Interpol

José Horta Manzano

No momento em que escrevo, faz 13 horas que Bolsonaro foi oficialmente declarado derrotado nas urnas. Desde então, ele não se manifestou publicamente.

Cada hora de silêncio do capitão é uma bênção para a nação. Por um lado, poupa nossos ouvidos cansados de ouvir palavrões, xingamentos e ameaças. Por outro, afasta o receio de que o cafajeste tentasse virar o jogo soltando brucutus contra cidadãos inocentes.

A atitude do presidente derrotado é a de um homem amargurado, roído pelo rancor, temeroso de seu futuro sombrio. Ele mostra haver entendido que sua estrada chegou ao fim e que não há mais nada a fazer. Sua página está virada.

Os cobrinhos que possa ter amealhado e encafuado nalgum paraíso fiscal são de pouca valia. O melhor agora é catar seus trapos e se mudar para uma gruta. Mas atenção: que seja em território nacional! Se ele puser um pé fora do país, em breve vai ter de se explicar com a Interpol.

Falam de nós – 23

0-Falam de nósJosé Horta Manzano

Chamada jornal AS (Madrid), 10 ago 2017

Elefante branco
O portal espanhol As, especializado em esportes, repercute anúncio feito por senhor del Nero, presidente da Confederação Brasileira de Futebol. «Brasil no jugará en Maracaná porque está abandonado» ‒ é a declaração do cartola, referindo-se à partida Brasil x Chile prevista para outubro próximo.

Quando se leva em conta que, doze meses atrás, o estádio carioca fervilhava com numerosas competições dos Jogos Olímpicos, a notícia é de pasmar. Bastou um ano para o Maracanã se tornar um elefante branco, imprestável para acolher um simples jogo de futebol.

Quem são os culpados? Estão por aí, passeando, ricos, sorridentes, livres e soltos. A vergonha fica por nossa conta.

 

Chamada The Guardian (Londres), 10 ago 2017

Um problema esconde outro
O inglês The Guardian estampa a pergunta que está em todos os lábios: Por que, empacado nos distúrbios da Venezuela, o mundo ocidental ignora os problemas do Brasil?

E discorre longamente sobre as atribulações de doutor Temer, sem esquecer doutora Dilma, a corrupção, o Congresso, o Partido dos Trabalhadores, a taxa de desemprego difícil de explicar, o atraso do pagamento de salários de funcionários públicos. Um balaio de gatos.

É verdade que a desordem venezuelana, que é bem mais espetacular e que já coleciona quase 150 mortos, chama a atenção. Vista da Europa, ofusca o que possa estar acontecendo nos países vizinhos. Vista do Brasil, não é bem assim. Mas o Guardian não é obrigado a saber.

 

Chamada Ynetnews (Israel), 10 ago 2017

Terra de asilo
Cria fama e deita-te na cama, diz o provérbio. Muita gente, ao redor do mundo, continua acreditando no clichê: o Brasil é terra de asilo para bandidos. Às vezes, funciona. Para um certo senhor Elitzur, falhou.

O israelense, condenado a 20 anos de cadeia por um assassinato cometido em 2004 em seu país, conseguiu escapar para a Alemanha. É que, sendo duplo nacional, dispunha de passaporte germânico. De lá, embarcou para o Brasil, onde logrou viver anos tranquilos sob falsa identidade.

Em 2015, com ajuda da Interpol, a polícia brasileira acabou localizando o indivíduo em São Paulo. Levado à prisão, está há dois anos esperando a tramitação do processo de extradição.

Mostrando que não está lá unicamente para julgar políticos, o STF acaba de aceitar o pedido do Estado de Israel. O cidadão será extraditado dentro em breve para cumprir o resto da pena no país de origem. Parte da opinião pública israelense gostou.

 

Chamada South China Morning Post (Hong Kong), 11 ago 2017

Trump & Bolsonaro
A fama de doutor Bolsonaro já deu a volta ao mundo. O South China Morning Post, jornal publicado em Hong Kong, dá conta da ambição presidencial do deputado e o retrata como «Brazil’s Trump» ‒ o Trump brasileiro.

Dá, em seguida, um breve currículo do quase futuro candidato descrevendo-o como “versão brasileira” do nacionalismo e do conservadorismo que se espalham pelo mundo. Explica que é contrário ao aborto e aos direitos dos gays, mas favorável às armas e aos militares. Esclarece que os brasileiros, exaustos de conviver com a corrupção e com um Estado ausente, tendem a dar ouvidos à fala de doutor Bolsonaro.

Teremos um Trump tropical?

A língua agradecerá

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 24 junho 2017.

Muitos traços distinguem a espécie humana dos demais seres animados. Talvez o mais marcante, o que condiciona o modo como encaramos a existência, seja a noção da morte. Animal vive o instante presente. Para ele, passado e futuro não funcionam como para nós. Se animais superiores retêm experiências do que passou, será para procurar repetir as prazerosas e para tentar evitar as dolorosas. O fato de o esquilo fazer provisões para o inverno não é resultado de raciocínio. O animalzinho obedece, sem se dar conta, ao comando do instinto.

Desde que o mundo é mundo, o homem sonhou com a imortalidade. Consciente de que o objetivo era inalcançável, agiu em duas frentes. Por um lado, fez o que pôde para prolongar a existência física. Por outro, aferrou-se a crenças religiosas. De fato, todas as religiões da terra – todas, sem exceção – fincam sua razão de ser numa vida pós-morte. A ideia de, exalado o último suspiro, desaparecer, virar pó e ser esquecido é simplesmente insuportável. Cada um de nós guarda, bem lá no fundo, a tola esperança de que a grande ceifadora, distraída, esqueça de nos convocar.

