos chamuscados daquele execrável episódio. O prisioneiro, depois de viver encarcerado durante anos, em meio a incertezas, está marcado para o resto da vida ― onde quer que vá, será reconhecido e olhado com certa reserva. O ministro da Justiça da época, ao conceder asilo ao foragido, foi forçado a alegar que desconfiava da Justiça italiana, numa atitude arrogante que pegou muito mal. O STF, que empurrou a decisão final para a presidência da República, desagradou a muita gente. A decisão do presidente da República ― tornada pública no apagar das luzes do mandato ― que confirmou o asilo ao estrangeiro ornou a novela com fecho de ouro. As autoridades italianas devem ter saído enfurecidas, o que é compreensível.

Os anos passaram e o mundo girou. O processo do mensalão está chegando ao fim e cada condenado executa a pirueta que lhe parece mais conveniente. Uns dizem que não têm nada que ver com a história, que estavam de passagem. Outros alegam que foram julgados pela imprensa ― como se o julgamento não tivesse sido público e transmitido ao vivo por rádios e tevês. Há até guerrilheiros que, embora tenham empunhado armas e participado de guerrilha na selva, hoje derramam lágrimas que destoam da bravura que outrora exibiam.

by Dalcio Machado, desenhista paulista

by Dalcio Machado, desenhista paulista

Um dos condenados, talvez mais realista que os demais, não acreditou em Papai Noel. Perspicaz, deu-se conta, bem antes dos outros, de que o desfecho poderia não ocorrer em meio a gargalhadas em volta de uma pizza. Preparou minuciosamente sua fuga do País. Não está claro se Signor Pizzolato solicitou emissão de seu passaporte italiano antes do escândalo do mensalão. Pouco importa. O que importa é que, aos olhos da Itália, ele é um cidadão do país peninsular igual a todos os outros. Todo Estado civilizado costuma zelar por seus súditos.

Algum tempo atrás, as autoridades judiciais brasileiras exigiram, como medida de precaução, que todos os réus da Ação Penal 470 consignassem seu passaporte. Signor Pizzolato fez mais que os outros: entregou dois, o brasileiro e o italiano. Fechadas, como de costume, sobre si mesmas e pouco afeitas a práticas internacionais, as autoridades de Brasília foram dormir tranquilas. Um homem sem passaporte não pode viajar, devem ter pensado.

Se o olhar de nossas sumidades fosse um pouco além de seu próprio umbigo, saberiam que um cidadão estrangeiro cujo passaporte tiver sido confiscado pode solicitar um novo, desde que não esteja sendo procurado pela polícia de seu próprio país. Era exatamente o caso de Signor Pizzolato. Bastou-lhe comparecer a um consulado italiano e requerer um novo passaporte.

Alberto Alpino, desenhista capixaba

by Alberto Alpino, desenhista capixaba

Imaginam muitos que o fujão tenha passado por peripécias semelhantes às do senador boliviano que viajou clandestinamente de La Paz até o Mato Grosso. Pois eu não vejo a coisa assim. Não tenho como provar, mas tudo me diz que, ao deixar definitivamente sua cobertura em Copacabana, o réu fugido já levava no bolso o documento que lhe permitiria viajar para onde quisesse. Atravessar a fronteira entre o Brasil e qualquer um de seus vizinhos é moleza. Em numerosas cidades de fronteira, no Rio Grande por exemplo, a divisa entre dois países é representada por uma avenida. Atravessada a rua, é fácil chegar a Buenos Aires, de onde partem diariamente voos para Roma e para Milão. Elementar, meu caro Watson.

Agora é que chega a hora de a porca torcer o rabinho. A malandragem demonstrada pelo Planalto no caso Battisti ainda é muito recente. Os personagens estão vivos e na ativa, todos se lembram. Esperar grande empenho por parte de Roma é ilusão. O fato de o Brasil dar guarida a um condenado por envolvimento em quatro assassinatos pegou muito, muito mal na Itália. Será praticamente impossível reaver o cidadão italiano Pizzolato, cuja ficha, em terra itálica, está limpa.

Os italianos, que residam na Itália ou no estrangeiro, estão inscritos no registro do município onde vivem ou ao qual estão ligados. Esse banco de dados leva o nome de anágrafe. As autoridades italianas sabem perfeitamente onde vive Signor Pizzolato. Daí a transmitir a informação às autoridades de Brasília são outros quinhentos. Quem tem telhado de vidro…

A bolsa eleição

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 7 setembro 2013

«Não existe político honesto» ― é frase que, de tão batida, está-se transformando, não sem razão, em lugar-comum. Em matéria de honestidade política no Brasil, é verdade que precisa levantar cedo, levar uma boa lanterna, abrir bem os olhos e procurar muito. Gente fina está cada vez mais difícil de achar. Mas toda regra costuma ter suas exceções. Quem procura acaba encontrando.