No entanto, ninguém fica pra semente. Pra deixar rastro de sua passagem, o homem das cavernas desenhava nas paredes. E não é que conseguiram o intento? Pinturas rupestres nos falam hoje de fatos e gestos de dez mil anos atrás. Um «João ama Maria» cercado por um coração e gravado a canivete num tronco de árvore manifesta a mesma preocupação. Enquanto estiver de pé, a árvore guardará a marca dos entalhadores.

Até dois séculos atrás, os meios de deixar lembrança eram poucos e estavam reservados para quem podia. Os mais abastados encomendavam escultura ou retrato pintado à mão. Se temos hoje ideia precisa de como era o rosto de um Napoleão ou de um Dom Pedro I, devemos o lembrete a pintores. Mas era solução apenas para um punhado de abonados. A invenção e a popularização da fotografia e do filme vieram paliar a ilusão de imortalidade de multidões. Vieram dar-lhes a ilusória sensação de que serão lembrados para sempre.

Circunstâncias às vezes fortuitas fizeram que alguns sortudos fossem mais longe que o populacho. Há personagens cujo nome se eternizou ao transformar-se em adjetivo comum. Platônico, pitagórico e cesáreo nos vêm da Antiguidade. O Renascimento, embora nos tenha deixado dantesco, manuelino e maquiavélico, negou a homenagem a Leonardo da Vinci, grande entre os maiores. A par da pobreza franciscana e da paciência beneditina, os tempos modernos foram mais pródigos em conceder notoriedade adjetiva. As artes e, em especial, a política deram contribuição importante. Temos cartesianos, bonapartistas, stalinistas, getulistas.

Conquista maior do que se ver transformado em adjetivo é chegar a substantivo. Não é pra qualquer um. A esmagadora maioria dos agraciados são cientistas que deram nome a uma unidade de medida. Pascal, Celsius, Kelvin, Newton, Hertz, Ampère, Watt, Ohm, Volta, Farad, Becquerel são alguns deles. Fora do mundo científico, poucos chegaram lá. Stalinismo, macartismo e coquetel-molotov perenizam tenebrosas celebridades. Mas chique mesmo – la crème de la crème – é virar verbo. O clube é pra lá de restrito. Além-fronteiras, merecem destaque linchar (de Lynch), pasteurizar (de Louis Pasteur), galvanizar (de Luigi Galvani), boicotar (de Charles C. Boycott) e sanforizar (de Sanford Cruett). Na trilha de seus vaivéns em matéria de abertura do país a migrantes, Angela Merkel está enriquecendo a língua alemã com novo verbo: merkeln, que significa hesitar, ficar em cima do muro. Malvadeza.

No Brasil, só dois exemplos me ocorrem. Etimólogos atribuem a origem do verbo badernar a uma bailarina de sobrenome Baderna, que levou a moçada ao desvario no Rio de Janeiro em 1850. No fim do século 20, as travessuras de antigo governador biônico paulista – hoje procurado pela Interpol – fizeram que o povo utilizasse seu sobrenome como sinônimo de roubar.

Estes últimos tempos, a brutal mudança de escala na rapinagem apequenou os feitos do antigo homem político de fala fanhosa. Badernou geral! Muito foi roubado e pouco tem sido devolvido. Esperemos que, depois de ter empobrecido o povo, alguns dos ladrões pelo menos enriqueçam a língua nos legando verbos novos para designar seus gestos. Não será ressarcimento total, mas já é melhor que nada.

Perguntar não ofende ‒ 4

José Horta Manzano

O mais recente escândalo que sacode o país, protagonizado por doutor Temer e um senhor de sobrenome pio(*) e nome simplório, tem dado que falar. Cai o presidente? Renuncia? Permanece? É apeado?

Enquanto todas as atenções se voltam para a tormenta que desaba sobre o presidente em exercício, o bilionário de nome esquisito passa dias tranquilos passeando em Nova York.

Foto: Adriana Spaca

Especialistas estão periciando a gravação que serviu de salvo-conduto ao moço de nome bizarro e lhe valeu permanecer em liberdade apesar de ter subornado centenas de parlamentares.

Agora vem a pergunta. Caso venha a ser comprovado que o corruptor manipulou e falseou a gravação, como fica o acordo de leniência? O favorecido continuará leve, livre e solto apesar da trapaça? A Justiça não reagirá ao engodo, anulando imediatamente o acordo e expedindo ordem de prisão contra o defraudador?

Nos EUA, com ordem de captura expedida pela Interpol, o moço não irá muito longe. Por mim, podem até julgá-lo e encarcerá-lo por lá mesmo. Já temos meliantes suficientes em território nacional.

(*) Batista e seus correlatos (batismo, batizar e outros) descendem da raiz grega baptízein (= báptein), que significa imergir, mergulhar. O termo foi escolhido para designar os que se submetiam à cerimônia de batismo por imersão total na água, prática adotada em determinadas religiões.

Cartilha da Ética

José Horta Manzano

Soube-se esta semana que o advogado que defende os interesses do Lula, de Palocci e de Mantega na Lava a Jato está prestes a abandonar os clientes. Cada um abraça a cartilha ética que lhe parece mais próxima das convicções íntimas, assim é a vida. O causídico não sentiu embaraço ao aceitar assumir a defesa do trio. Agora, a coisa se complica.

Tudo indica que Palocci está disposto a abrir o bico e firmar acordo de delação premiada. Se assim for, o que é que o antigo ministro pode revelar? Ora, a turma da Lava a Jato já tomou depoimento de dezenas de subs, vices e outros personagens secundários. As únicas informações de peso que podem assegurar algum benefício de leniência a senhor Palocci se referem a… quem estava acima dele, a quem dava as ordens e coordenava o funcionamento da máquina. Em termos crus: nosso guia periga ser a figura central da delação. Se não for assim, dificilmente os procuradores de Curitiba assinarão o acordo.

Nenhum advogado pode assumir a defesa de um de seus clientes que esteja sendo atacado por outro de seus clientes. A situação é insustentável. Para defender o cliente A, o causídico teria de se valer de informações que lhe foram confiadas pelo cliente B. Nessas alturas, como fica o segredo profissional? Simplesmente não dá.

Quando fiquei sabendo do nome do advogado do trio, uma luzinha longínqua se acendeu. Não me soou estranho. Fui cavoucar e descobri: trata-se do mesmo que, doze anos atrás, assegurou a defesa de Paulo Salim Maluf. Os mais antigos devem se lembrar que o ex-prefeito de São Paulo passou 40 dias preso, junto com o filho, em 2005. Saiu da cadeia por mérito de um habeas corpus impetrado pelo advogado que hoje defende o Lula.

Na época, correu um zum-zum-zum. Houve quem desconfiasse de conluio nas altas esferas para beneficiar Maluf, medalhão cujo nome figura até hoje na lista de procurados pela Interpol. Naquela altura, o povo ainda andava meio apático. Fosse hoje, dificilmente o STF permitiria a soltura do figurão. É, a coisa anda feia pro lado da bandidagem, gente! Cruz-credo!

Quase doze anos atrás
Em artigo publicado no Globo em 21 out° 2005, o jornalista Ricardo Noblat comentava a soltura de Maluf nestes termos:

«Não, meus caros, definitivamente todos não são iguais perante a lei. Não no Brasil, onde o Estado é um anti-Estado. Existe para proteger e beneficiar os que podem mais e, aqui e ali, faz alguma coisa pelos que valem menos.

Carlos Velloso (STF) & José Roberto Batochio (advogado) em 2005
foto: Dida Sampaio

A foto acima é quase um resumo de nossa história de iniqüidades. À esquerda, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso, relator da ação que tirou da cadeia Paulo Maluf e o filho; à direita, José Roberto Batochio(*), ex-presidente nacional da OAB e advogado dos Maluf.»

(*) Doutor Batochio (deturpação do sobrenome veneto Battocchio) é o advogado do trio Lula, Palocci e Mantega.

Ponte dos espiões

José Horta Manzano

Ponte 2Pense num filme de espionagem, daqueles que se passam na época da Guerra Fria. Numa manhã fria e brumosa, um espião americano, desmascarado em Moscou, ensaia os primeiros passos da travessia duma ponte sobre rio fronteiriço entre as duas Alemanhas. No mesmo momento, um espião soviético, capturado meses antes em Washington, faz o mesmo gesto em sentido contrário.

Avançam lentamente. Os caminhos se cruzam bem no meio da ponte. Sem se olhar nos olhos, cada qual continua reto até a margem oposta. «Pronto, elas por elas. Estamos quites» – suspiram aliviados os policiais e agentes que, armados até os dentes, tinham permanecido de cada lado da fronteira. Tudo correu bem. É o capítulo final de uma longa tratativa que se desenrolou nos bastidores, longe de toda publicidade.

Se o distinto leitor imagina que cenas como essa fazem parte de um passado poeirento e enterrado para sempre, convido-o a reconsiderar a questão. A imprensa italiana em peso afirma hoje que, sem a dramaticidade cinematográfica da travessia da ponte, nova troca de prisioneiros acaba de ocorrer.

Aeronave que transportou Pizzolato de SP a Brasília 23 out° 2015

Aeronave que transportou Pizzolato de SP a Brasília
23 out° 2015

A verdadeira história da extradição do mensaleiro Pizzolato, que acaba de chegar a Brasília para uma temporada na Papuda, é menos charmosa e bem menos jurídica do que se possa imaginar. Nosso mensaleiro interpreta o papel de um dos prisioneiros que atravessam a ponte. E quem é o outro?

Segundo a imprensa italiana, que deve ter seus fundamentos para afirmá-lo, a outra moeda da negociação chama-se Pasquale Scotti. É antigo membro da camorra (máfia napolitana), condenado à prisão perpétua por mais de 20 homicídios. Gente fina, como se vê. O bom moço estava no Brasil havia mais de 30 anos. Sob identidade falsa, vivia no Recife.

Ponte 1Foi capturado pela Polícia Federal em maio. Informada pela Interpol, a Itália logo pediu extradição do cidadão. O que se segue não foi publicado, mas pode ser imaginado. Autoridades italianas e brasileiras concluíram acordo na base do «eu te mando este, você me devolve aquele».

De fato, o STF autorizou a extradição de signor Scotti no dia 20 de outubro. Dois dias depois, a Itália entregou signor Pizzolato a agentes da PF brasileira. Baita coincidência, né não? Parece que a imprensa italiana sabe do que está falando.