O doutor Hélio Bicudo, jurista de formação, está entre os raros brasileiros que se encaixam no perfil estreito do homem público íntegro. Foi procurador e promotor de Justiça, secretário municipal, vice-prefeito de São Paulo. Por breve tempo, foi até titular do Ministério da Fazenda. Hoje, aos 91 anos, conquanto guarde sua visão aguda e lúcida sobre a sociedade, está menos envolvido na vida pública. Há um tempo para tudo.

Humanista e humanitário, doutor Bicudo sempre batalhou pela defesa dos direitos humanos. Quando alguns idealistas se reuniram, faz mais de 30 anos, para fundar um novo partido político com o intuito declarado de defender os interesses dos oprimidos e dos trabalhadores, Hélio Bicudo não hesitou: juntou-se ao grupo. Foi um dos membros fundadores do PT.

A bolsa...

A bolsa…

Os anos passaram, a Terra girou, o Brasil mudou muito. O partido do doutor Bicudo chegou ao poder maior, a presidência da República. Mas a agremiação, na visão do jurista, estava desfigurada. Havia-se arredado demais de sua vocação primeira. Sentindo que a confraria partia à deriva e que a generosidade e o idealismo do início se haviam perdido pela estrada, o doutor Bicudo, desencantado, apeou do bonde. Desfiliou-se do PT.

Quem não tiver visto ainda, pode encontrar facilmente na internet o depoimento, com imagem e som, que Hélio Bicudo gravou alguns anos atrás. Discorre sobre a bolsa família. Revela que o programa de redenção dos miseráveis embutia um despudorado cálculo eleitoral: o esquema traria 40 milhões de votos para o partido e garantiria sua perpetuação no poder. Visto que o antigo partido do doutor Bicudo ainda continua empoleirado lá em cima, é de crer que tenha dado certo. Pelo menos até hoje.

Já faz tempo que se cogita, nas altas esferas, em importar médicos de Cuba. De uma só tacada, dois objetivos: mostrar preocupação com a saúde dos brasileiros e enviar um óbulo à dinastia reinante na ilha. No entanto, dada a resistência das associações que defendem os interesses dos médicos tupiniquins, a ideia foi deixada em banho-maria.

As manifestações de junho desfiaram um rosário de pedidos de «mais»: mais escolas, mais segurança, mais transportes. Uma reivindicação sobressaía: mais médicos. Era o sinal pelo qual o Planalto esperava havia tempo! Na onda do clamor popular, era hora de agir rápido. A importação de médicos podia entrar na ordem do dia.

Muita crítica está sendo aventada diante dessa iniciativa do governo. Há quem perceba a introdução de uma medicina de duas velocidades: uma para o andar de cima, outra para o populacho. Muitos médicos brasileiros, por seu lado, consideram injusto terem sido obrigados a se esforçar mais que seus colegas cubanos para obter o mesmo diploma. Há quem veja na diferença de línguas um obstáculo intransponível. Outros temem que os estrangeiros não tenham recebido formação suficiente. Enfim, há críticas de todos os feitios, para todos os gostos. Quanto a mim, vejo, embutida nessa operação, uma jogada pra lá de astuciosa.

... e a eleição

… e a eleição

A graciosa leitora e o ilustre leitor certamente já estiveram alguma vez num consultório médico. Assim como católicos despejam seus pecados no confessionário, pacientes confiam ao médico segredos íntimos, daqueles que nem sempre se compartilham entre marido e mulher. O respeito cria uma relação de confiança. O paciente pouco instruído tende, com mais forte razão, a admirar o galeno e a ver nele quase um guru. Se o médico missionário, no recôndito do consultório, sugerir ao paciente que vote neste ou naquele candidato, terá boa chance de ser obedecido.

Façamos as contas. São 4000 médicos cubanos. Se cada um der 20 consultas por dia, serão 100 pacientes por semana. Em um ano, cada médico terá dado 5000 consultas. Agora, ficou fácil: 4000 x 5000 = 20 milhões. Em teoria, 20 milhões de pacientes terão uma conversinha reservada, a portas fechadas, com os missionários da ilha caribenha. Ano sim e outro também.

Se os missionários tiverem recebido bom treinamento como cabos eleitorais, seus discretos conselhos hão de granjear muitos milhões de votos para o embornal do partido no poder. Bem bolado, não?

Frase do dia – 17

Interligne vertical 11Trava-língua…


A lista de cargos prolixos do governo federal foi engrossada nesta semana pelo de «coordenador na Coordenação da Coordenação-Geral de Produtividade do Departamento de Produtividade e Inovação da Secretaria de Competitividade e Gestão da Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República».

Da coluna de Vera Magalhães, in Folha de São Paulo, 2 ago 2013