Os detalhes da troca de prisioneiros estão na Agência Brasil (em português) e no jornal turinês La Repubblica (em italiano).

Humor inadequado

José Horta Manzano

Bebida 2Não sei se é permitido entrar no parlamento brasileiro com bebida alcoólica na sacola. Mesmo que seja proibido, difícil será controlar.

O senador paulista José Serra – engenheiro, economista, poliglota – já governou seu estado. A idade, aliada à cultura razoável e ao traquejo conferido por cinquenta anos de política, deveria ter bonificado o personagem.

Todos temos direito a algum deslize, que ninguém é perfeito. No entanto, o que é admissível num bate-papo informal não é tolerável no discurso público de um parlamentar.

Ontem, 9 de junho, o senador criticava a tendência, típica do grupo que nos governa há doze anos, de privilegiar obras faraônicas, o mais das vezes irrealizáveis. Como exemplo, citou a estrambótica ideia do trem-bala, felizmente enterrada. Até aí, nada a assinalar: o parlamentar estava apenas cumprindo seu papel de político de oposição.

O caldo engrossou quando, numa didática tortuosa, senhor Serra citou uma fábula bizarra sobre a descoberta do churrasco pelos chineses, uma historinha sem pé, sem cabeça e sem graça.

by Fabricio Pontes, desenhista paraense

by Fabricio Pontes, desenhista paraense

Mas foi logo em seguida que a coisa desandou de vez. O senador aconselhou ao governo que, para evitar investir 75 bilhões numa estrada de ferro no único intuito de adquirir tecnologia, recorresse ao suborno, ao roubo de informação.

Com esse rasgo patético, Serra desceu ao nível de Paulo Maluf, aquele que já foi governador biônico e está hoje na lista de procurados pela Interpol. Certa vez, criticando o ato de um estuprador que havia assassinado a vítima, Maluf aconselhou: «Tem desejo sexual? Estupra, mas não mata!»

Não estivéssemos atravessando tempos tão bicudos, com escândalos pipocando diariamente, a fala do senador Serra poderia gerar processo de perda de mandato por falta de decoro. No mínimo, merece uma admoestação.

Etilômetro, o popular bafômetro

Etilômetro, o popular bafômetro

O senador perdeu excelente ocasião para criticar a falta de investimento do governo em educação de alto nível. Preferiu argumentação de botequim. É pena. Dizem que a fala foi “irônica”. Brincadeira tem hora e lugar.

Por via das dúvidas, seria conveniente instalar um bafômetro ao lado do púlpito de onde parlamentares discursam. Todos seriam obrigados a passar pelo teste antes de cada pronunciamento.

Ninguém me ama

José Horta Manzano

by Carlos Alberto da Costa Amorim, desenhista carioca

by Carlos Alberto da Costa Amorim, desenhista carioca

Fala-se hoje menos no assunto, mas é fato que Mister Snowden continua usufruindo as delícias da fria estepe russa. Já faz um ano que está sob aquelas latitudes.

Para quem não se lembra, Edward Snowden era funcionário de baixo escalão de uma empresa terceirizada que prestava serviço à ANS – Agência Nacional de Segurança, central de espionagem americana. Havendo descoberto o óbvio, ou seja, que uma agência de espionagem espiona, decidiu botar a boca no trombone. Sentiu que cabia a ele salvar a humanidade de tal baixeza. Naturalmente, tomou primeiro o cuidado de se afastar dos EUA. Em seguida, convocou a mídia e contou o que sabia.

by Patricia Storms, desenhista canadense

by Patricia Storms, desenhista canadense

Ora, todo dirigente – político ou empresário – sabe que seus passos e atos podem estar sendo monitorados. Sabem todos que suas conversas podem estar sendo captadas por ouvidos indiscretos. A coisa vai e a coisa vem, essa sempre foi a regra do jogo. Mas uma coisa é saber, outra coisa é a mídia mundial publicar, em manchete, que fulano espionou sicrano. Aí a coisa fica feia. Tanto o acusado de espionar quanto a vítima entram em saia justa. Ambos perdem a face.

O que o desmiolado Snowden fez foi romper acordo tácito que mantém em equilíbrio as artes da espionagem: eu sei que você faz, mas não digo nada; eu faço a mesma coisa, mas não quero que você diga.

O resultado do imbróglio é que o moço acabou desterrado lá pelas bandas de Moscou. Transformou-se em fardo que ninguém quer carregar. Senhor Putin se sentiria feliz em livrar-se do moço, mas ninguém quer saber de acolhê-lo.

EspiãoNão é só no Brasil que procurados pela Interpol dão entrevista. Estes dias, Mister Snowden consentiu em ser questionado por jornalistas. Reiterou que gostaria de voltar à pátria, mas que só o fará se os EUA se comprometerem a amoldar o desenrolar do processo a determinadas exigências suas. Pode esperar sentado.

Aventou também a hipótese de obter asilo na Suíça. Cá entre nós: quem é que não gostaria? Só falta combinar com os suíços, detalhe do qual o postulante ainda não cuidou. Aliás, seu ato de candidatura começou mal. Logo de cara, descreveu Genebra, a segunda cidade do país, como “a capital da espionagem”. Que declaração infeliz! Realmente, esse rapaz tem o estranho dom de cuspir na sopa antes de engolir a primeira colherada.

Essa história nos deixa de herança alguns ensinamentos.

Interligne vertical 12Temos a confirmação do que já estávamos cansados de saber: todos espionam todos, cada um se valendo dos meios de que dispõe.

Toda publicidade dada a fatos de espionagem é nociva e indesejada. Não interessa a espiões nem a espionados, dado que os enfia a todos em saia justíssima.

Diga-se (ou faça-se) o que for, a prática da espionagem, velha como o mundo, continuará firme e forte. Nada nem ninguém será capaz de dar-lhe um basta.

Não saberemos nunca se Mister Snowden terá agido por convicção ou por destrambelhamento. Continuo a acreditar que o moço é descabeçado. Louco manso, como se diz. Incomodou um bocado de gente para chegar a um resultado final nulo.

Estratégia arriscada

José Horta Manzano

Pizzolato, o integrante da gangue do mensalão que fugiu para a Itália, continua na ordem do dia. Não tanto pelo que diz, mas pelo que dizem sobre ele.

Assalto 4O ex-diretor do Banco do Brasil é um moderno Ronald Biggs sem a sorte do renomado predecessor. Para quem se esqueceu, o inglês Biggs participou do «Great Train Robbery of 1963», assalto a um trem repleto de dinheiro. Foi preso, escapou da cadeia, deu volta ao mundo e acabou pousando sua trouxa no Brasil. Fez filho, casou-se, viveu no Rio de Janeiro 40 anos sem ser incomodado. O dinheiro, fruto do assalto, nunca foi encontrado.

Pois o antigo sindicalista Pizzolato – aquele que chegou, sabe-se lá como, à alta cúpula do Banco do Brasil – não foi tão sortudo. Fez o papelão de fugir e abandonar às feras os cúmplices, ato pra lá de malvisto no submundo do crime. Os traídos não se esquecerão.

Apanhado, o fugitivo cumpriu quase um ano de prisão fechada na Itália. Se se tivesse entregado à PF brasileira, não teria permanecido preso por mais tempo que isso. Já estaria, hoje, solto e senhor de seus passos.

A desastrada fuga espichou seu tormento. O homem está agora diante de um dilema. Se for extraditado, irá direto para a Papuda, onde periga apodrecer por bom tempo. Assim como virou as costas aos comparsas, por eles há de ser abandonado. Se, no entanto, Roma resolver guardá-lo, não será muito melhor: como Cacciola, ficará inscrito na lista da Interpol. Não poderá pôr os pés fora da Itália, sob risco de ser apanhado e despachado para Brasília. Tão cedo não usufruirá as delícias do clima da Costa del Sol, pros lados de Málaga (Espanha), onde adquiriu três apartamentos em condomínio de alto luxo.

Assalto 3Leio hoje na Folha que a estratégia dos advogados que defendem os interesses do Estado brasileiro será de acusar signor Pizzolato de ser «italiano por conveniência». Dirão que o extraditando «só se lembrou da cidadania italiana na hora da necessidade». É estratégia arriscada que mostra pouca familiaridade com a visão europeia do tema da nacionalidade.

Italia PisaOlhos italianos enxergam a situação por outro prisma. Veem signor Pizzolato como um italiano que recebeu de graça a nacionalidade brasileira pelo simples fato de ter nascido em solo tupiniquim. O Brasil é, de fato, um dos raros países que concedem automaticamente a cidadania aos que vêm à luz em seu território. No conceito peninsular, signor Pizzolato nasceu italiano, continua italiano e italiano sempre será. Punto e basta.

Não sei quem terá sugerido a estratégia, mas ela é mais que ousada – é temerária. Periga ferir sensibilidades. A meu ver, diminui as chances de o Estado brasileiro conseguir obter a extradição do condenado.

Pensando bem… talvez seja exatamente esse o objetivo, cáspite! Um Pizzolato longe do Brasil não poderá ser preso, nem interrogado, nem convocado. Jamais poderá – sai, demônio! – fazer delação premiada. Repatriado, periga lançar lenha à fogueira. Melhor que por lá fique, não é companheiros?

Frase do dia — 172

«Ela está desaparecida. Não descartamos que esteja no Brasil ou em qualquer outro lugar.»

Francisco Javier Cristaldo Gómez, subchefe da Interpol em Assunción, ao referir-se à companheira do fugitivo recapturado Abd El-Massih. In Estadão, 22 ago 2014.

Lista vermelha

José Horta Manzano

A Interpol é a maior organização policial do planeta. Conta com 190 países-membros. A rapidez com que as gentes se deslocam atualmente torna o papel da polícia internacional cada dia mais importante.

Mas para que um jogo seja bem jogado, é preciso que todos os participantes aceitem ― e cumpram ― as regras estabelecidas. Se ajoelhou, tem de rezar. Mas nem todos são devotos, como se verá a seguir.

O senhor Désiré Delano Bouterse, personagem de reputação sulfurosa mais conhecido como Desi Bouterse(*), é o atual mandachuva do Suriname (antiga Guiana Holandesa, país vizinho ao nosso). O mandarim aparece na lista vermelha de notificações da Interpol entre outros dez mil criminosos procurados.

Itaquera, 12 jun° 2014  -  Tribuna de honra Foto: Eduardo Knapp, FolhaPress

Itaquera, 12 jun° 2014 – Tribuna de honra
Foto: Eduardo Knapp, FolhaPress

Seu crime? Tráfico de droga. Coisa da pesada: uma tonelada e meia de cocaína despachadas para a Holanda e para a Bélgica. Foi condenado à revelia pela Justiça holandesa faz alguns anos.

O homem não é nenhum principiante em caminhos tortuosos. Controla seu país com pulso firme, braço forte, dinheiro a rodo e o indispensável apoio das forças armadas. Frequenta as manchetes desde os anos 80. Já esteve à frente de dois golpes de Estado para tomar as rédeas do país. Presume-se que seja também assassino, embora ainda não tenha sido julgado por esse tipo de crime.

Para esse senhor, o tráfico internacional de droga parece ser negócio de família. Pelo mesmo crime, seu filho foi preso no ano passado no Panamá e extraditado para os EUA. Resultado disso tudo: o senhor Bouterse está obrigado a viver enclausurado em seu pequeno e pobre país, certo?

Não, distinto leitor, não é bem assim. Pessoas influentes que apareçam na lista vermelha da Interpol podem até viajar ao exterior, desde que as autoridades do país de destino garantam que não vão prendê-lo.

Quanto a outros países, não saberia dizer. Mas nosso Brasil, pisando as regras de convivência civilizada entre nações, passa por cima dessas ninharias e acolhe o medalhão procurado pela polícia. Não só acolhe, como lhe reserva um lugar na tribuna de honra ao lado da presidente da República.

Itaquerão, 12 jun° 2014  -  Tribuna de honra Desi Bouterse, mandarim do Suriname

Itaquerão, 12 jun° 2014
Na tribuna de honra, Desi Bouterse, mandarim do Suriname

Na foto acima, tirada quando do jogo de abertura da «Copa das copas», podem-se identificar personalidades cuja presença se justifica: a presidente e o vice-presidente do Brasil, o presidente do Equador, a presidente do Chile, o presidente do Senado Federal, o presidente da Fifa e o da União Europeia de Futebol, o Secretário-Geral da ONU. Gente graúda, de quem se pode gostar ou não, mas que, ao que se saiba, não aparece em lista oficial de bandidos procurados.

No meio de toda essa gente boa, está o senhor Desi Bouterse. Se veio, é porque lhe garantiram que não seria incomodado durante sua estada em terra tupiniquim.

Já se sabe que nosso governo costuma lançar olhar benévolo a criminosos. Arriscar-se, contudo, a permitir que um procurado pela Interpol frequente a tribuna VIP, tome assento a dois metros da presidente da República e seja visto por bilhões de espectadores é temeridade.

Se entendi bem, a «Copa das copas» tinha sido organizada para mostrar ao mundo as grandezas do Brasil, não suas baixezas.

Interligne 18b(*) Pronunciado à holandesa, o nome fica assim: Báuterse.

O aprendizado 2

A plataforma esqueceu de avisar, mas eu me encarrego. Tem artigo novo. O caminho é este aqui.

O aprendizado

José Horta Manzano

Signor Pizzolato pisou… na bola. Deu a confirmação de que o uso do cachimbo faz a boca torta. Acostumado com a impunidade, descuidou-se. Além disso, imaginou que a cidadania italiana lhe fornecia uma redoma protetora.

Na quase certeza de que o imbróglio do mensalão terminaria em torno de uma pizza regada a chianti, esperou até o último momento. Cometeu erros primários e preparou mal sua rota de fuga.

Aqui vão 10 conselhos para candidatos a escapar da Justiça. Para signor Pizzolato, já é tarde. Mas, sabe-se lá, pode até servir para outros.

Interligne vertical 81) O mundo encolheu. Não há mais espaço para aventuras do tipo daquela protagonizada por Ronald Biggs ― o assaltante do trem pagador. Big Brother is watching you everywhere, o Grande Irmão está de olho em você por toda parte.

2) Um passaporte estrangeiro não é garantia automática de proteção. Especialmente quando emitido por país civilizado.

3) Se a Justiça está aí para julgar, a polícia está aí para prender. É sua função. E policiais não apreciam passar por bobos. Não zombe deles, que a corda pode arrebentar do seu lado.

4) Não dê publicidade à sua fuga. Não deixe indícios, não faça nenhuma confidência, não contrate advogado, não nomeie porta-voz. Desapareça e pronto. Cabe aos outros cogitar. Quanto a você, boca calada.

5) Esqueça certas invenções da vida moderna: telefone, celular, email, facebook. Para se comunicar com aquelas duas ou três pessoas com quem mantém contacto esporádico, utilize o correio, mande recado ou escolha uma «caixa postal», quero dizer, um esconderijo discreto onde você pode deixar mensagem escrita que será recolhida mais tarde por um cúmplice.

6) Não leve sua esposa. Nem deixe que ela saiba onde você se esconde. Tenha em mente que seus familiares certamente serão vigiados e seguidos. São eles o elo fraco da corrente. Evite todo contacto com a família durante alguns anos. Deixe que a situação esfrie. É o preço a pagar, meu caro, não há outro meio. “On ne peut pas avoir le beurre et l’argent du beurre”, não se pode ter a manteiga e o dinheiro da manteiga.

7) Nem por sonho abra conta em banco. Nem em pesadelo utilize cartão de crédito. Nem por delírio envie ou receba dinheiro por via bancária.

8) Não escolha como residência a casa de um parente. (Ô, signor Pizzolato, francamente!) Passe longe de todos os que conheceu antes. Se cruzar um deles na rua, finja que não viu.

9) Resida numa cidade grande. No caso do antigo diretor do BB, Milão ou Roma teriam sido mais indicadas. Fincar pé num vilarejo? Que cochilo!

10) Escolha um prédio grande para morar, com muitos andares e muitos apartamentos. No meio da multidão, você passará despercebido.

Conheço brasileiros que vivem clandestinamente na Europa há duas décadas. Seguiram os princípios básicos e nunca foram importunados pela polícia. Bem, a honestidade me obriga a dizer que nenhum deles está na lista da Interpol.

Signor Pizzolato foi confiado demais. Acreditou em promessas de solidariedade de companheiros, que lhe garantiram apoio até a última gota de sangue. Balela. Quem imaginaria que tudo houvesse de terminar num salve-se quem puder?

No Brasil, a tramitação do processo se arrastou por 7 anos, sem que fosse determinada a prisão preventiva de nenhum acusado. Na Itália, uma vez desmascarado, em meia hora signor Pizzolato foi mandado pra trás das grades da cadeia mais próxima.Interligne 18e

Mas não sejamos severos demais. É compreensível que signor Pizzolato tenha tentado escapar. O próprio Ron Biggs ― aquele do trem pagador ―, depois de passar décadas em Pindorama, pensou melhor e chegou à conclusão de que mais valia viver preso na Inglaterra do que solto no Brasil. Entregou-se.

Pra você ver.
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Abaixo estão alguns recortes da imprensa italiana. A expressão «tangentopoli» foi inventada por jornalistas para designar uma sequência de escândalos financeiros ocorridos faz alguns anos no país. É um bom equivalente italiano para nosso “mensalão”.

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Em Pozza di Maranello, veja como foi capturado o fugitivo brasileiro

Em Pozza di Maranello, veja como foi capturado o fugitivo brasileiro

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Preso banqueiro integrante do "mensalao" brasileiro

Preso banqueiro integrante do “mensalao” brasileiro

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Preso Pizzolato: o banqueiro brasileiro estava escondido em Portovenere

Preso Pizzolato: o banqueiro brasileiro estava escondido em Portovenere

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Integrante do mensalão do Brasil de Lula, Pizzolato foi preso em Maranello

Integrante do mensalão do Brasil de Lula, Pizzolato foi preso em Maranello

É verdade, mesmo!

José Horta Manzano

A Interpol acaba de incluir em seu seleto rol de procurados o Signor Henrique Pizzolato, antigo diretor do Banco do Brasil, condenado a quase 13 anos de reclusão no processo do mensalão.

O homem foi diretor do Banco do Brasil, minha gente! O banco mais antigo do País, aquele que abriu as portas em 1809, por vontade de Dom João VI. Justamente aquele que estampa, na versão inglesa de seu site, o lema «A history of trust» ― uma História de confiança. Quanta ironia…

Wanted! ― Henrique Pizzolato ― Wanted!

Wanted! ― Henrique Pizzolato ― Wanted!

Por enquanto, pelo menos, o cavalheiro fugido escapa da Papuda. Tranquilo, vai poder usufruir da parte que lhe coube do butim surrupiado do suado povo brasileiro. Tranquilo? Tenho lá minhas dúvidas.

Não deve ter sido fácil escolher entre passar algum tempo eclipsado numa cela brasileira padrão cinco estrelas, ao abrigo de olhares indiscretos, e passar o resto da vida se esgueirando rente aos muros italianos e desconfiando da própria sombra. O Signor Pizzolato fez sua escolha. Ganhou, com isso, o raro privilégio de ter nome, idade e foto difundidos pela polícia internacional. Wanted! É glória reservada a um punhado de gente fina.

Lembrei-me de um detalhe pitoresco. Há de ser mera coincidência, mas vale a pena mencionar. Uma das tradicionais atividades da mafia siciliana é o achaque de pequenos comerciantes. Os pequeninos são coagidos a pagar aos criminosos uma «taxa de proteção». Caso se recusem, as represálias podem chegar à destruição do comércio ou até pior que isso. Em terras sicilianas, o montante extorquido leva o curioso nome de «pizzo».

A desonestidade já é terrível defeito. Mas a defecção ― uma traição perpetrada contra seus próprios comparsas ― é ainda mais tremenda. Shame on Signor Pizzolato. Vergogna!

Lá, mas não cá

José Horta Manzano

Em junho de 2011, americanos atônitos descobrem que Anthony Weiner, deputado pelo Estado de Nova York, andava distribuindo fotos de suas partes íntimas a suas amantes. Mentira e escândalo sexual estão entre os comportamentos mais rejeitados nos EUA. O bravo deputado tinha transposto a linha vermelha. Foi impelido a renunciar ao mandato.

Em fevereiro de 2013, uma notícia embrulha o estômago dos alemães. Annette Schavan, Ministra da Educação acabava de perder seu título de doutora. De fato, apurações tinham revelado que sua tese de doutorado estava baseada em escritos pré-existentes, um escancarado plágio. Desenxabida, a ministra não teve outra solução senão abandonar o cargo.

Em novembro de 2012, um escândalo abala os Estados Unidos. Boquiaberta, a nação ficou sabendo que David Petraeus, o diretor da CIA(!), traía a esposa. Por aquelas bandas, certas virtudes ainda valem. O personagem tinha escamoteado uma delas. Não deu outra: teve de pedir demissão.

Em março de 2013, a polícia nacional francesa publica o resultado de um inquérito de 4 meses sobre Jerôme Cahuzac, Ministro do Orçamento. Pasmos, os franceses ficaram sabendo que Monsieur le Ministre havia fraudado a Receita. Era beneficiário de 600 mil euros depositados uma conta secreta no estrangeiro mas nunca declarados ao fisco francês. Não lhe restou outro caminho senão a renúncia ao cargo ministerial.

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Faz anos e anos que o Brasil inteiro está sabendo que Paulo Maluf tem problemas com a Justiça. Até uma (curta) temporada na cadeia já passaram, ele e o filho.

O homem é procurado por todas as polícias do mundo. Está na lista vermelha da Interpol. Caso cometa a imprudência de pôr um pé fora do território tupiniquim, será mui certamente preso e extraditado para os EUA. Para desencanto dele, terminaram-se os passeios despreocupados que fazia ― à custa do nosso dinheiro ― nos Champs-Elysées, na Via Veneto ou na King’s Road.Maluf

A Justiça de Jersey, ilha anglo-normanda onde nosso simpático personagem tinha encafurnado uma parte dos milhões roubados do povo, começou a devolver o butim diretamente à prefeitura de São Paulo. Em suaves prestações.

Como ensina a Constituição da República, todos os brasileiros são iguais. Alguns, no entanto, são ainda mais iguais que os outros. Um visionário presidente do País, aliás, confirmou essa incontornável realidade em declaração de junho de 2009, quando afirmou que seu companheiro José Sarney não podia ser tratado como pessoa comum.

Maluf tampouco jamais será tratado como pessoa comum. Pelo menos, enquanto permanecer no território nacional, que é vasto. Assim como se deu bem no tempo da ditadura, dá-se melhor ainda nos estranhos tempos atuais.

O mesmo presidente visionário ― hoje emérito ― que havia incensado Sarney foi outro dia pessoalmente levar sua homenagem a Maluf. Fazer uma visitinha de cortesia a um foragido da Justiça planetária não lhe pareceu indecente.

Afinal, Deus é brasileiro.

Estamos quase no Primeiro Mundo

José Horta Manzano

Dois meses atrás, o jornal parisiense Mediapart publicou uma revelação capaz de causar estrago no governo francês. Após meses de investigação, teve acesso, não se sabe bem como, à gravação de uma conversa telefônica. Um dos interlocutores era o Ministre du Budget ― o número um do Ministério do Orçamento. No diálogo, o ministro mencionava uma conta pessoal secreta que havia mantido num banco suíço. Imaginem só. Um ministro ser acusado de fraude fiscal e evasão de divisas, justamente os crimes cujo combate estava sob sua responsabilidade. Pegou muito mal.

Jérôme Cahuzac

Jérôme Cahuzac

Ato contínuo, o ministro negou que a voz fosse dele. O jornal insistiu. O homem político continuou negando veementemente. A gravação foi enviada à polícia nacional, que conta com os melhores peritos do país.

Passaram-se as semanas. Dois dias atrás ― catapum! ― veio a confirmação: o dono da voz gravada é o ministro Jérôme Cahuzac mesmo.

A reação do governo foi imediata. O ministro, certamente pressionado pelo presidente, apresentou sua demissão. A renúncia foi aceita sob a justificativa de liberá-lo de suas funções para que possa preparar melhor sua defesa.

Monsieur Cahuzac já foi substituído no ministério. Se conseguir provar que nunca teve conta não declarada no exterior ― o que não será fácil ― tem alguma chance de voltar um dia à vida pública. Caso contrário, pode pendurar suas chuteiras, porque nunca mais voltará a se eleger. Não conseguirá nem mesmo um cargo de vereador.

.:oOo:.

Temos nós também, no Brasil, gente graúda metida em situações parecidas. A diferença está no olhar indiferente que a nação lança aos infratores da lei. Um olhar que acaba se tornando um incentivo para a perpetuação de atitudes ilícitas.

Um veterano figurão político brasileiro, que já foi prefeito, governador, deputado e até candidato à presidência da República, é sabidamente beneficiário de não uma, mas várias contas secretas no estrangeiro. Já as teve na Suíça, nos EUA, nas Ilhas Anglo-normandas. Aliás, foi recentemente condenado pelas autoridades de Jersey a devolver alguns milhões aos cofres públicos brasileiros. Chegaram à conclusão de que o beneficiário havia-se apoderado de dinheiro que não lhe pertencia. É coisa pouca perto das centenas de milhões que se suspeita tenham sido subraídas ao erário. Mas já é melhor que nada.

Apesar de todas as evidências, nosso conhecido homem político não se dispôs, até hoje, a admitir seus malfeitos. Continua afirmando que nunca foi beneficiário de nenhuma conta no estrangeiro. E ninguém parece dar muita importância a isso.

Maluf e Lula 2

Já faz tempo que, a pedido dos EUA, a Interpol lançou um mandado de captura visando a levá-lo àquele país para lá ser julgado. O homem não pode nem pensar em pôr os pés fora do território nacional, se não será irremediavelmente detido e extraditado.

Mas nossos costumes são outros. Embora todos saibam que o homem meteu a mãozona no nosso dinheiro, o peculiar político nunca pensou em renunciar a nenhum cargo. Sabendo-se blindado, continua circulando livre e solto. Para provar que nosso povo, generoso mas ingênuo, não se abala com «malfeitos», recebeu em sua casa o presidente-adjunto do Brasil, que, com espantosa desenvoltura, veio solicitar seu apoio político. Esperto, o fugitivo da Justiça internacional fez questão de convocar a imprensa para imortalizar sua glória e a flagrante humilhação infligida ao antigo presidente do País.

O Primeiro Mundo está ali na esquina. Já, já chegamos lá.